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Thiago Tamosauskas
(últimos dias do financiamento coletivo)
O misterioso ‘Scrutinium Chymicum’ mencionado por Aleister Crowley no programa de estudo da A∴A∴” (Equinox Tomo I – Editora Daemon) é na verdade uma reimpressão tardia e incompleta do Atalanta Fugiens, o mais célebre tratado de alquimia do século XVII. Se a versão com lacunas de 1687 foi considerada importante o bastante para estar ao lado de títulos como o I-Ching, o Bhagavad Gita e a Voz do Silêncio, muito mais então é a presente edição apresentada agora em sua completude.
Desde seu lançamento em 1617, Atalanta Fugiens de Michael Maier foi um livro surpreendente e inovador. Com relação ao conteúdo podemos dizer que ele foi um dos primeiros, senão o primeiro autor a sugerir a ideia de monomito, a noção de que todas as mitologias concordam entre si afirmando textualmente (no Emblema XLIV por exemplo) contam todas uma mesma história. Assim, segundo ele, os mitos antigos devem ser considerados fonte e parte da história da alquimia, pois na forma de deuses e heróis preservaram no entreter dos leigos, os segredos da filosofia-química.
Para Mayer, Hércules, Ulisses e Jasão são alegorias para o próprio alquimista. A Pedra Filosofal a ser feita necessita da união incestuosa de substâncias próximas como Sol e a Lua, Júpiter e Juno, Osíris e Isis. Nesta união os deuses são aniquilados um pelo outro e/ou devorados por seres que cumprem a função do Antimônio como Tifão, Piton e os dragões. Após a operação renascem unificados com o Azoth ou o Hermafrodita (Hermes+Afrodite) dos alquimistas representado por deuses renascidos como Dioníso, Osiris, Baco, Adônis e Triptolemo e Esculápio, todos instrutores da humanidade.
Com relação a forma ou didática, muito além que um belíssimo livro de emblemas encomendados ao ilustrador Matthäus Merian, Atalanta Fugiens combinou cada uma das 50 gravuras com 50 peças musicais, 50 epigramas para serem cantados e 50 discursos filosóficos com seus significados alquímicos. Assim Imagem, Som, Poesia e Prosa se unem para criar um dos primeiros “Álbuns Conceituais” ou “Arte Multimídia” da história antecipando em dois séculos o conceito wagneriano de Gesamtkunstwerk (Arte Total) na qual todos os elementos artísticos se integram para o engrandecimento da sua carga simbólica.
O Mito de Atalanta
O título é uma referência ao mito de Atalanta e Hipômene, que o autor conta de forma poética logo no epigrama de abertura. Atalanta era uma virgem que queria manter sua castidade. Ela foi abandonada pelos pais, mas foi amamentada por uma ursa e criada por caladores. Para afastar seus pretendentes os desafiava a uma corrida, prometendo que daria seu amor ao vencedor e ao perdedor a morte. Ela permaneceu invencível por muitos anos e matou muitos pretendentes até que Hipomenes, ajudado por Afrodite colocou no caminho da corrida três maçãs de ouro. Atalanta parou para recolocá-las e perdeu a competição. Mas entregue a luxúria Hipomene se esqueceu de agradecer Afrodite que se vingou. Quando ele estava fazendo um sacrifício a Júpiter no Monte Parnaso, a deus lhe inflamou de desejo e ele fez sexo com Atalanta no Templo, o que fez Júpiter transformar o casal humano em um casal de leões. Mas o autor ressignifica o mito ao implicar que não necessariamente ser um leão é um castigo e que o casal leonino pode ser a chave para saúde, riquezas e outras maravilhas conotativas.
A obra parece ter sido inspirada por um trabalho de Francis Bacon de 1609. Em “Sabedoria dos Antigos”, Bacon faz um exame do conto de Atalanta explicando como a Arte pode ser mais rápida que a Natureza:
“Isso pode ser visto em quase tudo; você vê que o fruto cresce lentamente do núcleo, rapidamente do enxerto; você vê o barro endurecer lentamente em pedras e rápidamente em tijolos cozidos: assim também na moral, o esquecimento e o conforto da dor vêm por natureza com o tempo; mas a Filosofia (que pode ser considerada como a arte de viver) o faz sem esperar tanto, mas antecipa supera o dia.”
Sobre a Tradução para o português
A tradução para o português foi criada com base nas edições da British Library MS. Sloane e e da edição de H. M. de Jong na obra “Michael Maierís Atalanta Fugiens: Sources of an Alchemical Book of Emblems” de 1969 com consulta na versão inglesa de Adam Maclean disponibilizada em 2017 e na versão em espanhol publicada pela revista Azogue em 1999. Todos os elementos da obra são importantes para a compreensão da mensagem que o autor busca transmitir, que às vezes fala com o Cobre de nosso emocional, às vezes com a frieza discursiva do Ferro. Um poema ajuda a entender a imagem. Uma música transmite o espírito de um discurso e como se diz entre os hermetistas “Um livro explica o outro”.
Para os Emblemas busquei as imagens com melhor definição que pude encontrar e recorri ao fac simile do Science History Institute
Para a epígrafe a tradução é mais exata do que poética sem qualquer tentativa de fazer uma métrica ou rima em português. Por esta razão a versão em latim foi mantida e dada em primeiro lugar, pois é ela que é cantada nas peças musicais.
Para as músicas, cada Fuga é fornecida sua partitura para desfrutar dos mais aptos, mas também é mencionada por nome para que possa ser facilmente encontrada nas diversas plataformas e acervos musicais na internet. Há nesta tradução um capítulo extra com Recursos Musicais digitais disponíveis hoje em dia. Quanto a isso, destaco particularmente o trabalho de Rufus Muller, Emily Van Evera e Richard Platt, bem como o de Michael Noone. É mais do que recomendado que se escute a música correspondente enquanto contempla seu emblema antes de iniciar a leitura do discurso químico-filosófico.
Quanto aos Discursos sempre que necessário foram incluídas notas de rodapé principalmente contextualizando os nomes de alquimistas, personagens da história ou da mitologia e referências as obras citadas.
Tudo isso faz desta a versão mais completa e acessível do Atalanta Fugiens disponível não apenas em português mas em qualquer idioma.
Muitas leituras
Mas, apesar de todos estes recursos, mesmo assim esta obra ainda será um desafio ao leitor. Não se deixe enganar por qualquer dogmatismo, aqui está espelhada a visão de mundo de uma filosofia, ciência e medicina e teologia muito próprias de seu tempo. Mas junto disso está também o ensinamento perene daquilo que chamamos Grande Obra.
Como é comum entre os alquimistas, às vezes Michael Maier fala de processos físicos, às vezes fala de espiritualidade, às vezes da medicina de sua época, às vezes da filosofia clássica, às vezes de mitologia e frequentemente de tudo isso ao mesmo tempo. Ao ler sua obra mito-química, sua interpretação não precisa ser como a de Jung, que enxergou aqui o processo de individuação, nem a de Crowley, que viu nela uma inspiração ao seu modelo de aeons e os segredos da Magia Sexual. Eu mesmo não darei minha interpretação, visto que já expus o meu entendimento da Grande Obra para quem quiser se iniciar na alquimia em meu livro Principia Alchimica, editado pela Daemon editora e disponível também para kindle
Recomendo portanto que deixe as interpretações de terceiros de lado por um instante e experimente a obra como o autor pretendeu que fosse experimentada. Ou seja, lida, contemplada e escutada mais de uma vez. Por isso em sua leitura a Humildade é chave. Leia, escute-a e contemple-a e medite sobre ela. Só então procure a opinião dos outros e mesmo então não as tenha como definitivas. E não tenha vergonha de admitir se ainda não entender algumas partes. Como ele mesmo diz no Emblema XLII “A leitura de Bons Autores deve ser repetida muitas vezes, caso contrário não será proveitosa.”
O livro está atualmente em financiamento coletivo pela Editora Daemon
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