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As cem escolas filosóficas da China

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Tamosauskas

Entre os séculos V e III a.c a Grécia vivia a era de ouro da filosofia em um contexto de ascensão da democracia. A China também iniciou sua história filosófica na mesma época, mas em um contexto bem diferente: um cenário pós-apocalíptico. A poderosa dinastia Chang havia colapsado e com ela, a paz do povo, a unidade do reino e todas as suas instituições. Iniciou-se então o chamado Período dos Estados Combatentes.

Antes desta época as grandes famílias importantes eram como departamentos públicos e os ministérios do reino hereditários. Cada clã desenvolveu durante séculos um conhecimento especializado, que foi mantido em segredo das demais. Mas com o fim da dinastia Chang não havia mais reino para sustentar esse povo e estes mesmos ensinamentos passaram a ser transmitidos por meio do ensino privado. Por esta razão em chinês a palavra 家 (Jiā) significa tanto família como escola.

Foi o inicio da história documentada da filosofia chinesa. Uma época tão rica culturalmente que recebeu o nome de “A era das cem escolas filosóficas”. Felizmente para fins de sanidade estas cem escolas são agrupadas hoje em dez escolas principais:

  • Yin-Yang Jiā: “Escola do Yin-Yang”, formada por ex-astrólogos reais. Ensinavam astronomia, astrologia e uma visão de mundo na qual as combinações entre o princípio feminino yin e masculino yan produzem todos os fenômenos do universo. O famoso I-Ching, embora pelos séculos tenha recebido influencias de outras escolas é um importante reservatório cultural desta tradição.
  • Nong Jiā: “Escola dos Camponeses”, formada por ex-ministros da agricultura. Defendiam uma vida simples e comunitária. Implementaram pequenas comunidades autossuficientes com uma economia baseada no trabalho em conjunto e uma política baseada nas decisões de consenso.
  • Ju Jiā: “Escola dos Eruditos”, formada por ex-ministros da Educação. Conhecida no ocidente como Confucionismo focava na força do exemplo e no ensino das artes liberais. Sem dúvida Confúcio é o nome mais importante desta tradição.
  • Mo Jiā: “Escola de Mo”, formada por ex-cavaleiros. Os soldados da corte se tornaram mercenários de defesa.  Apesar do conhecimento tático eram os mantenedores da ordem e assim pregavam uma filosofia de amor universal, reciprocidade e dignidade entre todos os seres humanos independente de status ou clã. Seu grande nome foi Mo Tse, que dá nome a tradição.
  • Ming Jiā: “Escola dos Nomes”, formada por ex-ministros de Cerimônias. Este ministros resolviam disputas legais no reino, eram como advogados e deram origem a uma escola interessada nas diferenças e relações entre os “nomes” e às “coisas em si”. Eram mestres da lógica, debate e oratória.
  • Tao-te Jiā: “Escola do Caminho e da Virtude”, formada por ex-historiadores reais. Ensinavam a metafísica e política baseada no Não-Ser (Tao) e no indivíduo como naturalmente dotado de virtude (Te). Conhecido no ocidente como taoismo seu nome mais forte foi o de Lao Tse. Seu principal livro o Tao Te King .
  • Fa Jiā: “Escola Legalista”, formada por ex-ministros da Justiça. Defendiam que um bom governo é aquele baseado em um rígido código de leis e em sua aplicação sumária. Eram grandes rivais do confucionismo e do taoismo pois não acreditavam na eficácia da moralidade. Seu principal nome foi Han Fei.
  • Zong-Heng Jiā: “Escola da Diplomacia”, formada por ex-embaixadores. Ensinavam táticas políticas de governo, negociação, suborno, lobismo e estratégia sem dar qualquer importância aos assuntos metafísicos ou morais. Seus nomes mais significativos foram Su Qin e Zhang Yi.
  • Bīng Jiā: “Escola da Guerra”, formada por ex-generais. Estudiosos das artes bélicas e filosofia militar. A Guerra é entendida como a arte mais importante e seus princípios como possíveis de ser extrapolados para qualquer campo da vida. Seu principal nome Sun Tzu ficou particularmente famoso no ocidente com a publicação de ‘A Arte da Guerra’.
  • Za Jiā: “Escola Eclética” formada por ex-conselheiros. Foi uma tradição tardia que ensinava um pensamento eclético e pragmático. Buscou unir e harmonizar o que considerava conhecimentos úteis das várias escolas existentes.

Dinastia Chin: A vitória dos Legalistas

Toda esta diversidade chegou ao fim quando a Dinastia Chin venceu os demais estados combatentes e reunificou a China. Além de emprestar o nome para este território até hoje, os Chin unificaram o idioma, a moeda, os pesos e as medidas do Império. Padronizaram também o pensamento e a escola legalista de Fa Jiā tornou-se a filosofia oficial do Império.

Mas isso foi feito a um custo muito grande. Em pouco tempo a disciplina na aplicação das leis e o rigor na vigilância do povo deu lugar a intolerância contra todas as outras formas de pensamento. Quase todas as outras escolas de filosofia foram caçadas e algumas despareceram para sempre. O ensino privado foi proibido, manuscritos queimados e professores executados. Só eram aceitas publicações de obras legalistas Fa Jiā e de cunho técnico como os de medicina, adivinhação e agricultura.

Dinastia Han: A vingança dos Nerds

Felizmente esta tirania não resistiu a pressão popular. Apenas 15 anos depois a dinastia Chin foi derrubada. Em seu lugar a Dinastia Han instituiu o confucionismo, de maior aceitação popular, muito mas tolerante e principalmente, capaz de justificar a ascensão social de um novo imperador vindo do povo.

A proibição do ensino privado foi revogada. Mais do que isso, o aprendizado foi encorajado pela instituição do concurso público. Para passar era necessária maestria no seu campo de atuação e conhecimento dos famosos Cinco Clássicos. Isso deu uma razão para todo mundo estudar e uma abertura nunca vista para mais pessoas participarem da vida pública.

O confucionismo ganhou então uma força que duraria muitas gerações. Mas este não foi o fim da história do pensamento chinês, era apenas o começo. Se você quiser saber mais detalhes sobre cada uma dessas primeiras escolas filosóficas, ou se quiser saber como o confucionismo se desenvolveu a partir da Dinastia Han ou como a China reagiu a chegada do budismo e da filosofia ocidental até chegar no materialismo histórico de Mao, convido a conhecer meu livro “Filosofia Chinesa: Pensadores Chineses de todos os tempos.“. Nesta obra estas e muitas outras tradições e pensadores são estudadas.


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