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Quem assistiu o filme 47 Ronins, e tem um gosto pelas coisas estranhas certamente voltou para casa se perguntando, que diabos eram os Tengu, aqueles sacerdotes reclusos da sociedade com olhos esbugalhados e poderes paranormais. Este nome também já apareceu em jogos como o Ragnarok Online e AdventureQuest Worlds e em uma série de outros filmes, e mangás. Bom, “diabos” talvez seja uma palavra apropriada, pois os Tengu são um tipo de demônio das lendas japonesas, presentes tanto no budismo como no xintoísmo.
A origem dos Tengu
Tengu (天狗) significa “cachorro dos céus” e este nome tem origem em um ser celestial canino chinês (Tien Kou). Na mitologia chinesa o Tinagou é um imenso lobo comedor de gente, semelhante a um cometa. Quando ele corta o céu como uma estrela cadente, o barulho que provoca é como um poderoso trovão e sempre é tomado como um sinal de que a guerra se aproxima. No Japão, contudo, Tengu não é um único ser, mas toda uma classe de seres que inicialmente eram mais semelhantes a aves de rapina do que a cães. As versões mais antigas são retratadas com bicos e penas, mas essas características foram perdidas com o tempo.
Como o Tengu se transformou de um cão-meteoro chinês em um homem pássaro japonês é algo que ninguém sabe exatamente. Existe contudo uma possível explicação antropológica que remonta à demonização e exílio do budismo Shugendô. No Japão pré-feudal nasceu esta corrente do budismo que uniu elementos do taoísmo, xintoísmo e crenças animistas para formar uma escola do Mikkyo, o budismo esotérico.
Por meio de praticas severas e rígida ascese ( exercício de renúncia aos prazeres e necessidades básicas, com fins espirituais), seus seguidores buscavam adquirir maestria no domínio das artes marciais e algumas formas de poderes espirituais, como: o força sobre-humana, poderes de cura, clarividência, levitação, entre outros. Estas disciplinas exigiam uma forte separação do resto da sociedade. Isolados e misteriosos logo atraíram o medo das demais pessoas. Nesta época, o Tiangou chinês já estava sincretizado com o deus hindu Garuda, ganhando características de pássaro e com algumas entidades demoníacas xintoístas. O passo seguinte foi pluralizar este demônio pássaro em toda uma espécie de seres, num processo de demonização dos seguidores do budismo Shugendô.
Mitos e transformações dos Tengu
As lendas começaram a se multiplicar, até que no período Heian uma série de histórias foram publicadas em uma coleção chamada “Konjaku Monogatari”, contendo os principais contos que caracterizariam os Tengus nos séculos a seguir. Estes tengus eram demônios inimigos do budismo, que buscavam a todo custo confundir e desencaminhar as pessoas para longe dos ensinamentos de Buddha. Para atingir seus fins eles se valem de uma série de poderes, como a capacidade de mudar de forma, de tamanho, de criar ilusões, de ventriloquismo, teletransporte e o poder de entrar nos sonhos de quem dorme. Eles sequestravam discípulos e os largavam em lugares remotos, roubavam e vandalizavam templos e recompensavam quem os adorassem com poderes profanos. Frequentemente disfarçados como sacerdotes ou sacerdotisas e escondendo seu aspecto demoníaco.
Devido a seus poderes de ilusão e transformação a arte oriental apresenta os Tengus de muitas formas diferentes, algumas gigantescas como os daitengu outras minúsculas como os konoha-tengu. Contudo, existe uma tendência de serem retratados sempre com narizes extremamente grandes ou as órbitas oculares bastante proeminentes. As lendas contam também que os Tengu geralmente carregam consigo um leque mágico feito de penas, com o qual conseguem enfeitiçar as pessoas. Estes leques às vezes possuem o poder de fazer o nariz de uma pessoa crescer ou de provocar poderosas ventanias.
Com o passar do tempo os Tengus foram popularizados como demônios caóticos cuja grande missão é causar discórdia e desordem. Estão sempre ligados à figura dos orgulhosos, em alguma histórias infernizando sua vida, em outras destilando orgulho em seus corações para fazê-los cair no reino dos tengu (天狗道, tengudō). Isso porque muitas lendas afirmam que os próprios Tengus foram samurais ou monges que foram desencaminhados em algum momento de suas vidas.
Essa imagem de fantasmas de sacerdotes e monges corrompidos ganhou força nos séculos 12 e 13. Mais espirituais e menos físicos. Nessa época as histórias começaram a falar de tengus que possuíam o corpo de belas mulheres, para então seduzir os monges ou para falar por meio de suas bocas (kitsunetsuki). Também começaram a raptar crianças, assim como já faziam com os sacerdotes. Ambos eram encontrados mais tarde perdidos na floresta, pendurados no topo de árvores ou mesmo na segurança em seus lares. Entretanto, todas as vítimas dos tengu voltavam quase mortas ou em um estado de completa loucura, acreditando ser animais e se alimentando de fezes.
Além de eternos inimigos do budismo neste período, os tengus também passaram a se preocupar com a família real japonesa. Kojidan nos conta a história da Imperatriz possuída e Ōkagamirelata o caso do imperador Sanjō que ficou cego por conta do ataque de um tengu, espírito de um sacerdote que desejava o trono.
Um famoso tengu do século 12 foi, ele mesmo, o espírito de um Imperador. Hōgen Monogatari nos conta a história do Imperador Sutoku, que foi forçado pelo pai a abandonar o trono. Ele teria liderado uma rebelião contra a dinastia de Go-Shirakawa, mas foi derrotado e exilado na provincia de Sanuki em Shikoku. Diz a lenda, que morreu em tormento e desde então assombra o Japão como um grande demônio, se tornando um terrível tengu com unhas afiadas e olhos felinos.
Como no exemplo acima, as lendas dos Tengus se confundem com a própria história do Japão. Conta-se que o Minamoto no Yoshitsune, um dos samurais mais notáveis da história japonesa, foi aluno do Rei dos Tengu, aprendendo com ele habilidades mágicas de esgrima e artes marciais. Outros personagens históricos, como o senhor feudal Kobayakawa Takakage, também tiveram alguma relação ou conflito com os tengus.
Tardiamente, a partir do período Edo, foi possível notar uma última transformação na forma como os tengus são retratados. Embora ainda perigosos, gradualmente ganharam o status de protetores, sendo relacionados com certas divindades xintoístas (shinto kami) que guardavam as montanhas e os templos. Em todos estes momentos os tengus sempre guardaram as características de serem seres não-humanos com poderes sobrenaturais, mestres no combate e dotados de uma moralidade e crenças próprias. Difícil dizer quais destas características fazem deles mais assustadores.
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