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Marquês de Sade

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Alfonso Donatiano Francisco de Sade é um dos autores mais conhecidos e difamados da literatura. Difamado, com certeza, mas poucas pessoas realmente o conhecem, ou melhor, podem o compreender. Sade foi um homem polemico, seja para sua época, seja para os dias de hoje pois possuía uma tendência a questionar tudo, especialmente a religião. Ouvir o seu nome é ser remetido para o século XVIII, portanto uma pequena contextualização histórica faz-se necessária.

 

Nesta época o clero perdia suas forças. A Igreja por anos havia  ditado o modo de viver da população e construído sua realidade, mas agora, mesmo na França, este refúgio romano, a Lógica, Razão e o Estudo analítico da História tomavam paulatinamente o lugar da Tradição e das Escrituras. A burguesia ganhava poder e os padres, eternos companheiros da monarquia, tornavam-se cada vez mais desnecessários. Uma horda de pensadores ateus como Diderot, Rousseau e Voltaire começavam a surgir. Muitos começaram a perceber que Deus e o Diabo, bem e mal, e todas as leis morais eram somente valores arbitrários. Bem e mal não eram mais absolutos e isso fez uma grande confusão na mente de muitas pessoas, os ateus tinham então três alternativas:

  • Podiam buscar a um ética em algum lugar diferente, como no consenso das tradições legais e constitucionais.
  • Podiam argumentar que mesmo a moral sendo arbitrária ela é socialmente necessária.
  • Ou poderiam declarar-se  verdadeiramente livres de todo valor e de toda moralidade.

A maioria dos ateus retrocederam para as duas primeiras opções e fugiram horrorizados desta última alternativa.  Não foi o caso de Marques de Sade.

Marqués de Sade, depreciava Deus e o Diabo da mesma maneira e como princípio da natureza, não via nada de amável e ordenado, pelo contrario, via algo totalmente indiferente para com os problemas humanos. Como ele mesmo dizia, a Natureza sorri para a vitória dos perversos pelo menos com tanta freqüência como ante os esforços dos bondosos; e mais freqüentemente deste fato, pois os malvados possuem astúcia o bastante para derrubar todos os que necessitarem.  “O autor do Universo —escreve Sade— é o mais perverso , feroz e terrível de todos os seres”. Ou o seria, se agisse conscientemente. Segundo ele, não há nenhum Deus, nenhum patrão absoluto do bem e do mal, nenhuma ordem intrínseca nas coisas.

E  em um mundo relativo e sem valor, argumenta Sade, a única razão é buscar os prazeres pessoais. Se alguém desfruta da tortura, isso é bom e está bem.  Se outros não gostam, não necessitam praticá-la, mas do mesmo modo não têm o direito de impor a ninguém o seu ponto de vista.  Au contraire! As violações das assim chamada, leis morais, são dignas de todo elogio; pois demonstram o quão falsas são as restrições que impedem-nos de alcançar o bem supremo: o prazer pessoal. A virtude e a lei são fantasias; e a misericórdia, a gentileza e o altruísmo revelam-se muitas vezes como perversões.

Os prazeres sexuais são um dos mais intensos e deveriam ser buscados sem restrições. Não é, portanto de se espantar que Sade foi odiado por sua sociedade. E foi obrigado a alternar períodos de libertinagem e encarceramento, permanecendo preso por 27 anos de sua vida. Quais foram os “crimes” do Marquês?

Sua primeira acusação foi em 1763 em Vincennes, por “práticas libertinas agravadas por atos de blasfêmia”. Simplesmente ridículo, qualquer adolescente de hoje seria jogado junto com ele no cárcere.  Estes preceitos morais que o condenou seriam os mesmo contra os quais lutaria por toda a sua vida.

Homem de várias amantes, Sade promovia orgias bissexuais e estava envolvido em acusações de envolvimento com prostitutas que permitiam-se flagelar, casos homossexuais com seu criado e era inimigo declarado da religião.  Mas foi a sodomia, seu maior problema,  em 1768 foi acusado por uma jovem por tê-la torturado prazerosamente enquanto proferia obscenidades.

Em 1772, o marquês organizou uma orgia com seu criado e várias prostitutas. Após tomarem excessivas doses de afrodisíacos, elas pensaram que tinham sido envenenadas e apresentaram queixa que novamente incluíam sodomia e práticas homossexuais de Sade com o criado. O marquês fugiu então para Itália, não sem antes seduzir a cunhada, que era freira e abandonou o hábito para escapar com ele. Episódios como este se repetiram à exaustão, com a sogra de Sade intervindo vez por outra para abrandar a sentença.

Sade faria qualquer coisa para conseguir prazer pessoal, nem que isso significa-se torturar alguém. Por este e outros motivo filósofos e autoridades da época, reagiram com repugnância e horror à Sade que revelava as implicações lógicas de suas próprias crenças.

O Marquês escancarou o dilema de modo que só os covardes não enxergariam. Ou o mal verdadeiro existia ou não.  Ou há fundamentos absolutos para julgar as ações ou não há. Ou o cosmos tem significado ou não tem.  É simples assim. Se a resposta for não, então os argumentos e ações de Sade são corretos, frutos legítimos de ateísmo puro e conseqüente deificação pessoal.

Sade foi considerado um pervertido durante cem anos, até o final do século XIX, onde se reconheceu que este inimigo do amor cortes  havia sacado uma luz sobre a natureza humana, até então intocada: A busca do prazer com absoluta independência e exaltação das sensações por todos os meios e combinações possíveis. Digamos que pagou muito mais tempo de prisão do que o que devia, já que por certas ocasiões suas fantasias iam de encontro com a liberdade de membros da sociedade em que vivia.

Deve-se ter em conta que as obras de Sade,  como “Justine”, “Os 120 dias de Sodomia”, “Aline e Valcour”, “Filosofia em Boudoir” e “Crimes do Amor” todas escritas numa prisão ou num hospício, completando um total de 33 tomos são, antes de uma apologia à violência, ataques frontais contra uma sociedade  pacata e moralizante, que dizia defender a liberdade e a livre expressão, mais que ainda se mostrava amarrada em opressão.  Antes mesmo de Freud, Sade demonstrou que os homens se horrorizam com sua própria mente e muito antes de Sartre mostrou também que o ser humano tem pânico de ser responsável pela sua própria liberdade.

1740 –1814


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