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Capítulo VI
SOBRE AS INTELIGÊNCIAS E OS ESPÍRITOS, E SOBRE OS TRÊS TIPOS DELES, E SOBRE SEUS DIFERENTES NOMES, E SOBRE OS ESPÍRITOS INFERNAIS E SUBTERRÂNEOS
Continuando, devemos falar sobre as inteligências, os espíritos e os anjos. Uma inteligência é uma substância inteligível, livre de qualquer massa corpórea grosseira e perecível, imortal, insensível, que ajuda tudo e tem influência sobre tudo. As inteligências, os espíritos e os anjos têm a mesma natureza. Chamo de anjos não aqueles a quem normalmente chamamos de demônios, mas os espíritos que, na acepção da palavra, sabem, entendem e conhecem.
Há três tipos destes, de acordo com a tradição dos magos. Os primeiros chamados de supercelestes, com mentes totalmente isentas de corpo, esferas intelectuais adorando um único Deus, sua unidade ou centro mais firme e estável. São chamados de deuses por participarem da Divindade e estarem sempre plenos de Deus. Estes permanecem sempre ao redor de Deus, não regem os corpos do mundo nem são designados para governar as coisas inferiores, mas infundem nas ordens inferiores a luz recebida de Deus, distribuindo a cada um a sua tarefa. Os segundos são as inteligências celestes, chamados de anjos do mundo, designados para as esferas no mundo além do culto divino, e para o governos de cada céu e cada astro. São divididos em tantas ordens quantos céus existirem no mundo e quantos astros existem nos céus. São chamados de Saturninos os que governam o céu de Saturno e o próprio Saturno, de Joviais os que governam o céu de Júpiter e o próprio Júpiter, e assim por diante todos os nomes dos diferentes anjos assim como as virtudes de outros anjos.
Como os astrólogos concebem cinquenta e cinco movimentos, eles inventaram o mesmo número de inteligências ou anjos. Colocaram no céu estrelado anjos que regessem os signos, as triplicidades, os decanatos, os quinários, os graus e os astros. Embora a escola do peripatetismo designe apenas uma inteligência para cada um dos orbes dos astros, e cada astro e cada porção pequena do céu tenha seu próprio poder e sua própria influência, é necessário também que tenha sua inteligência regente para conferir poder e operar. Portanto, estabeleceram doze príncipes dos anjos que regem os doze signos do zodíaco, e trinta e seis que regem o mesmo número de decanatos, e setenta e dois que regem o mesmo número de quinários do céu, e as línguas dos homens e as nações, e quatro que regem as triplicidades e os elementos, e sete governadores do mundo todo de acordo com os sete planetas. E a todos deram nomes e selos, ao que chamam de caracteres, e usaram-nos nas suas invocações, encantamentos e gravuras, inscrevendo-os nos instrumentos de suas operações, imagens, pranchas, espelhos, anéis, papéis, velas e coisas semelhantes. Se operavam pelo Sol, invocavam o nome do Sol e os nomes dos anjos solares, procedendo da mesma maneira em relação aos outros. Em terceiro lugar, eles estabeleceram como ministros os anjos para dispor as coisas que estão abaixo, chamados por Orígenes de poderes invisíveis, aos quais as coisas da terra são designadas para serem ordenadas. Às vezes, orientam, invisíveis, nossas viagens e todos os nossos negócios, frequentemente estão presentes nas batalhas, e, com ajuda secreta, proporcionam aos seus amigos o sucesso desejado, pois podem proporcionar prosperidade e infligir adversidade ao seu bel-prazer. Estão subdivididos em ordens conforme sua essência: ígnea, aquática, aérea ou terrestre.
Estas quatro espécies de anjos são computadas de acordo com os quatro poderes das almas celestes, ou seja, a mente, a razão, a imaginação e a natureza vivificadora e movedora. Os ígneos seguem a mente das almas celestes, contemplando coisas mais sublimes. Os aéreos seguem a razão, favorecendo a faculdade racional, e de certa maneira, separam-na da sensitiva e vegetativa, servindo a uma vida ativa, assim como os ígneos servem à contemplativa. Os aquáticos seguem a imaginação, servindo a uma vida voluptuosa. Os terrestres seguem a natureza, favorecendo a natureza vegetal. Além disso, este tipo de anjos se distinguem em saturninos e joviais, de acordo com os nomes dos astros e dos céus; uns são orientais, outros ocidentais, outros meridionais e outros ainda setentrionais. Não há parte alguma do mundo destituída da ajuda adequada de um destes anjos – cada um reina num lugar específico, embora todos estejam por toda parte. Estes seres não estão sujeitos às influências dos astros, mas estão ligados ao céu acima do mundo, de onde todas as coisas recebem orientação específica e com o que todas as coisas devem estar conformes. Estes anjos são designados para diversos astros assim como para diversos lugares e épocas, não por serem limitados a qualquer lugar ou tempo, nem limitados aos corpos que governam, mas porque a Sabedoria Divina assim o decretou. Portanto, eles favorecem mais e apadrinham estes corpos, lugares, épocas e astros, recebendo o nome de diurnos, ou noturnos, ou meridionais, conforme o caso. Da mesma maneira que uns são chamados homens da floresta, outros montanheses, outros campesinos, outros domésticos, há deuses das florestas, deuses dos campos, sátiros, familiares, fadas das fontes, fadas das florestas, ninfas do mar, as náiades, as nereidas, as dríades, pieridas, hamadríades, patumidas, “hinnidas agapte”, palas, parcadas, dodonas, fanilas, lavernas, parcas, musas, as graças, os gênios, os duendes, e assim por diante.
O povo chama-os de superiores; alguns, de semi-deuses e deusas. Alguns destes são tão conhecidos pelos homens que até são afetados pelas perturbações dos homens. Segundo Platão, os homens muitas vezes realizam coisas extraordinárias, orientados por estes seres, assim como orientados por outros homens. Alguns animais que conhecemos bem, tais como macacos, cachorros, elefantes, fazem coisas estranhas para sua espécie. Os que escreveram as crônicas dos dinamarqueses e dos noruegueses comprovam que vários tipos de espíritos dessas regiões se sujeitam às ordens do homem. Alguns deles parecem ter um corpo e são mortais, são concebidos e morrem, embora tenham vida longa segundo a opinião dos egípcios e dos platônicos, idéia especialmente defendida por Proclo, Plutarco, o filósofo Demérito, o retórico Emiliano. Portanto, estes espíritos do terceiro tipo, segundo a opinião dos platônicos, formam tantas legiões quantos astros existem nos céus, mas existem aqueles que pensam (como Atanásio) que o verdadeiro número dos espíritos bons é o mesmo dos homens, noventa e nove partes, segundo a parábola dos cem carneiros. Outros acham que seja de nove partes apenas, segundo a parábola dos dez bodes.
Outros supõe que o número dos anjos é igual ao dos homens, porque está escrito que Ele determinou o número de pessoas de acordo com o número de anjos de Deus. Escreveram-se muitas coisas a respeito do número dos anjos. Os teólogos mais recentes, seguindo os mestres das sentenças Agostinho e Gregório, concluem que o número de anjos bons transcendem a capacidade humana. Por outro lado, correspondem-lhes inúmeros espíritos impuros, havendo tantos deles no mundo inferior quantos espíritos puros no superior. Alguns sacerdotes afirmam que isto lhes foi revelado. Abaixo destes existem espíritos subterrâneos os obscuros, os quais os platônicos chamam de anjos que falharam, designados pela justiça divina a serem os vingadores da iniquidade e da falta de fé. Chamam-nos de anjos malignos e espíritos nefastos porque frequentemente perturbam e ferem até por vontade própria. Formam muitas legiões correspondentes aos nomes dos astros e dos elementos, às partes do mundo, regido por reis, príncipes e soberanos. Quatro reis dos mais nefastos regem-nos de acordo com as quatro partes do mundo. Abaixo deles governam vários príncipes das legiões e muitos oficiais particulares. Daí os Górgones, Statenocte, as Fúrias, Tidifone, Alecto, Megera, Cérbero. Os seres deste tipo, como diz Porfírio, habitam o interior da própria Terra. Não há dano que não ousem cometer. Têm uma natureza violenta e agressiva, tramando e realizando danos violentos e repentinos. Quando fazem incursões às vezes se ocultam, às vezes atacam abertamente, comprazendo-se imensamente em todas as coisas nefastas e danosas.
Capítulo VII
SOBRE A ORDEM DOS ESPÍRITOS MALIGNOS, SUA QUEDA E SUAS DIFERENTES NATUREZAS
Dentre os teólogos, há alguns que classificam os espíritos malignos em nove graus, opostos às nove ordens de anjos. O primeiro destes é composto dos chamados falsos deuses, que, usurpando o nome de Deus se fazem cultuar como deuses e exigem sacrifícios e adorações, como o demônio disse a Cristo: “Se te prostrares e me adorares, dar-te-ei todas as coisas”, mostrando-lhe todos os reinos do mundo. Seu príncipe é aquele que disse:
“Subirei acima das nuvens e serei como o Deus Altíssimo”, chamado Belzebu, isto é, um deus antigo.
Em segundo lugar seguem-se os espíritos da mentira, como aquele que foi o espírito da mentira pela boca do profeta Ahab. Seu príncipe é a serpente Píton, daí Apolo ser chamado de Pítio e a mulher de Pitonisa, ou bruxa, em Samuel, como também aquela que tinha Píton em seu ventre, citada no Evangelho. Este tipo de demônio se agrega aos oráculos e engana os homens através de adivinhações e predições.
No terceiro grau estão os instrumentos de iniquidade, chamados de instrumentos da ira: são os inventores de coisas malignas e artes nefastas, como o demônio Teuto, citado por Platão, que ensinava o jogo de cartas e dados. Toda a maldade, a malícia e a deformação procedem deles, sobre quem, no Gênesis, nas ações de graça de Simeão e Levi, Jacó disse: “Instrumentos de iniquidade habitam suas casas, que minha alma não esteja em sua companhia”. O Salmista chama-os de instrumentos da morte; Isaías, de instrumentos da fúria; e Jeremias de instrumentos da ira; Ezequiel, de instrumentos da destruição e da morte; seu príncipe é Belial, que significa: sem direção, um desobediente, um prevaricador e um apóstata. Paulo, escrevendo aos coríntios, diz sobre ele: “Que acordo tem Cristo com Belial?”
Em quarto lugar seguem-se os vingadores do mal, e seu príncipe é Asmodeu, aquele que provoca o julgamento.
Seguindo em quinto lugar vêm os enganadores, que imitam milagres, servem aos conjuradores e às bruxas, e seduzem as pessoas com seus milagres, como a serpente seduzira Eva; seu príncipe é Satã, de quem está escrito no Apocalipse: “Ele seduziu o mundo inteiro, fazendo grandes sinais e fazendo o fogo descer do céu, aos olhos dos homens, seduzindo os habitantes da terra por estes sinais, os quais lhe são permitidos fazer”.
Em sexto lugar, os poderes aéreos oferecem-se para se juntarem ao trovão e ao relâmpago, corrompendo o ar, causando a pestilência e outros males. Fazem parte deles os quatro anjos mencionados no Apocalipse, aos quais é dado ferir a terra e o céu, segurando os quatro ventos dos quatro cantos da terra. Seu príncipe é chamado de Meririm. Ele é o demônio meridional, um espírito fervente, um demônio que agita o sul, a quem Paulo, na Epístola aos Efésios, chama de “príncipe do poder do ar e o espírito que domina sobre os filhos da incredulidade”.
A sétima mansão é possuída pelas fúrias, que são poderes do mal, da discórdia, da guerra e da devastação. No Apocalipse, em grego, são chamadas de Apolion, em hebraico, de Abaddon, que significa destruição e devastação.
Em oitavo lugar estão os acusadores e os inquisidores, cujo príncipe é Astaroth, que significa “aquele que rastreia”. Em grego, ele é chamado de Diabolus – acusador ou caluniador -, no Apocalipse, de “acusador dos irmãos, acusando-os dia e noite ante a face de Deus”.
Os tentadores e os ardilosos vêm em último lugar. Um deles está sempre presente em cada homem: é o gênio maligno e seu príncipe é Mammon, que é “a malícia interpretada”.
Nós, os cabalistas, afirmamos que os espíritos malignos andam para cima e para baixo neste mundo inferior, contra o qual se enfurecem, e a todos chamamos de demônios. Agostinho, no seu primeiro livro da Encadernação do Verbo, dirigindo-se a Januarius, diz que os pregadores eclesiásticos ensinaram que existiam os demônios e os anjos contrários às virtudes, mas não explicou claramente o que ou quem eles são. Entretanto, a opinião corrente entre eles é que esse demônio fora outrora um anjo, que se tornou apóstata e persuadiu muitos anjos a cair com ele, os quais até hoje são chamados de seus anjos. A Grécia, no entanto, não pensa que são amaldiçoados ou propositadamente malignos, mas que a ordem das coisas é assim desde a criação do mundo e que o tormento das almas pecadoras é entregue a eles. Outros teólogos dizem que nenhum demônio foi criado mau, mas que eles foram expulsos do céu, do meio das ordens de anjos bons, por causa de seu orgulho. Esta queda é confirmada não só por nossos teólogos hebreus, como também pelos assírios, árabes, egípcios e gregos. Fericies, o assírio, descreve a queda dos demônios, dizendo que Ofis, a serpente demoníaca, era líder das hostes rebeldes. A mesma queda é mencionada por Trismegisto no seu Pimander, e por Homero, sob o nome de Ararus, nos seus versos. Plutarco, em seu Discurso sobre a Usura, diz que Empédocles sabia que a queda dos demônios fora desta maneira. Os próprios demônios confessam frequentemente sua queda. Depois que foram expulsos para este vale de lágrimas, alguns próximos a nós erram neste ar obscuro, outros habitam os lagos, rios e mares; outros, a terra, e aterrorizam as coisas terrestres, atacam os que cavam poços e buscam metais, causam o tremor da terra abalando as bases das montanhas, perturbando não só os homens como outras criaturas também. Alguns se contentam com o riso e o engodo, procurando antes perturbar os homens que feri-los. Alguns se elevam à altura de gigantes ou se encolhem ao tamanho do anão, assumindo formas diferentes para amedrontar os homens. Outros estudam as mentiras e as blasfêmias, como lemos no terceiro livro dos Reis, que diz: “Serei um espírito da mentira na boca de todos os profetas de Ahab”. Mas o pior tipo de demônio é aquele que arma emboscadas para fazer mal aos viajantes e rejubilia-se com as guerras e o derramamento de sangue, afligindo os homens com as mais cruéis torturas. Lemos sobre estes em Mateus: “por medo de quem nenhum homem ousa passar por este caminho”. As Escrituras enumeram demônios noturnos, diurnos e merídios. Descrevem outros espíritos malignos com diferentes nomes, como lemos em Isaías sobre sátiros, mochos, sirenas, cegonhas e corujas. Em Salmos, lemos sobre víboras, basiliscos, leões, dragões. E no Evangelho, lemos sobre escorpiões, sobre Mammon, sobre o príncipe deste mundo, sobre os soberanos das trevas, cujo príncipe é Belzebu, chamado pelas Escrituras de príncipe da iniquidade.
Capítulo VIII
SOBRE A PERTURBAÇÃO DOS ESPÍRITOS MALIGNOS E A PROTEÇÃO QUE TEMOS DOS ESPÍRITOS BONS
Na opinião dos sacerdotes, todos os espíritos maus odeiam Deus e os homens. A Divina Providência designou os espíritos mais puros para que sejam nossos governantes e pastores, ajudando-nos todos os dias, afastando de nós os espíritos mais, refreando-os para que não nos magoem, o que certamente estes fariam não fosse isso. Em Tobias, lemos que Rafael prendeu o demônio chamado Asmodeu, aprisionando-o no deserto do Alto Egito. Hesíodo diz que há 30.000 espíritos imortais de Júpiter vivendo na Terra, que são guardiães dos homens mortais, que, para observar a justiça e os atos misericordiosos, vestiram-se de ar para poder andar por todos os lugares da Terra. Nenhum potentado poderia estar a salvo, nenhuma mulher continuaria pura, nenhum homem neste vale de ignorância poderia alcançar o fim para ele designado por Deus se os espíritos bons não nos protegessem, ou se os espíritos maus tivessem a permissão de satisfazer os desejos dos homens. Dentre os bons há um guardião ou protetor designado para cada ser humano, fortalecendo para o bem o seu espírito. Assim, um espírito mau é um inimigo que governa a carne e o desejo do homem, e o espírito bom luta por nós, protegendo-nos contra o inimigo e contra a carne.
O homem se encontra no meio entre estes dois oponentes e está em suas mãos escolher a quem conceder a vitória. Portanto, não podemos negar o livre-arbítrio ou acusar os anjos de não levar as nações a eles confiadas ao conhecimento do verdadeiro Deus e da verdadeira piedade, deixando-as cair no erro e no culto perverso. Isto deve ser imputado às próprias nações, que por sua livre escolha declinaram do caminho verdadeiro, aderindo aos espíritos do erro, dando a vitória ao demônio. Está nas mãos do homem aderir a quem lhe aprouver, dominando a quem quiser. Aquele que dominar o demônio, torna-o seu servo; o demônio perde a possibilidade de lutar, como a vespa que perdeu seu ferrão. Orígenes concorda com essa opinião no seu livro Periarchon, concluindo que os santos lutam contra os espíritos maus e, vencendo-os diminuem seu exército, impossibilitando o vencido de perturbar mais alguém. É dado a cada homem um espírito bom, assim como um espírito diabólico; cada um busca unir-se ao nosso espírito, procurando atraí-lo para si, misturar-se com ele como o vinho à água. Os bons, por meio de todas as obras condizentes a eles, nos transformam em anjos, unificando-nos. Em Malaquias está escrito sobre João Batista: “eis que envio meu anjo ante sua face”. Sobre esta transmutação e união está escrito que aquele que adere a Deus torna-se uno com ele. Um espírito mau, por meio de obras malignas, procura conformar-nos a si mesmo unindo-nos a ele, como Cristo fala de Judas: “Não é que escolhi doze, e um de vós é um demônio?”. Hermes diz que quando um espírito tem influência sobre a alma de um homem, espalha a semente de sua própria noção, fazendo com que esta alma, plena de sementes, cheia de fúria, suscite coisas extraordinárias e todas as coisas pertinentes aos espíritos. Quando um espírito bom tem influência sobre uma alma santa, eleva-se à luz da sabedoria. Um espírito mau, no entanto, transfundido numa alma ímpia, estimula-a para o roubo, o assassínio, a luxúria e todas as coisas pertinentes aos espíritos maus. Os bons espíritos, como Jamblico diz, purgam perfeitamente as almas, alguns concedendo-lhes outras coisas boas. Estando presentes, dão saúde ao corpo, virtude e segurança à alma; tiram aquilo que é mortal em nós, cuidam do calor e tornam-no mais eficiente para a vida e, por harmonização, sempre infundem luz numa mente inteligente. Os teólogos diferem em opinião se há muitos guardiães do homem ou apenas um. Nós pensamos que há mais de um, como diz o profeta: “Ele encarregou seus anjos de guardar-te em todos os teus caminhos”. Isto deve ser entendido, como diz Jerônimo, em relação a cada homem, assim como em relação a Cristo. Todos os homens são governados por um ministério de diferentes anjos e aqueles que se mostram merecedores deles são levados a um grau de virtude, merecimento e dignidade.
Aqueles que se comportam sem merecimento são abandonados e derrubados para o mais baixo degrau de miséria, segundo os seus deméritos, tanto por espíritos maus quanto pelos bons. Aqueles que são entregues aos anjos mais sublimes são preferidos a outros homens, pois os anjos que cuidam deles exaltam-nos, sujeitando outras pessoas a eles por um certo poder oculto, e, embora ninguém perceba, o sujeitado sente um certo jugo de supremacia, do qual não pode livrar-se facilmente. Ele teme e reverencia este poder que os anjos superiores fazem fluir sobre os inferiores, e com um certo terror levam os inferiores a temer a supremacia. Homero parece ter percebido isso, quando disse que as musas geradas por Júpiter, ou falando figuradamente, os que por elas eram feitos veneráveis e magníficos. Lemos que Marco Antônio costumava sempre jogar com Otávio Augusto, por quem desenvolveu uma amizade invulgar. Como sempre, porém, Augusto saía vencedor. Um certo mago aconselhou Marco Antônio da seguinte maneira: “Ó Antônio, o que fazes com este jovem? Afasta-te dele, pois embora sejas mais velho do que ele, e mais habilidoso, e de melhor descendência, e passastes por guerras de mais imperadores, teu Gênio teme muito o Gênio deste jovem, e tua sorte lisonjeia a fortuna dele. A menos que to o evites, parece que tu te subordinarás a ele inteiramente”. O príncipe não é igual a outros homens? Como outros homens o temerão e o respeitarão a não ser que o terror divino o exalte e inspira medo nos outros, reprimindo-os para que o reverenciem como um príncipe? Por isso devemos nos empenharmos em nos purificarmos com boas ações, seguindo coisas sublimes, escolhendo ocasiões e épocas oportunas, para que sejamos entregues aos cuidados de uma ordem de anjos mais sublimes e mais poderosos e possamos merecer a preferência.
Capítulo IX
QUE HÁ TRÊS GUARDIÃES DO HOMEM E DE ONDE CADA UM PROCEDE
Cada homem tem três daimons1 bons como seus guardiães ou protetores, sendo um santo, um do nascimento e um da profissão de fé. O daimon santo, de acordo com a doutrina dos egípcios, é designado à alma racional, não pelos astros ou pelos planetas, mas por uma causa sobrenatural, pelo próprio Deus que preside os daimons, universal e acima da natureza. Este orienta a vida da alma e sempre coloca bons pensamentos na mente, sempre a nos iluminar, embora nem sempre o percebamos. Quando estamos purificados e vivemos em paz, somos capazes de percebe-lo, e ele pode conversar conosco, comunicando-nos sua voz antes silenciosa, procurando sempre trazer-nos a uma perfeição sagrada. Assim acontece que uns aproveitam melhor alguma ciência, arte ou ofício, em menos tempo e com menos esforço, enquanto outros se esforçam muito e estudam intensamente, em vão. E embora nenhuma ciência, arte ou virtude deva ser desprezada, para viveres melhor continua teus negócios com contentamento, em primeiro lugar; conhece teu gênio2 bom e sua natureza, e tudo de bom que as predisposições celestes te prometem; conhece Deus, o distribuidor de tudo isto, que distribui a cada um como lhe agrada; segue os princípios, professa-os; tem bom desempenho na virtude para a qual o distribuidor altíssimo te eleva e te guia. Ele fez Abraão primar em justiça e clem6encia, Isaac, no temor, Jacó, na força, Moisés, em mansidão e milagres, Josué, na guerra, Fíneas, no zelo, Davi, na religião e na vitória, Salomão, no conhecimento e na fama, Pedro, na fé, João, na caridade, Jacó, na devoção, Tomé, na prudência, Madalena, na contemplação, Marta, no servir. Portanto, aplica-te para alcançar o máximo na virtude em que pensas poder ser mais produtivo, para que possas primar em uma se não puderes em muitas, mas procura ser o melhor que puderes nas outras. Se teus guardiães da natureza e da religião estiverem em harmonia, terás um progresso duplo na tua natureza e na tua profissão de fé. Se ,por outro lado, eles estiverem em desarmonia, segue o melhor, pois perceberás melhor na ocasião um protetor de uma profissão de fé excelente do que o do nascimento.
Capítulo X
SOBRE A LINGUAGEM DOS ANJOS, COMO CONVERSAM ENTRE SI E COMO CONVERSAM CONOSCO
Poderíamos duvidar se anjos ou daimons, por serem espíritos puros, usam qualquer discurso vocal ou linguagem entre eles ou conosco. Paulo diz em algumas ocasiões: “se falo na língua dos homens ou dos anjos”. Muitas pessoas se perguntam qual será sua linguagem ou língua. Muitos pensam que, se os anjos usam um idioma, certamente é o hebraico, porque este foi o primeiro de todos e veio do céu, e existia antes da confusão de línguas na Babilônia. Ë a língua na qual foi dada a lei por Deus Pai, o Evangelho foi pregado por Cristo o Filho, e tantos oráculos foram dados aos profetas pelo Espírito Santo. E como todas as línguas tiveram que passar e passam por diversas mutações e transformações, esta é a única que continua sempre intacta. Um sinal evidente da validade desta opinião é que, embora este daimon e esta inteligência usem a linguagem das nações nas quais habitam, falam sempre em hebraico com quem entende esta língua. Mesmo assim, para nós é velada a maneira como os anjos falam, assim como velados estão eles mesmos para nós. Para falarmos precisamos de órgãos como a língua, as mandíbulas, o palato, os lábios, os dentes, a garganta, os pulmões, a áspera artéria e os músculos do peito, que são acionados pela alma. Se falamos distantes um do outro, precisamos elevar nossa voz. Se falamos próximos um do outro, podemos sussurrar no ouvido, como que unidos ao ouvinte, sem qualquer barulho, como uma imagem dentro do olho ou num espelho. Assim falam as almas que saíram do corpo, as anjos e os daimons. Aquilo que o homem faz com uma voz sensível, eles o fazem imprimindo a imagem do que estão dizendo naqueles com quem estão falando, de maneira melhor do se tivessem de se expressar numa voz audível. O seguidor de Platão diz que Sócrates percebia seu daimon pelos sentidos, não do seu corpo físico, mas pelo sentido do seu corpo etérico, oculto no físico. Avicena acredita que os anjos eram vistos e ouvidos pelos profetas desta maneira. Este instrumento, qualquer que seja sua virtude, pelo qual um espírito traz ao conhecimento do outro as coisas que estão na sua mente é chamado pelo apóstolo Paulo de língua dos anjos. Ainda assim, frequentemente eles emitem uma voz audível, como aqueles que gritaram na ascensão do Senhor: “Homens da Galiléia, por que estais a olhar para o céu?”. E no Velho Testamento eles falavam com vários patriarcas com uma voz sensível, mas somente quando assumiam um corpo. No entanto, ignoramos totalmente com que sentido estes espíritos e daimons ouvem nossas invocações e orações e vêem nossas cerimônias.
Os daimons têm um corpo espiritual naturalmente sensível, que toca, vê e ouve sem qualquer meio e sem qualquer impedimento. Mas eles não percebem assim como nós, com diferentes órgãos, e sim como as esponjas que assimilam a água, assimilando todas as coisas sensíveis com os seus corpos ou de alguma outra maneira desconhecida para nós. Nem todos os animais são dotados desses órgãos, pois conhecemos muitos a quem faltam os ouvidos e mesmo assim percebem o som, embora desconheçamos como.
por Francis Barrett
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