Este texto foi lambido por 98 almas esse mês
Após certo tempo de estudo sistemático e regular da teosofia clássica, conforme delineada por Helena Petrovna Blavatsky, é comum que o estudante comece a experienciar o surgimento espontâneo de ideias inspiradoras, especialmente nos momentos que antecedem o despertar pela manhã.
Em outras situações, tais insights emergem no limiar entre a vigília e o sono, momentos em que o corpo se prepara para adormecer. Nessas ocasiões, compreensões intuitivas, percepções profundas e até formulações verbais completas podem aflorar espontaneamente à mente consciente. Algumas dessas formulações operam como respostas a indagações previamente formuladas; outras constituem modos alternativos de interpretar e explicar fenômenos existenciais ou metafísicos. Tais ideias, em sua maioria de natureza abstrata, tendem a ser fugidias e difíceis de reter na memória consciente.
Esse fenômeno encontra explicação na transformação induzida por um estudo aprofundado, calmo e regular da teosofia. Tal prática não apenas aprimora a qualidade da vida consciente em estado de vigília, mas também exerce influência direta sobre a estrutura e a substância dos estados oníricos e do sono profundo.
Gradualmente, o estudante passa a acessar conteúdos de natureza instrutiva enquanto seu corpo repousa. A expansão da consciência promovida pelo estudo reflexivo em vigília proporciona o acesso a níveis mais sutis de liberdade interior durante o sono.
Esse processo está relacionado ao aprendizado conduzido pelo Eu superior, que ocorre em planos da realidade inacessíveis aos sentidos físicos ordinários. O conhecimento adquirido nesses níveis “desce”, por assim dizer, como um orvalho sutil sobre o cérebro físico ao despertar. Todavia, a delicadeza e a natureza não-verbal dessas experiências fazem com que, na maioria das vezes, o cérebro físico seja incapaz de traduzir tal conteúdo em linguagem verbal estruturada ou mesmo de reter uma memória clara do ocorrido. Com o decorrer dos anos de prática e estudo teosófico, essa limitação tende a ser gradualmente superada. Ainda assim, mesmo quando há algum grau de rememoração, o conteúdo acessado conscientemente corresponde apenas a uma parcela extremamente reduzida da experiência espiritual integral.
Importante destacar que nada do aprendizado realizado em níveis suprassensíveis se perde. O conteúdo assimilado nos planos mais sutis da existência passa a influenciar, de maneira quase osmótica, a vida cotidiana do indivíduo, desde que este se mantenha fiel ao estudo e à reflexão constante sobre os princípios da filosofia esotérica. Estabelece-se, assim, uma nova e mais harmônica relação entre os estados de vigília e de sono, permitindo que o aprendizado espiritual se estenda por todo o ciclo de 24 horas do dia.
Inevitavelmente, o estudante verdadeiramente dedicado toma consciência de que é auxiliado em seu percurso evolutivo não apenas por seu Eu superior, mas também por outras inteligências espirituais. Embora o princípio da autonomia espiritual permaneça inabalável, o aprendiz jamais está isolado ou abandonado nos planos mais profundos da existência. O grau de assistência que pode receber depende, essencialmente, de seu discernimento, de sua autodisciplina e de seu mérito acumulado. Para que a ajuda seja legítima e eficaz, ela deve ser conquistada pelo esforço próprio e canalizada em benefício alheio. O fluxo do ensinamento espiritual é, por sua própria natureza, impessoal: não se trata de receber auxílio de um indivíduo específico, mas sim de se harmonizar com o ritmo da própria Vida e com as Leis universais, ainda que esse auxílio possa se manifestar por meio de pessoas específicas.
Nas Cartas dos Mahatmas, há uma passagem em que um Raja-Iogue dos Himalaias descreve alguns dos métodos pelos quais os Mestres de Sabedoria se comunicam com seus discípulos laicos espalhados pelo mundo. Entre tais métodos está a prática de depositar insights ou “impressões ao despertar” como sementes de ideias na aura do aprendiz, de modo que, ao despertar, este possa captá-las intuitivamente.
Na maioria dos casos em que se experimentam ideias elevadas ao despertar, trata-se de reminiscências de processos meditativos ocorridos durante o sono, cujos conteúdos são registrados de forma efêmera pelo cérebro físico. Em raros casos, tais impressões adquirem estabilidade e são transferidas para a memória de longa duração.
Os Mestres utilizam esse método sutil de comunicação com aqueles que consagram suas vidas à ética, ao autoconhecimento e ao progresso da humanidade. Existem, inclusive, os chamados “discípulos laicos inconscientes” — indivíduos que, mesmo sem plena consciência racional do processo, integram a corrente espiritual anônima e planetária sustentada pelos Mestres e seus discípulos conscientes. Durante o sono, esses aprendizes informais se alinham, em liberdade e por afinidade magnética, à chamada “corrente da boa vontade planetária”. Contudo, por fatores cármicos e psicológicos diversos, podem não reter, ao despertar, nenhuma lembrança consciente de sua participação nesse fluxo espiritual.
Entre os motivos que explicam essa dificuldade de rememoração está a limitação estrutural do cérebro físico, cuja operação se dá, predominantemente, por meio de representações visuais e linguísticas. Tanto as imagens quanto os sons dependem dos sentidos e estão vinculados ao hemisfério cerebral esquerdo. Entretanto, os conteúdos espirituais mais elevados transcendem palavras, imagens e sons, manifestando-se predominantemente através do hemisfério cerebral direito, que se relaciona a experiências simbólicas, intuitivas e não-verbais.
Quando o estudante consegue verbalizar parte de uma percepção alcançada durante o estado de sonho ou de sono profundo, reconhece que, ao traduzi-la em linguagem, está reduzindo drasticamente a amplitude e a profundidade do que foi, em essência, captado. A discrepância entre a experiência e o relato pode ser comparada à diferença entre contemplar diretamente o nascer do sol e ler, no jornal do dia seguinte, uma descrição detalhada do fenômeno.
Embora a descrição e o relato possam ter valor prático e simbólico, jamais conseguirão expressar integralmente a intensidade e a verdade da experiência original.
Por essa razão, alguns estudantes optam por valorizar mais a sensação espiritual deixada pela experiência do que sua formulação verbal. Nesses casos, a impressão subjetiva atua como uma síntese rica e suficiente do conteúdo captado. Outros, no entanto, adotam uma abordagem mais sistemática: mantêm papel e caneta à beira da cama para anotar imediatamente quaisquer ideias ou mensagens que surjam nos momentos de transição entre o sono e a vigília. Em determinadas circunstâncias, o estudante chega mesmo a ser despertado por um sonho particularmente vívido ou simbólico, sentindo-se compelido a registrá-lo para posterior análise e meditação.
Cabe a cada indivíduo, portanto, experimentar e identificar o método mais eficaz em seu caso específico. A adoção simultânea das duas estratégias também é válida. A região liminar entre os estados de vigília, sono e sonho constitui uma zona sagrada da consciência, pois nela se encontra a chave da meditação profunda e da intuição espiritual.
O estudo paciente e regular da teosofia clássica fortalece no praticante a capacidade de integração entre os diversos estados de consciência: o sono profundo, o sonho, a vigília e a contemplação. As fronteiras que outrora separavam rigidamente tais estados tornam-se mais porosas, e o eu inferior — isto é, a personalidade encarnada — passa a interagir de forma mais harmônica com a alma imortal. Nesse intercâmbio contínuo, a consciência se aproxima gradualmente da unidade com o Eu superior e com os princípios universais que regem a evolução espiritual da humanidade.
* texto acima publicado sem indicação do autor no boletim “O Teosofista” julho/08
Alimente sua alma com mais:

Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.