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Paulo Jacobina*
Excerto de A Senda Infinita
Tudo o que existe e o que não existe é uma forma manifesta do Absoluto, sendo uno com Ele e integrado de forma indissociável aos demais aspectos da manifestação.
Contudo, em decorrência do apego às formas ilusórias com as quais a manifestação se apresenta, tem-se origem a Heresia da Separatividade, a ilusória ideia de que a manifestação é separada de maneira autônoma do restante da manifestação, e, assim, tem origem todos os conflitos e sofrimentos ilusoriamente experimentados.
No Homem, é a Heresia da Separatividade que o faz utilizar, como fonte de conflitos, ilusões como raça, nacionalidade, regionalismo, posição social, estética física, origem étnica, ter ou não um determinado objeto etc. É ela a responsável por fazer com que alguns Homens se vejam como o ápice e que toda a manifestação tem de ter uma funcionalidade que lhes seja útil e não como parte integrante do Todo, ao invés de buscarem servir ao Todo.
Essa funcionalidade se manifesta das mais diversas formas possíveis, por exemplo, ao observar uma árvore se indaga para que ela serve. Alguns dirão que é para dar sombra; outrem, para dar oxigênio; aqueles, para servir de material para a fabricação de móveis; o próximo, para dar frutos, mas todos fazem uma análise baseada na serventia para a qual veem a árvore, e não para o que ela realmente serve, que é para ser árvore.
É o mesmo pensamento que faz com que alguns estabeleçam relacionamentos sociais, pois veem as demais Personas não como Personas em essência, mas como algo que lhes pode ocupar um espaço vazio na sua “coleção de itens”. Ao deixarem de cumprir determinada função, são descartados, fazendo com que se estabeleça uma relação pautada em aspectos menos sutis, como os manifestados exteriormente, a exemplo de possuir dinheiro e da atratividade física; ou aqueles relacionados ao que o outro pode lhe proporcionar na esfera psíquica, como lhe fazer bem[1]; ou o status de se estar em um relacionamento. É pensar “o que posso retirar disso?”, e não “o que posso contribuir para isso?”[2]. É não ter sentimento verdadeiro e sim um falso sentimento, que tem origem em autoindulgência, autoaprimoramento ou autoproteção.
É a Heresia da Separatividade que dá origem ao Ego, isto é, a vinculação do Eu com aspectos da manifestação menos sutis de forma a se confundir o Eu com esses aspectos, fazendo com que o Eu acredite que é o Corpo Físico e, por isso, busque por coisas relacionadas a este Corpo. Há, ainda, os que acreditem que são emoções e procurem por experiências relacionadas a elas; outros, o intelecto, e visem situações relacionadas ao conhecimento e à racionalidade. Contudo, ao compreender que é parte integrante do Todo, assume o comportamento de apenas ter experiências relacionadas ao Todo e, por isso, está no seu Dharma.
Ao analisar a manifestação de forma separada e não como parte integrante de um processo, dá-se origem às dores e aos sofrimentos. A dor e o sofrimento têm origem na ilusória tentativa de se tornar imutável aquilo que é mutável.
A encarnação é um processo mutável e quando se tenta ilusoriamente torná-la imutável, nasce o sofrimento causado pela ideia da morte. A encarnação é composta por fases mutáveis, e quando se tenta ilusoriamente tornar uma dessas fases imutável, nasce o sofrimento causado pelo envelhecimento.
A posse de bens materiais é transitória pelas características físicas desses bens e por se tratar de uma posse e não da propriedade, e quando se tenta ilusoriamente transformar essa posse em propriedade, nasce o sofrimento decorrente da perda desses bens materiais ou da possibilidade dela.
A presença física é mutável, pois os Corpos Físicos se desfazem, bem como há a ilusão da distância física, e quando se tenta tornar a presença física imutável nasce o sofrimento causado pela saudade[3]. O descendente, que também se encontra encarnado, percorre as fases mutáveis da encarnação, e quando se tenta ilusoriamente tornar a sua infância perpétua, nasce o sofrimento provocado pela “síndrome do ninho vazio”, além dos sofrimentos sentidos pelo descendente, cuja essência não é vista pelos genitores.
A dor ou o sofrimento, quando finalizados, em regra, geram a sensação de Alívio e não o Prazer.
O Alívio é a sensação obtida com o término da causa da dor ou com o habituar-se àquela causa e não com a compreensão daquela realidade. Quando o objeto da saudade regressa fisicamente para perto do Eu, tem-se o alívio; quando se sente fome, comer gera alívio; quando se usa algo apertado, a sua retirada gera alívio; quando se perde alguma coisa, encontrá-la gera alívio; quando se sente sono, dormir traz o alívio; quando se deseja possuir algo, adquirir aquele bem causa alívio.
Enquanto o Prazer[4] só é experimentado quando há a evocação da essência da manifestação, se percebe o Absoluto e se desfaz o ilusório véu que oculta o brilho essencial de toda manifestação, galgando os degraus da Escada de Jacó e se tornando o Eu Superior, que compreende a Verdade.
A dor, o sofrimento, o conflito, bem como tudo aquilo que se rotula de prejudicial, têm origem no desconhecimento da Verdade, de que tudo o que existe e o que não existe é a forma manifesta do Absoluto. Ao se compreender que a separatividade é uma ilusão e que a unidade é a Verdade, o Eu se encontra no Samadhi, a Suprema Felicidade, na qual compreende que não é uma gota d’água no oceano, mas o próprio oceano.
Notas
[1] Em um Relacionamento, o outro irá fazer bem ao um. Contudo, esse receber o bem não é a finalidade do Relacionamento, mas algo que o compõe.
[2] A diferença entre as duas perguntas é o que separa um parasita, que vê o mundo como algo a lhe servir, de um simbionte, que se vê como algo que deve contribuir para o mundo. Sendo que este mundo pode se manifestar de infinitas formas, como o planeta em si, um país, um estado, uma cidade, um bairro, uma família, um grupo de amigos, um condomínio, uma sala de aula, um relacionamento etc.
[3] Ao se compreender que o estado de Consciência no qual se encontra é decorrente de todas as experiências pretéritas, situações vivenciadas junto a outros Eus, compreende-se que a saudade é uma ilusão, pois todos os Eus que já cruzaram a Senda Infinita percorrida pelo Eu, o marcaram de maneira indelével, contribuindo para ele se tornar Aquele que É. Assim, todos compõem o Eu e este, não importa o que aconteça, os terá eternamente em si.
[4] O Prazer ou Felicidade é a plenitude experimentada quando o Eu está no seu Dharma e, por isso, não é algo a ser alcançado, mas vivenciado. A Felicidade ou o Prazer não é um prêmio que se recebe, não é um fim a ser almejado, mas uma forma de se percorrer a Senda Infinita.
Paulo Jacobina mantêm o canal Pedra de Afiar, voltado a filosofia e espiritualidade de uma forma prática e universalis
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