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Por Chiang Sing.
Uma lenda iniciática sobre Spenta Armait, a formosa filha de Ahura Mazda, o Senhor da Sabedoria:
Há cerca de mil e duzentos anos, viveu na rica cidade de Ispahan um rei chamado Oromazdes. Em seu castelo havia uma velha torre de pedra guardada dia e noite por um soldado, chamado Taimaruz. A porta da torre estava hermeticamente fechada por uma grande placa de metal fixada por enormes traves e o soldado ignorava o que havia em seu interior. Uma noite, após sete anos de guarda, Taimaruz ouviu um grito muito forte dentro da torre e espantado parou para escutar. De novo repetiu-se o grito, que ainda se fez ouvir uma terceira vez.
— Quem está gritando aí dentro? — perguntou o soldado.
— É o gigante Demrush que há cem anos está prisioneiro!
— E por que estás gritando? — indagou Talmaruz.
— Por que está escrito que hoje ficarei livre!
— Como assim? — indagou o soldado, surpreso.
— Se quiseres ouvir minhas palavras, farei de ti o homem mais feliz do mundo e serei teu escravo para sempre, Posso fazer tudo que os gênios fazem. Se duvidas, abre esta porta e verás!
O soldado resolveu então abrir a porta da torre. Com a rapidez do relâmpago o gigante passou por ela e desapareceu no ar.
Taimaruz arrependido do gesto impensado murmurou: “Eu não devia ter feito isso! Quando o Rei Oromazdes souber que libertei o gigante, com certeza me mandará matar. Preciso fugir o mais depressa possível!”
E trocando a farda pelas roupas de um mercador o soldado fugiu para bem longe de Ispahan. Andou sem rumo durante muitas luas sem encontrar nenhum alimento para acalmar a fome. Afinal, sentou-se num bosque, lamentando a sua sorte:
— Fui um bobo em ouvir as palavras do gigante! Perdi nove anos de trabalho no exército do Rei Oromazdes e aqui estou agora, sem saber para onde ir, quase morrendo de fome. E tudo por tua culpa, gigante maldito!
E eis que o gigante lhe apareceu de repente e falou:
— Desejo que tenhas saúde e que tudo corra bem para ti. Por que estás tão preocupado?
— Como posso estar alegre se já não consigo andar de tão cansado?
— Vou dar um jeito nisso! — respondeu o gigante.
E num instante fez surgir diante do soldado uma mesa cheia de iguarias deliciosas. Taimaruz comeu e bebeu com apetite e quando estava satisfeito agradeceu ao gigante que lhe disse:
— Se quiseres, podes vir morar no meu palácio que fica no alto das montanhas de Kah-Kaf. Ali serás tratado como um rei e dormirás num leito de plumas de cisne. Só te pedirei uma coisa: que sejas o guardião de minhas filhas, para protegê-las de todo o mal.
— Muito bem, irei contigo! — respondeu o soldado.
Então o gigante colocou Taimaruz na palma da mão e mais rápido que o vento levou-o para o seu palácio de basalto negro e quartzo cor-de-rosa. Assim que chegaram foram recebidos por três lindas moças, filhas do gigante, que lhes deram as boas-vindas. O gigante abraçou-as e disse:
— Minhas queridas filhas, como não posso ficar ao vosso lado para protegê-las, pois meus deveres para com os gênios não o permitem, deixo em meu lugar este soldado, que foi muito bom para mim e mostrou ser meu amigo. Peço que façais tudo para agradá-lo.
E assim dizendo o gigante Demrush beijou as filhas carinhosamente e voou para longe. As moças levaram o soldado para um luxuoso aposento no palácio, deram-lhe finos trajes bordados a ouro e deixaram-no descansar, A vida no palácio do gigante era tão agradável que o soldado por sua vontade jamais sairia dali. Mas ficava preocupado porque todas as noites, mal saía a lua, as três moças deixavam o palácio e só voltavam de madrugada.
Um dia perguntou-lhes:
— Dizei-me, senhoras, aonde vão todas as noites assim que a lua sai?
Mas as moças começaram a rir e responderam:
— Vamos aonde queremos…
O soldado ficou calado e pensou:
“Então é assim? Pois saberei descobrir o mistério!”
Naquela noite esperou vigilante a saída da lua. Então, deixou o seu quarto e sem fazer ruído foi para o quarto vizinho ao das filhas do gigante. Pelo buraco da fechadura pôde observar que as três irmãs tinham estendido no chão um lindo tapete azul bordado a pérolas. Sentaram-se sobre ele e imediatamente se transformaram em três pombas brancas, que bateram as asas e voaram para longe. O soldado ficou maravilhado e pensou:
“Que aconteceria se eu também sentasse naquele tapete?”
Abriu a porta, entrou no quarto das moças e sentou no tapete.
Viu-se logo transformado num pequeno pássaro amarelo, que voou pela janela e seguiu as três pombas.
Após voarem durante muito tempo chegaram às montanhas de Damavend, e depois de sobrevoarem um mar sombrio, glacial e desconhecido chegaram afinal às Ilhas Afortunadas onde corre um manancial chamado a Fonte da Vida Eterna. Ali, em um enorme jardim cheio de rosas maravilhosas, havia um trono de ouro e lápis-lazúli. De todas as partes chegavam pássaros dos mais variados tamanhos e cores que escureciam o céu com o ruflar de suas asas. O pássaro amarelo ocultou-se na folhagem de um arbusto florido e se pôs a observar.
A sua esquerda brilhava uma luz que aos poucos ia crescendo de intensidade. Mais tarde apareceu uma carruagem dourada puxada por seis cavalos brancos, que possuíam asas tão grandes como as águias. Uma mocinha estava sentada dentro da carruagem, tão formosa que não era possível descrevê-la com palavras. Desceu da carruagem, sentou-se no trono e todos os pássaros voaram em volta dela, pousando sobre sua cabeça, braços e ombros. Até no colo se escondeu um passarinho verde e branco, menor que uma andorinha. A todos a mocinha ensinava com paciência segredos de magia, como dar volta ao mundo com a rapidez do pensamento e vida aos mortos com certos bálsamos miraculosos. Assim que começou a amanhecer, ela tornou a subir na carruagem e os cavalos alados cruzaram os céus na direção da aurora. As três pombas brancas voaram para o palácio do gigante e atrás delas seguiu também o pássaro amarelo. E mal tocaram no tapete azul com as patinhas rosadas, as três pombas voltaram de novo à forma humana e o mesmo aconteceu com o pássaro amarelo.
As três irmãs olharam espantadas para o soldado e uma delas disse:
— De onde vens?
— Venho das Ilhas Afortunadas, onde sob a luz da lua, uma moça, mais linda que as estrelas, ensina segredos de magia…
— És mais feliz do que os outros mortais, aos quais não é dado contemplar o que viste esta noite. A moça que admiraste é Spenta Armait, a formosa filha de Ahura Mazda, o Senhor da Sabedoria. Se ela soubesse do teu atrevimento, seus gênios guardiães teriam te matado. Tem cuidado, pois, valente jovem, e se ainda queres conservar tua cabeça sobre os ombros não voltes nunca mais a contemplar o rosto de Spenta, a que tudo sabe,
Mas o soldado não deu atenção às palavras das filhas do gigante. Na noite seguinte, assim que saiu a lua, o pássaro amarelo tornou a esconder-se no mesmo arbusto florido e com o coração extasiado ficou a contemplar a beleza de Spenta. Completamente embevecido, não tinha olhos senão para o lindo rosto da filha de Ahura Mazda e, quando a lua desapareceu e Spenta voltou para a carruagem, o pássaro amarelo saiu do seu esconderijo e seguiu o caminho da donzela. Pouco depois chegaram ao castelo de Spenta, que era todo rodeado por uma enorme muralha de fogo. O pássaro pousou no fundo da carruagem e entrou com ela no castelo. Spenta saltou e foi para seu quarto de paredes de jade e chão de cornalina, brilhante como o cristal. O pássaro amarelo escolheu um galho de salgueiro-chorão, junto à janela do quarto de Spenta, e cantou com tanto sentimento que a moça ficou comovida. Chamou uma das fadas que a ser- viam e mandou que lhe trouxesse o pássaro que cantava no galho do salgueiro. A fada pôs um pouco de mel nos lábios e chamou o pássaro suavemente, tentando atraí-lo. Mas o pequeno pássaro saltava de galho em galho e fugia sempre. Afinal, Spenta saiu do quarto e foi ao jardim. Estendeu sua branca mão, mais suave que a pétala da rosa, e o pássaro amarelo veio pousar sobre ela. Spenta, alegre por ter conseguido atrair o pequeno pássaro, levou-o para o seu quarto e colocou-o numa linda gaiola de ouro e pedras preciosas que pendurou na janela, O pássaro passou então a cantar tão melodiosamente que dentro em pouco os outros pássaros estimulados respondiam em coro e o jardim se transformou numa orquestra de arrebatadoras melodias.
Quando a lua surgiu, Spenta foi levada na sua linda carruagem dourada para as Ilhas Afortunadas e só voltou ao amanhecer, como era costume. Naquela noite, Spenta entrou no seu quarto, deixou que as aias tirassem suas vestes de seda e as cintilantes joias de brilhantes e adormeceu profundamente sobre o leito de plumas de cisne.
O pássaro amarelo que não se cansava de admirar a beleza de Spenta pensou:
— Beijarei os lábios de minha amada nem que seja preciso perder a própria vida. E forçando a porta da gaiola conseguiu ir até o tapete mágico que se encontrava aos pés da cama de Spenta, e tocando-o com os pés transformou-se no mesmo instante no moço de antes. Beijou então os lábios de Spenta, e achou-os mais doces que as tâmaras do deserto. Mas a moça, ainda semi-adormecida, levantou o alvo braço e falou:
— Maldito seja aquele que beijar os lábios de Spenta!
Mas a paixão de Taimaruz era tão forte que não temia qualquer perigo. E voltou a beijar com ardor os lábios da jovem. Depois voltando depressa para o tapete mágico transformou-se em pássaro outra vez. Pouco depois Spenta acordou e olhando em torno perguntou:
— Quem se atreveu a beijar-me enquanto eu dormia?
Levantou-se de um salto, abriu o livro encantado que tudo revelava e leu, em letras de fogo, as seguintes palavras:
Pergunta àquele a quem tuas mãos acariciaram, e que guardas no coração melhor do que em teu quarto…
Spenta fechou o livro e foi diretamente até a gaiola onde estava o pássaro amarelo:
— Fora! — ordenou, abrindo a portinhola — quero saber quem és!
O pássaro voou até o tapete mágico, e mal tocou-o com os pés voltou novamente à forma humana.
Spenta ficou furiosa e exclamou:
— Pede a Deus que perdoe os teus pecados, porque vais morrer agora mesmo!
Taimaruz baixou os olhos e respondeu tristemente:
— Faze o que quiseres.
Spenta bateu palmas e dois gigantes negros como a noite entraram no quarto.
— Preparem um patíbulo diante da janela do meu quarto — disse ela — e avisem ao carrasco que se prepare para uma execução!
E assim foi feito. Mas antes que Spenta desse o sinal para que o carrasco cumprisse a sua missão, o jovem exclamou:
— Spenta, concede-me um último pedido!
— Que desejas? — perguntou ela.
— Deixa-me cantar-te uma canção!
— Está bem, mas que seja bem curta!
O soldado, com voz comovente e expressiva, cantou uma canção que falava no seu amor não correspondido e na tristeza de não vê-la nunca mais, e tão linda era a canção, tão pungentes os versos, que Spenta começou a chorar comovida.
O soldado terminou de cantar e colocou o pescoço sobre o cepo para que o carrasco lhe cortasse a cabeça.
Foi então que Spenta falou:
— Como prêmio pela tua canção, concedo-te mais dez horas de vida. Se conseguires encontrar em algum lugar do mundo um recanto que eu desconheça e onde nada possam minhas artes mágicas, poupar-te-ei a vida e serei tua esposa, caso contrário, teu destino é a morte.
O soldado saiu do jardim, penetrou na floresta e, sentando-se numa pedra, quedou-se pensativo e triste.
— Gigante maldito — exclamou — se eu tivesse te deixado preso na torre do palácio do Rei Oromazdes, hoje não estaria numa situação tão triste!
Imediatamente o gigante Demrush apareceu à sua frente.
— Pensaste em mim e aqui estou! — disse ele. — Em que posso servir-te?
— Em nada — respondeu o soldado — a menos que possas encontrar um lugar na terra imune ao poder mágico de Spenta, a filha de Ahura Mazda.
— Ninguém sabe do que é capaz, até o momento de tentar — falou o gigante.
E depois de transformar-se numa águia disse para o soldado:
— Sobe nos meus ombros e te levarei a um lugar onde as magias de Spenta não têm nenhum poder.
O soldado assim fez e a águia levantou voo e subiu tão alto, tão alto que a terra lá embaixo parecia um grão de areia. Chegaram acima das nuvens e assim continuaram durante muito tempo.
Em seu palácio, Spenta abriu o livro maravilhoso, deu um sorriso e invocou o gigante e o soldado, dizendo:
— Poderosos são os ares, rei dos pássaros, porém mais poderosa é a vontade de Spenta, a que tudo sabe. Voltai para o meu palácio. Já não podeis ocultar-vos dos meus olhos.
Dominada pela força da invocação a águia desceu do céu e ao chegar ao palácio disse para o soldado:
— Não te assustes e confia em mim!
Assim que pronunciou essas palavras tocou o soldado com a ponta das asas e o soldado se transformou num alfinete e ela própria num ratinho branco que parecia feito de seda. O ratinho prendeu o alfinete entre os dentes e saiu correndo pelos aposentos do palácio até encontrar o livro maravilhoso. Então usando o alfinete furou de alto a baixo todas as suas páginas. Cinco horas mais tarde Spenta tornou a abrir o livro maravilhoso e ao tentar ler o que o mesmo dizia percebeu, com espanto, que as páginas permaneciam silenciosas. Por mais que folheasse em todos os sentidos nada encontrou que a pudesse ajudar a descobrir o soldado. Furiosa, ela pegou o livro e atirou-o nas chamas da lareira. Com o choque, o alfinete caiu do livro e, assim que tocou o chão, de novo se transformou no soldado Taimaruz.
Spenta, a formosa, pegou na mão do soldado e falou:
— Conseguiste provar que és mais poderoso que eu; serei tua esposa conforme prometi.
O casamento foi celebrado com grande pompa poucos dias depois. E viveram felizes até o fim de seus dias.
E assim o soldado Taimaruz converteu-se no soberano das Ilhas Afortunadas e das Sete Cidades da Ilha Branca onde viviam as fadas e os gênios que serviam Spenta, a formosa filha de Ahura Mazda. O gigante Demrush continuou à servi-los fielmente e todos os dias vinha visitá-los trazendo-lhes as mais lindas flores da Colina dos Espaços Ocultos.
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Fonte:
As Lendárias Viagens de Marco Polo, por Chiang Sing.
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Texto revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.
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