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Bárbara Vesta N.O.X.
- Também os mantras e os encantamentos, o obeah e o wanga; o trabalho do bastão e o trabalho da espada; ele os aprenderá e ensinará.
– Liber Al Vel Legis – Cap. 1
A melhor maneira de marcar o compasso do ritmo respiratório, depois que alguma habilidade tenha sido adquirida usando um relógio para verificação, é através do uso de um mantra. Os mantras agem sobre o pensamento de uma forma muito análoga àquela em que Pranayama age sobre a respiração. O pensamento é amarrado a um ciclo que se repete: quaisquer pensamentos que tentam se intrometer são repelidos pelo mantra da mesma maneira em que pedaços de barro são arremessados de uma roda em movimento: quanto mais rápida for roda, mais difícil será grudar-se a ela o que quer que seja.
– Liber ABA, Parte I – Misticismo. Cap. Pranayama e Mantra-Yoga
A prática de entoar mantras é milenar, uma herança do Tantra que atravessou milênios, culturas e religiões, sendo hoje amplamente aceita como essencial no caminho daqueles que se dedicam à forja de si no Caminho do Adepto. Aleister Crowley comunica a grande importância dos mantras em seu sistema thelêmico, trazendo no Liber ABA um manual completo de como entoar mantras corretamente bem como quais características são desejáveis em um mantra para ser bem sucedido e com quais mantras ele recomenda que trabalhemos, sejam os tradicionais tântricos ou aqueles que ele mesmo recebeu como resultado de seus trabalhos mágickos.
Neste último grupo encontra-se o mantra de Babalon, recebido quando Crowley repetiu as experiências de John Dee, invocando os Aethyrs do sistema de Magia Enochiana. Tal feito está registrado no Liber 418, A Visão e a Voz, um dos libri mais importantes para nós da Corrente 156. No 2º Aethyr, o famoso mantra é ditado a Crowley:
Tão doce é essa canção que ninguém pode resistir a ela. Pois nela estão todas as dores de paixão sob a luz do luar e toda a fome do mar e o terror dos locais desolados, todas as coisas que atraem os homens ao inatingível.
Omari tessala marax, tessala dodi phornepax.
amri radara poliax armana piliu. amri radara piliu son’;
mari narya barbiton madara anaphax sarpedon andala hriliu.
Tradução:
Eu sou a meretriz que abalou a Morte. Esse abalo dá Paz à Luxúria Saciada. Imortalidade jorra do meu crânio
E música da minha vulva.
Imortalidade jorra também da minha vulva Pois a minha Prostituição é um doce odor como um instrumento afinado sete vezes.
Jogado ao Deus o Invisível, aquele que tudo governa. Que percorre dando o penetrante grito do orgasmo.
– Liber 418 – Invocação do 2º Aethyr, p. 261
Apesar de belo e familiar, este mantra sempre me incomodou bastante. Acho ele limitado em sua abordagem de Babalon, insuficiente. Utilizando o próprio Crowley como argumento, “qualquer frase pode ser usada como um mantra, e é possível que os hindus tenham razão quando dizem que para cada um de nós existe uma frase particular que dá o melhor resultado.” (Liber ABA), podemos concluir que este mantra era adequado à Crowley e à visão ainda bastante limitada que ele tinha das mulheres, do feminino e das Deusas.
Neste mantra há toda a contradição que permeia o pensamento crowleyano, da dificuldade de sair das amarras velho-aeônicas de seu tempo e verdadeiramente alcançar um entendimento mais profundo de Babalon e das Mulheres Escarlate.
Hoje, mais de um século depois, não cabe mais associar a liberdade sexual feminina e a potência criadora e destruidora de Babalon com meretrício. Nem muito menos essa abordagem cosmogônica ainda extremamente – e eu acrescentaria vergonhosamente – abraâmica de Thelema. Não cabe a figura masculina do Deus onipotente em um mantra de Babalon, nem tampouco essa vivência puramente do caminho de mão direita do divino.
Diante destas inquietações, decidi então criar um novo mantra. Particularmente, acredito que mantras funcionam melhor em idiomas que não temos fluência (e que de preferência nos sejam completamente alheios) de forma que no momento da entoação, nossa preocupação deve ser a pronúncia correta e a manutenção do ritmo. Esse hiperfoco é o que vai proporcionar o estado alterado de consciência, a gnose, o transe. Dentre as opções que faziam sentido na egrégora, optei pelo enochiano.
Mas não seria o enochiano ainda apegado em demasia às tradições abraâmicas? Talvez. Mas estes seres chamados “anjos” definitivamente estão em outro tipo de categoria cósmica. Não acredito que sejam de fato entidades puramente cristãs e ortodoxas. Não esqueçamos que os enochianos foram responsáveis por trazer Babalon à tona, ainda lá no século XVI. Estas inteligências atuam bem com o Feminino Primordial e de certa forma foram essenciais no processo de recuperação do Sagrado Feminino e da Deusa dentro do ocultismo contemporâneo, justamente a partir da figura magnânima de Babalon.
Utilizar o enochiano respeita e homenageia a egrégora. Seja porque este sistema foi essencial no ocultismo ocidental, seja porque ele trouxe a Senhora do Abismo à tona ou ainda porque ele foi um divisor de águas no trabalho e legado do Profeta do Novo Aeon. Além de tudo isso, o enochiano possui vocabulário e gramática próprios, permitindo uma tradução eficiente e precisa. Fora a segurança cultural de utilizarmos algo que herdamos de direito no ocidente.
Dito tudo isto, gostaria de deixar meu agradecimento e imenso carinho ao apoio e tradução do mantra pelo meu queridíssimo Robson Belli, colega no Boteco do Mayhem e grande mestre do sistema enochiano por esta tradução primorosa. E também a Yohan Flamino pela adaptação à pronúncia do Crowley. Muito obrigada pelo trabalho de vocês e por me auxiliarem tão prontamente nesta jornada.
O texto do mantra é um pedaço de uma oração que escrevi originalmente para um anexo da edição em português brasileiro do livro Ars Notoria, tradução e organização de Robson Belli. Fiz algumas adaptações para fazer mais sentido como mantra e para encaixá-lo em uma abordagem um pouco mais próxima do caminho de mão esquerda (buscando, na verdade, um “caminho do meio” – que é naturalmente da Deusa como podemos observar no Pilar do Meio da Árvore das Vidas e a sua subida pelos Atus femininos do Tarot). Notem que mesmo os homens devem entoar o último verso no feminino, pois lembrem-se que os verdadeiros iniciados e adeptos buscam precisamente o feminino em si! Abaixo, o mantra em enochiano, a pronúncia e o texto original em português.
Mantra em enochiano romanizado
S noan boaluahe babalon, ol boaluahe ol aspt g od ol bahal geta de g
de panpir lrasd g talbo c ol zuraah butmon.
blans ol de orsba ol
lrasd a Gil c a cnila c a ne pir. ar ar ol capimali a oma
ar da i ag saanir c ol ar i ge Ascha lap ol zir g pasbs
Pronúncia do mantra (no padrão de Crowley)
Sa NOANu BOALUAHE BABALONu, OLa BOALUAHE OLa ASaPeTe Gi Oda OLa BAHALa GETA DE Gi
DE PANuPIRe LaRASaDa Gi TALaBO Ca OLa ZodURAAHe BUTaMONu.
BeLANuSa OLa DE OReSaBA OLa LaRASaDe A GILa Ca A CaNILA Ca A NE PIRe.
Are Are OLa CAPIMALI A OMA
ARe DA I Agi SAANIRe Ca OLa ARe I GE ASaCaHA
LAPe OLa ZodIRe Gi PASaBeSa
Mantra em português:
Ó Babalon amada Me prostro diante de ti
E lhe clamo que verta de Tua taça Em meus humildes lábios
Permita-me a embriaguez
Da voluptuosidade do Sangue das Santidades Que assim eu atinja o Entendimento
Que não há parte de mim que não seja Divina Pois eu sou Tua Filha
Quem tem mais dificuldade com mantras pode começar entoando apenas a primeira estrofe e a medida em que se familiarizar, acrescentar a segunda. É importante lembrar que mantra deve ser rítmico, até mesmo musical. Aqui cabe a sua personalização de acordo com seu ritmo, musicalidade e percepção das frases. Permita-se experimentar e degustar o mantra a tal ponto que ele se torne uma parte sua e entoá-lo seja um exercício de Vontade natural e que vibra no seu ritmo pessoal!
Bárbara Vesta N.O.X. é professora formada em Letras, Taróloga, Astróloga e Sacerdotisa de Babalon.
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