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Saravá Exu Morcego

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Shirlei Massapust

No terreiro de Umbanda ou Quimbanda, lugar onde o médium de incorporação recebe exu, deve existir um assentamento (igba exu) contendo a quartinha com a pedra (otá ou okutá) que firma o elo do médium com o exu.

Existem divergências sobre a forma de obter este importante artefato. Alguns ainda procuram pedras nos rios. Outros ficam satisfeitos ao encontrar o que precisam no comércio varejista. Katy de Mattos Frisvold falou-me sobre sua experiência pessoal:

Partindo da perspectiva iorubana, o Exu kimbandeiro nasce de uma falange energética do Oriśa mesclada com Egungun. De fato, de espíritos de mortos que operam nesta vibração específica e multifacetada. Assim, não é difícil perceber que em Kimbanda, como cada casa tem seu próprio Exu passando suas regras, não existe concordância, mas fluidez e pluralidade. Eu aprendi que a pedra de Exu Morcego é o heliotrópio. Exu tem como base universal a pedra vulcânica (otá) tomando como base seu mito primordial, que fala de Exu como o calor do vulcão, ou o vulcão que devora mundos.

Outros indicam como gema ideal para Exu Morcego o quartzo azul escuro[1], ônix negro, turmalina negra ou vassoura de bruxa (cianita preta)[2], etc. Parece que o guia “sussurra” no ouvido do médium quando o minério aparece no rio, na rua, na barraca de camelô, na loja de minérios, no Ebay, na joalheria ou etc. Contudo, há quem condene o ato de comprar um otá. Quando a pedra ideal é encontrada o médium faz uma oração pedindo permissão para recolhê-la e levá-la para sua casa, pois já se estabeleceu uma afinidade entre ambos.

Relatam os nossos mais velhos que, durante o período da escravidão, quando se realizava a cerimônia de iniciação dos noviços, estes iam mata adentro na procura do seu otá (…) e voltavam só ao amanhecer, já com ele entre as mãos. Dali em diante, ele seria (…) conservado com zelo e alimentado periodicamente para manter integralmente seu axé. (…) Era condicionado em quartinhas de barro. (…) O médium deve entrar no leito do rio e procurar uma pedra rolada que o atraia mais que as outras e, quando encontrá-la, deve pedir licença à Mãe e aos Seres da Água para pegá-la para si. (…) Deve elevá-la com as duas mãos acima da cabeça e, como numa oração, dizer estas palavras: “Meu Pai (ou Mãe) Orixá tal, eis a pedra de axé, o meu otá! Abençoe-o com tua luz, com teu manto divino e com teu axé, tornando-a, a partir de agora, minha pedra sagrada!”[3]

Antes da chegada dos africanos ao Brasil a tradição corria em meio termo porque os índios esculpiam morcegos ou sapos em pedras retiradas do fundo de lagos ou rios, e acreditavam que o golpe de sorte que resultou no descobrimento da pedra era uma manifestação mágica dos rios que lhes quiseram presentear.

Diversas páginas na internet afirmam que a mamoneira é a planta do Exu Morcego.[4] O otá é primeiramente guardado dentro dum tipo de jarro chamado quartinha, imerso numa solução de água e óleo extraído de sementes de mamona roxa[5] por trituramento.[6]

Depois que os europeus introduziram o costume de acender velas para os santos católicos e almas dos mortos, no Brasil, ocorreu sincretismo e os exus passaram a gostar de velas. Posteriormente inventaram as velas coloridas por anilina e os exus passaram a ter cores favoritas: Preto (representa a noite) e vermelho (sangue e fogo).

Aconselha-se que diariamente, durante uma semana, acenda-se uma vela preta ao lado da quartinha ou uma especialíssima cruz de morcego; isto é, uma vela com forma de morcego de asas abertas vendida em lojas de artigos religiosos.

Duas cruzes de morcego nas cores de exu.

Na penúltima etapa do ritual de consagração do otá ao Exu Morcego a pedra é novamente lavada. A partir de então o recipiente contendo o otá ficará cheio com a bebida favorita (curiador) do Exu Morcego e/ou com o sangue do totem (morcego). A quartinha de louça, porcelana ou barro cerâmico é colocada no assentamento de exu para receber oferendas. Novas velas serão acesas por outros sete dias ininterruptos. Depois disto poder-se-á acendê-las em intervalos irregulares, fazendo-se pedidos.

A fotografia abaixo mostra uma quartinha para otá de Exu Morcego, localizada numa loja ou barraca de artigos de Umbanda na Praça Condessa, no Rio Comprido, Rio de Janeiro, RJ, em 07/08/2017. O vendedor informou-me que importou da Bahia e não sabe se foi fabricada lá. Também não soube informar se o item é novo ou restaurado. A decoração da borda superior parece imitação do estilo Marajoara.

Quartinha. Ano 2017.

Estátua de Exu Morcego. Ano 2009.[7]

O suicídio do morcego

A obtenção opcional de sangue do totem exige um procedimento folclórico: O próprio morcego deve oferecer-se em sacrifício de comunhão! Ou seja, o ritual requer um milagre ou uma coincidência. O médium espera um morcego cair bem na sua frente, podendo perambular no mato até cansar ou achar um quiróptero morto por causas naturais. No dia seguinte, quando a busca é infrutífera, o futuro médium fica autorizado a usar sangue de ave ou de boi comprado no açougue. No fim todos os restos orgânicos são levados para a mata e deixados respeitosamente num local ideal.

Em 2010 um casal de escritores que não acreditava na necessidade do sacrifício animal foi surpreendido pelo caso fortuito. Durante um vendaval, um morcego desorientado entrou pela janela da sala e morreu diante dos olhos de Katy e Nicolaj de Mattos Frisvold. No exato momento em que o bicho bateu no chão todas as luzes apagaram. Katy relatou-me o ocorrido:

A entrada foi dramática. Ele voou pela porta, voou pela esquerda e direita e quando chegou ao meio, caiu. O elemento dramático foi a eletricidade toda cair junto com o morcego. No mesmo momento pensamos que estávamos sendo convocados para conversar com Exu Morcego. De fato, ele queria mesmo nos avisar.

Diante da inequívoca bênção do acaso, eles acharam impossível que o suicídio do morcego e a falha simultânea na eletricidade não tivessem origem em causas sobrenaturais. Então tiraram a sorte para consultar a vontade de Exu Morcego, providenciando as oferendas adequadas. Noutra ocasião a mão invisível arremessou um pássaro contra a vidraça de Katy:

Nem sempre a coisa toda é aviso de calamidade. Às vezes é outra mensagem para ser entendida com o tempo. Ontem eu fui buscar parte de um despacho que um cliente me trouxe (veio de São Paulo até aqui à cidade me trazer). Eu deveria despachar imediatamente, mas como percebi que faltavam elementos, trouxe ao meu templo, à frente da deidade em questão (que ia receber a entrega). Coloquei os elementos faltantes, mas decidi deixar o despacho por uma noite ali. Hoje de manhã um rouxinol entrou em casa e morreu espatifado na vidraça. Quando eu tenho algo em andamento eu presto atenção nos augúrios sim… Nada é coincidência nestas horas. Bem, resumo da ópera, depois de consultar o oráculo, o pássaro tinha que ir com o despacho. O louco é que na receita original vai um pássaro mesmo, mas que julguei diante do problema um excedente.

Supondo que um morcego espatife milagrosamente e morra aos pés do médium, deve-se extrair sangue e imergi-lo em solução de aguardente para evitar apodrecimento. O médium pode ficar com o totem, mas se preferir despachá-lo na mata fará isto depositando sobre folhas de mamona roxa (Ricinus communis) ou mamona verde (Ricinus communis L.).[8]

Curiador de Exu Morcego

Conforme exposto, se um milagre ou caso fortuito não fornecer o totem, o futuro médium precisará mergulhar o otá numa das bebidas favoritas do exu. Esta é a mesma bebida oferendada em despachos e serviços, consumida pelo médium incorporado durante as giras, etc. Assim ensina o Pai Titto Togum, falando sobre Exu Morcego:

Bebidas preferidas: Sangue (menga) seria a primeira escolha dele sempre. Seus animais preferidos são galinha ou galo de angola (Numida meleagris) e morcegos. Como ele diz: “Mata ssss menga é muito ssssss bom sssssssssss”. Depois absinto e uísque.[9]

 O Pai Titto Togum trabalha com Exu Morcego desde antes de 1990.

Atualmente sangue de verdade é raramente visto em giras. O sangue (menga, ejé, axorô, etc.) é considerado vital para obter a prosperidade (axé). Se a coagulação ou fervura fizer perder a cor ele voltará a ser sangue vermelho (ejé pupo) pela adição de urucum (ossùn), fruto do urucueiro (Bixa orellana). Bebidas claras são fictamente consideradas sangue branco (ejé funfun). Existe também o sangue preto (ejé dudu) composto de cinzas de carne queimada ou resíduos da decomposição.

Cada linha de trabalho de umbanda é associada a um tipo de bebida. A da linha de exu é a aguardente (maráfo) e outras bebidas destiladas. É por isso que hoje em dia acredita-se que todos os exus bebam do vinho à cachaça.

A arma mágica “ferramenta do exu” deve ficar junto com a estátua e a quartinha para fins de atuação. Esta “ferramenta” é depositada ao lado da estátua para que o exu tenha uma arma útil para atuar normalmente e abrir os caminhos do devoto. Este é o modelo de ferramenta de Exu Morcego vendido em lojas de Umbanda no Brasil:

Devemos ressaltar que hoje em dia, no Brasil, o ritual de morte consiste em pedir à entidade que tranque os caminhos do alvo da mandinga e faça intermediação perante o deus da morte, Orixá Obaluaie, que julga a pertinência do pedido e autoriza a morte natural ou acidental do alvo. Se seu desafeto coincidentemente sumir do mapa você não será culpado de homicídio porque, na verdade, tu serás inocente. O ato de deus será um caso fortuito. Mas se o ritual não funcionar foi o consulente quem errou… Por que fez um pedido tão egoísta? Nenhuma deidade ou intermediário achou justo atender tal desejo. Deve rever seus conceitos, pois o médium seguiu religiosamente sua cartilha.

O resto dos itens necessários ao assentamento de Exu Morcego varia de autor para autor. Uns dizem que “seu assentamento leva ferradura e ouro[10]”. Outros alegam que precisa de “sete dentes de alho roxo (Allium sativum), galho de amendoeira (Pruntus dulcis), panela de ferro e pássaro de chumbo[11]”.

Como o médium incorporado se comporta?

Para incorporar Exu Morcego o médium necessita de trajes apropriados. De acordo com o Pai Titto Togum, as roupas ideais são calças, camisa e sobretudo pretos. “Não gosta de usar sapatos quando está pisando em terra. Também não gosta de cartola, chapéu, etc.”.[12]

No Brasil ainda existem máscaras, mas elas são penduradas na parede. Não são usadas como antigamente, para cobrir a face dos mochicas, maias, etc. Não é necessário que a camisa tenha corte de “manga morcego”, mas se tiver o traje fica bastante bonito e adequado. Outros dizem que a capa deve ser de cetim preto (por fora) com forro de veludo vermelho (por dentro). A capa pode ser trocada por uma jaqueta de couro imitando asas, em caso de haver dinheiro o bastante para contratar alfaiate.

O chileno Tatà Lodè de Kimbanda e o brasileiro Nero Raab, seguido por vários outros, sugeriram que às vezes Exú Morcego (Guland) se apresenta “na forma de um grande vampiro” ou “sob a forma de um homem forte com uma grande Capa Preta e com um morcego desenhado no peito”.[13] Por isso uma umbandista residente em Buenos Aires achou útil explicar aos argentinos que “y no se trata de Batman”.[14]

Tatà Lodè de Kimbanda complementa:

Traje-si de negro, con capa negra por fuera y rojo por dentro. En algunos casos blanca por fuera y sombrero blanco. (…) Trabaja con velas negras y rojas, puñales con cabos negros y pembas negras. (…). Su guía es roja y negra, con un murciélago colgado en ella en todo caso que la entidad lo pida. (…) Entre sus comidas mas variadas encontramos bifes de carne vacuna untada en aceite de dendé, farofas con caña y aceite de dendé, maiz torrado y sus gustos de frutas de las mas variadas.[15]

Os “punhais de cabos pretos[16]” também são mencionados no Brasil. Segundo instrução do Pai Titto Togum, as cores do Exu Morcego são somente o preto e o roxo. Outros dizem que é preto e vermelho.

Até o fim do século XX as cores do vampiro na tradição oral carioca, para fantasias carnavalescas ou traje de culto, eram alternativamente só preto, só vermelho, só roxo, preto combinando com roxo ou preto combinando com vermelho; porque o luto é representado pela cor preta, o sangue é vermelho e os mortos são roxos.

Sobre jóias e ornamentos, de acordo com Pai Titto Togum, “sua guia é roxa e preta, sendo de sete em sete contas de cada cor. Não gosta de contas de porcelana. Apenas de cristal (preferencialmente) ou vidro”.[17]

Diversos outros doutrinadores que se copiam recomendam guia vermelha e preta com pingente de morcego. Antigamente os ameríndios mochica, maias, etc., usavam tudo com morcegos: Brincos, piercing, pingentes, bordados, etc.

Após concluir o assentamento o neófito devidamente trajado se torna um verdadeiro médium (cavalo de exu) e já pode aprender a incorporar. O Pai Titto Togum descreveu sua experiência:

No começo, além da irradiação, o médium sente calafrios, tremeliques, etc. Na primeira incorporação o médium já sente a vista embaçada. Às vezes se sente também impossibilitado de se movimentar por conta própria e, à medida do desenvolvimento, até se tornar totalmente ou parcialmente consciente, mas sempre sentindo-o, sendo seu morcego ou qualquer outro exu. (…) Quando vem em terra: O médium fica agachado com as mãos para trás em formato de asas. Não é muito social. Não gosta nada de claridade. Sempre quando vem escolhe um canto isolado e escuro e ali permanece. Não fica muito tempo em terra. Fala através de sibilos com palavras. É muito bravo e perigoso[18].

Outro médium de incorporação, cujo blog se encontra fora do ar, teve a instrução copiada sem créditos em vários sítios. Dizia que “quando ele vem em trabalhos em terreiros para combater demandas ele faz uma forma de dança como se tivesse pegando seus inimigos com suas garras[19]”. Tatà Lodè de Kimbanda já conhecia esta coreografia em 2008:

Cuando llega en los trabajos en terreiros para combatir demandas ejecuta un pie de danza simulando el querer atrapar a sus enemigos con sus garras, moviendo su capa como si fueran alas.[20]

Daí em diante a maior prova de que o médium incorporou a entidade, e não está à mercê de devaneios tolos, será a capacidade de desenhar o ponto riscado de Exu Morcego com a pemba, uma espécie de giz ritualístico.

Evolução dos pontos riscados de Exu Morcego

O Ponto riscado é a identidade do guia. É através do ponto que ele será identificado e confirmado. Cada risco feito na tábua de ponto tem o seu por quê. Tais símbolos informam qual é a entidade, de onde ela vem, na força de quem ela atua, entre outras coisas. Também, os símbolos riscados podem invocar a defesa contra os ataques de natureza espiritual.

Esses símbolos são trazidos pela própria entidade. Não é o médium que cria tais pontos. Muito menos copia de alguns dos livros infelizes que existem por aí. Se o médium está realmente incorporado, a entidade irá riscar seu ponto com muita segurança e irá explicar exatamente o que ele representa. (…) Também, é bom esclarecer que, mesmo sendo duas entidades de mesmo nome, dificilmente o ponto riscado será idêntico, vez que, por mais que sejam espíritos ligados à mesma falange, possuem ainda certa individualidade. Todavia, alguma semelhança sempre haverá. (…) É bom lembrar que a Pemba não é sagrada por si mesma. Uma Pemba comprada em uma loja qualquer, se não for cruzada pelo guia da casa, não terá serventia nenhuma. Será apenas um giz como outro qualquer, sem nenhuma utilidade espiritual[21].

O primeiro ponto riscado de Guland que apareceu na internet parece uma adaptação ou fruto do exercício de memorização insuficiente do símbolo publicado no Grimorium Verum (esquerda) [22] . Quem viu o ponto no terreiro reproduziu isto (direita) [23]:

A originalidade da tradição popular brasileira aflorou pouco a pouco, se libertando do estrangeirismo e dos modismos acadêmicos. Ao longo de cerca de sete anos isso se refletiu na mudança de padrões nos pontos riscados de Exu Morcego. Estas são as duas variantes mais conhecidas atualmente, por quem busca na internet:

Símbolos católicos possuem diferentes significados quando pintados em pontos riscados. A cruz grega (+) é de Obaluaê, diferentemente da cruz latina (†) que representa a proteção de Oxalá.

A lua no círculo desenhado no chão girará conforme o ponto de vista e deslocamento do observador. Portanto ela será tanto um quarto crescente (☾), que favorece o crescimento, quanto um quarto minguante (☽), que faz o oposto.

Assim explica o Pai Titto Togum:

Exu Morcego atua com doenças venéreas, curando e punindo. Deve-se ter muito cuidado com ele, pois uma de suas qualidades é matar filhos de santo! (…) Quanto a matar filhos de santo não é que tenha sido um caso, mas sim que é uma de suas funções no reino de exu. Por isso o pai de santo que cuidar da pessoa que o carrega deve tomar cuidado. Às vezes um simples desentendimento para ele, Exu Morcego, quer dizer guerra por causa de seu temperamento agressivo[24].

Observe atentamente as imagens abaixo para entender o significado dos diferentes formatos dos tridentes:

Um tridente com duas extremidades iguais (0) representa o poder que todo exu possui de trazer malefícios ou benefícios. O par de pontas iguais são os “dois gumes” da metáfora da faca. Quando o tridente não possui extremidades iguais a ponta inferior representa o grau de promoção do exu. Um exu pagão (1) trabalha para quem o recompensar melhor. Ou seja, pode aceitar contra despacho e atacar quem primeiro lhe enviou para um serviço.

Para um exu batizado (2) a ideologia do mestre é o seu propósito maior. Portanto ele não aceita contra despacho. O exu coroado (3) é aquele que foi promovido a chefe de uma linha. Os exus pagãos, batizados e coroados podem ter tridentes de topos retos ou curvos. O topo curvo (4) representa a calunga. Ou seja, indica que no momento o exu está habitando um cemitério e/ou sua estátua. Se o topo é reto ele habita as ruas ou, mais especificamente, as encruzilhadas (5).

Antes do sincretismo o arpão com três pontas era o símbolo astronômico do planeta Netuno (6), mais conhecido no Brasil como “tridente do diabo”.

Partindo dessas premissas você conseguirá interpretar os pontos riscados de Exu Morcego seguindo uma lógica parecida com a do jogo pedra, papel e tesoura. Exu coroado é mais forte que exu pagão, comanda e tranca caminhos. Tridente de dois gumes de cabo reto para trabalhos na calunga é mais seguro do que arma de dois gumes de cabo torto para trabalhos na rua. Logo, o trabalho trancará caminhos até mandar seu desafeto para o cemitério por inidôneos meios mágicos.

Pontos cantados de Exu Morcego

O médium de incorporação não recebe Exu Morcego no cemitério (calunga pequena) onde vivem os exus da linha das almas, mas só é legalmente permitido acender velas no sopé do cruzeiro. Isto é feito no terreiro, especialmente durante a gira.

Os espíritos que habitam na calunga vão para o terreiro quando convidados por meio das cantigas que acompanham o batuque da macumba. Estas cantigas de chamamento ou despedida são os pontos cantados.

É difícil datar e identificar a autoria dos pontos decorados e transmitidos preferencialmente pela tradição oral, pois os autores inovam, atualizam, se repetem e copiam. Este exemplo emblemático foi gravado pelo Pai Kratos de Ogume citado com variações por Thatá Mattarazo[25]:

Chegaste de surpresa e ninguém pôde te ver!

Tapaste todos os olhos com tanto querer!

Subindo e descendo por todos os lugares!

Meu companheiro Exu Morcego que voa sem parar!

Estipule para mim qual o caminho que eu devo trilhar![26]

Este outro ponto foi gravado por um orador de voz melodiosa que o recitou docemente enquanto alguém soltava gargalhadas macabras no pano de fundo:

Dentro de uma casa velha onde mora a escuridão.

Eu sou exú e tenho asas, eu giro em qualquer lugar.

Quem tem asas sempre voa. Quem tem pé sempre caminha.

Não gosto da luz do dia não, porque a noite é…

Dentro de uma casa velha onde mora a escuridão.

Eu sou exú estou aqui, eu sou do bem, eu sou do mal.[27]

Estes outros pontos cantados estão repetidos em várias páginas da internet:

Acendi uma vela lá no cemitério [2x]

Para iluminar a cruz de morcego.

Adorei. Atotô[28]. Seu morcego iluminou [2X].[29]

Bate asas na calunga. Bate asas no cruzeiro. [2x]

Eu chamei a meia noite. Saravá Exú morcego.

Vem aqui no meu terreiro[30].

O Exu Morcego é quem está mandando agora.

Mas ninguém nunca descobriu onde ele mora.

Na calunga enluarada ele dá sua gargalhada.

Mas ninguém nunca descobriu sua morada.[31]

O céu escureceu. Exu bateu asas na calunga. [Bis]

Voou, voou. Exu Morcego já chegou.[32]

Que alvoroço era aquele na calunga? Foi até lá para ver o que tinha.

Ora voava pomba. Ora voava coruja. Era Exu Morcego que saia da calunga.[33]

Ó meu senhor das almas, só voa quem tem asa.

Olha que sou o exu Morcego. Sou um dos reis na encruzilhada.[34]

Quem voa baixo sempre voa, quem voa alto quebra a asa!

Cuidado com a mandinga meu senhor, Exu Morcego é quem comanda! [Bis][35]

Exu Morcego, ele é homem é? [2x Bis]

Na gira da quimbanda é homem é?[36]

Seu terno branco, sua bengala. [Bis]

Na encruzilhada, quiri, quiri, quiri. Exu Morcego dá risadas. [Bis][37]

Na casa que tem morcego todo mundo tem respeito (bis).

Meia noite eu vi morcego. Tenha fé não tenha medo.

Quem carrega Exu morcego sempre quer andar direito![38]

Exu Morcego quando vem de longe. Exu Morcego é quem está de ronda.

Ronda o terreiro, descarrega nossa Umbanda.

Saravá Exu Morcego capitão[39] (protetor) da nossa banda.[40]

Após a incorporação bem sucedida os devotos dirão que “Morcego é Mojubá”, ou seja, cumprimentarão afirmando que ele é digno de respeito (moju ibá ou mojubá). Então o morcego dará conselhos ou trabalhará desenhando pontos riscados no chão. Ele mesmo faz e ele mesmo apaga. Assim como existem pontos cantados de chamamento, existem pontos de despedida para cantar na partida da entidade:

Estava amanhecendo, vi um morcego no ar.

Pedi a proteção de nosso pai Oxalá.[41]

O culto usa palavras extraídas do idioma nagô ou iorubá para pedir temor reverencial (adorei) e silêncio (atotô) ou saudar (saravá[42]) o espírito ancestral (exu) que servirá de interventor (laroyê). A gira de exu não é a melhor hora para dar oferendas. Mesmo que o consumo ocorra durante a festa, toda comida, bebida, etc., poderá ser entregue aos diligentes da tenda ou terreiro antes do início da solenidade.

Trabalhos de Exu Morcego

Diversas fontes informam que quando Exu Morcego incorpora no médium para consultas particulares ele parece nervoso, antissocial, e não é muito de prosa, mas quando faz algum tipo de trabalho promete que “vai buscar voando”.[43] Ou seja, cumprirá rapidamente seus afazeres. O Pai Titto Togum diz que Exu Morcego não é muito exigente quanto às oferendas:

Quanto a trabalho ele aceita muitas coisas. Uma vela preta, uma folha de mamona com farofa de exu e um copo de absinto e ele estará muito satisfeito, mas para cada tipo de trabalho existe um tipo de oferenda. Isso, fora a variação de entidade para entidade[44].

A farofa utilizada no despacho (padê)[45] e outros rituais de exu é a farofa de cachaça (mi-ami-ami otin) preparada com farinha de mandioca, azeite de dendê, ovos, cebola, sal e bebida alcoólica. A farofa pode ser encorpada com camarão seco. O médium pode comer durante a incorporação. As sobras orgânicas serão postas na floresta ou noutro lugar propício, sem vidros ou coisas que se transformam em lixo.

Seguem outros exemplos de comidas achadas na internet:

Oferenda (trabalho) para Exu Morcego: 1 bife de gado sem bater, 1 bife de porco levemente malpassado no dendê, 7 velas brancas, 7 charutos, 7 moedas correntes, 7 pedacinhos de imãs, pipocas estouradas com 1 pitada de sal (vai uma pitada no bife de porco também), 7 batatas assadas de uma forma que elas aparentem enrugadas e milho torrado com uma pitada de azeite de dendê em fogo baixo mexendo constantemente. (Lembrando que o milho escurece e não pode estar claro nem queimado, no momento que estourar alguns perceberá que a cor mudou e está pronto). 1 cravo vermelho e uma cachaça de alambique. Arriar numa encruzilhada em formato de cruz de chão batido; acender uma vela; chamar por Exu Morcego e o dono daquela Encruzilhada; cantar alguns pontos para Exú e peça o que quiser.[46]

Oferenda ao Exu Morcego para limpeza de ambiente e desobsessão: Fazer uma farofa de vodca com nove dentes de alho roxo por cima, colocar numa folha de mamona. Passar no ambiente ou na pessoa que precisa ser limpa invocando o Exu Morcego e sua falange. Não oferecer cachaça se tiver parente alcoólatra falecido, oferecer vodca ou gim com pó de cominho para o Exu (o cominho transforma a energia). Arriar embaixo de uma árvore, de preferência uma amendoeira.[47]

Todo exu aprecia charuto, cachimbo, cigarro com filtro, sem filtro, com piteira, sem piteira, etc. Já vi até cachimbo de água (shisha) feito com garrafas de vidro decoradas com massa epóxi por artesões brasileiros, à venda em barraca de artigos religiosos. Mas, de acordo com o Pai Titto Togum, o Exu Morcego só fuma charutos de qualidade e “prefere os mais fortes”.[48]

O que se pede para Exu Morcego?

Para exu se pede axé e nada mais que axé, na intenção de receber prosperidade e felicidade. Mas há pessoas que pedem para abrir caminhos, trancar caminhos, trazer o homem de volta em trinta dias, matar desafetos de ataque cardíaco, etc. Às vezes as estórias de Exu Morcego trazem surpresas, como esta instrução de Nero Raab:

Os trabalhos são efetuados na hora grande, isto é, à meia-noite e, geralmente, na Magia Negra, onde são utilizados animais. Após o sacrifício esses animais estão sujeitos a contraírem a raiva (hidrofobia). Quando a finalidade desses trabalhos é feita com o propósito de enlouquecer algum oponente a sua apresentação é a de um enorme morcego.[49]

Obviamente a menção à raiva por Nero Raab não corresponde ao conhecimento científico sobre a zoonose[50]. Mesmo se um morcego ou cão doente mordesse um frango assado, o cadáver não ressuscitaria e desenvolveria a doença! Quem faz coisa parecida é o vampiro fictício, literário e cinematográfico, capaz de matar pela mordida às vitimas que ressuscitam como mortos vivos.

Nero Raab explica duma forma tão pomposa quanto sutil porque a ressurreição seria possível, na sua concepção particular da lenda do exu morcego:

É considerado o Exu da morte, cura e vida. Diz-se uma entidade do ar que desceu do céu para decapitar os primeiros homens maias feitos em madeira. (…) Guardião do umbral. Entidade que trás consigo o ritual do esgotamento das paixões terrenas onde o homem sai da roda de samsara[51] e entra na vida, ou seja, em direção à luz, e também a entidade que aprisiona as pessoas apegadas às paixões terrenas e somente sai das cavernas quando realiza as verdades espirituais da vida. Suas oferendas são realizadas em cemitérios e pântanos. Têm o poder de transmitir ou curar, à distância, qualquer espécie de moléstia.[52]

Uma versão posterior desta explicação interpreta a função de Kama Zotz como ceifador de cabeças interpolando com a ilustração do Arcano XIII do tarô de Marselha (A Morte)[53] cuja iconografia traz um esqueleto ceifando cabeças de reis e rainhas acima da legenda “treze” ou “tredecim” (do grego τρεισκαίδεκα); número aziago que faz especialmente temida a sexta feira treze.

É perfeitamente verossímil a hipótese de que o Exu Morcego tenha derivado do morcego-espírito presente em muitas culturas ameríndias, posto que não me foi possível localizar referencias africanas onde o exu (eśu), ou alma do ancestral morto, é um quiróptero ou é alguém que deixa de ter forma humana para virar morcego.

O Exu Morcego e a Pop Arte

Prevejo que alguns leitores reclamarão dizendo que a Umbanda não imita Bram Stoker. Foi Bram Stoker quem imitou o mais sagrado. Só que a coisa não é bem assim. Há quem diga que o diabo, conforme popularmente descrito, nunca teve relações com exu. Mas onde já se viu, na África, exu com rabo de ponta de seta e cor vermelha, pisando sobre brasas? Tais particularidades icônicas são próprias da cultura pop e da religiosidade popular latino-americana. Nem adianta culpar o sincretismo da era colonial porque naquele tempo o exu brasileiro não usava roupas pretas e vermelhas.

Por exemplo, temos a iconografia do diabo vermelho no quadrinho Hot Stuff da editora Harvey, criado em 1957, publicado no Brasil sob o título Brasinha pela editora O Cruzeiro, a partir de 1962 (tendo durado 132 edições) e, em seguida, pela Vecchi, a partir de 1974 até o começo dos anos 80. Ora pois, quem dirá que o Brasinha não parece um exu mirim? Quando se tem um público alvo humilde, o diabo precisa parecer com aquilo que as pessoas de determinada época e lugar pensam que ele é.

As crianças enriqueceram as suas representações com novas características que buscaram nos filmes e nos programas de televisão. De cada um dos heróis destas séries, Batman, Zorro ou algum vampiro, elas tomam emprestados os elementos que as aterrorizam ou que simbolizam a força invencível e os incluem nas suas representações tradicionais. (…) O que as crianças tiram das características dos seus heróis para vestir o diabo mostra a função que a ele atribuem: Ele encarna a força, o terror, a invencibilidade, a irrealidade. É o que exprime a menina Aurélia: “Ele é representado nos desenhos como um homem mau e que nos aterroriza para fazer-nos compreender que não devemos cometer faltas graves”.[54]

Em verdade vos digo que o problema é mais complicado do que parece. O exu brasileiro não é o anjo diabólico dos livros de teologia católica. Ele é uma mistura do exu africano com aqueles diabos e muitas coisas mais. Portanto, se transformou numa entidade eclética e versátil, conforme observado pelo o editor N. A. Molina.

O Culto a Satã, as Litanias, a famosa Missa Negra (…), a adoração ao Demônio (…), venho provar dentro dos estudos e pesquisas que realizei, que grande parte disto tudo é usado no Candomblé e na Umbanda, pois como já citei, os nomes podem ser mudados com o decorrer dos tempos, mas os Deuses, as Entidades, os Orixás, e o Demônio são sempre os mesmos, pois mudam de nome de acordo com os tempos que passam, e de acordo com os cultos das diversas Religiões.[55]

Felizmente o Brasil é um país laico onde ninguém precisa ter vergonha de ser ateu, judeu, cristão, muçulmano, devoto de exu ou etc. Hoje em dia, quando o artista faz seu trabalho ele representa a entidade (acrescentando ou subtraindo informações aos dados pré-existentes). Se o ente hipoteticamente incorporado no médium toma conhecimento da representação fictícia e aprova a maneira como lhe pintaram, ele pode copiar sua cópia e começar a usar, por exemplo, uma capa elegante.

É preciso admitir que a encarnação duma entidade pode acontecer na forma de expressão artística. Do contrário nossos exus ainda seriam parecidos com o retrato no seguinte cetro Yoruba de dança tribal (ogo elegba) coletado na África[56] ou com este par de estátuas brasileiras datadas de meados do século XX, representando um exu pagão com tridente de calunga (esquerda) e outro com tridente de rua (direita)[57].

O tridente é a arma de Poseidon na mitologia grega e do exu brasileiro. A capa do vampiro cinematográfico veio do xamã ameríndio e voltou da Europa com os ajustes e adotadas no século XX pelos artesões produtores de imagens para conga. Tal peça de vestuário já aparece assimilada à imagem de exu com caveira, esculpida por Antônio de Oliveira em Belmiro Braga (MG), na década de 1970[58]. Atualmente, praticamente já não se vê imagens de exu desnudo e muitos deles usam capa preta e/ou vermelha.

No segundo semestre de 1991 eu comecei a entrevistar pessoas questionando sobre o que cada uma pensava a respeito dos vampiros, na intenção de coletar opiniões diversas. Naquela época eu cursava a sétima série no Colégio Sagres. Uma colega de classe havia se mudado para o Rio Comprido (RJ). Antes vivia no condomínio Riviera dei Fiori, na Barra da Tijuca (RJ) e fazia aula de equitação nas férias.

Enfim, esta pessoa vinda dum ambiente mais abastardo e esclarecido não acreditava na existência da Transilvânia, região histórica da Romênia. Tal localidade seria tão fictícia quanto a ilha de Avalon, o País das Maravilhas e a Terra de Oz. Mas o Conde Drácula teria existido realmente e vivido num feudo, nos Estados Unidos, semelhante à cidade criada por Paul Féval no conto La ville vampire (1875) ou ao movimento subterrâneo do Informe sobre Ciegos (1961), de Ernesto Sabato. Ela disse:

Drácula existiu mesmo. Ele foi uma espécie de senhor feudal que viveu na Pensilvânia, que não é o atual estado dos EUA, mas sim um país que se encontra debaixo deste estado. Acontece que houve um grande tremor de terra e a Pensilvânia do Drácula afundou completamente no solo. A Pensilvânia atual foi construída por cima da antiga. Ainda existem cavernas por lá por onde se pode entrar nas ruínas desabitadas do antigo reino, mas dizem que quem dormir lá desaparece para sempre. Alguns dizem que é porque o lugar é muito grande e as pessoas se perdem. Outros dizem que os desaparecidos são atacados por vampiros.

Anos depois, pesquisando na internet, descobri que outros brasileiros creem nesta lenda, cuja origem se encontra nas religiões afro-brasileiras. O anúncio anônimo de um sacerdote Tátá-Kimbanda que atende de segunda à sexta-feira das 14:00 às 20:00, no Templo de Exu, em Ribeirão Preto (SP), informava que, por quarenta e nove reais, ele incorporaria um conde de nome Musifin[59], ascendido ao cargo de Exu da Capa Preta, que viveu numa época “mais antiga do que a própria antiguidade”:

Algumas pesquisas relatam que pode ser encontrada parte da biografia desta entidade em uma antiga colônia, hoje denominada Pensilvânia. Foi um Bruxo com profundos conhecimentos sobre os mistérios da magia negra (…) e hoje incorpora em um médium para dar consultas. (…) Ao realizar seus trabalhos [o médium] se transforma num bruxo poderoso em volta da sua capa, fazendo evocações. (…) Esse Exú é chamado de faca de dois gumes: Pratica o bem e o mal conforme for solicitado. (…) Faz o errado virar certo e o certo virar errado como bem lhe convêm. (…) Soluciona quaisquer problemas dentro de 7 dias.[60]

Em 2010, enquanto procurava por informações sobre quimbanda nas redes sociais, encontrei uma comunidade criada em 18/03/2005, no Gazzag, dedicada ao mesmo exu. Ela foi criada por Juan, um baiano residente em Minas Gerais, estudante de Direito e Bioquímica.[61] Deste modo verificamos que a lenda era conhecida em pelo menos três estados Brasileiros.

Não é admirável que certas pessoas negassem estrategicamente a existência da Transilvânia, pois era hábito entre os jovens da classe média brasileira importar obras de literatura fantástica inglesa como o The Tourist’s Guide to Transylvania (1981), que descreve esta província como uma inverossímil “terra perdida onde homens e demônios coexistem numa atmosfera de difícil trégua onde o sobrenatural faz parte da vida diária como o sol nascente e a lua minguante”.[62] Ademais, a diferença na cotação do dólar americano e do lei romeno faria com que um conde da Pensilvânia fosse sensivelmente mais rico que outro da Transilvânia.

Hoje Exu Caveira, Exu Capa Preta e Exu Morcego são entidades diferentes. Há Exu Capinha Preta diverso do Capa Preta e nem todos que usam capa levam tal nome.

Teria o espírito de Drácula punido Ary Fontoura?

Quando Ary Fontoura adquiriu direitos autorais, dirigiu e atuou na peça Drácula (1988), ele inovou adaptando-a ao gênero comédia. Então a versão apresentada no Rio de Janeiro era sensivelmente diferente daquela que esteve em cartaz em São Paulo e na Broadway. Conforme revelado numa entrevista para o programa Por Traz da Fama, do canal Multi Show, em 2002, a sátira causou um mal-estar generalizado entre o elenco. Ari sofreu um acidente e teve que engessar a perna durante a temporada:

Lá fui eu de cadeira de rodas fazer a peça. Não sei por que deu tudo certo. Tinha uma valsa que eu dançava com a miss Lucy e eu dançava de cadeira de rodas. (…) Eu voava de cadeira de rodas também. Enfim, foi tudo bem. Só que lá sempre que eu olhava para os bastidores tinha alguém olhando. Ou eram os olhos estranhados da Lídia Bronde ou dos outros atores que já estavam pensando que aquela peça era uma peça maldita. Às vezes tinha gente que dizia: “Meu deus do céu, eu não vejo a hora disso acabar!” Eu dizia: “Não falem uma coisa dessas! Por que acabar um espetáculo com gente saindo pelo ladrão?”[63]

Diz-se na religiosidade popular que antes de fazer uma obra de ficção ou não ficção relacionada a um exu é necessário pedir autorização para a entidade sob pena de ter seus caminhos fechados. O elenco acreditava ser preciso ir numa igreja ou terreiro para fazer uma reza antes de começar aquele espetáculo porque o tema tinha “poder”. Eles disseram para Ary Fontoura:

Nós estamos mexendo com uma entidade fortíssima, o Conde Drácula, uma coisa milenar! (…) Você está completamente carregado. Você está possuído por um espírito. De repente é até o próprio espírito do Drácula. Está acontecendo isso, veja! O serial caiu. A porta caiu. O teu pé vê como é que está? Você tem que trabalhar de cadeira de rodas. Vamos ter que desmanchar isso.

A temerosa equipe levou “dois rapazes que trabalhavam com macumba” para ofertar sacrifícios de bovinos, caprinos e azarrô até apaziguar o espírito do Conde Drácula! Como podem ter acreditado numa coisa dessas? Em 1987 o livro de Bram Stoker mal havia completado noventa anos. Nem o Drácula histórico, o romeno Vlad Ţepeş (1431–1476), teria seiscentos anos se existisse vida após a morte. Então por que uma trupe de artistas cultos, formadores de opinião, apregoava que o advento de casos fortuitos provinha da ira dum fortíssimo ente “milenar” ansioso por oferendas?

Perguntei a respeito na Tenda Pai Cipriano, onde umbandistas filhos de fé e o ilustre exu Seu Sete (devidamente incorporado) confirmaram que “tudo isso existe mesmo”. Decidi dar a eles um voto de confiança e procurar pela tal entidade milenar que se perpetuou a custo do sincretismo. Achei! O morcego-espírito se comunica com xamãs de tribos ameríndias, alguns trajados com capas de pelo ou pano, praticamente desde que a humanidade chegou às américas, e continua compartilhando seus cantos, curas e maldições até hoje. Há representações iconográficas provenientes das culturas Mimbres, Mochica, Maya, Inca, Apinajé, entre outras. E não importa para onde olhemos, sempre haverá alguma coisa parecida ou igual.

Mancha do “morcego” no teste de QI de Hermann Rorschach.

Riul Doannei e o Vale dos Suicidas

A tradição oral coletada por Raymond McNally e Radu Florescu durante pesquisa de campo na região onde os fatos aconteceram explica que em 1462, quando Vlad Țepeș perdeu a guerra contra os otomanos, um parente distante conseguiu enviar uma carta alertando sobre o cerco a Poenari: “A esposa de Drácula informou o marido sobre o aviso. Ela lhe disse que preferiria ter seu corpo devorado pelos peixes lá embaixo no rio Arges a ser capturada pelos turcos”. Então, antes de qualquer outra interferência, “a mulher de Drácula subiu correndo as escadas e se atirou da torre. Esse ponto do rio é hoje conhecido como Riul Doannei, rio da Princesa”.[64]

Quem conta um conto aumenta um ponto. James V. Hart distorceu fatos ao escrever o roteiro de Drácula de Bram Stoker (1992) onde o mensageiro benfeitor é retratado como um inimigo mentiroso, Drácula (Gary Oldman) vence a guerra perdida, a anônima esposa foi chamada Elisabeta (Winona Ryder) em homenagem à condessa húngara Erzsébet Báthory e já foi encontrada morta.

Apesar da enormidade de filmes sobre Drácula, é difícil encontrar algum que aborde a questão da origem do vampiro, de forma a dar sentido para a sua condição de “morto-vivo”. O filme dirigido pelo cineasta norte-americano Francis Ford Coppola pode ser considerado uma exceção. Drácula é apresentado, inicialmente, como um cruzado em luta contra os turcos muçulmanos, invasores de Constantinopla, no ano de 1492 d.C. Vencedor, o príncipe cristão Draculea (um dos tantos nomes pelo qual Drácula é chamado) regressa ao seu castelo e se depara com a morte da esposa. Elisabeta recebera uma carta dos turcos, pela qual foi informada da morte – falsa – de seu marido. Desesperada, ela comete suicídio, o que representa a perdição de sua alma. Sentindo-se traído, Draculea renuncia a Deus, afirmando: “Levantarei da minha própria morte para vingar a morte dela, com todos os poderes das trevas!” Após, ele crava sua espada numa enorme cruz, localizada na capela do castelo, da qual imediatamente começa a jorrar sangue. O príncipe recolhe parte deste sangue numa taça e bebe-o, gritando: “O sangue é a vida. E ele será meu”. De repente, um vento forte invade a capela e Draculea é possuído pelas trevas, sendo transformado em vampiro. A partir daí, o filme passa a se desenvolver no século XIX, em Londres, curiosamente, no ano em que Stoker publicou Dracula.[65]

Neste filme Drácula comete um sacrilégio profanando uma cruz e vira vampiro encenado uma paródia da eucaristia: “Is this my reward for defending God’s church? I renounce God! I shall rise from my own death, and avenge hers, with all the powers of darkness. The blood is the life. And it shall be mine”.

O novelista Antônio Calmon se inspirou no filme supracitado para criar o episódio do martírio da Princesa Cecília (Flávia Alessandra) na novela O Beijo do Vampiro (2002-2003). O Duque Bóris Vladescu (Tarcisio Meira) se apaixonou pela noiva do Conde Rogério (Thiago Lacerda) e, por isso, ele o matou jogando-o da torre do castelo. Desesperada pela perda do jovem noivo, e pelo assédio do velho vampiro, Cecília se suicida pulando do alto da mesma torre.

Curiosamente, após a exibição da novela começou a circular uma versão da lenda do Exu Morcego explicando por que o morcego se tornou “Guardião do Vale dos Suicidas”. Isto foi publicado anonimamente em 08/12/2011, por Nabil Traboulsi em 01/05/2012[66], por Maita em 12/07/2012[67], etc.

Era um cientista renomado e apaixonou-se (…), porém sua amada já tinha seu companheiro. Após uma revolta utilizou de uma armadilha e matou o marido da donzela. (…) Ele implorava ajuda e auxílio de Deus. Porém, no desespero, quando a ajuda não veio, ele ajoelhou e – segundo a entidade João Caveira – ele entoou as seguintes palavras: “Se o Bem não me quer, me entrego ao Mal de braços abertos”. (…) O que aconteceu com a mulher? Cometeu suicídio enforcada no fundo de uma gruta. Por que virou morcego? Simples: Após todos os acontecimentos ele entregou seu espírito e, como castigo, habita o escuro e não vê nada. Hoje ele vaga pelas grutas (…) a procura de seu amor e, mesmo estando à sua frente, ele não pode vê-la.

O tema da impossibilidade de redenção do folclórico Exu Morcego, do Conde Drácula ou da esposa suicida (que, na ficção, não cansa de reencarnar na forma de inúmeras jovens noivas de outros homens) é prontamente descartado na prática ritual, por quem tem a esperança de realizar o grande feito de redimi-lo. A médium paulista Carol Lyara, que também recebe Exu Morcego[68], deu seu posicionamento:

Guland, o senhor alquimista que me acompanha é proprietário de muitos mistérios e segredos, mas nenhum deles me causou tanta admiração e respeito quanto sua linhagem de atuação. Hoje, ele é Guardião do Vale dos Suicidas e já teve seu corpo perispiritual muito deformado por suas sucessivas vidas interrompidas das mais diversas formas. E exatamente por isso levei mais de quatro anos, com o trabalho de sucessivas incorporações nas linhas de esquerda, entregas e rezas para que ele perdesse seu aspecto disforme, quase animalesco e voltasse ao seu aspecto humano.[69]

Em 14/02/2018 comentaram anonimamente em meu blog, no Sapo, que Vlad Tepes foi um Exu Capa Preta, no Terreiro de Umbanda Capa Preta, em Jundiaí. Em 2016 ele evoluiu na data de sua morte para agora voltar como Preto Velho![70]

Drácula, Exu Morcego e o Grimorium Verum

 Numa variante da lenda do Exu Morcego datada da segunda metade do século XX – o extrato mais antigo da coleta – o primeiro Exu Morcego não estava apaixonado por ninguém, o que faz muito sentido. Quem quer que conheça a lenda da “figa” (amuleto apotropaico que usa o poder do celibato para chamar dinheiro) entenderá por que um feiticeiro extremamente rico não enxergaria vantagem em contrair matrimônio.

Uma das fontes favoritas de N. A. Molina, autor organizador de vários manuais publicados pela editora Espiritualista, é o polêmico Grimorium Verum[71] cujo conteúdo dispõe caracteres “com os quais se faz uso dos poderes para invocar os espíritos, ou melhor, os diabos, para fazê-los virem quando ordenados, cada um de acordo com o seu poder, e trazerem o que quer que tenha sido exigido”.[72]

Isto inclui Guland, que cumpre ordens do Duque Syrac, subalterno ao Imperador Astarot que habita no continente americano juntamente com sua corte. É Guland quem “causa todas as doenças”.[73]

Antigamente, nos melhores artigos jornalísticos, quando se falava em vampiros fictícios mencionava-se obrigatoriamente a primeira versão de Nosferatu dirigida por Murnau em 1922, a refilmagem dirigida por Werner Herzog em 1979 e sua continuação oficiosa Nosferatu em Veneza (1988), com Klaus Kinski de volta ao papel principal. Até o temático A Sombra do Vampiro (2000) teve boa critica.

Por essa razão o mitologema do vampiro estava fortemente ligado a estórias de epidemias. Sendo Exu Morcego forçosamente relacionado ao vampiro, ele acabou associado ao causador de todas as doenças conforme a instrução do Grimorium Verum, possivelmente com uma inesperada ajudinha do cinema.

O Grimorium Verum foi adaptado em alguns manuais para trabalhos e serviços que classificam todos os servos de Astarot como exus da linha das almas.[74]

A gente sempre espera encontrar um texto mais humilde com toques da típica brasilidade, mas quando o assunto é este, a imaginação do povo voa bem longe para outros continentes onde a lenda nem existe… Fora do Brasil há uma tendência a desassociar a imagem do vampiro de Guland. Por exemplo, Tatà Lodè de Kimbanda, do Ilè Asè Oyà DàYò em Santiago do Chile, opina que “Exu Morcego é mal sincretizado com a figura demonológica chamada Guland”.[75] O poeta Carloz Gomez Acozàr pretendeu mesmo ratificar o equívoco num conto onde prefere evocar Sirchade – outra figura do Grimorium Verum – para incorporá-lo num morcego vampiro.[76]

O Pai Titto Togum é um dos que costumam afirmar que Guland é o “nome de demônio” do Exu Morcego, líder da décima primeira falange, habitante das matas fechadas ou cemitérios, que obedece principalmente aos orixás Ogum, Oxóssi e Oxum. Esta lenda foi compilada por ele, em 2005:

Em um castelo, inteiramente de pedra, mal cuidado e isolado no meio de uma floresta, típico daqueles pertencentes ao feudo europeu, vivia um homem branco e corpulento, trajando uma surrada roupa, provavelmente antes pertencente a um guarda-roupa fino. Percebia-se o desgaste causado pelo passar do tempo, pois ainda carregava uma grossa e rica corrente de ouro de bom quilate, com um enorme crucifixo do mesmo cobiçado material. Parecia viver na solidão, muito embora no castelo vivessem vários serviçais.

Na torre do castelo, as janelas foram fechadas com pedra, e só pequenas frestas foram feitas no alto das paredes. A luz não podia entrar. A torre não tinha paredes internas, formando uma enorme sala, com pesada mesa de madeira tosca, tendo como iluminação dois castiçais de uma só vela cada. Ao lado da tênue luz das velas, livros se espalhavam sobre a mesa, mostrando ser aquele homem um estudioso e que algo buscava na literatura.

De braços abertos, com um capuz preto cobrindo sua cabeça, emitia estranhos e finos sons, tentando descobrir o segredo da conhecida Sagrada Arte[77]. Pelas frestas da torre, entravam e saiam voando vários morcegos com os quais ele procurava inspiração e força para atingir sua conquista. Por quê? Não sei. A ideia e as razões eram da estranha figura. Parecia um homem de fino trato, transfigurado na fixação de atingir um poder que não lhe pertencia. Seu nome? Também não sei. Só o conheço incorporado nos terreiros como o querido, mas temido Exu Morcego.[78]

Conforme exposto, supomos que a religiosidade popular assimila a perene inconstância do mitologema do vampiro, semelhante ao modo retratado pela mídia para um público alvo formado por diferentes gerações de leitores e telespectadores.

O Pai Titto Togum já trabalhava com Exu Morcego antes dos filmes Drácula de Bram Stoker (1992), Entrevista com o Vampiro (1994) e a saga Crepúsculo (2008-2012) redefinirem a função social do mitologema na cultura popular brasileira. Portanto, o Exu Morcego que ele incorpora narra uma estória onde o castelo isolado na terra além da floresta não é necessariamente a arruinada fortaleza de Arefu, à margem do Rio Arges.

Muito provavelmente a versão dele é a original ou se aproxima dum original que tanto pode ter inspirado a produção de romances gráficos nacionais quanto pode, muito remotamente, haver assimilado elementos deles.

A arte imita a vida

Se as vezes a vida imita a arte, vemos que igualmente a arte imita a vida ou a morte.

Depois que os historiadores Raymond McNally e Radu Florescu publicaram as primeiras obras biográficas sobre Vlad Țepeș, a possibilidade de adaptar roteiros fictícios baseados em fatos reais jogou uma pá de cal sobre o prolífero tema da origem de Drácula. Porém, antes disso, ninguém sequer chamava o fictício Conde Drácula de Vlad. As revistas em quadrinho, roteiros de filmes e outras obras de arte inspiradas no romance de Bram Stoker eram originais e criativas.

É proibido revelar o nome de um exu porque nem sempre o cargo será ocupado pelo mesmo espírito. Suponhamos (e tenham em mente que estou inventando tudo) que, após a morte, Vlad Țepeș tenha chegado à calunga, umbral ou inferno – dependendo da crença adotada – e passado a trabalhar no interessantíssimo cargo de Exu Morcego, deixado vago pelo espírito dum antigo sacerdote Maia que reencarnou como xogum no Japão. Vlad poderia ter se saído tão bem no serviço genérico que recebeu permissão do Exu Maioral para criar a sua própria linha. Assim ele deixaria de ser o milésimo Exu Morcego para se tornar o primeiro Exu Capa Preta.

Finalmente, após expirar suas pendências, Vlad poderia, por exemplo, reencarnar como Fernando Henrique Cardoso conforme retratado por alguns cartunistas à época em que este foi presidente do Brasil.

O espírito de Bram Stoker poderia sucedê-lo como Exu Capa Preta. Tendo poucos pecados para expirar, este último penaria por menos tempo, só até a desencarnação de Bela Lugosi, sucedido por Christopher Lee, que agora poderia estar esperando Gary Oldman bater as botas.

A lenda do Exu Morcego informa que aquele “homem branco e corpulento”, trajando velhas roupas de fino trato, vivia sozinho, enclausurado numa torre por vontade própria. “Ao lado da tênue luz das velas, livros se espalhavam sobre a mesa, mostrando ser aquele homem um estudioso e que algo buscava na literatura”.

Assim também ocorre nos melhores romances gráficos brasileiros onde o jovem Drácula, ainda vivo, estuda enquanto outros habitantes do castelo o criticam por não desfrutar os prazeres da vida. A investigação teológica, quase filosófica, sobre a impossibilidade de redenção é o tema central duma adaptação de Francisco de Assis, escrita e ilustrada por Nico Rosso, por volta de 1958, quando o futuro vampiro percebe que, ao declarar a guerra, ele cometeu um pecado tão grande que não poderia mais voltar atrás: “Eu errei! Meu erro é gigantesco! Mas se Deus não me quer mais, Satã me auxiliará”.[79] Este romance gráfico, tremendamente famoso no Brasil, foi editado por uma gráfica situada no número 70 da na Rua Espírita, em São Paulo.

A referida ficção explica a principal lacuna deixada por Bram Stoker: Como o Conde Drácula se transformou no primeiro vampiro? “No século XV, a família Drácula era uma das mais prestigiosas da nobreza da Transilvânia”, vivia feliz dentro de sua opulência, mas o sétimo filho não festejava. Passava os dias inteiros “a estudar e a fazer experiências em seu laboratório” com o propósito de descobrir a fórmula da eterna juventude[80]. A solução encontrada foi vender a alma ao Diabo.

Na versão estendida, com roteiro de Francisco de Assis, o jovem Drácula começou estudando direito penal após matar um homem em legítima defesa. Ele não queria ser condenado pelo crime de homicídio, mas logo descobriu que em seu caso existia uma causa excludente de ilicitude e também que, sendo ainda menor de idade, ele era inimputável e incapaz de responder pelos próprios atos. Seu próprio pai parabeniza-o pelo ato heroico de reagir ao assalto, dando o “castigo merecido” ao criminoso. Contudo, o rapaz não ficou tranquilo. Passou então a estudar teologia e concluiu que, mesmo inocentado pela lei dos homens, ele provavelmente não escaparia da punição divina após a morte, por ter transgredido um mandamento bíblico.

Drácula era cristão, acreditava nos dogmas teológicos e temia ir para o Inferno. Sabia que deveria sentir remorso ou arrependimento porque, de outra forma, jamais seria perdoado. Entretanto, ele não conseguia sentir nada além de ódio pelo homem morto. Para piorar a situação, ao completar dezoito anos o jovem voivode precisou se alistar no serviço militar, uma nação estrangeira declarou guerra contra seu país e ele teve de matar mais um monte de pessoas absolutamente detestáveis.

As circunstâncias se agravavam cada vez mais, obrigando Drácula a reconhecer seu próprio sangue frio e vocação para lutar exemplarmente bem. Estava tão crédulo de que deus o condenaria ao Inferno que até um vidente deu um prognóstico evasivo.

O diabo ria do medo do combatente confrontado pela ideia da morte. Drácula era muito útil aos seus propósitos. Matando pecadores durante o cometimento de ações pecaminosas ele não dava chance de penitência ou arrependimento posterior. Chovia almas no Inferno e o diabo dançava feliz. Nos cancioneiros e na arte popular brasileira ele é um velho perdedor. Toda vez que o pior dos pecadores estava prestes a morrer bastava fazer o sinal da cruz para ser resgatado por qualquer anjo ou santo melancólico.

Então o diabo teve a ideia brilhante de barganhar com Drácula ofertando a chance de viver para sempre e, consequentemente, nunca penar no Inferno. Tudo que ele precisaria fazer era aceitar a incumbência de continuar prestando o valoroso serviço de enviar outras almas em seu lugar. Foi assim que surgiu o primeiro vampiro… O diabo transportou-o para a América do Sul, apontou para um grupo de morcegos-vampiro e explicou os termos do contrato:

Veja, Drácula, onde está a fonte de vida eterna que lhe prometo! É do sangue quente dos animais que o morcego vampiro extrai sua vida! Você morrerá primeiro… Depois, ressurgirá de sua sepultura, na forma dum homem vampiro, que prossegue a vida, sugando o sangue das vítimas[81].

Na primeira parte da mesma estória o Diabo complementa:

Tua capa regada com sangue (…) será preciosa para ti, protegerá a teu corpo e te fará transformar. Com ela poderá adquirir a forma de um morcego, que será o teu símbolo! (…) Serás invencível no dia de São Jorge, depois da meia noite, até às 3 horas da manhã[82].

O que há de comum entre a ficção e a lenda é um protagonista estudando até a exaustão, para acabar virando morcego. No lenda da umbanda a mímica do morcego era necessária aos estudos do nobre Guland, futuro Exu Morcego, que se cobria com albornoz (manto com capuz) de pano preto e, de braços abertos, “emitia estranhos e finos sons” tentando imitar os guinchos ultrassônicos dos morcegos que se orientam pelos ecos ao voar em plena escuridão[83]. Foi por isso que ele murou as janelas.

A vingança de Drácula (outro exemplo de ficção inspirada na lenda de Exu Morcego)

No primeiro número da minissérie em dois volumes A Vingança de Drácula (SAMPA, 1993), de Sebastião Seabra, a personagem protagonista, irmã da vítima duma homicida, busca vingança por meios mágicos. O ritual inédito ocupa quatro páginas duma revista fina. A protagonista procura um gato preto, mata o bichano com uma paulada na cabeça, arranca os olhos com uma faca, deposita os globos oculares num buraco e queima o despacho enquanto pronuncia a longa reza:

Para que tu, meu grande amigo Drácula, me seja favorável nesta operação que faço a teus pés. Meu grande ministro e amigo Drácula, eu vos entrego a mágica preta. Para que vós lhe ponhais todo o vosso poder, virtudes e astúcias que vos foram dadas por satanás, pois eu vos entrego esses dois olhos dum gato preto, para dele nascer um morcego para ser minha companhia eternamente. Minha mágica preta eu te entrego a Mary Powell a toda sua família e a todos os diabos do inferno, mancos, catacegos, aleijados e a tudo quanto for infernal para daqui renascer… Drácula.

Quem será Mary Powell? O nome do desafeto que deveria ser entregue ao efeito do feitiço é Teodora. Esta outra mulher, cujo nome consta na reza, não é personagem da revista. Mary Powell e sua família, bem como os diabos do Inferno, etc., não se materializam junto com Drácula.[84] Exercem função similar à de Maria Padilha, nas rezas análogas achadas em manuais de magia da editora Espiritualista.

Quadros seletos de A Vingança de DráculaSangrentos anos Dourados.

Detalhes da propaganda nas contracapas de A Vingança de Drácula (SAMPA, 1993): Ator ou médium incorporado e seus patuás feitos à semelhança de “amuletos Tuaregue”.

A propaganda do patrocinador na contracapa quase parece parte do roteiro, pois anuncia cinco modelos do “único”, “fantástico”, Amuleto Tuaregue Bentinho Euttouben, patuás com rezas contra olho gordo, inveja, incubo noturno, doenças psíquicas, etc. “Único amuleto que fecha definitivamente o corpo a todas as maldades que os invejosos jogam em você”.[85] Tentei comprar os amuletos sem sucesso. O anúncio não informava nem o preço. No lugar disso mandava o leitor enviar CR$ 75.00 em dinheiro ou selos para receber um “super catálogo” de VICTOR VALENTIN LTDA. Remeti os selos para Av. Francisco Matarazzo, 788, CEP 05001, São Paulo, SP, e recebi um catálogo das indústrias MATARAZZO LTDA com o mesmo endereço de remetente!

Não sei o que houve com Victor Valentin e seus patuás, pois o catálogo substituto, dos Matarazzo, não continha nenhum artigo religioso. Todavia é sabido que o fundador desta indústria jaz numa construção interessante. O maior jazigo perpétuo do Brasil foi erigido no cemitério da Consolação, em São Paulo, e pertence à família do Conde Matarazzo (1883-1920). Seu imponente estatuário foi importado de Gênova, em 1925, tendo sido “mais custoso que o bastante para alguns hospitais e escolas”.[86]

Graças ao infortúnio da troca dos catálogos de VICTOR VALENTIN LTDA por MATARAZZO LTDA, remetidos do mesmo endereço, passei a suspeitar que o segundo volume da minissérie A Vingança de Drácula não trazia um roteiro totalmente aleatório em relação ao primeiro. Esse incidente revelou a charada e devida ordem na qual o enredo do nº 1 – O Renascer da Besta – deveria ser conjugado com o nº 2 – Sangrentos anos Dourados. No primeiro obtemos o passo a passo do chamamento de Drácula.

No segundo o nobre vampiro visita um condomínio de luxo numa cidade grande, onde corteja sua anfitriã, chamada Madame Emily Matarrato. Compare os sobrenomes:

Ambos são sobrenomes de nove letras iniciados por “MATAR” e terminados em “O”. Duas letras se repetem (ZZ à RR). A semelhança não pode ser mera coincidência. Os Matarazzo já foram uma das mais ricas famílias burguesas do Brasil, tendo alcançado extremo sucesso no ramo de vendas. Eles deram nome à rua onde a distribuidora em questão se encontrava instalada. E, conforme exposto, na verdade foram os funcionários dos Matarazzo que responderam meu pedido por um catálogo.

Nos quadrinhos brasileiros o Conde Drácula raramente morde uma vítima idosa e, quando faz, quase nunca é por livre vontade. A exceção está na versão de Sebastião Seabra, que se destaca por várias razões. Neste romance gráfico o conde vive o sonho de ter uma condessa em suas mãos; uma mulher especialíssima cuja linhagem dava uma tremenda importância à morte e pululava nas censuras da imprensa desde que Maysa Matarazzo começou a cantar… E logo vemo-lo fugindo disfarçado de roteirista de quadrinhos de terror, lastimando o “exagero”, deprimido e enfurnado num transporte coletivo. Seu serviço terminou e a revista também!

Notas:

[1] EXU MORCEGO. Em: Espiritismo e Umbanda. Hyperlink: <http://religiaoespirita.com/umbanda/exu-morcego/>. (Publicado em 09/11/2010).

[2] T’OBATALA, Leonardo. Exu Morcego. Postado no blog Magia, Evolução e Libertação, no Blogspot, em 23/01/2013. Hyperlink: <http://umbandamagia.blogspot.com.br/>.

[3] SARACENI, Rubens. Otá: O início dos assentamentos. Em: Genuína Umbanda. Acessado em 10/07/2013 às 17h. Hyperlink: <http://www.genuinaumbanda.com.br/artigos/ota_o_inicio_dos_assentamentos.htm>.

[4] EXU MORCEGO. Em: Espiritismo e Umbanda. Hyperlink: <http://religiaoespirita.com/umbanda/exu-morcego/>. Publicado em 09/11/2010.

[5] A folha da mamona roxa (Ricinus communis) também é comumente usada como recipiente “para arriar o ebó de Exu” enquanto o óleo das sementes trituradas serve “para purificar o otá de Exu”. A folha da mamona verde (Ricinus communis L.) é utilizada nos “ebós e sacudimentos”. (ERVAS DE EXU. Em: OLHOS DE OXALÁ. Acessado em 10/07/2013 às 11h. Hyperlink: <http://olhosdeoxala.blogspot.com.br/p/as-folhas-dos-orixas.html>).

[6] ERVAS DE EXU. Em: Olhos de Oxalá. Hyperlink: <http://olhosdeoxala.blogspot.com.br/p/as-folhas-dos-orixas.html>. Acessado em 10/07/2013 às 11h.

[7] Foto do catálogo da loja de artigos de Umbanda Ekodide <www.ekodide.com.br>, ano 2009 (hyperlink desativado).

[8] ERVAS DE EXU. Em: Olhos de Oxalá. Hyperlink: <http://olhosdeoxala.blogspot.com.br/p/as-folhas-dos-orixas.html>. Acessado em 10/07/2013 às 11h.

[9] PAI TITTO TOGUM. Lenda de Exu Morcego. Publicada por Nathy na comunidade aberta Exu Tiriri da rede social Orkut (atualmente desativada), em 16/02/2005.

[10] RAAB, Nero. “Exu Morcego”. Tópico na comunidade Reino do Senhor Morcego, Orkut (desativado), em 13/06/2010.

[11] EXU MORCEGO. Em: MAGIA, EVOLUÇÃO E LIBERTAÇÃO. Hyperlink: http://umbandamagia.blogspot.com.br/ (Publicado em 23/01/2013 por Leonardo T’Obatala).

[12] PAI TITTO TOGUM. Lenda de Exu Morcego. Publicada por Nathy na comunidade aberta Exu Tiriri da rede social Orkut (atualmente desativada), em 16/02/2005.

[13] RAAB, Nero. Exu Morcego. Tópico na comunidade Reino do Senhor Morcego, no Orkut (desativado), aberto em 13/06/2010. || TATÀ LODÈ DE KIMBANDA. Exù Morcego. Publicado no blog Macumbeiro Kimbandero, no Metroflog (desativado), em 01/07/2008.

[14] MARIA PADILLA (blog). Postagem no blog da autora no (desativado), em 11/11/2008.

[15] TATÀ LODÈ DE KIMBANDA. Exù Morcego. Publicado no blog Macumbeiro Kimbandero, no Metroflog (desativado), em 01/07/2008.

[16] EXU MORCEGO. Em: Espiritismo e Umbanda. Hyperlink: <http://religiaoespirita.com/umbanda/exu-morcego/>. Publicado em 09/11/2010.

[17] PAI TITTO TOGUM. Lenda de Exu Morcego. Publicada por Nathy na comunidade aberta Exu Tiriri da rede social Orkut (atualmente desativada), em 16/02/2005.

[18] PAI TITTO TOGUM. Lenda de Exu Morcego. Publicada por Nathy na comunidade aberta Exu Tiriri da rede social Orkut (atualmente desativada), em 16/02/2005.

[19] RAAB, Nero. Exu Morcego. Tópico na comunidade Reino do Senhor Morcego, da rede social Orkut (desativada), aberto em 13/06/2010.

[20] TATÀ LODÈ DE KIMBANDA. Exù Morcego. Publicado no blog Macumbeiro Kimbandero, no Metroflog (desativado), em 01/07/2008.

[21] A PEMBA NA UMBANDA. Publicado na Tenda de Umbanda Filhos da Vovó Rita, em 14/02/2011. Hyperlink: <http://filhosdavovorita.blogspot.com.br/2011/02/pemba-na-umbanda.html>. Acessado em 12/06/2013.

[22] Grimorium Verum. Em: SHAH, Idries. A Tradição Secreta da Magia. Trad. Roberto B. O. Goldkorn. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995, p 106.

[23] CIÊNCIAS ANTIGAS E PROIBIDAS.  Acessado em 2008. Hyperlink: <http://www.librabis.hpg.ig.com.br>.

[24] PAI TITTO TOGUM. Lenda de Exu Morcego. Publicada por Nathy na comunidade aberta Exu Tiriri da rede social Orkut (atualmente desativada), em 16/02/2005.

[25] Variante: “Ele chega de surpresa e ninguém pode te ver! / Tapaste todos os olhos com tanto do querer! / Subindo e descendo por todos os lugares. / Meu companheiro Exu Morcego que voa sem parar! / Estipule para mim qual o caminho que eu devo trilhar. / Laroê Exu Morcego…” (Me Mostre o Caminho! Publicado em 14/05/2011. Em: BLOG DA THATÁ MATTARAZO. Hyperlink: <http://blogdathatmattarazo.blogspot.com.br/2011/05/me-mostre-o-caminho-laroe-exu.html>).

[26] PAI KRATOS DE OGUM. Ponto do Exú Morcego! Me Mostre o Caminho! Em: Rádio UOL. Acessado em 31/06/2013. Hyperlink: <http://www.radio.uol.com.br/#/letras-e-musicas/o-leao-da-noite-pai-kratos-de-ogum/ponto-do-exu-morcego-me-mostre-o-caminho/961540>.

[27] TENHO ASA. Publicado por Léo no tópico Cantoria de Exus, dentro da comunidade ↓↓↓♫ PoNtOs Aos OriXás ♫↓↓↓ no Orkut, em 15/10/2010.

[28] “Adorei” é uma saudação mais comumente dirigida aos pretos velhos. Atotô é uma saudação que significa: “Silêncio! Ele está aqui!” É mais usada para saudar o orixá Obaluaiê cuja principal função é causar doenças. Para Exu Morcego chegar a ser recebido pela expressão “atotô” é porque mesmo não sendo orixá ele é muitíssimo importante e poderoso.

[29] ACENDI UMA VELA LÁ NO CEMITÉRIO. Publicado por Léo no tópico Cantoria de Exus, dentro da comunidade ↓↓↓♫ PoNtOs Aos OriXás ♫↓↓↓ no Orkut, em 15/10/2010.

[30] Exú Morcego, enviado por José Gil, da cidade de São Paulo, no dia 04/03/2012. Em: Pontos Cantados: Movimentando energia através do som. Hyperlink: <http://pontoscantados.com.br/ponto/43>.

[31] EXU MORCEGO. Postado por Leonardo T’Obatala em Magia, Evolução e Libertação, em 23/01/2013. Hyperlink: <http://umbandamagia.blogspot.com.br/>.

[32] TERREIRO DE UMBANDA PAI MANECO: Sociedade Espiritualista Edmundo Rodrigues Ferro. Acessado em 12/06/2013. Hyperlink: <http://www.mccomunicacao.com.br/mc/cliente/pai_maneco/site/letras_dos_pontos_exu.asp>

[33] PONTO DE EXU MORCEGO. Em: Reino de Umbanda Ogum Sete Espadas. Centro Africanista Pai Bará Lode. Acessado em 2008. Hyperlink: http://www.buscario.com.br/hpg/exus.shtml

[34] Na primeira vez que li este ponto cantado em 2008 ele estava na página de Paulo Xangô e também noutra página independente que já não existem mais. Hyperlink: http://wmarabo.sites.uol.com.br URL: http://www.pauloxango.com.br

[35] EXU MORCEGO. Publicado por Maria Quiteria no tópico Pontos de Exús, dentro da comunidade ↓↓↓♫ PoNtOs Aos OriXás ♫↓↓↓ no Orkut, em 30/11/2011.

[36] VENTOS, Mário dos. Na Gira do Exu. EUA, Nzo Quimbanda Exu Vetania, 2008, p 107.

[37] VENTOS, Mário dos. Na Gira do Exu. EUA, Nzo Quimbanda Exu Vetania, 2008, p 107.

[38] EXU MORCEGO. Postado em 23/01/2013 por Leonardo T’Obatala. Em: MAGIA, EVOLUÇÃO E LIBERTAÇÃO. Hyperlink: <http://umbandamagia.blogspot.com.br/>.

[39] Sobre a atribuição de cargos de polícia “capitão”, etc., a devota Aynture Rawa Spitz Hahamovici explicou: “Todo respeito é devido aos policiais – senhores exus e bombogiras de lei. – Tudo, tudo mesmo seria ainda bem pior sem o trabalho de inestimável valor desses aguerridos e preparados seres”.

[40] EXU MORCEGO. Postado em 23/01/2013 por Leonardo T’Obatala. Em: MAGIA, EVOLUÇÃO E LIBERTAÇÃO. Hyperlink: <http://umbandamagia.blogspot.com.br/>.

[41] TERREIRO DE UMBANDA PAI MANECO: Sociedade Espiritualista Edmundo Rodrigues Ferro. Acessado em 12/06/2013.Hyperlink: <http://www.mccomunicacao.com.br/mc/cliente/pai_maneco/site/letras_dos_pontos_exu.asp>.

[42] Saravá é de etimologia incerta. Coincidentemente o sotaque da região metropolitana de Tóquio às vezes faz a velha despedida sayōnara (さようなら) ficar parecida com a saudação brasileira saravá, especialmente quando o falante está com pressa. Imagino que se um imigrante japonês quisesse dizer “sai capeta” cem anos atrás ele diria “sayōnara…” diante de não falantes do idioma.

[43] RAAB, Nero. Exu Morcego. Tópico aberto na comunidade Reino do Senhor Morcego, no Orkut (desativado), publicado em 13/06/2010.

[44] PAI TITTO TOGUM. Lenda de Exu Morcego. Publicada por Nathy na comunidade aberta Exu Tiriri da rede social Orkut (atualmente desativada), em 16/02/2005.

[45] O despacho de Exu (padê) é uma cerimônia na qual se oferecem a Exu, antes do início das cerimônias públicas ou privadas, alimentos e bebidas votivas, animais, etc., na intenção de que não perturbe os trabalhos com seu lado brincalhão e que agencie a boa vontade dos orixás que serão invocados no culto.

[46] EXU MORCEGO. Em: JUNTOS NO CANDOMBLÉ (Blog). Acesso em 12/07/2013 às 14h. Hyperlink: http://www.juntosnocandomble.com.br/2011/07/exu-morcego-sobre-e-oferenda.html

[47] EXU MORCEGO. Postado em 23/01/2013 por Leonardo T’Obatala. Em: MAGIA, EVOLUÇÃO E LIBERTAÇÃO. Hyperlink: <http://umbandamagia.blogspot.com.br/>.

[48] PAI TITTO TOGUM. Lenda de Exu Morcego. Publicada por Nathy na comunidade aberta Exu Tiriri da rede social Orkut (atualmente desativada), em 16/02/2005.

[49] RAAB, Nero. “Exu Morcego”. Tópico aberto na comunidade Reino do Senhor Morcego, no Orkut (desativado), publicado em 13/06/2010.

[50] A raiva é uma zoonose causada por um vírus que se instala e multiplica primeiro nos nervos periféricos e depois no sistema nervoso central dos mamíferos e dali para as glândulas salivares, de onde se multiplica e propaga. A transmissão dá-se do animal infectado para o sadio através do contato da saliva por mordedura, lambida em feridas abertas, mucosas ou arranhões.

[51] Na maioria das tradições filosóficas da Índia, incluindo o Hinduísmo e o Budismo, o ciclo de morte e renascimento é chamado de samsara e diz respeito à reencarnação.

[52] RAAB, Nero. “Exu Morcego”. Tópico aberto na comunidade Reino do Senhor Morcego, no Orkut (desativado), publicado em 13/06/2010.

[53] EXU MORCEGO. Em: JUNTOS NO CANDOMBLÉ (Blog). Acesso em 12/07/2013 às 14h. Hyperlink: <http://www.juntosnocandomble.com.br/2011/07/exu-morcego-sobre-e-oferenda.html>.

[54] SOUPA, Anne e BOURRAT, Marie-Michèle. Deve-se Acreditar no Diabo? Trad. Comercindo Bonfilho Dalla Costa. São Paulo, Paulinas, 1998, p 80.

[55] Molina, N. A. Nostradamus, A Magia Branca e a Magia Negra. Rio de Janeiro, Editora Espiritualista, p 7-8.

[56] IMPORTANT TRIBAL ART: The Helen and Mace Neufeld Collection of Tribal Art. New York, Sotheby’s, November 14, 1989, fig. 167.

[57] MASCELANI, Angela. O Mundo da Arte Popular Brasileira. Rio de Janeiro, Museu Casa do Pontal, 2002, P 111.

[58] MASCELANI, Angela. O Mundo da Arte Popular Brasileira. Rio de Janeiro, Museu Casa do Pontal, 2002, p 56.

[59] A origem etimológica de “Musifin” ou “Misifin” é desconhecida. Há quem reconheça nisto uma corruptela afônica contraída e com sotaque regional da expressão “meu filinho”, em sentido coloquial vindo da transformação de “Meu Senhorzinho”, antigo pronome de tratamento da época da escravatura, do escravo perante seu senhorio, que hoje serve para chamar alguém com carinho e humildade. Em 24/04/2011, Rafael Silveira falou na comunidade Biblioteca de Lúcifer, na rede social Orkut, que no estado na região da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, surgiu a Quimbanda Musifin; “não se trata simplesmente do Exu Capa Preta, mas de um sistema completo”.

[60] EXU DA CAPA PRETA. Hyperlink: <http://www.exucapapreta.com.br/>. Acessado em 06/05/2010 às 19:52h.

[61] Juan escreveu a seguinte descrição: “Musifin ou Exu da Capa Preta se trata de um Conde que viveu em época remota em uma antiga colônia, hoje denominada Pensilvânia. Musifim é um Exu muito famoso por resolver problemas aparentemente sem solução, através da magia da Quimbanda.” (JUAN. Exu Capa Preta. Hyperlink atualmente desativado: <http://www.gazzag.com/servlet/CommunityHome?op=showcommunity&idcommunity=1103855>. Acessado em 06/05/2010).

[62] COWLEY, Stewart. The Tourist’s Guide to Transylvania. London, Octopus Books Limited, 1981, p 5.

[63] POR TRAZ DA FAMA: Vampiros. Multi Show, 2002.

[64] McNALLY, Raymond & FLORESCU, Radu. Em Busca de Drácula e Outros Vampiros. Trd. Luiz Carlos Lisboa. São Paulo, Mercuryo, 1995, p 65.

[65] NORONHA, Marcelo Pizarro. O Vampirismo no Mundo Contemporâneo. São Leopoldo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), 2005, p 9-10.

[66] TRABOULSI, Nabil. Uma das Histórias do Sr Exu Morcego. Publicada dia 01/05/2012 em: TERRA DE ARRUANDA. URL: http://www.dihitt.com/barra/uma-das-historia-do-sr-exu-morcego

[67] MAITA. “Uma das Histórias do Sr Exu Morcego”. Em: Recanto das Letras, 12/07/2012, código do texto T3773268. URL: http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3773268

[68] Carol Lyara compôs um ponto cantado num misto de idioma nagô ou ioruba com português: “Laroyê Guland e moju ibá! Laroyê Exu Morcego e moju ibá!” (Saudação Guland, receba meu respeito! Saudação Exu Morcego e receba meu respeito!)

[69] LYARA, Carol. “Exu Morcego”. Publicado no blog da autora no Multiply. (desativado), em 22/07/2008, 10:50 PM.

[70] Foto do Terreiro de Umbanda Capa Preta, com quadro do Vlad na parede, publicada no Facebook. Hyperlink: < https://www.facebook.com/137692926656978/photos/a.137694556656815.1073741827.137692926656978/351312378628364/?type=3&theater > Acessado em 10/03/2018, 19:35.

[71] A ausência do fragmento de origem inidônea citado no Zohar 3:19a demonstra que o Grimorium Verum não é uma cópia da Clavicula Salomonis, listada no veto do Index librorum prohibitorum (1559). Idries Shah constatou que até a data atribuída ao opúsculo é fraudulenta: “A edição mais antiga que chegou até nós é uma impressão supostamente publicada por Alibeck, o Egípcio, em Mênfis, 1517. Na verdade, a menos que a página de rosto simplesmente reproduza o frontispício do original, não é possível (por causa de tipografia, costura e estilo utilizado) que seja tão antigo. Fraude deliberada? Não. É mais provável que o editor estivesse querendo evitar as consequências de se editar um texto de magia em Roma. Alibeck (Ali Baig) pode ser o nome de um egípcio, após a ocupação desse país pelos turcos, pois ele ostenta o título desse povo conquistado. O título continua: “Grimorium Verum… traduzido do hebraico (para o francês) por Plaingière, jesuíta dominicano, com uma série de curiosos segredos. As verdadeiras Clavículas de Salomão”. (SHAH, Idries. A Tradição Secreta da Magia. Trad. Roberto B. O. Goldkorn. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995, p 96).

[72] Grimorium Verum. Em: SHAH, Idries. A Tradição Secreta da Magia. Trad. Roberto B. O. Goldkorn. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995, p 101.

[73] Grimorium Verum. Em: SHAH, Idries. Obra citada, p 108.

[74] Os exus da “linha das almas” vivem na calunga. Existem varias calungas: O mar (calunga grande), o cemitério (calunga pequena) e as matas (calunga da mata). A palavra angolana “calunga” também pode se referir a uma boneca ricamente vestida que simboliza uma entidade ou rainha morta. De acordo com Nero Raab, o “Exu Asterote (sic.) da calunga grande” é capitão dos sete mares e tem sua morada à beira do mar, “pois trabalha para os orixás Yemanja, Oxala e Oxum Mare”. (RAAB, Nero. “Reino de Exu a Beira da Praia”. Tópico aberto na comunidade Reino do Senhor Morcego, no Orkut (desativado), publicado em 25/06/2010).

[75] TATÀ LODÈ DE KIMBANDA. Exù Morcego. Em: Metroflog (desativado), publicado em 01/07/2008.

[76] QUINTO, Manuel (org). Histórias de Vampiros. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo, Hemus, p 86-87.

[77] Encontrei uma versão espanhola no antigo blog Maria Padilla, no Metroflog (desativado), publicada em 11/11/2008, que identifica a “sagrada arte” como a aptidão para voar (levitacion).

[78] PAI TITTO TOGUM. Lenda de Exu Morcego. Publicada por Nathy na comunidade aberta Exu Tiriri da rede social Orkut (atualmente desativada), em 16/02/2005.

[79] ROSSO, Nico (arte) e ASSIS, Francisco de (roteiro). Drácula, o Conde da Transilvânia, Torna-se O Vampiro da Noite! Em: Álbum Clássicos de Terror, nº 9, p 46.

[80] ROSSO, Nico. Drácula Volta a Atacar! Em: LUCCHETTI, R. F. (Org.) Dracula. São Paulo, Taika, 1973, p 8-9.

[81] ROSSO, Nico. Drácula Volta a Atacar! Em: LUCCHETTI, R. F. (Org.) Dracula. São Paulo, Taika, 1973, p 11-12.

[82] ROSSO, Nico (arte) e ASSIS, Francisco de (roteiro). Drácula, o Conde da Transilvânia, Torna-se O Vampiro da Noite! Em: Álbum Clássicos de Terror, nº 9, p 62-67.

[83] PAI TITTO TOGUM. “Lenda de Exu Morcego”. Publicada por Nathy, na comunidade Exu Tiriri do Orkut (desativado), em 16/02/2005.

[84] Drácula atendeu ao chamado e vingou o assassinato com um massacre. Seis páginas depois – serviço feito, inimigos mortos – o verdadeiro “fim” é anunciado pela mudança drástica no nível de seriedade e verossimilhança do enredo, como é costume neste tipo de HQs para driblar as queixas dos arautos da moralidade. Nesta segunda parte tem início uma cômica e ridícula investigação policial. Pela primeira vez somos informados que tudo ocorre em Manhattan e não no Rio ou São Paulo como o leitor presumivelmente presumia. Sob a orientação de Van Helsing, um policial sai para caçar Drácula com uma pistola d’água cheia de suco de alho. As últimas palavras do homem da lei, antes de pulverizar seu inimigo com o arremesso de um rosário, são: “Conhece a história de Davi contra Golias, Drácula?”.

[85] Salvo por uma ou outra “Cruz de Caravaca” (a cruz papal) que vinha de brinde no livro homônimo, esta foi a única vez em que um patrocinador ousado e perspicaz logrou vender objetos rituais no Brasil, por meio de quadrinhos de terror. Trata-se da única referência em cinquenta anos de história que cotem a fotografia de alguém que não é artista de cinema, impressa na intenção de demonstrar como seria a verdadeira aparência de um vampiro brasileiro.

[86] VALLADARES, Clarival do Prado. Arte e Sociedade nos Cemitérios Brasileiros. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1972, vol II, p 1.076.


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