Categorias
Sufismo

Coranismo: o protestantismo Islâmico

Este texto foi lambido por 456 almas esse mês

O Coranismo é um movimento dentro do Islã que acredita que não é necessário imitar os usos e costumes da antiguidade para seguir o Alcorão e que sustenta que a maioria se não todos os problemas atribuídos atualmente ao Islam tem sua origem no clero religioso tradicional que corrompeu a religião. Desta forma o Coranismo defende que a orientação islâmica deve ser baseada apenas no Alcorão, opondo-se assim à autoridades religiosa de toda ou da maior parte da literatura hadith. (os ditos e feitos atribuídos ao profeta Muhammad)

SUMÁRIO

A Base Única do Islam

Os coranistas acreditam que as leis religiosas no Alcorão já são claras e completas e podem ser entendidas sem fazer referência a textos externos e fontes extras não-alcoranicas e afirmam que a grande maioria da literatura hadith são invenções e que o próprio Alcorão critica o hadith tanto no sentido técnico quanto no sentido geral. No mundo muçulmano, os coranistas enfrentaram forte oposição e foram rotulados como “animais” e “apóstatas” em fatwas emitidos contra eles. Em vários países, ser um coranista é punível com morte e/ou tortura. Autores coranistas que temem por suas vidas escrevem anonimamente ou sob um pseudônimo.

Diagrama que mostra as derivações do Islam em Coranismo, Sunismo, Xiismo, Ibadismo, Ahmadiyya e Sufismo, além de outros ramos conforme a adição de novas autoridades religiosas além do Alcorão.

A maioria dos coranistas divide sua compreensão do Alcorão em duas partes. Uma parte refere-se a partes do Alcorão que fazem referência a eventos históricos, que os coranistas acreditam que pode exigir estudos históricos para melhor compreensão. (embora acreditem que mesmo apenas hadith histórico não devam ser totalmente confiável).  A outra parte envolve o resto do Alcorão que, segundo os coranistas, forma a base do Islã e pode ser entendido sem qualquer referência a hadith. Como resultado, em questões de fé, jurisprudência e legislação, os coranistas diferem dos sunitas e xiitas que consideram o Hadith, opiniões acadêmicas e decretos sahaba, ijma e qiyas de autoridades legislativas do Islã em questões de lei e credo como autoridade do Islã.

Cada seita do Islã que defende hadith tem sua própria coleção distinta de hadith na qual aquela porção de muçulmanos confiam, mas eles são rejeitados por outras seitas, enquanto os coranistas rejeitam como autoridade religiosa todas as diferentes coleções de hadith e não têm nenhuma própria. Essa diferença metodológica levou a divergências consideráveis ​​entre os coranistas e os sunitas e xiitas em questões de teologia e direito, bem como na compreensão do Alcorão. Os coranistas afirmam que os sunitas e xiitas distorceram o significado dos versos para apoiar suas agendas.

Desta forma o Coranismo é semelhante a ideia de Sola Scriptura do cristianismo protestante e outros movimentos em outras religiões abraâmicas, como o Caraíta no judaísmo.

TERMINOLOGIA:

A maioria dos coranistas se define simplesmente como “Muçulmanos”, enquanto outros nomes como “Muçulmanos Corânicos”, “Submissores a Deus”. Outras seitas se referem a eles como “Coranistas” (em árabe: قرآنيّون, romanizado: Qurʾāniyyūn), e também às vezes como “reformistas” ou “muçulmanos progressistas”, embora os próprios coranistas usualmente neguem esses nomes.

DOUTRINA:

Os coranistas acreditam que a mensagem de Deus no Alcorão é clara e completa como é e que pode ser totalmente compreendida sem fazer referência a fontes externas. Para apoiar suas crenças, eles citam os próprios versos corânicos como 6:38, 12:111, 16:89, 7:185, 77:50, 68:37, 45:6 e 6:114:

“Assim, pois, em que mensagem crerão, depois desta? – 77:50

 

“Não existem seres alguns que andem sobre a terra, nem aves que voem, que não constituam nações semelhantes a vós. Nada omitimos no Livro; então, serão congregados ante seu Senhor.”
– 6:38.

 

“Tais são os versículos de Deus que, em verdade, te revelamos. Assim, pois, em que exposição crerão, depois de Deus e os Seus versículos?”  – 45:6.

 

“Dize: “Então, buscarei por juiz outro que Allah, enquanto Ele é Quem fez descer, para vós, o Livro detalhado?” E aqueles, aos quais concedêramos o Livro[¹] sabem que ele foi descido de teu Senhor, com a verdade. Então, não sejas, de modo algum, dos contestadores.” – 6:114.

 

“Em suas histórias há um exemplo para os sensatos. É inconcebível que seja uma narrativa forjada, pois é a corroboração das anteriores, a elucidação de todas as coisas, orientação e misericórdia para os que crêem.” – 12:111.

 

“Recorda-lhes o dia em que faremos surgir uma testemunha de cada povo para testemunhar contra os seus, e te apresentaremos por testemunha contra os teus. Temos-te revelado, pois, o Livro, que é uma explanação de tudo, é orientação, misericórdia e alvíssaras para os muçulmanos.” – 16:89.

 

“Não reparam no reino dos céus e da terra e em tudo quando Deus criou e em que, quiçá, seu fim se aproxima? E que mensagem, depois desta, crerão? ” – 7:185.

 

“O que há convosco? Como julgais assim? Ou, acaso, tendes algum livro em que aprendeis?” – 68:36-37.

Nos séculos que se seguiram à morte de Muhammad, os primeiros coranistas não acreditaram em Naskh (a tese de que a jurisprudência pode abolir parte da legislação do livro). Também a crença coranista do estudioso Kufan ​​Dirar ibn Amr o levou a negar a crença em Al-Masih ad-Dajjal (O Anticristo), a Punição da Sepultura e Shafa’ah (A Intercessão a Deus por meio de profetas) no século VIII. Os comentários coranistas do estudioso egípcio Muhammad Abu Zayd o levaram a rejeitar a crença no Isra (A Jornada Noturna) e no Mi’raj (A Ascensão do Profeta Muhammad) no início do século 20. Em seu comentário racionalista do Alcorão publicado em 1930, que usa o próprio Alcorão para interpretar o Alcorão, ele afirmou que o versículo 17:1 era uma alusão à Hégira e não a Isra e Mi’raj.

Syed Ahmad Khan argumentou que, enquanto o Alcorão permaneceu socialmente relevante, a confiança no hadith limita o vasto potencial do Alcorão a uma situação cultural e histórica particular.

A extensão em que os coranistas rejeitam a autoridade do Hadith e da Sunnah varia, mas os grupos mais estabelecidos criticaram completamente a autoridade do Hadith e a rejeitaram por muitas razões. A visão mais comum é a dos coranistas que dizem que o Hadith não é mencionado no Alcorão como uma fonte de teologia e prática islâmica, não foi registrado em forma escrita até um século após a morte de Muhammad, e contém erros e contradições internas, bem como contradições com o Alcorão. Para os muçulmanos sunitas, “a sunnah”, ou seja, a sunnah (o caminho) do profeta, é uma das duas fontes primárias da lei islâmica e, embora o Alcorão tenha versos intimando os muçulmanos a obedecerem ao Profeta, o Alcorão nunca fala sobre “sunnah” em conexão com Muhammad ou outros profetas. O termo sunnah aparece várias vezes, inclusive na frase “sunnat Allah” (caminho de Deus), mas não “sunnat al-nabi” (caminho do profeta) – frase habitualmente usada pelos proponentes do hadith.

Principais diferenças com o Islamismo Tradicional

Apenas 15% dos muçulmanos vivem no mundo árabe.
Para curanistas sua cultura não deve ser universalisada.

Os coranistas acreditam que o Alcorão é a única fonte de lei religiosa e orientação no Islã e que portanto nenhuma geração tem o poder de impor as demais sua própria leitura e entendimento, cabendo a cada geração e a cada muçulmano fazer sua interpretação do livro. Assim os coranistas rejeitam a autoridade de fontes fora do Alcorão, como Hadith e Sunnah e sugerem que a grande maioria da literatura hadith é forjada por interesses políticos ou anedoticos e que o Alcorão critica o hadith tanto no sentido técnico quanto no sentido geral. Os coranistas afirmam que os sunitas e xiitas distorceram o significado dos versos para apoiar sua agenda, especialmente em versos sobre as mulheres e guerra santa. Devido a essas diferenças na teologia, existem muitas diferenças entre as práticas tradicionais islâmicas e coranistas:

Shahada (Testemunho de Fé):

A Shahada aceita pelos coranistas é apenas: La ilaha illa’llah: “Não há divindade senão Deus” enquanto que outras vertentes do islam incluem aqui a frase “e Muhammad é o profeta de Deus”.

Salah (oração):

Os coranistas tem diferentes pontos de vista sobre a oração ritual (salah). A grande maioria dos movimentos coranistas, como no Islã tradicional, reza cinco vezes por dia, mas também há aqueles que realizam três ou duas orações diárias. Uma minoria de coranistas, vê a palavra árabe ṣalāt como um contato espiritual ou uma devoção espiritual a Deus através da observância do Alcorão e adoração a Deus e, portanto, não como um ritual padrão a ser realizado.

As bênçãos para Muhammad e Abraão, que fazem parte do ritual tradicional, não são praticadas pela maioria dos coranistas no chamado à oração e na própria oração, argumentando que o Alcorão menciona que as orações são apenas para Deus, e o Alcorão diz aos crentes que façam nenhuma distinção entre qualquer mensageiro.

Existem outras pequenas diferenças, para os coranistas a menstruação da mulher não constitui um obstáculo à oração, homens e mulheres podem rezar juntos em uma mesquita e que não há como recuperar o atraso depois que uma oração é perdida. Enquanto os críticos apontam a falta de uma estrutura bem definida para oração uma falha do coranismo, os próprios coranistas entendem que esta flexibilidade faz agrada e faz parte dos planos de Deus.

Wudu (ablução):

Não há necessidade de ritualizar a higiene. A ablução em oração (Wudu) inclui apenas lavar o rosto, as mãos até os cotovelos e passar as mãos molhadas sobre a cabeça e os pés, pois apenas esses passos são mencionados no Alcorão.  Já os sunitas e shiitas possuem definições mais rígidas de purificação, ordem, forma e palavras que devem ser ditas no processo.

Zakat (imposto de esmolas):

No Islã tradicionalista, dar Zakat é um dever religioso e equivale a 2,5% da renda anual. Os coranistas dão Zakat com base nos versos corânicos. Na opinião de muitos coranistas, o Zakat deve ser pago, mas o Alcorão não especifica uma porcentagem porque não aparece explicitamente no Alcorão. Outros coranistas estão de acordo com os 2,5 por cento, mas não dão o Zakat anualmente e sim de cada lucro que obtêm.

Sawm (jejum):

A maioria dos coranistas jejua durante todo o Ramadã, mas não vê o último dia do Ramadã como um dia sagrado.

Hajj (peregrinação):

Tradições extra-corânicas no Hajj, como beijar ou abraçar a pedra negra e o apedrejamento simbólico do diabo atirando pedras são rejeitadas e vistas como possíveis shirk (idolatria) pelos coranistas.

Ridda (apostasia):

De acordo com o hadith sunita, um muçulmano que deixa sua religião deve ser morto. No entanto, como os coranistas não aceitam hadith e nenhum comando para matar apóstatas pode ser encontrado no Alcorão, eles rejeitam esse procedimento. Além disso, 2:256, que afirma que “não haverá compulsão/pressão na religião”, é levado em consideração e todos podem decidir livremente sobre sua religião.

Poligamia:

Os coranistas, ao contrário dos sunitas e xiitas, têm regras muito rígidas em relação à poligamia (ter várias esposas). Alguns movimentos coranistas permitem a poligamia apenas com a condição de adoção de órfãos que têm mães e não querem perdê-las, mas outros movimentos coranistas argumentam que, embora não seja explicitamente proibido, a poligamia é coisa do passado porque os regulamentos que são contidos no Alcorão são muito rigorosos e não foram cumpridos por quase ninguém na Terra, portanto, a poligamia não pode mais ser praticada. No caso extremamente raro em que pode ser praticado, há um limite estrito do número de esposas, que é quatro.

Jihad (Guerra Santa):

A maioria dos movimentos coranistas interpreta a jihad, a “guerra santa”, como uma guerra exclusivamente defensiva, porque, segundo eles, esse é o único tipo de guerra permitido no Alcorão. Uma guerra só é “santa” quando os muçulmanos são ameaçados em suas próprias terras. Portanto, ao contrário dos sunitas e salafistas-jihadistas, para os coranistas, a “guerra santa” não se refere a uma guerra ofensiva contra países ou comunidades não-muçulmanas em nenhuma circunstância.

Alimentos:

Os coranistas evitam carne de porco e podem comer alimentos preparados por cristãos e judeus, conforme declarado no Alcorão, mas alguns coranistas acreditam que os animais criados por cristãos e judeus ainda devem ser abençoados antes de serem comidos. De acordo com os coranistas, o Alcorão proíbe infligir dor ao animal durante seu abate, portanto, para eles, as técnicas de abate de animais no mundo ocidental são ilegítimas. Os sunitas por sua vez possuem diversas outras regras alimentares como, por exemplo, só poder comer com a mão direita.

Código de vestuário:

A roupa não desempenha um papel fundamental no Coranismo. Todos os movimentos coranistas concordam que o Islã não tem conjuntos de roupas tradicionais, exceto as regras descritas no Alcorão. E que as roupas ditas como islamicas são somente as roupas tribais dos primeiros muçulmanos. Assim o estilo tradicional com obrigação de barbas para os homens e véu para as mulheres, não é necessário. O que é obrigatório é a modéstia. Os homens e as mulheres devem esconder suas partes sexualmente atraentes, e devem – simbolicamente ou literalmente – recatar o olhar ao ver o sexo oposto e não checar suas partes sexuais.

Outros pontos de diferença:

Os seguintes aspectos podem ser citados como exemplos adicionais que, comparados ao Islã tradicional, são rejeitados pelos coranistas ou considerados irrelevantes:

  • Os coranistas veem a circuncisão como irrelevante.
  • Os coranistas vêem o Eid al-Fitr (festival da quebra do jejum do Ramadã) e o Eid ul-Adha (festival islâmico do sacrifício) como feriados meramente culturais, não sagrados.
  • As coranistas não entendem como obrigatórios o hijab, niqab, burka nem qualquer tipo de véu sobre a cabeça da mulher.
  • Os coranistas são estritamente contra a tortura e apedrejamento até a morte de adúlteros ou homossexuais.
  • Os coranistas são contra a proibição de música, canto, desenho. Isso inclui desenhos de profetas, uma prática que os coranistas não proíbem, desde que as imagens não sejam idolatradas.
  • Os coranistas são contra a proibição de um homem usar ouro ou seda, fazer a barba, etc.
  • Os coranistas não consideram os cães animais impuros ou a serem evitados.
  • Os coranistas não acreditam necessariamente no Imam Mahdi (O Messias do Islã) ou no Dajjal (O Anticristo), pois não são mencionados no Alcorão.

O escopo do Alcorão

O Alcorão é a única autoridade religiosa aceita pelos Quranistas

Os Curanistas acreditam que o Alcorão é claro, completo e que pode ser totalmente compreendido sem recorrer ao hadith e à sunnah. Portanto, eles usam o próprio Alcorão para interpretar o Alcorão por uma análise literária e holística do texto de uma pespectica contemporânea aplicando o princípio exegético de tafsir al-qur’an bi al-qur’an (explicando o Alcorão com o Alcorão) e o princípio de jurisprudência al-asl fi al-kalam al-haqiqah (regra fundamental do discurso é o texto). Este método de interpretar o Alcorão é diferente do método preferido pela maioria dos exegetas sunitas e xiitas, conhecido como tafsir bi-al-ma’thur (interpretando o Alcorão com narrações, ou seja, hadiths). Embora existam obras Tafsir coranistas (Tafsir são comentários sobre o Alcorão), a maioria dos coranistas não tem Tafsir algum pois aacreditam que o Alcorão não dá a ninguém a autoridade para interpretar a mensagem pelos outros e Allah envia orientação individualmente, como, eles afirmam, disse no Alcorão.

Embora os coranistas acrediem que os hadiths não possam ser usados ​​como referência eles entendem que dentro da pesquisa histórica os mesmos podem ser um material de estudo. Eles argumentam que não há mal nenhum em usar hadith para obter uma noção da uma época passada, desde que não se tome esta como um fatos histórico indiscutível ou uma autoridade religiosa. Segundo eles, uma narração de hadith sobre a história pode ser verdadeira ou falsa, mas uma narração de hadith acrescentando regras à religião é sempre completamente falsa. Eles acreditam que a confiabilidade do narrador não é suficiente para dar credibilidade ao hadith, pois, afirmam, está afirmado no Alcorão que o próprio Muhammad não conseguia reconhecer quem era verdadeiro crente e quem era hipócrita em sua mente. Além disso, os coranistas citam Sahih Muslim 42:7147 para argumentar que Muhammad proíbe qualquer hadith além do Alcorão.

História do Coranismo

Os coranistas datam suas crenças até a época de Muhammad, que eles alegam proibir a escrita de hadiths. Por acreditarem que os hadiths, embora não sejam fontes confiáveis ​​de religião, possam ser usados ​​como referência para se ter uma ideia sobre eventos históricos, eles apontam várias narrações sobre o Islã primitivo para sustentar suas crenças. De acordo com uma dessas narrações, um dos companheiros e sucessor de Muhammad, Umar, também proibiu a escrita de hadith e destruiu coleções existentes durante seu governo como califa. Relatos semelhantes afirmam que quando Umar nomeou um governador para Kufa, ele lhe disse: “Você estará vindo para pessoas de uma cidade para quem o zumbido do Alcorão é como o zumbido das abelhas. Portanto, não os distraia com o Hadiths ao enfrentá-los. Desnude o Alcorão e poupe o Hadith do mensageiro de Deus!”.

A centralidade do Alcorão na vida religiosa dos Kufans que Umar descreveu estava mudando rapidamente, no entanto. Algumas décadas depois, uma carta foi enviada ao califa Ummayad Abd al-Malik ibn Marwan sobre os Kufans: “Eles abandonaram o julgamento de seu Senhor e tomaram hadiths para sua religião; e eles afirmam que obtiveram conhecimento Alcorão… Eles acreditavam em um livro que não era de Deus, escrito por mãos de homens que eles então o atribuíram ao Mensageiro de Deus”.

Nos anos seguintes, o tabu contra a escrita e o seguimento de hadiths retrocedeu a tal ponto que o líder omíada Umar II ordenou a primeira coleção oficial de hadiths. Abu Bakr ibn Muhammad ibn Hazm e Ibn Shihab al-Zuhri, estavam entre aqueles que escreveram Hadiths a mando de Umar II.

Apesar da tendência para os hadiths, o questionamento de sua autoridade continuou durante a dinastia abássida e existiu durante o tempo de Al-Shafi’i, quando um grupo conhecido como “Ahl al-Kalam” argumentou que o exemplo profético de Muhammad “é encontrado em seguir apenas o Alcorão”. A maioria dos Hadith, de acordo com eles, era mera adivinhação, conjectura e bidah (inovação), enquanto o livro de Deus era completo e perfeito, e não exigia que o Hadith o complementasse ou complementasse.

Houve estudiosos proeminentes que rejeitaram ahadith tradicionais como Dirar ibn Amr. Ele escreveu um livro intitulado The Contradiction Within Hadith (As Contradições no Hadith). No entanto, a maré mudou desde os séculos anteriores a tal ponto que Dirar foi espancado e teve que permanecer escondido até sua morte. Como Dirar ibn Amr, o estudioso Abu Bakr al-Asamm também teve pouco uso para hadiths.

No Século 19:

No sul da Ásia durante o século 19, o movimento Ahle Quran (Povo do Alcorão) formou-se parcialmente em reação ao Ahle Hadith (Povo do Hadith), que eles consideravam estar colocando muita ênfase em Hadith. Muitos adeptos de Ahle Quran do sul da Ásia eram anteriormente adeptos de Ahle Hadith, mas se viram incapazes de aceitar certos hadiths. Abdullah Chakralawi, Khwaja Ahmad Din Amritsari, Chiragh Ali e Aslam Jairajpuri estavam entre as pessoas que promulgaram as crenças coranistas na Índia na época.

No Século 20:

No Egito, durante o início do século 20, as ideias de coranistas como Muhammad Tawfiq Sidqi surgiram das ideias reformistas de Muhammad Abduh, especificamente uma rejeição do taqlid e uma ênfase no Alcorão. Muhammad Tawfiq Sidqi, do Egito, “sustentou que nada do Hadith foi registrado até que tenha decorrido tempo suficiente para permitir a infiltração de numerosas tradições absurdas ou corruptas”. Muhammad Tawfiq Sidqi escreveu um artigo intitulado Al-Islam Huwa ul-Qur’an Wahdahu (O Islã é Apenas o Alcorão) que apareceu no jornal egípcio Al-Manar, que argumenta que o Alcorão é suficiente como orientação:

“O que é obrigatório para o homem não vai além do Livro de Deus. Se algo além do Alcorão fosse necessário para a religião, o Profeta teria ordenado seu registro por escrito, e Deus teria garantido sua preservação.”

— Muhammad Tawfiq Sidqi.

Como alguns de seus colegas no Egito, como Muhammad Abu Zayd e Ahmed Subhy Mansour, alguns estudiosos reformistas no Irã que adotaram as crenças coranistas vieram de instituições tradicionais de ensino superior. Shaykh Hadi Najmabadi, Mirza Rida Quli Shari’at-Sanglaji, Mohammad Sadeqi Tehrani e Ayatollah Borqei foram educados em universidades xiitas tradicionais em Najaf e Qom. No entanto, eles acreditavam que algumas crenças e práticas que eram ensinadas nessas universidades, como a veneração de Imamzadeh e a crença em Raj’a, eram irracionais e supersticiosas e não tinham base no Alcorão. E em vez de interpretar o Alcorão através das lentes do hadith, eles interpretaram o Alcorão pelo Alcorão (tafsir al-qur’an bi al-qur’an). Essas crenças reformistas provocaram críticas de estudiosos xiitas tradicionais como o aiatolá Khomeini, que tentou refutar as críticas feitas por Sanglaji e outros reformistas em seu livro Kashf al-Asrar. As crenças centradas no Alcorão também se espalharam entre os muçulmanos leigos, como o iraniano-americano Ali Behzadnia, que se tornou vice-ministro da Saúde e Bem-Estar e ministro da Educação em exercício logo após a Revolução Iraniana. Ele criticou o governo no Irã por ser antidemocrático e totalmente alheio ao “Islã do Alcorão”.

O Coranismo também assumiu uma dimensão política no século 20, quando Muammar al-Gaddafi declarou o Alcorão como a constituição da Líbia. Gaddafi afirmou a transcendência do Alcorão como o único guia para o governo islâmico e a capacidade desimpedida de todo muçulmano de lê-lo e interpretá-lo. Ele começou a atacar o establishment religioso e vários aspectos fundamentais do islamismo sunita. Ele denegriu os papéis dos ulemás, imãs e juristas islâmicos e questionou a autenticidade do hadith e, portanto, da sunna, como base para a lei islâmica.

Críticas e perseguições

Hassan Farhan al-Maliki, preso e acusado de pena de morte por ideias Coranistas

O Coranismo é muito criticado por sunitas e xiitas. A crença sunita é que “o Alcorão precisa da Sunnah mais do que a Sunnah precisa do Alcorão”. O establishment sunita e xiita argumenta que o islamismo não pode ser praticado sem hadith.

As doutrinas coranistas cresceram em todo o mundo no século XXI, e seus adeptos enfrentaram oposição. Os coranistas foram rotulados como “descrentes”, “animais”, “apóstatas” e “hipócritas” em fatwas emitidos contra eles. Em vários países, ser um coranista é punível com a morte. Os seguidores da abordagem somente do Alcorão são perseguidos e esperam sanções. Por esta razão, muitos autores coranistas que temem por suas vidas escrevem anonimamente ou sob um pseudônimo.

Esta é a situação atual dos coranistas nos países de maioria muçulmana:

Egito: No Egito, os coranistas enfrentam perseguição, prisão, tortura e exílio.

Sudão: No Sudão, os homens coranistas foram presos e condenados à morte por apenas reconhecerem o Alcorão e rejeitarem a Sunnah.

Turquia: Na Turquia, as ideias dos coranistas tornaram-se particularmente visíveis em parcelas da juventude. Houve significativa pesquisa acadêmica coranista na Turquia, havendo até mesmo professores de teologia coranista em universidades importantes, incluindo estudiosos como Yaşar Nuri Öztürk e Caner Taslaman. Alguns acreditam que existem coranistas secretos até mesmo no próprio Diyanet, o Corpo Oficial para Assuntos Religiosos na Turquia, entretanto a Diyanet não reconhece os coranistas, os critica e insulta regularmente e os chama de kafirs (descrentes). Muitos coranistas responderam com argumentos os ataques e os desafiaram para um debate que até hoje nunca aconteceu.

Arábia Saudita: Na Arábia Saudita, o Coranismo é descrito como apostasia, portanto punível com a morte. O estudioso coranista saudita, Hassan Farhan al-Maliki, foi preso e condenado a pena de morte por promover ideias que foram descritas como “coranistas”, “moderado”, “tolerante” e de oposição à ideologia wahhabi saudita mais violenta e rigorosa. Outros intelectuais sauditas, como Abdul Rahman al-Ahdal, continuam defendendo o abandono do hadith e o retorno ao Alcorão.

Rússia: A disseminação das crenças coranistas na Rússia provocou a ira do establishment sunita. O Conselho Russo de Muftis (Jurisconsultos Islâmicos) emitiu uma fatwa (decreto islâmico) contra o Coranismo colocando suas vidas sob risco.

África do Sul: Na África do Sul, um estudioso de história formado em Oxford, Taj Hargey, estabeleceu a Mesquita Aberta. Hargey pretendia que a mesquita fosse mais aberta à demografia tradicionalmente evitada pelas mesquitas sunitas e xiitas, como as mulheres. Hargey descreve os princípios da mesquita como “centrado no Alcorão, igualdade de gênero, não sectário, intercultural e independente”. Ele foi amplamente criticado.

Cazaquistão: Os coranistas tornaram-se repetidamente alvo de críticas do Supremo Clero do Cazaquistão.

Malásia: O intelectual, escritor, poeta e educador Kassim Ahmad escreveu um livro em que pedia uma avaliação científica do Hadith e de toda a tradição islâmica, pois estes são responsáveis ​​pelo atraso dos muçulmanos. Ele foi o fundador da Sociedade Corânica da Malásia. Ele foi preso em 1976 e libertado em 1981. No momento de sua morteem 2017 ele estava trabalhando em uma tradução malaia do Alcorão.

Organizações Notáveis

Edip Yuksel e Rashad Khalifa da United Submitters International

Ahle Quran:

Ahle Quran é uma organização formada por Abdullah Chakralawi, que descreveu o Alcorão como “Ahsan Hadith”, significando” “O Hadith Mais Perfeito” e, consequentemente, afirmou que não precisa de nenhuma adição. Seu movimento depende inteiramente dos capítulos e versículos do Alcorão. A posição de Chakralawi era que o próprio Alcorão era a fonte mais perfeita de tradição e poderia ser seguido exclusivamente. De acordo com Chakralawi, Muhammad poderia receber apenas uma forma de revelação (wahy), e essa era o Alcorão. Ele argumenta que o Alcorão foi o único registro da sabedoria divina, a única fonte dos ensinamentos de Muhammad, e que substituiu todo o corpus de hadith, que veio mais tarde.

Izgi Amal:

Esta é uma organização corânica no Cazaquistão cujo nome cirílico, “Ізгі амал”, pode ser transliterado para a escrita latina como İzgi amal. Tem uma estimativa de 70 a 80 mil membros. Seu líder, Aslbek Musin, é filho do ex-presidente do Majlis, Aslan Musin.

“O primeiro verdadeiro coranista foi o Profeta Muhammad, que não seguia nada além do Alcorão. Os coranistas não são nenhuma nova direção a este respeito.” — Aslbek Musin.

Kala Kato:

Kala Kato é um movimento coranista cujos adeptos residem principalmente no norte da Nigéria, com alguns adeptos que residem no Níger. Kala Kato significa um “O homem diz” na língua hauçá, em referência aos ditos, ou hadiths, atribuídos postumamente a Muhammad. Kala Kato aceita apenas o Alcorão como autoridade e acredita que qualquer coisa que não seja Kala Allah, que significa o que “Deus diz” na língua Hausa, é Kala Kato.

Malaysian Quranic Society (Sociedade Corânica da Malásia):

A Malaysian Quranic Society foi fundada por Kassim Ahmad. O movimento mantém várias posições que o distinguem dos sunitas e xiitas, como a rejeição do status do cabelo como parte da awrah; portanto, exibindo um relaxamento na observância do hijab, que de acordo com os coranistas não está no Alcorão.

Quran Sunnat Society (Sociedade Alcorão Sunnat):

A Quran Sunnat Society é um movimento coranista na Índia. O movimento estava por trás da primeira mulher a liderar orações congregacionais de gênero misto na Índia. Mantém um escritório e sede em Kerala. Há uma grande comunidade de coranistas em Kerala. Um de seus líderes, Jamida Beevi, também se manifestou contra a lei talaq tripla da Índia, que se baseia principalmente na Lei de Aplicação da Lei Pessoal Muçulmana (Shariat) de 1937, inspirada pelos sunitas. O antecessor mais proeminente da Quran Sunnat Society na Índia era do pontos de vista apresentados por Ahmed Khan no século 19.

Tolu-e-Islam:

O movimento foi iniciado por Ghulam Ahmed Pervez. Ghulam Ahmed Pervez não rejeitou todos os hadiths; no entanto, ele aceitou apenas hadiths que “estão de acordo com o Alcorão ou não mancham o caráter do Profeta ou de seus companheiros”. A organização publica e distribui livros, panfletos e gravações dos ensinamentos de Pervez. O Tolu-e-Islam não pertence a nenhum partido político, nem pertence a nenhum grupo ou seita religiosa.

United Submitters International (Submissores Unidos Internacional):

Nos Estados Unidos, no final do século 20, o bioquímico coranista egípcio Rashad Khalifa, conhecido como o descobridor do Código do Alcorão (também conhecido como Código 19, ou o Milagre 19), que é um código matemático hipotético no Alcorão, desenvolveu uma doutrina teológica que influenciou os coranistas em muitos outros países. Com a ajuda de computadores, ele realizou uma análise numérica do Alcorão, que segundo ele provou claramente que é de origem divina. O número 19, que é mencionado no capítulo 74 do Alcorão como sendo “um dos maiores milagres” desempenhou o papel fundamental, que segundo Khalifa pode ser encontrado em toda a estrutura do Alcorão, provando assim a origem divina do alcorão de um amaneira que não pode ser replicada por seres humanos mesmo hoje em dia. Alguns se opuseram a essas crenças e, em 1990, Khalifa foi assassinado por alguém associado ao grupo sunita Jamaat ul-Fuqra.

A organização “United Submitters International” (USI) fundada por Khalifa tem seu centro em Tucson e publica um boletim mensal com o título “Perspectiva do Submissor” desde 1985. O movimento popularizou a frase: “O Alcorão, todo o Alcorão e nada mas o Alcorão.” Um ativista turco (de ascendência curda), Edip Yüksel, inicialmente fez campanha por uma revolução coranista-islâmica na Turquia, razão pela qual ele foi preso. Mais tarde, ele conheceu Khalifa e se juntou à organização depois de testemunhar o “19 milagre”. Em 1989 ele teve que deixar o país por causa disso e ingressou na matriz em Tucson. Yüksel e dois outros autores criaram sua própria tradução do Alcorão. Em alguns pontos, no entanto, seus pontos de vista diferem dos de Khalifa. Entre os influenciados pelas ideias de Khalifa estão Ahmad Rashad e o juiz do Supremo Tribunal nigeriano, Isa Othman.

Coranistas Contemporãneos Notáveis

Irshad Manji e sua esposa

Indivíduos com ideias coranísticas completas ou parciais incluem:

  • Shabir Ally, Imam guianense-canadense, presidente do Islamic Information & Dawah Centre International em Toronto.
  • Gamal al-Banna (1920-2013), autor egípcio e sindicalista.
  • Mustafa İslamoğlu (nascido em 1960), teólogo turco, poeta e escritor. Ele foi criticado na Turquia e recebeu ameaças por suas ideias que promoviam a lógica acima da tradição e negavam a autoridade do hadith, que ele via ser fabricado.
  • Samina Ali (nascida em data desconhecida no final do século 20), autora e ativista indiana-americana. Ela é co-fundadora da organização feminista muçulmana americana Daughters of Hajar (As Filhas de Hajar). Ela atua como curadora de Muslima: Muslim Women’s Art and Voices (Muslima: Arte e Vozes de Mulheres Muçulmanas), uma exposição global e virtual para o International Museum of Women (IMOW), agora parte do Global Fund for Women.
  • Hassan al-Maliki (nascido em 1970), um escritor saudita, historiador islâmico e estudioso islâmico que foi levado a julgamento pelo establishment saudita por suas opiniões. As opiniões de Al-Maliki foram descritas como “coranistas”, “moderadas”, “tolerantes” e de oposição à ideologia wahhabi mais violenta e estrita.
  • Irshad Manji (nascida em 1968), educadora e autora ugandense-canadense dos livros autora de “O Problema dom o Islam Hoje” e “Allah, Liberty and Love’, ambos proibidos em vários países muçulmanos.
  • Ahmed Subhy Mansour (nascido em 1949), estudioso islâmico egípcio-americano. Ele foi exilado do Egito por causa de suas opiniões e agora vive nos Estados Unidos como refugiado político.
  • Chekannur Maulavi (nascido em 1936; desaparecido em 29 de julho de 1993), clérigo islâmico que vivia em Edappal no distrito de Malappuram de Kerala, na Índia. Ele era conhecido por sua interpretação controversa e não convencional do Islã baseada apenas no Alcorão. Ele desapareceu em 29 de julho de 1993 sob circunstâncias misteriosas e agora acredita-se que esteja morto.
  • Yaşar Nuri Öztürk (1951-2016), professor universitário turco de teologia islâmica, advogado, colunista e ex-membro do parlamento turco. Ele deu muitas conferências sobre pensamento islâmico, humanidade e direitos humanos na Turquia, EUA, Europa, Oriente Médio e Balcãs. Em 1999, membros de um violento grupo extremista sunita chamado Great Eastern Islamic Raiders’ Front (İBDA-C) confessaram que planejaram uma tentativa de assassinato que nunca aconteceu. Öztürk faleceu em 2016, devido a um câncer de estômago.
  • Muhammad Tawfiq Sidqi (1881-1920), estudioso e médico egípcio que se concentrou em criticar o hadith como um todo religiosamente do Alcorão, bem como com base em alegações pseudocientíficas hadíticas sobre a medicina.
  • Mohamed Talbi (1921-2017), historiador e professor tunisiano. Ele foi o fundador da Association Internationale des Musulmans Coraniques (AIMC), ou Associação Internacional de Muçulmanos Corânicos.
  • Caner Taslaman (nascido em 1968), acadêmico turco, especialista em Alcorão e escritor conhecido por seus trabalhos sobre a teoria do Big Bang e a estrutura científica do Alcorão

Recursos para o Islam Alcorânico

OUTROS TEXTOS CORANISTAS

Bibliografia

Aisha Y. Musa, Hadith as Scripture: Discussions on the Authority of Prophetic Traditions in Islam, New York: Palgrave, 2008. ISBN 0-230-60535-4.

Ali Usman Qasmi, Questioning the Authority of the Past: The Ahl al-Qur’an Movements in the Punjab, Oxford University Press, 2012. ISBN 0-195-47348-5.

Brown, Daniel W. (2017-08-10). “Chapter 19: Qurʾānists”. In Berg, Herbert (ed.). Routledge Handbook on Early Islam. Routledge. ISBN 978-1-317-58920-4.

Daniel Brown, Rethinking Tradition in Modern Islamic Thought, Cambridge University Press, 1996. ISBN 0-521-65394-0.

Higgins, Andrew (17 March 2009). “An Islamic Creationist Stirs a New Kind of Darwinian Struggle”. The Wall Street Journal.

Musa, Aisha Y. (2008). Hadith as Scripture: Discussions on the Authority of Prophetic Traditions in Islam (1st ed.). New York, N.Y.: Palgrave Macmillan. p. 100. ISBN 978-0-230-60535-0.

Yuksel, Edip (1998). “Yes, I am a Kurd”. Journal of International Law and Practice. 7: 359 – via Academia.

Yüksel, Edip (2015). Norşin’den Arizona’ya: sıradan bir adamın sıradışı öyküsü (in Turkish). Ozan Yayıncılık. ISBN 978-605-4723-76-8.

***

Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.


Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.

Deixe um comentário


Apoie. Faça parte do Problema.