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Shirlei Massapust
Karl Marx (1818-1883) publicou vários livros durante a vida, sendo que alguns deles contém referências a vampiros metafóricos. As mais conhecidas e relevantes estão acumuladas na parte final do primeiro livro de O Capital (1867). São apenas duas menções explícitas, mas, apesar da escassez de referências, não seria exagero classificar o primeiro volume de O Capital como um livro de vampiros, porque tudo o que é exposto anteriormente antecipa e aflui rumo à vampiresca conclusão.
Marx foi o terceiro de nove filhos, de uma família de origem judaica de classe média da cidade de Tréveris, na época no Reino da Prússia. Sua mãe, Henriette Pressburg (1788–1863), era judia holandesa e seu pai, Herschel Marx (1777–1838), um advogado e conselheiro de Justiça. Herschel descende de uma família de rabinos, mas se converteu ao cristianismo luterano em função das restrições impostas à presença de membros de etnia judaica no serviço público, quando Marx ainda tinha 6 anos de idade.[1]
Na idade adulta Marx viria a escrever que povos propriamente comerciantes só existem num espaço entre mundos, os intermúndios da antiguidade, como os deuses de Epicuro “ou como os judeus nos poros da sociedade polonesa”.[2] Talvez, por isso, todo os comerciantes se assemelhariam de algum modo ao povo judaico. Segundo Marx, “o capitalista sabe que todas as mercadorias, por mais esfarrapadas que elas pareçam ou por pior que elas cheirem, são, na verdade e na fé, dinheiro, judeus no íntimo circuncisos e além disso meios milagrosos para fazer de dinheiro mais dinheiro”.[3]
Piada velha, datada, e de mau gosto é a de “quando um judeu aumenta a massa dos metais preciosos[4]”, cobrando juros sobre empréstimos e aplicações financeiras. Quando uma vítima das circunstâncias, com lugar de fala, não levanta a voz para dizer o que deveria ser dito, justo é o queixume de Shylock, personagem antagonista da peça de Shakespeare, Mercador de Veneza (1600):
Cobriu-me de desprezo, deixei de ganhar meio milhão por sua causa, riu-se de meus prejuízos, escarneceu de meus ganhos, desconsiderou a minha nação, entravou os meus negócios, indispôs-me com os meus amigos, excitou os meus inimigos e por que razão fazia tudo isso? Por eu ser judeu. Então um judeu não tem olhos? Um judeu não tem mãos? Nem órgãos, nem proporções, nem sentidos, nem afeições, nem sentimentos? Não se nutre com os mesmos alimentos? Não é ferido com as mesmas armas? Não está sujeito às mesmas doenças? Não se cura com os mesmos remédios? Não é aquecido e enregelado pelo verão ou inverno como qualquer cristão? Se nos picardes, não deitamos nós sangue? Se nos fizerdes cócegas, não rimos nós? Se nos envenenardes, não morreremos?[5]
O cristianismo e demais religiões não escaparam da crítica socialista, onde, de uma certa forma, todas seriam igualmente daninhas. No livro A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1845), Friedrich Engels denuncia toda uma classe sugadora (aussaugende)[6] que se vale da religiosidade para enfraquecer o ânimo do proletariado.
Der Sozialismus ist zu gleicher Zeit der entschiedenste Ausdruck der unter den Arbeitern herrschenden Irreligiosität, und darin so entschieden, daß die bewußtos, bloß praktisch irreligiösen Arbeiter oft vor der Schärfe dieses Ausdrucks zurückschrecken. Aber auch hier wird die Not die Arbeiter zwingen, einen Glauben aufzugeben, von dem sie mehr und mehr einsehen, daß er nur dazu dient, sie schwach und ergeben in ihr Schicksal, gehorsam und treu gegen die sie aussaugende besitzende Klasse zu machen.[7]
O socialismo é, ao mesmo tempo, a expressão mais resoluta da irreligiosidade que reina entre os operários, irreligiosidade inconsciente, visto que exclusivamente prática, uma vez que com frequência os operários hesitam em admiti-la; mas, também aqui, a necessidade constrangerá os operários a abandonar uma fé que, e eles o compreendem cada vez mais claramente, serve apenas para enfraquece-los e torna-los resignados ante a sua sorte, obedientes e servis à classe proprietária que os dessangra.[8]
Antes de chegar ao ponto nevrálgico, Karl Marx picota uma explicação repleta de metáforas interrelacionadas, começando pelo fetichismo e magia do dinheiro, com metamorfoses tresloucadas: “Para nosso tecelão de linho, o curso da vida de sua mercadoria acaba com a Bíblia, em que ele reconverteu as 2 libras esterlinas. Mas o vendedor da Bíblia converte as 2 libras esterlinas ganhadas do tecelão em aguardente”.[9]
A complicação dos métodos de ganho e acúmulo de capital prossegue dando ao capitalista ares cada vez mais monstruosos, em razão da perda da humanidade.
O antigo possuidor de dinheiro marcha adiante como capitalista, segue-o o possuidor de força de trabalho como seu trabalhador; um, cheio de importância, sorriso satisfeito e ávido por negócios; o outro, tímido, contrafeito, como alguém que levou a sua própria pele para o mercado e agora não tem mais nada a esperar, exceto o curtume.[10]
O capitalista, familiarizado com a economia vulgar, dirá talvez que adiantou seu dinheiro com a intenção de, com isso, fazer mais dinheiro. Mas, o caminho ao inferno está calçado de boas intenções e ele poderia, do mesmo modo, ter a intenção de fazer dinheiro sem produzir nada. (…) Futuramente, comprará a mercadoria pronta no mercado em vez de fabricá-la.[11]
O capitalista, ao transformar dinheiro em mercadorias, que servem de matérias constituintes de um novo produto ou de fatores do processo de trabalho, ao incorporar força de trabalho viva à sua objetividade morta, transforma valor, trabalho passado, objetivado, morto em capital, em valor que se valoriza a si mesmo, um monstro animado que começa a “trabalhar” como se tivesse amor no corpo.[12]
Como atividade produtiva, adequada a um fim — fiar, tecer, forjar —, o trabalho, antes de seu mero contato, ressuscita dos mortos os meios de produção, os vivifica para serem fatores do processo de trabalho e se combina com eles para formar produtos.[13]
No próprio processo de produção, ação, em lugar de trabalho morto, trabalho vivo, em lugar de uma grandeza estática, uma em fluxo, em lugar de uma constante, uma variável. O resultado é a reprodução de v mais o incremento de v. Do ponto de vista da produção capitalista, todo esse percurso é o movimento autônomo do valor originalmente constante, convertido em força de trabalho.[14]
Depois que Marx finalmente joga o capitalista ideal – um judeu metafórico – no inferno luterano, presumimo-lo empaticamente morto. Na ânsia pelos eflúvios do trabalho morto, este monstro moral submete assalariados à sobrecarga de serviço, impõe horas extra não remuneradas e explora o trabalho infantil. Tornou-se, portanto, vampiro que compele os operários de sua indústria a trabalharem até a morte.
Das Kapital ist verstorbene Arbeit, die sich nur vampyrmässig belebt durch Einsaugung lebendiger Arbeit und um so mehr lebt, je mehr sie davon einsaugt. Die Zeit, während deren der Arbeiter arbeitet, ist die Zeit, während deren der Kapitalist die von ihm gekaufte Arbeitskraft con sumirt.[15]
O capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo chupa. O tempo durante o qual o trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou.[16]
Die Verlängernrundes Arbeitstags über die Grenzen des natürlichen Tags in die Nacht hinein wirkt nur als Palliativ, stillt nur an- nähernd den Vampyrdurst nach lebendigem Arbeitsbl. Arbeit während aller 24 Stunden des Tags anzueignen, ist daher der immanente Trieb der kapitalistischen Produktion.[17]
O prolongamento da jornada de trabalho além dos limites do dia natural por noite adentro serve apenas de paliativo, apenas mitiga a sede vampiresca por sangue vivo do trabalho. Apropriar-se de trabalho durante todas as 24 horas do dia é, por conseguinte, o impulso imanente da produção capitalista.[18]
Após mencionar a metáfora do vampiro capitalista, citando Marx, os economistas soviéticos Konstantín Vasilievich Ostrovitianov (1892-1969) e Iósif Abrámovich Lapidus (1899-1941) esclarecem que “o prolongamento da jornada de trabalho é o procedimento favorito do capitalista na primeira etapa do desenvolvimento capitalista e continua sendo ainda hoje em dia em muitos países mais atrasados”.[19]
Todavia, nos países avançados, os operários recorrem a estimulantes para manter as forças, queimando o organismo. Um exemplo notório: “A. Holliester, citado por O. Ermansky na Organização Científica do trabalho do sistema Taylor (ed. russa) conta que um grande número de operários norte-americanos gasta até dez dólares por mês em estimulantes a base de arsênico. Melhor seria conquistar esses dez dólares de salário para envenenar-se”.[20]
De tudo isso Marx conclui que “o capital constante, os meios de produção, só existem, considerados do ponto de vista do processo de valorização, para absorver trabalho e com cada gota de trabalho um quantum proporcional de mais-trabalho”.[21] A produção de mais-valia ou a extração de mais-trabalho constitui o conteúdo e o objetivo específico da produção capitalista, abstraídas as transformações do próprio modo de produção que possam surgir da subordinação do trabalho ao capital.[22]
“Vampiro empresário”. Charge do cartunista Coentro. Brasil, década de 1970.
O problema na vida real
Existe uma terceira menção à palavra vampiro no primeiro livro de O Capital que consta somente na tradução inglesa de Samuel Moore e Edward Aveling, editada por Friedrich Engels (1820-1895)[23], publicada pela Progress Publishers, em Moscou, no ano 1887. No contexto do original alemão a palavra utilizada não é vampir, mas Sauger, o sujeito ativo da mamata. Na tradução brasileira de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, optou-se por interpretá-lo como um “explorador” abusivo da força de trabalho alheio.
Man muss gestehn, dass unser Arbeiter anders aus dem Produktionsprozess herauskömmt als er in ihn eintrat. (…) Der Kontrakt, wodurch er dem Kapitalisten seine Arbeitskraft verkaufte, schien durch den freien Willen von Verkäufer und Käufer vereinbartes Produkt. Nach geschlossnem Handel wird entdeckt, dass er „kein freier Agent“ war, dass die Zeit, wofür es ihm freisteht seine Arbeitskraft zu verkaufen, die Zeit ist, wofür er gez w un gen ist sie zu verkaufen, dass in der That sein Sauger nicht loslässt, ,,so lange noch ein Muskel, eine Sehne, ein Tropfen Bluts auszubeuten“. Zum „Schutze“ gegen die Schlange ihrer Qualen müssen die Arbeiter ihre Köpfe zusammenrotten und als Klasse ein Staatsgesetz erzwingen, ein übermächtiges gesellschaftliches Hinderniss, das sie selbst verhindert, durch freiwilligen Kontrakt mitdem Kapital sich und ihre Generation in Tod und Sklaverei zu verkaufen.[24]
É preciso reconhecer que nosso trabalhador sai do processo de produção diferente do que nele entrou. (…) O contrato pelo qual ele vendeu sua força de trabalho ao capitalista comprovou, por assim dizer, preto no branco, que ele dispõe livremente de si mesmo. Depois de concluído o negócio, descobre-se que ele não era “nenhum agente livre”, de que o tempo de que dispõe para vender sua força de trabalho é o tempo em que é forçado a vendê-la, de que, em verdade, seu explorador não o deixa, “enquanto houver ainda um músculo, um tendão, uma gota de sangue para explorar”.[25] Como “proteção” contra a serpente de seus martírios, os trabalhadores têm de reunir suas cabeças e como classe conquistar uma lei estatal, uma barreira social intransponível, que os impeça a si mesmos de venderem a si e à sua descendência, por meio de contrato voluntário com o capital, à noite e à escravidão![26]
Esta última metáfora de sucção corporal foi extraída do artigo Die englische Zehnstundenbill (1850), onde Friedrich Engels lamenta que, na Inglaterra, um veredito do órgão do poder judiciário The Court of Exchequer Chamber declarou a caducidade dos principais dispositivos da lei trabalhista Ten Hours’ Bill, de 1847, não mais limitando em dez horas a jornada de trabalho. Antes da referida lei, a falta de regramento diante duma situação calamitosa inspirou antagonismos de classe e a luta proletária.
Man weiß, wie mit dem Aufkommen der großen Industrie eine ganz neue, grenzenlos unverschämte Exploitation der Arbeiterklasse durch die Fabrikbesitzer aufkam. Die neuen Maschinen machten die Arbeit erwachsener Männer überflüssig; sie erforderten zu ihrer Beaufsichtigung Weiber und Kinder, die zu diesem Geschäft weit geeigneter und zugleich wohlfeiler zu haben waren als die Männer. Die industrielle Exploitation bemächtigte sich also sofort der ganzen Arbeiterfamilie und sperrte sie in die Fabrik; Weiber und Kinder mußten Tag und Nacht unaufhörlich arbeiten, bis die vollständigste physische Abmattung sie niederwarf. Die Armenkinder der workhouses wurden bei der steigenden Nachfrage nach Kindern ein vollständiger Handelsartikel; vom vierten, ja vom dritten Jahre an wurden sie schockweise in der Form von Lehrkontrakten an den meistbietenden Fabrikanten versteigert. Die Erinnerung an die schamlos-brutale Exploitation von Kindern und Weibern in jener Zeit, eine Exploitation, die nicht nachließ, solange noch eine Muskel, eine Sehne, ein Tropfen Bluts auszubeuten war, ist noch sehr lebendig unter der älteren Arbeitergeneration Englands, und mancher von ihnen trägt diese Erinnerung in der Gestalt einer Rückenverkrümmung oder eines verstümmelten Gliedes, alle tragen sie ihre durch und durch ruinierte Gesundheit mit sich herum. Das Los der Sklaven in den schlimmsten amerikanischen Pflanzungen war golden im Vergleich mit dem der englischen Arbeiter jener Zeit.[27]
Eu não disponho de uma tradução profissional deste artigo para português. O trecho em destaque informa que, com o surgimento da grande indústria, iniciou uma nova forma de exploração da classe trabalhadora pelos proprietários de fábricas. As novas máquinas dispensavam o trabalho de homens adultos pois, para sua supervisão, bastariam mulheres e crianças cuja mão de obra era mais barata. Sendo assim, toda a família da classe operária tinha que trabalhar incessantemente, dia e noite, até sucumbir à total exaustão. O trabalho prisional de menores apreendidos em casas de correção era leiloado e disputado por licitantes desejosos de firmar contratos de aprendizagem.
Antes de 1847 a exploração de mulheres e crianças “não cedeu enquanto ainda havia um músculo, um tendão, uma gota de sangue a ser explorado”. Sendo assim diversos membros da geração mais velha de trabalhadores, na Inglaterra, ainda sofriam com doenças ocupacionais[28] e incapacitantes auferidas no período. Segundo Friedrich Engels, até mesmo a sorte dos escravos nas piores plantações americanas era melhor do que a dos trabalhadores ingleses à época.
O caso concreto foi retomado no discurso inaugural da associação International Workingmen’s Association, preparado por Karl Marx, cujo original em idioma inglês[29] foi lido no St. Martin’s Hall, Long Acre, Londres, em 28 de setembro de 1864.
And yet the period passed since the Revolutions of 1848 has not been without its compensating features. We shall here only point to two great facts. After a thirty years’ struggle, fought with most admirable perseverance, the English working classes, improving a momentaneous split between the landlords and money-lords, succeeded in carrying the Ten Hours’ Bill. The immense physical, moral and intellectual benefits hence accruing to the factory operatives, half-yearly chronicled in the reports of the inspectors of factories, are now acknowledged on all sides. Most of the Continental governments had to accept the English Factory Act in more or less modified forms, and the English Parliament itself is every year compelled to enlarge its sphere of action. But besides its practical import, there was something else to exalt the marvellous success of this working men’s measure. Through their most notorious organs of science, such as Dr. Ure, Professor Senior, and other sages of that stamp, the middle class had predicted, and to their heart’s content proved, that any legal restriction of the hours of labour must sound the death knell of British industry, which, vampyre like, could but live by sucking blood, and children’s blood, too. In olden times, child murder was a mysterious rite of the religion of Moloch, but it was practised on some very solemn occasions only, once a year perhaps, and then Moloch had no exclusive bias for the children of the poor.[30]
E, contudo, o período que passou desde as Revoluções de 1848 não deixou de ter os seus aspectos compensadores. Apontaremos aqui apenas para dois grandes factos.
Após uma luta de trinta anos, travada com a mais admirável perseverança, as classes operárias inglesas, aproveitando uma discórdia momentânea entre os senhores da terra e os senhores do dinheiro, conseguiram alcançar a Lei das Dez Horas. Os imensos benefícios físicos, morais e intelectuais daí resultantes para os operários fabris, semestralmente registados nos relatórios dos inspectores de fábricas, de todos os lados são agora reconhecidos. A maioria dos governos continentais teve de aceitar a Lei Fabril (Factory Act) inglesa em formas mais ou menos modificadas e o próprio Parlamento inglês foi cada ano compelido a alargar a sua esfera de ação.
Mas, para além do seu alcance prático, havia algo mais para realçar o maravilhoso sucesso desta medida dos operários. Através dos seus órgãos de ciência mais notórios — tais como o Dr. Ure[31], o Professor Sénior e outros sábios desse cunho —, a classe média tinha predito, e a contento dos seus corações, provado, que qualquer restrição legal às horas de trabalho teria de dobrar a finados pela indústria britânica que, qual vampiro, não podia senão viver de chupar sangue, e ainda por cima sangue de crianças. Em tempos idos, o assassínio de crianças era um rito misterioso da religião de Moloch, mas só era praticado em algumas ocasiões muito solenes, uma vez por ano, talvez, e, mesmo assim, Moloch não tinha uma propensão exclusiva para os filhos dos pobres.[32]
A luta pela limitação da jornada de trabalho interveio ante ao antagonismo entre a lei da oferta e da procura, a política economica da burguesia, o princípio da regulação social da produção e a economia política da classe trabalhadora. Por tudo isso a Lei das Dez Horas, além de um avanço político, representou a consolidação de um princío geral do direito trabalhista. Segundo Marx, pela primeira vez na História a economia política da burguesia sofreu uma derrota nas mãos da economia política da classe trabalhadora.
Em 22/06/1867, quando estava em Londres, Marx enviou notícias a Engels, que se encontrava em Manchester, informando sobre vitórias e fracassos.
At any rate I hope the bourgeoisie will remember my carbuncles all the rest of their lives. Here is yet another proof what swine they are. You know th at the Children’s Employment Commission has been functioning for five years. As a result of their first report, which appeared in 1863, “measures” were at once taken against the branches of industry denounced. At the beginning of this session the Tory cabinet had introduced a bill, through Walpole, the weeping willow, accepting all the proposals of the Commission, though on a very reduced scale. The fellows against whom measures were to be taken, among them the big metal manufacturers, and especially the vampires of “domestic work”, kept an embarrassed silence.[33]
De qualquer forma, espero que a burguesia lembre-se de meus carbúnculos pelo resto de suas vidas. Aqui está ainda outra prova do que eles são. Você sabe que a Children’s Employment Commission está em funcionamento há cinco anos. Como resultado de seu primeiro relatório, que apareceu em 1863, “medidas” foram imediatamente tomadas contra os ramos da indústria denunciados. No início desta sessão, o gabinete conservador apresentou um projeto de lei, através de Walpole, como um salgueiro-chorão, aceitando todos as propostas da Comissão, embora a uma escala muito reduzida. Entre os companheiros contra os quais medidas deveriam ser tomadas, os grandes fabricantes de metal, e especialmente os vampiros de “trabalho doméstico”, mantiveram um silêncio constrangedor.
No Brasil, hoje em dia, é passivo o entendimento de que os trabalhadores em período integral devem cumprir oito horas por dia ou quarenta e quatro por semana. (Há exceções). Se a jornada ultrapassar o limite de horas permitidas o trabalhador tem direito a reivindicar o recebimento de horas extra acrescidas de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) do valor da hora calculada pelo fracionamento do salário comum. Já no trabalho em meio período o trabalhador brasileiro conta com carga horária reduzida e não pode exercer o serviço por mais de vinte e seis horas semanais, com direito a fazer seis horas extra sem exceder o limite de trinta horas por semana.
Comentários gerais
Enquanto pesquisava sobre O Capital achei curioso como há tantas metáforas vampíricas no primeiro volume e nenhuma nos cinco livros seguintes. O tema extrapola as bordas da obra vazando para discursos, etc. No início eu pensava que a metáfora do vampiro em Marx e Engels era um detalhe minúsculo, descuidado e sem importância, igual à verborragia de Slavoj Žižek que vê vampirismo capitalista até no comportamento normal de gatos[34] e no fato do personagem Jack Dawson (Leonardo DiCaprio), um membro da classe trabalhadora, haver pintado um quadro para sua amásia burguesa Rose Witt Bukater (Kate Winslet) antes de morrer afogado na película Titanic (1997).[35]
Em Marx e Engels o vampirismo é coisa séria, provavelmente a mais séria que existe, e ocupa lugar de destaque em pontos estratégicos de suas obras. Vampirizado não é qualquer trabalhador que aliena sua força de trabalho, mas sim aquele que labora em condições análogas à de escravo; ou seja, em flagrante desvantagem. Enfim, os resultados da busca no Marxists Internet Archieve <https://www.marxists.org/> e noutras bibliotecas virtuais especializadas saíram bem melhores do que a encomenda. O resto eu simplesmente tenho acesso em casa desde os tempos da faculdade.
O anjo da ciência (wissenschaft) desperta o operário assediado pelo monstro do capitalismo (kapitalismus) na ilustração de Otto Marcus (1863-1952), Der Vampyr, em “Der Wahre Jacob” (1894).
Fuxicando bem fica obvio, pelo inatacável exemplo histórico, que nem a mais intensa revolução dos humildes bastou para vencer o problema do vampirismo, posto que a monstruosidade se reinventa e renova. Tal foi o caso da França.
O discurso The Paris Commune foi elaborado por Karl Mark e apresentado à International Workingmen’s Association, em 30 de maio de 1871, dois dias depois da derrota da Comuna Parisiense, celebrando sua importância histórica e endossando as causas defendidas. O texto original em inglês foi posteriormente incluído no livro The Civil War in France (1872), de ampla tiragem, que foi traduzido para alguns idiomas.
A Comuna, eleita por sufrágio universal, foi a antítese do império, dedicada a devolver ao corpo social todas as forças absorvidas pelos “parasitas estatais”[36]. Entre outras providências, ela solucionou o problema da dívida hipotecária “deitada como um íncubo” sobre o lote de terra do pequeno fazendeiro.[37] Porém, na França, uma lei datada de 27/04/1825 deferiu o pagamento de indenizações pelo confisco de terras para reforma agrária, durante a Revolução Francesa. Sendo assim, os camponeses foram surpreendidos com a obrigação de pagar uma dívida bilionária. Em 16/03/1848, o governo provisório baixou um decreto que instituía mais uma taxa de 45 cêntimos por franco na arrecadação dos quatro impostos existentes. Essa medida afetou sobretudo os camponeses, que constituíam a maioria da população francesa.
The Commune, on the other hand, in one of its first proclamations, declared that the true originators of the war would be made to pay its cost. The Commune would have delivered the peasant of the blood tax — would have given him a cheap government — transformed his present blood-suckers, the notary, advocate, executor, and other judicial vampires, into salaried communal agents, elected by, and responsible to, himself. It would have freed him of the tyranny of the garde champêtre, the gendarme, and the prefect; would have put enlightenment by the schoolmaster in the place of stultification by the priest. And the French peasant is, above all, a man of reckoning. He would find it extremely reasonable that the pay of the priest, instead of being extorted by the tax-gatherer, should only depend upon the spontaneous action of the parishioners’ religious instinct. Such were the great immediate boons which the rule of the Commune — and that rule alone — held out to the French peasantry.[38]
A Comuna, por outro lado, em uma de suas primeiras proclamações, declarava que os custos da guerra seriam pagos pelos seus verdadeiros perpetradores. A Comuna teria isentado o camponês da maldita taxa, ter-lhe-ia dado um governo barato, teria convertido os seus atuais sanguessugas – o notário, o advogado, o coletor e outros vampiros judiciais – em empregados comunais assalariados, eleitos por ele e responsáveis perante ele. Tê-lo-ia libertado da tirania do garde champêtre, do gendarme e do prefeito, teria posto o esclarecimento do professor escolar no lugar do embrutecimento do pároco. E o camponês francês é, acima de tudo, um homem de cálculo. Ele acharia extremamente razoável que o pagamento do pároco, em vez de lhe ser arrancado pelo coletor de impostos, dependesse exclusivamente da ação espontânea do instinto religioso dos paroquianos. Tais eram os grandes benefícios imediatos que o governo da Comuna – e apenas ele – oferecia ao campesinato francês.[39]
No último capítulo de O 18 brumário de Luis Bonaparte (1852) lemos que, na França, nos tempos de Napoleão, os interesses dos camponeses estavam em consonância com os interesses da burguesia. Porém, a nova sociedade emersa do caos envelheceu mal, revelando para que veio ao mundo: “A ordem burguesa, que no princípio do século pôs o Estado para montar guarda sobre a recém-criada pequena propriedade e premiou-a com lauréis, tornou-se um vampiro que suga seu sangue e sua medula, atirando-o no caldeirão alquimista do capital”.[40]
Notas:
[1] KARL MARX. Em: WIKIPEDIA. Acessado em 10/03/2021 URL <https://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Marx>.
[2] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 75.
[3] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 126.
[4] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 132.
[5] SHAKESPEARE. Mercador de Veneza. 2ª adição revista por João Grave. Porto, Livraria Chardon, de Lélo & Irmão, 1926, p 65.
[6] Na tradução inglesa autorizada pelo autor, Condition of the Working Class in England (New York, 1887; London, 1891), traduziu-se “aussaugende besitzende Klasse zu machen” como “the vampire property-holding class”.
[7] ENGELS, Friedrich. Die Lage der arbeitenden Klasse in England, p 157. Em: Academia.edu. Acessado em 11/03/2021. Hiperlink: <https://www.academia.edu/27983858/Friedrich_Engels_Die_Lage_der_arbeitenden_Klasse_in_England>.
[8] ENGELS, Friedrich. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Tradução: B. A. Schumann. São Paulo, Boitempo, 2007, p 271
[9] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 97.
[10] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 141.
[11] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 151.
[12] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 153-154.
[13] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 158.
[14] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 167.
[15] MARX, Karl. Das Kapital. Kritik der politichen Oekonomie. Buch I: Der Prodiktionsprocess des Kapitals. Hamburg, Otto Meissner, 1867, p 200.
[16] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 180.
[17] MARX, Karl. Das Kapital. Kritik der politichen Oekonomie. Buch I: Der Prodiktionsprocess des Kapitals. Hamburg, Otto Meissner, 1867, p 227.
[18] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 197.
[19] LAPIDUS, Iósif Abrámovich & OSTROVITIANOV, Konstantín Vasilievich. Manual de Economia Política. Tradução Edson Bini & Armandina Venâncio. Manual de Economia Política. Em: HARNECKER, Marta. O Capital: Conceitos Fundamentais. São Paulo, Global Editora, 1978, p 147.
[20] LAPIDUS, Iósif Abrámovich & OSTROVITIANOV, Konstantín Vasilievich. Manual de Economia Política. Tradução Edson Bini & Armandina Venâncio. Manual de Economia Política. Em: HARNECKER, Marta. O Capital: Conceitos Fundamentais. São Paulo, Global Editora, 1978, p 154, nota 22.
[21] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 196-197.
[22] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 226.
[23] Friedrich Engels foi um empresário industrial e teórico revolucionário prussiano, nascido na atual Alemanha, que junto com Karl Marx fundou o chamado socialismo científico ou marxismo. Foi coautor de diversas obras com Marx, sendo que a mais conhecida é o Manifesto Comunista.
[24] MARX, Karl. Das Kapital. Kritik der politichen Oekonomie. Buch I: Der Prodiktionsprocess des Kapitals. Hamburg, Otto Meissner, 1867, p 280-281.
[25] ENGELS, Friedrich. Die englische Zehnstundenbill. Op. cit., p. 5
[26] MARK, Karl. O Capital: Volume I. (3ª edição). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Editora Nova Cultural, 1988, p 228-299.
[27] ENGELS, Friedrich. Die englische Zehnstundenbill. Em: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Werke. Band 7. Berlin, Dietz Verlag, 1960, p 233. Reprodução disponibilizada na biblioteca virtual STIMMEN DER PROLETARISCHEN REVOLUTION. Hiperlink: <http://www.mlwerke.de/me/me07/me07_233.htm>.
[28] Doenças ocupacionais são aquelas associadas ao ofício do trabalhador e às condições de trabalho nas quais ele está inserido.
[29] A tradução alemã, do autor, foi publicada no Social-Demokrat, números 2 e 3, de 21 e 30 de Dezembro de 1864.
[30] MARX, Karl. Inaugural Address of The Workingmen’s International Association. Em: MARX, Karl & ENGELS, Frederick. Selected Woks in three volumes: Volume Two. Moscow, Progress Publishers, p 15-16.
[31] Andrew Ure (1778-1857): Químico inglês, economista, partidário do livre-câmbio.
[32] MARX, Karl. Mensagem Inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores. Em: MARX & ENGELS Obras Escolhidas em três tomos. Tradução: José Barata-Moura. Lisboa– Moscou, Editorial Avante, 1982, tomo II, p. 5-13. Citado pelo Arquivo Marxista na Internet. Hiperlink: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1864/10/27.htm>.
[33] MARX, Karl & ENGELS, Friedrich Selected Correspondence 1844—1895. Moscow, Progress Publishers, p 176. Cópia digitalizada por Marxists.org. Hiperlink: <https://www.marxists.org/archive/marx/letters/selected-correspondence.pdf>.
[34] SLAVOJ ŽIŽEK WEBCHAT – AS IT HAPPENED. Em: The Guardiam, 08/10/2014. Hiperlink: <https://www.theguardian.com/books/live/2014/oct/06/slavoj-zizek-webchat-absolute-recoil?page=with:block-543538ece4b055589a2e7d69>.
[35] MEDEIROS, Vince. Slavoj Žižek, The End Times. Postado em Huck, 22/05/2011. Hiperlink: <https://www.huckmag.com/perspectives/opinion-perspectives/slavoj-zizek/>.
[36] Enquanto o vampiro capitalista é um sugador de mais-valia, o “parasita estatal” é uma classe ociosa remunerada por verba pública, sendo tal classe favorecida pelo vampiro (certamente para que cuide de seus interesses pessoais).
[37] MARX, Karl. The Civil War in France: Address of the general council of The International Working Men’s Association to all the members of the association in Europe and the United States. Em: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Selected Works. (7ª edição). Moscou, Progress Publishers, 1986, 293.
[38] MARX, Karl. The Civil War in France: Address of the general council of The International Working Men’s Association to all the members of the association in Europe and the United States. Em: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Selected Works. (7ª edição). Moscou, Progress Publishers, 1986, p 292-293.
[39] MARX, Karl. A Guerra Civil da França. Tradução e notas Rubens Endere. São Paulo, Boitempo, 2011, p 62.
[40] MARX, Karl. O 18 brumário de Luis Bonaparte. São Paulo, Editora Escriba, p 137. || Assim lemos na redação original de Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte (1852): “Die bürgerliche Ordnung, die im Anfange des Jahrhunderts den Staat als Schildwache vor die neuentstandene Parzelle stellte und sie mit Lorbeeren düngte, ist zum Vampyr geworden, der ihr Herzblut und Hirnmark aussaugt und sie in den Alchimistenkessel des Kapitals wirft“.
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