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O taoísmo, o confucionismo e o budismo constituem as três principais religiões da China e do Extremo Oriente. Ao contrário do budismo, no entanto, o taoísmo e o confucionismo não se tornaram religiões mundiais, mas basicamente permaneceram na China e onde quer que a cultura chinesa tenha afirmado sua influência. Embora não existam números oficiais do número atual de seus seguidores na China, o taoísmo e o confucionismo juntos dominaram a vida religiosa de quase um quarto da população mundial nos últimos 2.000 anos.
‘Que uma centena de flores desabrochem; deixe uma centena de escolas contendam.’ Esse ditado, tornado famoso por Mao Tse-tung da República Popular da China em um discurso em 1956, era na verdade uma paráfrase da expressão que os estudiosos chineses usaram para descrever a era na China do quinto ao terceiro séculos a.C., chamada o período dos Estados Combatentes. A essa altura, a poderosa dinastia Chou (c. 1122-256 a.C.) havia se deteriorado em um sistema de estados feudais frouxamente ligados entre si que estavam engajados em guerras contínuas, para grande aflição das pessoas comuns.
A turbulência e o sofrimento provocados pelas guerras enfraqueceram seriamente a autoridade da classe dominante tradicional. O povo comum não se contentava mais em se submeter aos caprichos e artimanhas da aristocracia e sofrer silenciosamente as consequências. Como resultado, ideias e aspirações há muito reprimidas brotam como “cem flores”. Diferentes escolas de pensamento avançaram suas ideias sobre governo, lei, ordem social, conduta e ética, bem como sobre assuntos como agricultura, música e literatura, como meios para restaurar alguma normalidade à vida. Elas passaram a ser conhecidas como as “cem escolas”. A maioria delas não produziu um efeito duradouro. Duas escolas, no entanto, ganharam tal destaque que influenciaram a vida na China por mais de 2.000 anos. Elas foram o que eventualmente veio a ser conhecido como taoísmo e confucionismo.
Pronúncia de Palavras Chinesas:
Na transliteração de palavras chinesas, este livro adota a forma usada na Enciclopédia Mirador Internacional ou na Enciclopédia Delta Universal. A pronúncia equivalente em português é fornecida abaixo:
ch = é pronunciado dj, como em Tao Te Ching (djing).
ch’ = tx, com em dinastia Ch’in (txin)
hs = x, como em Ta Hsueh (xu-ê), O Grande Aprendizado
j = r, como em jen (ren), coração humanitarista
k = g, como na deusa budista Kuan-yin (guan-jin)
k’ = c, como em K’ung-fu-tzu (Confúcio)
t = d, como em Tao (dao), o Caminho
t’ = t, como em dinastia T’ang (tang)
TAO – O QUE É?
Para entender por que o taoísmo e o confucionismo passaram a exercer uma influência tão profunda e duradoura sobre o povo chinês, bem como sobre os do Japão, Coreia e outras nações vizinhas, é necessário ter alguma compreensão do conceito chinês fundamental de Tao. A própria palavra significa “caminho, estrada ou vereda”. Por extensão, também pode significar “método, princípio ou doutrina”. Para os chineses, a harmonia e a ordem que percebiam no universo eram manifestações do Tao, uma espécie de vontade ou legislação divina que existe no universo e o regula. Em outras palavras, ao invés de acreditar em um Deus Criador, que controla o universo, eles acreditavam em uma providência, uma vontade do céu, ou simplesmente o próprio céu como a causa de tudo.
Aplicando o conceito de Tao aos assuntos humanos, os chineses acreditavam que existe uma maneira natural e correta de fazer tudo e que tudo e todos têm seu devido lugar e sua própria função. Eles acreditavam, por exemplo, que se o governante cumprisse seu dever lidando com justiça com o povo e cuidando dos rituais de sacrifício pertencentes ao céu, haveria paz e prosperidade para a nação. Da mesma forma, se as pessoas estivessem dispostas a buscar o caminho, ou Tao, e segui-lo, tudo seria harmonioso, pacífico e eficaz. Mas se eles fossem contrários ou resistissem, o resultado seria caos e desastre.
Essa ideia de seguir o Tao e não interferir em seu fluxo é um elemento central do pensamento filosófico e religioso chinês. Pode-se dizer que o taoísmo e o confucionismo são duas expressões diferentes do mesmo conceito. O taoísmo adota uma abordagem mística e, em sua forma original, defende a inação, a quietude e a passividade, evitando a sociedade e retornando à natureza. Sua ideia básica é que tudo vai dar certo se as pessoas se sentarem, não fizerem nada e deixarem a natureza seguir seu curso. O confucionismo, por outro lado, adota uma abordagem pragmática. Ensina que a ordem social será mantida quando cada pessoa desempenhar seu papel pretendido e cumprir seu dever. Para esse fim, ele codifica todas as relações humanas e sociais – governante-súdito, pai-filho, marido-mulher e assim por diante – e fornece diretrizes para todas elas. Naturalmente, isso traz as seguintes questões: Como esses dois sistemas surgiram? Quem foram seus fundadores? Como são praticados hoje? E o que eles fizeram no que diz respeito à busca do homem por Deus?
TAOÍSMO – UM COMEÇO FILOSÓFICO:
“Em seus estágios iniciais, o taoísmo era mais uma filosofia do que uma religião. Seu fundador, Lao-tzu, estava insatisfeito com o caos e a turbulência da época e buscou alívio evitando a sociedade e retornando à natureza. Não se sabe muito sobre o homem, que se diz ter vivido no século sexto a.C., embora mesmo isso seja incerto. Ele era comumente chamado de Lao-tzu, que significa “Velho Mestre” ou “Velho”, porque, segundo a lenda, sua mãe grávida o carregou por tanto tempo que, quando ele nasceu, seu cabelo já estava branco.
O único registro oficial sobre Lao-tzu está nos Shih Chi (Registros Históricos), de Ssu-ma Ch’ien, um respeitado historiador da corte do segundo e primeiro séculos a.C. De acordo com essa fonte, o verdadeiro nome de Lao-tzu era Li Ur. Ele serviu como escriturário nos arquivos imperiais em Loyang, China central. Mas, mais significativamente, dá este relato sobre Lao-tzu:
“Lao Tzu residiu em Chou a maior parte de sua vida. Quando ele previu a decadência de Chou, ele partiu e veio para a fronteira. O oficial da alfândega Yin Hsi disse: ‘Senhor, como lhe agrada retirar-se, peço-lhe que escreva um livro por mim.’ Então Lao Tzu escreveu um livro de duas partes consistindo de cinco mil e ímpares palavras, no qual discutiu os conceitos do Caminho [Tao] e do Poder [Te]. Então ele partiu. Ninguém sabe onde ele morreu.”
Muitos estudiosos duvidam da autenticidade desse relato. De qualquer forma, o livro que foi produzido é conhecido como Tao Te Ching (geralmente traduzido como “O Clássico do Caminho e do Poder”) e é considerado o principal texto do taoísmo. Está escrito em versos concisos e enigmáticos, alguns dos quais com apenas três ou quatro palavras. Por causa disso e porque o significado de alguns caracteres mudou consideravelmente desde a época de Lao-tzu, o livro está sujeito a muitas interpretações diferentes.
BREVE VISÃO DO “TAO TE CHING”:
Em Tao Te Ching, Lao-tzu expôs o Tao, o caminho supremo da natureza, e o aplicou a todos os níveis da atividade humana. Aqui citamos uma tradução moderna inglesa por Gia-fu Feng e Jane English para ter um vislumbre de Tao Te Ching. A respeito do Tao, diz o seguinte:
“(Havia) algo misteriosamente formado,
Nascido antes do céu e da terra…
Talvez seja a mãe de dez mil coisas.
Não sei seu nome.
Chame-o de Tao.” – Capítulo 25.
“Todas as coisas surgem do Tao.
Elas são nutridas pela Virtude [Te].
Elas são formadas da matéria.
Elas são moldadas pelo ambiente.
Assim, todas as dez mil coisas respeitam o Tao e honram a Virtude [Te].” — Capítulo 51.
O que podemos deduzir dessas passagens enigmáticas? Que para os taoístas, o Tao é uma força cósmica misteriosa que é responsável pelo universo material. O objetivo do taoísmo é buscar o Tao, deixar para trás o mundo e tornar-se um com a natureza. Este conceito também se reflete na visão dos taoístas sobre a conduta humana. Aqui está uma expressão desse ideal no Tao Te Ching:
“Melhor parar logo do que encher até a borda.
Afie demais a lâmina e o fio logo ficará cego.
Acumule um estoque de ouro e jade, e ninguém poderá protegê-lo.
Reivindique riqueza e títulos, e o desastre se seguirá.
Recolha-se quando o trabalho estiver concluído.
Este é o caminho do céu.” — Capítulo 9.
Esses poucos exemplos mostram que, pelo menos inicialmente, o taoísmo era basicamente uma escola de filosofia. Reagindo às injustiças, sofrimento, devastação e futilidade que resultaram do domínio severo do sistema feudal da época, os taoístas acreditavam que o caminho para encontrar a paz e a harmonia era voltar à tradição dos antigos antes que houvesse reis e ministros que dominassem o povo. O ideal deles era viver uma vida tranquila e rural, em união com a natureza.
O SEGUNDO SÁBIO DO TAOÍSMO:
A filosofia de Lao-tzu foi levada um passo adiante por Chuang Chou, ou Chuang-tzu, que significa “Mestre Chuang” (369-286 a.C.), que foi considerado o mais eminente sucessor de Lao-tzu. Em seu livro, Chuang Tzu, ele não apenas elaborou o Tao, mas também expôs as ideias de yin e yang, desenvolvidas pela primeira vez no I Ching (O Livro das Mutações). Em sua opinião, nada é realmente permanente ou absoluto, mas tudo é em um estado de fluxo entre dois opostos. No capítulo “Dilúvio de Outono”, ele escreveu:
“Nada no universo é permanente, pois tudo vive apenas o suficiente para morrer. Somente o Tao, que não tem começo nem fim, dura para sempre. … A vida pode ser comparada a um cavalo veloz galopando a toda velocidade – ele muda constante e continuamente, a cada fração de segundo. O que você deve fazer? O que você não deve fazer? Realmente não faz nenhuma diferença.”
Por causa dessa filosofia da inércia, a visão taoísta é que não faz sentido alguém fazer algo para interferir no que a natureza colocou em movimento. Mais cedo ou mais tarde, tudo voltará ao seu oposto. Não importa quão insuportável seja a situação, logo se tornará melhor. Não importa quão agradável seja a situação, logo desaparecerá. Esta filosofia de vida é tipificada em um sonho de Chuang-tzu, pelo qual as pessoas comuns melhor se lembram dele:
Certa vez Chuang Chou sonhou ser uma borboleta, uma borboleta que esvoaçava e adejava, feliz consigo mesma e vivendo a seu bel-prazer. Ela não sabia que era Chuang Chou. De repente ele acordou e lá estava ele, sólido e inconfundível Chuang Chou. Mas ele não sabia se ele era Chuang Chou que sonhara que era uma borboleta, ou uma borboleta sonhando que era Chuang Chou.”
A influência dessa filosofia é vista no estilo da poesia e da pintura desenvolvidos por artistas chineses de gerações posteriores. O taoísmo, no entanto, não permaneceria como uma filosofia passiva por muito tempo.
DA FILOSOFIA A RELIGIÃO:
Em sua tentativa de estar em harmonia com a natureza, os taoístas ficaram obcecados com sua intemporalidade e resiliência. Eles especularam que talvez vivendo em harmonia com o Tao, ou o caminho da natureza, alguém pudesse de alguma forma explorar os segredos da natureza e se tornar imune a danos físicos, doenças e até mesmo à morte. Embora Lao-tzu não tenha feito disso um problema, passagens no Tao Te Ching pareciam sugerir essa ideia. Por exemplo, o capítulo 16 diz: “Estar em harmonia com o Tao é eterno. E embora o corpo morra, o Tao jamais perecerá.” A tradução de Lin Yutang desta passagem diz: “Estando de acordo com o Tao, ele é eterno, e toda a sua vida é preservada de dano.”
Chuang-tzu também contribuiu para tais especulações. Por exemplo, em um diálogo em Chuang Tzu, um personagem mítico perguntou a outro: “Você é de uma idade avançada e, no entanto, tem a tez de uma criança. Como pode?” Este respondeu: “Aprendi o Tao”. A respeito de outro filósofo taoísta, Chuang-tzu escreveu: “Agora Liehtse podia cavalgar no vento. Deslizando alegremente na brisa fresca, ele continuaria por quinze dias antes de seu retorno. Entre os mortais que alcançam a felicidade, tal homem é raro.”
Histórias como essas acenderam a imaginação dos taoístas, que começaram a fazer experiências com meditação, dieta e exercícios respiratórios que supostamente poderiam retardar a decadência e a morte do corpo. Logo começaram a circular lendas sobre imortais que podiam voar sobre as nuvens e aparecem e desaparecem à vontade e que viveram em montanhas sagradas ou ilhas remotas por incontáveis anos, sustentados por orvalho ou frutas mágicos. A história chinesa relata que em 219 a.C., o imperador Ch’in, Shih Huang-Ti, enviou uma frota de navios com 3.000 meninos e meninas para encontrar a lendária ilha de P’eng-lai, a morada dos imortais, para trazer de volta a erva da imortalidade. Escusado será dizer que eles não voltaram com o elixir, mas a tradição diz que eles povoaram as ilhas que vieram a ser conhecidas como Japão.
Durante a dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.), as práticas mágicas do taoísmo atingiram um novo auge. Dizia-se que o imperador Wu Ti, embora promovesse o confucionismo como ensino oficial do Estado, foi muito atraído pelo conceito taoísta de imortalidade física. Ele estava particularmente interessado com as engendradas ‘pílulas da imortalidade’ da alquimia. No conceito taoísta, a vida resulta quando as forças opostas yin e yang (femininas e masculinas) se combinam. Assim, ao fundir chumbo (escuro, ou yin) com mercúrio (claro, ou yang), os alquimistas estavam imitando o processo da natureza, e o produto, eles pensavam, seria uma pílula da imortalidade. Os taoístas também desenvolveram exercícios semelhantes ao ioga, técnicas de controle da respiração, restrições alimentares e práticas sexuais que, segundo se acreditava, fortaleciam a energia vital e prolongavam a vida. Sua parafernália incluía talismãs mágicos que diziam tornar alguém invisível e invulnerável a armas ou permitir que alguém andasse sobre a água ou voasse pelo espaço. Eles também tinham selos mágicos, geralmente contendo o símbolo yin-yang, afixados em prédios e portas para repelir espíritos malignos e feras selvagens.
Por volta do segundo século d.C., o taoísmo tornou-se organizado. Um certo Chang Ling, ou Chang Tao-ling, estabeleceu uma sociedade secreta taoísta no oeste da China e praticava curas mágicas e alquimia. Como cada membro recebia uma taxa de cinco celamins (uma medida de capacidade para secos equivalente a 8,81 litros) de arroz, seu movimento ficou conhecido como o Taoísmo dos Cinco Celamins de Arroz (wu-tou-mi tao). Alegando ter recebido uma revelação pessoal de Lao-tzu, Chang se tornou o primeiro “mestre celestial”. Finalmente, foi dito que ele conseguiu fazer o elixir da vida e ascendeu vivo ao céu, montado em um tigre, do Monte Lung-hu (a Montanha Tigre-Dragão) na província de Kiangsi. Com Chang Tao-ling começou uma sucessão de séculos de “mestres celestiais” taoístas, cada um considerado uma reencarnação de Chang.
ENFRENTANDO O DESAFIO DO BUDISMO:
Por volta do sétimo século, durante a dinastia T’ang (618-907 d.C.), o budismo estava fazendo incursões na vida religiosa chinesa. Como contramedida, o taoísmo se promovia como religião com raízes chinesas. Lao-tzu foi deificado e os escritos taoístas foram canonizados. Construíram-se templos, mosteiros e conventos, e estabeleceram-se ordens de monges e monjas, mais ou menos à moda budista. Além disso, o taoísmo também adotou em seu próprio panteão muitos dos deuses, deusas, fadas e imortais do folclore chinês, como os Oito Imortais (Pa Hsien), os deuses dos lares (Tsao Shen), os deuses da cidade (Ch’ eng Huang), e os guardiões da porta (Men Shen). O resultado foi um amálgama envolvendo elementos do budismo, superstições tradicionais, espiritismo e adoração de ancestrais.
Com o passar do tempo, o taoísmo degenerou lentamente em um sistema de idolatria e superstição. Cada pessoa simplesmente adorava seus deuses e deusas favoritos nos templos locais, pedindo-lhes proteção contra o mal e ajuda para obter fortuna terrena. Os sacerdotes eram contratados para realizar funerais, selecionar locais favoráveis para sepulturas, casas e negócios; comunicar-se com os mortos; afastar os maus espíritos e fantasmas, celebrar festivais e realizar diversos outros rituais. Assim, o que começou como uma escola de filosofia mística transformou-se em uma religião profundamente atolada na crença em espíritos imortais, fogo do inferno e semideuses.
OUTRO EMINENTE SÁBIO DA CHINA:
Embora tenhamos traçado a ascensão, o desenvolvimento e a decadência do taoísmo, devemos lembrar que foi apenas uma das “cem escolas” que floresceram na China durante o período dos Estados Combatentes. Outra escola que acabou ganhando destaque, na verdade, domínio, foi o confucionismo. Mas por que o confucionismo ganhou tanto destaque? De todos os sábios chineses, Confúcio é sem dúvida o mais conhecido fora da China, mas quem realmente era? E o que ele ensinou?
Em relação a Confúcio, voltamos novamente aos Shih Chi (Registros Históricos) de Ssu-ma Ch’ien. Em contraste com o breve esboço sobre Lao-tzu, encontramos uma extensa biografia de Confúcio. Aqui estão alguns dados pessoais citados de uma tradução do estudioso chinês Lin Yutang:
“Confúcio nasceu na cidade de Tsou, no condado de Ch’angping, no país de Lu. .. . [Sua mãe] orou na colina Nich’iu e gerou Confúcio em resposta à sua oração, no vigésimo segundo ano do duque Hsiang de Lu (551 a.C.). Houve uma convolução perceptível na sua cabeça por ocasião de seu nascimento, e foi por isso que ele foi chamado de ‘Ch’iu (significando uma “colina”). Seu nome literário era Chungni e seu sobrenome era K’ung.”
A palavra “Confúcio” é uma transliteração latina do chinês K’ung fu-tzu, que significa “K’ung, o Mestre”. Os padres jesuítas que vieram para a China no século dezesseis cunharam o nome latinizado quando recomendaram ao papa de Roma que Confúcio fosse canonizado como um “santo” da Igreja Católica Romana.
Pouco depois de seu nascimento, seu pai morreu, mas sua mãe, embora pobre, conseguiu lhe proporcionar uma educação adequada. O menino desenvolveu um grande interesse pela história, poesia e música. De acordo com Os Analectos, um dos quatro livros confucionistas, ele se dedicou ao estudo acadêmico quando atingiu a idade de 15 anos. Aos 17 anos, ele recebeu um cargo menor no governo em seu estado natal de Lu.
Sua situação financeira aparentemente melhorou, de modo que se casou aos 19 anos e teve um filho no ano seguinte. Em seus 20 e poucos anos, no entanto, sua mãe morreu. Isso evidentemente teve um grande efeito sobre ele. Sendo um observador meticuloso das tradições antigas, Confúcio se retirou da vida pública e pranteou sua mãe em seu túmulo por 27 meses, fornecendo assim aos chineses um exemplo clássico de piedade filial.
O MESTRE CONFÚCIO:
Depois disso, ele deixou sua família e assumiu a profissão de mestre itinerante. As disciplinas que ele ensinava incluíam música, poesia, literatura, educação cívica, ética e ciência, ou o que havia na época. Ele deve ter feito um grande nome para si mesmo, pois foi dito que em uma época ele teve até 3.000 alunos.
No Oriente, Confúcio é reverenciado principalmente como um mestre por excelência. Na verdade, o epitáfio em seu túmulo em Ch’u-fou, na província de Shantung, diz simplesmente “Antigo, Santíssimo Mestre”. Um escritor ocidental descreve seu método de ensino da seguinte maneira: “Ele andava de ‘lugar em lugar acompanhado por aqueles que estavam absorvendo seus pontos de vista da vida’ Sempre que a jornada os levava a qualquer distância, ele andava em um carro de boi. O passo lento do animal permitia que seus alunos o seguissem a pé, e é evidente que o assunto de suas palestras era frequentemente sugerido por eventos ocorridos na estrada”.
O que fez de Confúcio um professor honrado entre os orientais, sem dúvida, foi o fato de que ele próprio era um bom aluno, especialmente de história e ética. “As pessoas eram atraídas por Confúcio, não tanto porque ele era o homem mais sábio de seu tempo, mas porque ele era o erudito mais instruído, o único de sua época que podia ensiná-los sobre os livros antigos e a erudição antiga”, escreveu Lin Yutang. Apontando para esse amor pelo aprendizado como talvez a principal razão pela qual o confucionismo triunfou sobre outras escolas de pensamento, Lin resumiu o assunto da seguinte maneira: “Os mestres confucionistas tinham algo definido para ensinar e os discípulos confucionistas tinham algo definido a aprender, a saber, aprendizado histórico, enquanto as outras escolas eram forçadas a propalar apenas suas próprias opiniões.”
“É O CÉU QUE ME CONHECE!”
Apesar de seu sucesso como professor, Confúcio não considerava o ensino como seu trabalho de vida. Ele sentiu que suas ideias sobre ética e moral poderiam salvar o mundo conturbado de sua época se os governantes as aplicassem, empregando ele ou seus alunos em seus governos. Para este fim, ele e um pequeno grupo de seus discípulos mais próximos deixaram seu estado natal de Lu e foram viajando de estado em estado tentando encontrar o governante sábio que adotaria suas ideias sobre governo e ordem social. Qual foi o resultado? Os Shih Chi afirmam: “Finalmente ele deixou Lu, foi abandonado em Ch’i, foi expulso de Sung e Wei, sofreu penúria entre Ch’en e Ts’ai.” Depois de 14 anos na estrada, ele voltou para Lu, decepcionado, mas não combalido.
Pelo resto de seus dias, dedicou-se ao trabalho literário e ao ensino. Embora sem dúvida lamentasse sua obscuridade, ele disse: “Não murmuro contra o Céu. Eu não resmungo contra o homem. Eu prossigo meus estudos aqui na terra e estou em contato com o céu acima. É o Céu que me conhece!” Finalmente, no ano de 479 a.C., ele morreu aos 73 anos.
Os Quatro Livros e os Cinco Clássicos de Confúcio:
Os Quatro Livros:
1. O Grande Aprendizado (Ta Hsieh), a base da educação de um cavalheiro, o primeiro texto estudado por estudantes na antiga China.
2. A Doutrina do Meio (Chung Yung), um tratado sobre o desenvolvimento da natureza humana através da moderação.
3. Os Analectos ( Lun Yi), uma coleção de ditos de Confúcio, considerada a principal fonte do pensamento confucionista.
4. O Livro de Mêncio (Meng-tzu), escritos e dizeres do maior discípulo de Confúcio, Meng-tzu, ou Mêncio.
Os Cinco Clássicos:
1. O Livro de Poesia (Shih Ching), 305 poemas fornecendo um quadro do cotidiano nos primitivos Chou (1000-600 a.C.).
2. O Livro da História (Shu Ching), cobrindo 17 séculos de história chinesa começando com a dinastia Shang (1766-1122 a.C.)
3. O Livro de Mutações (I Ching), um livro de adivinhação, baseado em interpretações das 64 combinações possíveis de seis linhas inteiras ou tracejadas.
4. O Livro dos Ritos (Li Chi), uma coleção de regras sobre cerimônias e rituais.
5. Anais da Primavera e Outono (Ch’un Ch’iu), uma história do estado natal de Confúcio, Lu, cobrindo 721-478 a.C.
A ESSÊNCIA DAS IDEIAS CONFUCIONISTAS:
Embora Confúcio se destacasse como erudito e professor, sua influência não se limitava de modo algum aos círculos acadêmicos. De fato, o objetivo de Confúcio não era apenas ensinar regras de conduta ou moral, mas também restaurar a paz e a ordem na sociedade, que estava, na época, dilacerada pelas constantes guerras entre os senhores feudais. Para atingir esse objetivo, Confúcio ensinou que todos, do imperador ao homem comum, tinham de aprender qual o papel que se esperava que
cada um desempenhasse na sociedade e viver concordemente.
No confucionismo, esse conceito é conhecido como “li”, que significa decoro, cortesia, ordem das coisas e, por extensão, ritual, cerimônia e reverência. Em resposta à pergunta: “O que é esse grande li?” Confúcio deu a seguinte explicação:
“De todas as coisas pelas quais as pessoas vivem, li é a maior. Sem li, não sabemos como conduzir um culto adequado aos espíritos do universo; ou como estabelecer o status adequado do rei e dos ministros, do governante e dos governados, dos anciãos e dos mais novos; ou como estabelecer as relações morais entre os sexos, entre pais e filhos e entre irmãos; ou como distinguir os diferentes graus de relacionamentos na família. É por isso que um cavalheiro tem li em tão alta consideração.”
Assim, li é a regra de conduta pela qual um verdadeiro cavalheiro (chun-tzu, às vezes traduzido como “homem superior”) realiza todas as suas relações sociais. Quando todos se esforçam para fazê-lo, “tudo se torna certo na família, no estado e no mundo”, disse Confúcio, e é aí que o Tao, ou o caminho do céu, é praticado. Mas como li deve ser expresso? Isso nos leva a outro dos conceitos centrais do confucionismo – jen (pronuncia-se ren), humanitarismo ou amor pelos outros.
Enquanto li enfatiza a contenção por regras externas, jen lida com a natureza humana, ou a pessoa interior. O conceito confucionista, especialmente conforme expresso pelo principal discípulo de Confúcio, Mêncio, é que a natureza humana é basicamente boa. Assim, a solução para todos os males sociais está no auto-aperfeiçoamento, e isso começa com educação e conhecimento. O capítulo de abertura do Grande Aprendizado diz:
“Quando o verdadeiro conhecimento é alcançado, então a vontade se torna sincera; quando a vontade é sincera, então o coração está correto…; quando o coração está correto, então a vida pessoal é aperfeiçoada; quando a vida pessoal é aperfeiçoada, então a vida familiar é ajustada; quando a vida familiar é ajustada, então a vida nacional é ordenada; e quando a vida nacional é ordenada, então há paz neste mundo. Desde o imperador até os homens comuns, todos devem considerar o aperfeiçoamento da vida pessoal como a raiz ou fundamento.”
Assim, vemos que segundo Confúcio, a observância de li habilita as pessoas a se comportarem corretamente em todas as situações, e o desenvolvimento de jen faz com que tratem todas as outras com bondade. O resultado, teoricamente, é a paz e a harmonia na sociedade. O ideal confucionista, baseado nos princípios de li e jen, pode ser assim resumido:
“Bondade no pai, piedade filial no filho
Gentileza no irmão mais velho, humildade e respeito no mais novo
Conduta justa no marido, obediência na esposa.
Consideração humana nos mais velhos, deferência nos mais novos,
Benevolência nos governantes, lealdade nos ministros e súditos.”
Tudo isso ajuda a explicar por que a maioria dos chineses, e até mesmo outros orientais, dão tanta ênfase aos laços familiares, à ser diligente, à educação e a conhecer e agir segundo a posição da pessoa. Para o bem ou para o mal, esses conceitos confucionistas foram introduzidos profundamente na consciência chinesa através de séculos de inculcação.
O CONFUCIONISMO VIRA CULTO ESTATAL:
Com a ascensão do confucionismo, o período das “cem escolas” chegou ao fim. Os imperadores da dinastia Han encontraram nos ensinamentos confucionistas de lealdade ao governante apenas a fórmula de que precisavam para solidificar o poder do trono. Sob o imperador Wu Ti, a quem já nos referimos em relação ao taoísmo, o confucionismo foi elevado ao status de culto estatal. Apenas aqueles versados nos clássicos confucionistas eram selecionados como funcionários do Estado, e qualquer um que desejasse entrar para o serviço do governo tinha que passar por exames nacionais baseados nos clássicos confucionistas. Os ritos e rituais confucionistas tornaram-se a religião do palácio real.
Essa mudança de eventos fez muito para elevar a posição de Confúcio na sociedade chinesa. Os imperadores Han iniciaram a tradição de oferecer sacrifícios no túmulo de Confúcio. Títulos honoríficos foram concedidos a ele. Então, em 630 d.C., o imperador da dinastia T’ang, T’ai Tsung, ordenou que um templo estatal para Confúcio fosse erguido em todas as províncias e condados do império e que sacrifícios fossem oferecidos regularmente. Para todos os efeitos práticos, Confúcio foi elevado ao status de deus, e o confucionismo tornou-se uma religião dificilmente distinguível do taoísmo ou do budismo.
Confucionismo – Filosofia ou Religião?
Como Confúcio fez poucos comentários sobre Deus, muitas pessoas veem o confucionismo apenas como uma filosofia e não como uma religião. No entanto, o que ele disse e fez mostrou que ele era religioso.
Isso pode ser visto em dois aspectos. Primeiro, ele tinha um temor reverente pelo poder espiritual cósmico supremo, o que os chineses chamam de T’ien, ou Céu, que ele considerava a fonte de toda virtude e bondade moral e cuja vontade, ele sentia, dirige todas as coisas. Em segundo lugar, ele dava grande ênfase à observância meticulosa dos ritos e cerimônias relacionados à adoração do céu e dos espíritos dos ancestrais falecidos.
Embora Confúcio nunca tenha defendido esses pontos de vista como uma forma de religião, para gerações de chineses eles se tornaram a religião.
O LEGADO DA SABEDORIA DO ORIENTE:
Desde o fim do governo dinástico na China em 1911, o confucionismo e o taoísmo têm sido alvo de muitas críticas, até mesmo perseguidos. O taoísmo foi desacreditado por suas práticas mágicas e supersticiosas. E o confucionismo foi rotulado como feudalista, promovendo uma mentalidade escrava para manter as pessoas, especialmente as mulheres, sob sujeição. Apesar dessas denúncias oficiais, no entanto, os conceitos básicos dessas religiões estão tão profundamente enraizados na mente chinesa que ainda exercem forte influência sobre muitas pessoas.
Por exemplo, sob a manchete “Ritos religiosos chineses são raros em Pequim, mas florescentes nas regiões costeiras”, o jornal canadense Globe and Mail relatou em 1987 que, após quase 40 anos de governo ateísta na China, ritos funerários, serviços no templo, e muitas práticas supersticiosas ainda são comuns nas áreas rurais. “A maioria das aldeias tem uma pessoa que entende de fengshui, geralmente um morador idoso que sabe ler as forças do vento (feng) e da água (shui) para determinar o local mais propício para tudo, desde o túmulo ancestral, uma nova casa ou móveis de sala de estar”, diz o artigo.
Em outros lugares, o taoísmo e o confucionismo são encontrados onde quer que a cultura tradicional chinesa sobreviva. Em Taiwan, um homem que afirma ser descendente de Chang Tao-ling preside como “mestre celestial” com o poder de ordenar sacerdotes taoístas (Tao Shih). A popular deusa Matsu, anunciada como “Santa Mãe do Céu”, é adorada como a padroeira da ilha e dos marinheiros e pescadores. Quanto às pessoas comuns, elas estão principalmente preocupadas em fazer oferendas e sacrifícios aos espíritos dos rios, das montanhas e das estrelas; as divindades patronas de todos os ofícios e aos deuses da saúde, da boa sorte e da riqueza. Um grupo taoísta em Taiwan, chamado T’ien Tao (Caminho Celestial), afirma ser um amálgama de cinco religiões mundiais — taoísmo, confucionismo, budismo, cristianismo e islamismo.
E o confucionismo? Seu papel como religião foi reduzido ao status de monumento nacional. Na China, em Ch’u-fou, a terra natal de Confúcio, o Estado mantém o Templo de Confúcio e os terrenos familiares como atrações turísticas. Lá, de acordo com a revista China Reconstructs, fazem-se apresentações “para encenar um ritual de adoração a Confúcio”. E em Cingapura, Taiwan, Hong Kong e outros lugares no leste da Ásia, as pessoas ainda comemoram o aniversário de Confúcio.
No confucionismo e no taoísmo, vemos como um sistema baseado na sabedoria e raciocínio humanos, não importa quão lógico e bem-intencionado, acaba falhando na busca pelo verdadeiro Deus. Por quê? Porque deixa de fora um elemento essencial, a saber, a vontade e os requisitos de um Deus pessoal. O confucionismo se volta para a natureza humana como a força motivadora para fazer o bem, e o taoísmo se volta para a própria natureza. Mas isso é uma confiança equivocada porque significa simplesmente adorar coisas criadas em vez de adorar o Criador.
Por outro lado, as tradições de adoração de ancestrais e ídolos, a reverência por um céu cósmico e a veneração de espíritos na natureza, bem como os ritos e rituais ligados a eles, tornaram-se tão profundamente enraizados na maneira chinesa de pensar que eles são aceitos como a verdade incontestável. Muitas vezes é muito difícil falar com um chinês sobre um Deus ou Criador pessoal, porque o conceito é muito estranho para ele.
É inegável que a natureza está repleta de grandes maravilhas e sabedoria e que nós, humanos, somos dotados das maravilhosas faculdades da razão e da consciência. Mas, como apontado no capítulo sobre o budismo, as maravilhas que vemos no mundo natural fizeram com que mentes racionais concluíssem que deve haver um Projetista ou Criador. Sendo assim, não é lógico que devamos procurar o Criador? De fato, o Criador nos convida a fazê-lo.
Junto com o budismo, o confucionismo e o taoísmo, que têm desempenhado um papel importante na vida religiosa das pessoas do Oriente, existe outra religião, exclusiva do povo do Japão — o xintoísmo. Em que sentido é diferente? Qual é a sua origem? Tem levado as pessoas ao verdadeiro Deus? Isso consideraremos no próximo capítulo.
Fonte: Mankind’s Search for God, páginas 161-174.
Tradução e adaptação por Ícaro Aron Soares.
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