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Por Michael Osíris Snuffin (2002)
“Existe uma coisa cuja voz é una;
Cujos pés são quatro e dois e três.
Tão mutável coisa não é nada
que se mova na terra ou no céu ou no mar.”
– O Enigma da Esfinge, Athenaeus
Os Quatro Poderes da Esfinge – Saber, Querer, Ousar e Calar – são um elemento importante do simbolismo e instrução thelemica, mas a origem dos Quatro Poderes da Esfinge não é clara. Praticamente nada está escrito sobre o assunto fora das obras de Aleister Crowley e de um único outro autor que menciona o assunto com algum grau de profundidade ou seriedade, o ocultista francês Eliphas Levi
Que Levi teve uma profunda influência em Crowley não há dúvida. Crowley traduziu A Chave dos Mistérios de Levi como sua própria tese de Adeptus Minor, e Crowley foi tão longe que chegou ate mesmo a afirmar em Magick in Theory and Practice que ele era a reencarnação de Levi! Portanto, é no mínimo razoável sugerir que Levi influenciou Crowley na questão dos Quatro Poderes da Esfinge. Examinando a obra de Eliphas Levi, chegaremos a uma melhor compreensão dos mesmos.
A Esfinge de Levi
Nossa primeira introdução aos Quatro Poderes da Esfinge vem da obra mais popular de Levi, Dogma e Ritual da Alta Magia.
“Para atingir o SANCTUM REGNUM, ou seja, o conhecimento e o poder dos Magos, existem quatro condições indispensáveis: uma inteligência iluminada pelo estudo, uma intrepidez que nada pode conter, uma vontade que não pode ser quebrada e uma prudência que nada pode comprometer, corromper e intoxicar. SABER, OUSAR, QUERER, CALAR – tais são as quatro palavras do Magus, inscritas nas quatro formas simbólicas da esfinge.”
Levi aqui oferece os Quatro Poderes como as palavras do Magus e casualmente os relaciona com a Esfinge. Ele prossegue no mesmo capítulo ligando os Quatro Poderes da Esfinge com os quatro Elementos e os quatro Signos Querúbicos do zodíaco:
“Você é chamado para ser o rei do ar, da água, da terra e do fogo; mas para reinar sobre esses quatro seres viventes do simbolismo, é necessário conquistá-los e acorrentá-los. Aquele que aspira ser um sábio e conhecer o Grande Enigma da Natureza deve ser o herdeiro e despojador da esfinge: sua cabeça humana, a fim de possuir a fala; suas asas de águia, para escalar as alturas; seus flancos de touro, a fim de sulcar as profundezas; suas garras de leão, para abrir caminho à direita e à esquerda, à frente e atrás.
A Esfinge é uma criatura composta, tendo a cabeça de um Homem, o tronco e as patas dianteiras de um Leão, o dorso de um Touro e as asas de uma Águia. Ela simboliza a síntese e a sinergia dos Quatro Poderes, representados pelas “quatro criaturas vivas do simbolismo” (os Querubins) que foram “conquistados e acorrentados” em uma única figura, a Esfinge. O aspirante é instruído a ser o “herdeiro e espoliador da esfinge”, tanto para receber quanto para participar dos quatro Elementos.
Poder | Querubim | Signo | Elemento |
Querer | Mikael (Leão) |
Leão | Fogo |
Calar | Gabriel (Águia) |
Escorpião | Água |
Saber | Rafael (Humano) | Aquário | Ar |
Ousar | Uriel (Terra) | Touro | Terra |
A natureza da Esfinge é explicada em outro livro: O Ritual Mágico do Sanctum Regnum:
“Você deve entender completamente que os seres elementais são almas de tipo imperfeito, ainda não elevados na escala até a existência humana, e que eles só podem manifestar poder quando chamados à ação pelo adepto como auxiliares de sua vontade, por meio daquele fluido astral universal em que vivem. O reino dos Gnomos é atribuído ao Norte, as Salamandras ao Sul, os Silfos ao Leste e as Ondinas ao Oeste….”
“Seus símbolos são os de Touro, o Touro, para os Gnomos; Leão o para Salamandras; a Águia para Silfos; e o signo de Aquário para Ondinas.”
“A combinação desses quatro tipos de rosto e ser representa o Universo Criado, uma entidade completa e eterna, o Ser Humano de fato, o Microcosmo; e esta é a primeira fórmula da explicação mística do enigma da Esfinge.”
A implicação é que o Ser Humano completo é a Esfinge, pois ambos são compostos dos quatro Elementos. Levi esclarece essa ideia mais adiante no texto:
“Agora você entende o Enigma da Esfinge? …Sim, você sabe que a Esfinge se refere ao Ser Humano. Mas você sabe que a Esfinge é uma e só, e permanece inalterada, enquanto que para o ser humano – cada um não é uma Esfinge de uma síntese diferente?”
O ser humano é como a Esfinge. Ambos são compostos pelos quatro Elementos, mas no ser humano eles existem em diferentes proporções e são desequilibrados, enquanto na Esfinge os Elementos são equilibrados e sinérgicos. A Esfinge representa o Humano Perfeito, o Magus. Os Quatro Poderes da Esfinge são “as quatro palavras do Magus”, as “quatro condições indispensáveis” que levam o Homem ao estado de perfeição e equilíbrio simbolizado pela Esfinge.
Levi passa a nos dar um exemplo mítico:
“Odisseu de Homero teve que enfrentar os deuses, os elementos, os ciclopes, as sereias, Circe, etc. … isto é, todas as dificuldades e perigos da vida. Seu palácio é invadido, sua esposa é importunada, seus bens são saqueados, sua morte é decidida, ele perde seus camaradas, seus navios são afundados; por fim, ele fica sozinho para lutar contra a noite e o mar. E sozinho ele domina os deuses, ele foge do mar, ele cega os ciclopes, ele engana as sereias, ele domina Circe, ele retoma seu palácio, ele resgata sua esposa, ele mata aqueles que tramam sua morte; porque quis rever Ítaca e Penélope, porque sempre soube livrar-se do perigo, porque ousou o que tinha de ser feito e porque sempre se calou quando não era conveniente falar”.
Finalmente, Levi indica por onde começar em nosso esforço para nos tornarmos a Esfinge:
“Quando não se sabe, deve-se querer aprender. Na medida em que não se sabe, é temerário ousar, mas é sempre bom ficar calado.”
Assim, os Quatro Poderes são empregados como etapas de um processo; devemos saber antes de podermos desejar, e assim por diante. Esta ideia é reforçada em Dogma e Ritual:
“Aprender a querer é aprender a exercer domínio. Mas para ser capaz de exercer força de vontade você deve primeiro saber; pois a força de vontade aplicada à loucura é loucura, morte e inferno”.
E também:
“Para OUSAR devemos SABER; para QUERER, devemos OUSAR; devemos QUERER possuir o império e para reinar devemos FICAR CALADOS.
Assim termina nossa pesquisa sobre os Quatro Poderes da Esfinge conforme definidos e desenvolvidos por Eliphas Levi. Examinaremos a seguir os escritos de Crowley sobre os Poderes da Esfinge, incluindo a adição do Quinto Poder – Ir.
A Esfinge de Crowley
Já discutimos os Quatro Poderes da Esfinge como entendido por Eliphas Levi. Veremos agora as obras de Aleister Crowley, que desenvolveu os Poderes da Esfinge como parte de seu próprio paradigma Thelêmico, incorporando-os às instruções da A.’.A.’. e OTO.
Crowley se identifica com Levi logo em sua primeira grande discussão sobre os Quatro Poderes no Capítulo 151 de Liber Aleph:
“Agora é conveniente que eu te instrua sobre os Quatro Poderes da Esfinge, o o mais misterioso e ameaçador dos Mistérios da Antiguidade que nunca foi, em nenhum Período, a Ferramenta dos Deuses-Escravos, mas uma Testemunha de Hórus através do Aeon escuro de Osíris para Sua Luz e Verdade, Sua Força e Fogo.
Tu não podes de forma alguma interpretar a Esfinge em termos da Fórmula do Deus Morto. Isso eu compreendi mesmo quando como Eliphaz Levi Zahed eu andava para cima e para baixo na Terra, buscando uma Reconciliação desses Antagonistas, o que era uma Tarefa impossível, pois naquele Plano eles têm Antipatia. (Mesmo assim nenhum Homem pode formar um Quadrado Mágico de Quatro Unidades.) Mas a Luz do Novo Aeon revela esta Esfinge como o Verdadeiro Símbolo desta nossa Arte Sagrada de Magick sob a Lei de Thelema. Nela está o Igual Desenvolvimento e Disposição das Forças da Natureza, cada uma em sua Força Equilibrada.”
A última frase refere-se à perfeição Elemental da Esfinge. Os Quatro Elementos são as “Forças da Natureza, cada uma em sua Força Equilibrada” representadas pelas quatro bestas Querubinas que compõem a Esfinge. Como Levi, Crowley identifica a Esfinge com o Adepto ou Magus, que emprega os Quatro Poderes para se tornar “todo, Ele mesmo, contendo todas as coisas em verdadeira proporção”.
A definição de Crowley da Esfinge continua no capítulo 152:
“Assim é o Adepto, que faz Vontade com sólida Energia como o Touro, ousa com feroz Coragem como o Leão, sabe com rápida Inteligência como o Homem, e mantém Silêncio com sublime Subtileza como a Águia ou o Dragão. Além disso, esta Esfinge é um Eidolon da Lei, pois o Touro é a Vida, o Leão é a Luz, o Homem é a Liberdade, a Serpente é o Amor.”
A primeira frase dá as atribuições tradicionais dos Poderes aos Signos Querúbicos. Aqui Crowley identificou duas bestas com a Águia Querubica: a Serpente e o Dragão. Este simbolismo tem suas raízes na tradição Golden Dawn, que dividiu o Escorpião em três formas para representar vários aspectos do signo:
“O Escorpião é o emblema da destruição implacável; a Serpente é a natureza mista e enganosa, servindo igualmente para o bem e para o mal; a Águia é a Natureza Divina mais elevada, ainda a ser encontrada aqui é a Águia Alquímica da destilação, a Renovadora da vida.”
O Dragão é uma Serpente alada, uma combinação dos dois aspectos mais elevados de Escorpião. Crowley também conecta os Signos Querúbicos às Quatro Emanações da Lei: Luz, Vida, Liberdade e Amor. (Light, Life, Liberty, Love)
Estes são discutidos no Liber 150, De Lege Libellum, que é “uma explicação adicional do Livro da Lei, com referência especial aos Poderes e Privilégios conferidos por sua aceitação”. As Quatro Emanações da Lei estão conectadas com a Igreja Católica Gnóstica (EGC) no credo da Missa Gnóstica.
Alguns anos depois de ter escrito Liber Aleph, Crowley introduziu um Quinto Poder da Esfinge. Este conceito é totalmente explicado em Magick Without Tears:
“Você está familiarizado com os Quatro Poderes da Esfinge, atribuídos pelos Adeptos dos tempos antigos aos seus Quatro Elementos. O ar é saber, Scire; O fogo é para Will, Velle; Água é para ousar, Audere; e a Terra deve manter o silêncio, Tacere. Mas agora que um quinto elemento, o Espírito, é geralmente reconhecido na Qabalah, considerei apropriado acrescentar um Quinto Poder correspondente: Ir, Ire.
Então, como o Espírito é a Origem, a Essência e a Soma dos outros quatro, assim é o Ir em relação a esses poderes. E ir é o próprio significado do nome Deus, como mostrado em outras partes dessas cartas; portanto, os deuses egípcios foram sinalizados como tais por portarem o Ankh, que é uma tira de sandália, e em sua forma a Crux Ansata, a Rosa-Cruz, o meio pelo qual demonstramos a Divindade de nossa Natureza.
O Quinto Poder da Esfinge é Ir, correspondendo ao Elemento do Espírito. A contraparte astrológica do poder de Ir é o Sol, aquele que liga os Signos Querúbicos da mesma maneira que o Espírito liga os Quatro Elementos.
Observe que Crowley trocou as atribuições de dois dos signos querubins. No Liber Aleph e também nas obras de Levi, Touro (Terra) representa o Poder de Ousar e Escorpião (Água) representa o Poder de Silenciar; mas em trabalhos posteriores como Magick Without Tears e The Book of Thoth, Escorpião (Água) é para Ousar e Touro (Terra) é para Manter Silêncio. As atribuições finais de Crowley para os Poderes da Esfinge estão resumidos na Tabela abaixo:
Signo | Simbolo | Elemento | Virtude | Latin | Emanação |
[Sol] | Ankh | Spirito | Ir | Ire | Lei |
Aquário | Humano | Ar | Saber | Scire | Liberdade |
Leão | Leão | Fogo | Querer | Velle | Luz |
Escorpião | Águia/Dragão | Água | Ousar | Audire | Amor |
Touro | Touro | Terra | Calar | Tacere | Vida |
A relação especial entre os Quatro Poderes e o Quinto Poder é revelada no Livro de Thoth:
“O signo querubico em qualquer elemento exibe a forma mais poderosa e equilibrada desse elemento. Anexados a estes estão os nomes das quatro Virtudes do Adepto, aquelas que o capacitam a superar a resistência dos elementos; são eles: Querer, Ousar, Saber e Calar. Pelo exercício harmonioso destes, o quinto Elemento do Espírito é formulado no ser do Adepto. É o deus interior, o Sol, que é o centro do Universo do ponto de vista humano, com sua virtude particular, que é Ir”.
Pelo exercício dos Quatro Poderes da Esfinge, o Adepto alcança o Quinto Poder, a morada do Espírito e a realização do deus interior.
Lévi chegou a uma conclusão semelhante em “O Grande Arcano”, sua obra final, ao nos ensinar como aplicar na prática os Quatro Poderes da Esfinge:
“O grande segredo da magia, o único e incomunicável Arcano, tem por finalidade colocar de alguma forma o poder sobrenatural a serviço da vontade humana. Para tal conquista é preciso SABER o que deve ser feito, QUERER o que é preciso, OUSAR o que deve ser tentado e CALAR com discernimento.
Para resumir, os Quatro Poderes da Esfinge são os meios pelos quais o Homem se torna Deus. É por esta razão que Crowley se refere à Esfinge como “o Verdadeiro Símbolo desta nossa Arte Sagrada da Magia sob a Lei de Thelema” e “um Glifo da Satisfação e Perfeição da Vontade e do Trabalho, a Conclusão do verdadeiro homem como o reconciliador do mais alto com o mais baixo”.
Assim termina nossa discussão sobre os Poderes da Esfinge.
FONTES:
https://hermetic.com/osiris/onthepowersofthesphinx1
https://hermetic.com/osiris/onthepowersofthesphinx2
Tradução Natalia Maraani
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