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Por T.Q.M.B.E.P.N
Corrente 49
Kalunga é uma palavra de origem africana (Bantu) cuja tradução assemelha-se ao “Mundo dos Mortos”. Essa palavra é abrangente e também sinaliza as águas que dividem os mundos dos vivos e dos mortos. Acreditamos que ao atravessar o mar nos navios negreiros, os escravos africanos entendiam que estavam atravessando a Kalunga e, em razão das viagens serem longas e de muitos morrerem vitimados por doenças e violência chamavam o mar de ‘Kalunga Grande’ (os corpos eram jogados ao mar). Devemos lembrar que milhares de negros jamais haviam visto o mar o que tornou essa concepção muito mais marcante para a criação de novos conceitos.
O povo africano antigo professava a crença da sobrevivência da alma após a morte física. Os mortos, dependendo da forma ao qual faleciam, tinham força para intervirem na vida dos vivos. Da mesma forma, os ameríndios professavam crenças similares. Se estudarmos ambas as culturas entenderemos que as causas e consequências de diversas passagens estavam relacionadas aos antepassados. Diante a todas essas mudanças, um Deus Bantu, considerado o Senhor dos Mortos, em alguns lugares chamado de Kalunga-Ngombe possivelmente seja a ‘raiz’ que explica o uso da palavra Kalunga tanto para os cemitérios quanto para o mar: A Terra de Kalunga-Ngombe, a morte, as pestes, o ceifador de rebanhos.
Um detalhe interessante de expormos também encontra explicação na cultura religiosa Bantu. Quando um espírito familiar desencarna torna-se um ancestral divinizado, considerado um fantasma familiar. Esses espíritos são nomeados de Makungos. Ao longo das gerações esses espíritos perdem suas estruturas individuais e passam compor outras classes de espíritos. Dentro do enredo da Quimbanda praticada pelo T.Q.M.B.E.P.N, entendemos que essa descaracterização da individualidade é exatamente o processo pelo qual Exus e Pombagiras são submetidos antes de adentrarem a uma Legião/Povo. Segundo os Bantus, dentro dessas novas classes de espírito encontram-se os Mwene-Mbago, ou melhor, os espíritos masculinos e femininos que estão nos bosques e florestas. Isso ocorre porque os mortos eram enterrados no alto dos vales e as árvores desses locais são consideradas sagradas guardiãs, inclusive recebendo oferendas e orações. Os africanos acreditavam que nos troncos dessas árvores habitavam espíritos poderosos que guardavam os mortos e poderiam ser extremamente cruéis com aqueles que desrespeitassem esse espaço. Essa crença assemelha-se muito com a forma que os ameríndios celebravam seus mortos.
Em um relato histórico do Jesuíta J. Cabral (1713) encontramos um texto afirmando que em determinados locais próximos aos rios os índios teciam a crença que as figueiras eram o habitat de seus mortos e quando o vento as balançava era como se os mortos dançassem para os vivos.
Um dos principais “Pontos-de-Força” da Quimbanda Brasileira é o Cruzeiro das Almas. A palavra “Cruzeiro” remete-nos às cruzes de pedra ou de madeira erguidas nos adros das igrejas, nas praças, estradas e cemitérios. No Brasil, o culto à “Santa Cruz” teve início através do processo de colonização portuguesa. Na Europa antiga, as cruzes eram símbolos de proteção e foram largamente usadas como marco de divindade, pois assinalavam e santificavam os territórios dantes tidos como selvagens pelos cristitas. Todo processo de urbanização estava intrinsecamente conectado a elevação das cruzes. Segundo a pesquisadora Profa. Dra. Adalgisa Arantes Campos (Universidade Federal de Minas Gerais), o culto as Almas prestado diante das cruzes ocorreu no fim dos seiscentos da era cristã em Portugal. O início dessa Tradição nasceu justamente no alto das montanhas sagradas onde os mortos encontravam seus caminhos espirituais. Acreditamos que dentre as árvores, a mais frondosa era um grande portal e funcionava como um Cruzeiro, afinal, as árvores são símbolos de evolução espiritual e continuidade, assim como as cruzes. Muitas culturas antigas compartilham a crença de que os mortos deveriam escalar a montanha para chegar ao Reino dos Deuses. Da mesma forma, acreditavam que a ‘Terra dos Defuntos” poderia estar acima dos rios ou atrás das grandes montanhas. Podemos retratar isso através da lenda dos “Eternos Campos de Caça” onde os índios mortos, após escalarem uma montanha íngreme e cansativa, encontravam uma terra farta de caça, água pura e descanso.
O cristianismo usurpou de vários fundamentos pagãos – e isso não é novidade para os adeptos – e dentre os mesmos encontra-se a ideia de que Deus (o Falso-Criador) habita no Céu, também conhecido como paraíso. No culto hebreu (também retratado na Bíblia) temos a passagem onde Moisés sobe o monte para ter contato direto com Deus. O próprio Jesus também firmou seus pés na montanha para dar o sermão, ou seja, as montanhas sempre foram lugares místicos e poderosos.
A fusão cultural ocorrida através do sincretismo solidificou alguns desses aspectos. O primeiro é que a prima Kalunga estava localizada na mata, guardada pelos espíritos poderosos que habitavam em árvores. Tanto para os índios, quanto para os africanos esses locais eram sagrados e os espíritos residentes em tais locais poderiam ser uma fonte inesgotável de conhecimento e sabedoria. Por isso os líderes espirituais recorriam aos mesmos para a cura de doenças, quebra de feitiços, abertura de caminhos, dentre outras solicitações. Assim os mortos eram celebrados e recebiam muitas oferendas que lhes rendiam energia para prosseguir o compartilhamento de sabedoria. Difere-se do conceito vindo dos europeus que consideravam os cemitérios lugares mal-agourados, de tristeza e saudade, pois suas culturas não veneravam (pós-pagã) os mortos como se estivessem vivos. Os cemitérios eram lugares gélidos, escuros, repletos de lembranças onde figuras religiosas simbolizavam sentinelas nas tumbas. Os dois cenários se fundiram na Quimbanda Brasileira. Os cemitérios são chamados de Kalungas e, ao mesmo tempo em que existem ritos para celebrar os mortos, ocorrem ritualísticas para se evocar as forças obscuras e mortíferas para se atacar alguém em amplos aspectos.
Como já é sabido por muitos, nosso grupo (T.Q.M.B.E.P.N) possui uma Tradição moldada não sónos preceitos tradicionais da Quimbanda como em fundamentos esotéricos de Tradições obscuras. Entendemos que os cemitérios são solos sagrados onde a carne se putrefaz e o espírito ascende. Nesse solo é que são separados os espíritos com essência ígnea daqueles desprovidos de força, cuja vida material foi cerceada pelo comportamento frio do barro. As tumbas e sepulcros são aberturas para os reinos Ctônicos governados pelos Grandes Mestres Exus e Pombagiras. Cada pedaço desse solo é carregado de poder e possui uma gerência diferente; a Terra, a poeira, as lascas de sepulturas, os vasos, cruzes, veleiros, flores e plantas que ali residem. Isso tudo tem um governo que na nossa Tradição é feito pelos Exus Reis da Kalunga (ou Exu Omulu Rei) e pelas Pombagiras Rainhas da Kalunga. Esses espíritos estão sob a graça da própria Morte, cujo entendimento se trata do Grande Ceifeiro ou o Primeiro Coveiro. Esse para nós chama-se Qayin, entretanto, não nos aprofundaremos nesse assunto.
Entendemos que o Reino dos Mortos é um local onde diversas energias se manifestam, mas em geral trata-se de um local com uma atmosfera mais silenciosa e densa. Existe movimentação, entretanto, a polaridade que governa esse Reino é mais receptiva (-). Vemos isso claramente quando estudamos os pontos riscados dos Exus. Na maioria possuem garfos arredondados o que demonstra seus domínios de drenagem energética. Os espíritos arrebanhados para o trabalho dentro do reino da Kalunga são mais sombrios que os demais, apesar de serem guerreiros e feiticeiros de grande conhecimento magístico. Tais espíritos dominam muitas artes proibidas e são exímios manipuladores de correntes energéticas. Conhecem as artes da cura e da doença e podem ser evocados e invocados em diversos casos. Alguns se apresentam astralmente como caveiras o que demonstra seus altos graus de desprendimento mundano e o governo de diversas etapas do processo de desprendimento material.
Dentro desse Reino encontramos as conexões ancestrais com os espíritos similares e o trabalho magístico pode se tornar muito mais amplo e poderoso. Exigem respeito acima de tudo! Nada deve ser retirado da Kalunga sem a anuência desses guardiões, pois pode fazer com que os mesmos descarreguem suas iras na forma de emanações energéticas. Para isso usam de almas obsessivas, ameaçadoras e vingadoras. Esses são escravos dos Exus/Pombagiras da Kalunga até que sua obsessão diminua de intensidade e o mesmo seja conduzido para um Mestre Preparador a fim de ascender como Exu.
Excerto de Lucifer Luciferax IX
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