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Aqui se declara a verdade a respeito das operações diabólicas com referência ao órgão masculino. E para deixar claro os fatos, pergunta-se se as bruxas, com a ajuda dos demônios, podem em realidade e em verdade eliminar o membro, ou se só o fazem em aparência, por algum encantamento ou ilusão. E afirma-se a fortiori* que podem o fazer; pois como os demônios podem fazer coisas maiores que essa, tais como os matar ou os transportar de um lugar a outro – como se mostrou mais acima, nos casos de Jó e Tobías, – também podem, em verdade e em realidade, eliminar os membros dos homens. (*) Fortiori: (se pronuncia – a forcióri). É expressão latina – a fortiori ratione – que significa “por causa de uma razão mais forte”, ou seja, “com muito mais razão”. Indica que uma conclusão deverá ser necessariamente aceita. (NT-Pt)
Uma vez mais, toma-se um argumento da retórica sobre as visitas dos anjos maus, nos Salmos: Deus castiga por meio dos anjos maus, como com freqüência castigou o Povo de Israel com várias doenças, em verdade e em realidade caíram sobre seus corpos. Portanto, o membro também está submetido a tais visitas. Pode-se dizer que isto se faz com a permissão Divina. E nesse caso, como já se disse antes, Deus permite mais poder a bruxaria sobre as funções genitais, devido à primeira corrupção de pecado, que nos veio do ato de engendrar, assim também outorga mais poder contra o órgão genital completo, inclusive até sua eliminação total. E uma vez mais, um poder maior que converter à esposa de Lot numa coluna de sal, é arrebatar o órgão masculino; e aquela (Gênesis) foi uma metamorfose real e verdadeira, não aparente (pois se diz que essa coluna, todavia pode-se ver). E isso fez um anjo mau, tal como os anjos bons atacaram de cegueira os homens de Sodoma, de modo que não pudessem encontrar a porta da casa. E o mesmo se sucedeu com os outros castigos dos homens de Gomorra. Por certo a interpretação afirma que a esposa de Lot estava manchada desse vício, e por isso foi castigada. E uma vez mais, quem pode criar uma forma natural também pode eliminá-la. Mas os demônios criaram muitas formas naturais, como fica evidente nos magos do faraó, quem com a ajuda do demônio faziam sapos e serpentes. Também Santo Agostinho, no Livro LXXXIII, diz que as coisas que fazem de maneira visível aos poderes inferiores do ar não podem se considerar simples ilusões; e inclusive os homens, por meio de uma hábil incisão, são capazes de eliminar o órgão masculino; em conseqüência, os demônios podem fazer de forma invisível o que outros fazem de maneira visível. Mas pelo contrário, Santo Agostinho (Ciuitate Dei XVIII) diz: “não há que achar que por meio da arte ou poder dos demônios, o corpo do homem possa se transformar na semelhança de um animal. Por isso é também impossível que possa ser eliminado o essencial para a realidade do corpo humano”. Ainda assim diz (Trinitate, III): “não há que pensar que esta substância de matéria visível esteja submetida à vontade dos anjos caídos, pois só se encontra submetida a Deus”. Resposta. Não cabe dúvida de que certas bruxas podem fazer coisas maravilhosas a respeito dos órgãos masculinos, pois isso coincide com o que muitos viram e ouviram, e com a afirmação geral do que se conhece a respeito do membro, por meio dos órgãos da vista e o tato. E então, quanto à método em que isto é possível, deve se dizer que se pode fazer de duas maneiras, seja em verdade e na realidade, como dissemos nos primeiros argumentos, ou por meio de algum prestígio ou feitiço. Mas quando as bruxas o fazem, é apenas um assunto de feitiço, ainda que não seja somente ilusão na opinião de quem o sofreu. Pois em verdade e realidade sua imaginação pode achar que algo não se encontra presente, já que nenhum de seus sentidos exteriores como a vista ou o tato, pode perceber que está presente. Disso pode-se dizer que há uma verdadeira atração do membro na imaginação, ainda que não nos fatos; e há que assinalar várias coisas em relação à forma em que isto acontece. E primeiro com referência aos dois métodos pelos quais pode ser realizado. Não é estranho que o demônio possa enganar os sentidos humanos exteriores, já que, como se tratou mais acima, pode o fazer nos sentidos internos, levando à percepção idéias concretas acumuladas na imaginação. Mais ainda, engana os homens em suas funções naturais, e faz que o que é visível resulte invisível para eles, e intangível ou tangível, e inaudível o audível, e o mesmo no que se refere aos outros sentidos. Mas essas coisas não são certas na realidade, já que são provocadas por algum defeito introduzido nos sentidos, tais como nos olhos ou nos ouvidos, ou no tato, em razão de tais defeitos o homem se engana em seu julgamento. E isso pode ser ilustrado com certos fenômenos naturais. Pois o vinho doce parece amargo na língua do febril, e o paladar se confundi, não pelo fato real, mas por sua doença. Outro tanto ocorre no caso que consideramos, é que o engano não se deve ao fato, já que o membro segue em seu lugar, mas se trata de uma ilusão dos sentidos a respeito dele. Além do mais, como se disse antes, a respeito da capacidade de engendrar, o demônio pode obstruir essa ação impondo algum outro corpo da mesma cor e aparência, de tal maneira que um corpo muito bem modelado, com a cor da carne, se interpõe entre a vista e o tato, e entre o verdadeiro corpo do sofredor, de modo que lhe pareça que não vê nem sente outra coisa do que um corpo liso, de superfície não interrompida por um órgão genital. Veja os ditos de São Tomás a respeito dos feitiços e ilusões, e também o Segundo dos Segundos, 91, em suas perguntas a respeito do Pecado; onde com freqüência cita Santo Agostinho no Livro LXXXIII. E este mal do demônio se insinua por todos os acessos sensuais; entrega-se a figuras; se adapta as cores, mora nos sons, se mistura aos cheiros, se impregna de sabores. Além do mais, há de se considerar que essa ilusão de ótica e do tato pode ser causada, não só pela interposição de algum corpo liso e sem membros, mas também pelo surgimento, à fantasia ou imaginação, de certas formas e idéias latentes na mente, de tal maneira que uma coisa se imagina como percebida pela primeira vez. Pois como se mostrou na pergunta precedente os demônios, por seu próprio poder, podem mudar os corpos no plano local; e assim a disposição ou o humor podem resultar afetados desta maneira, assim também acontece com as funções naturais. Falo das coisas que parecem naturais para a imaginação e a percepção dos sentidos. Porque Aristóteles, em Somno et Vigília, diz, ao atribuir a causa dos aparecimentos nos sonhos, que quando um animal dorme fui muito sangue à consciência interna, e daí provem as idéias ou impressões derivadas de experiências prévias reais, acumuladas na mente. Já se definiu como, desta maneira, certas aparências transmitem a impressão de novas experiências. E como isto pode ocorrer de maneira natural, em maior medida pode o diabo levar à imaginação a aparência de um corpo liso, não provido do membro viril, de maneira tal que os sentidos achem que se trata de um fato concreto. Em segundo lugar, há de se mostrar outros métodos mais fáceis de entender e explicar. Pois segundo São Isidoro (Etimologia VIII 9), um feitiço não é nada mais que certa ilusão dos sentidos, e em especial dos olhos. É por esta razão é chamado prestígio, prestringo, já que a visão dos olhos está tão paralisada, que as coisas parecem ser o que não são. E Alejandro de Hales na parte 2, diz que um prestígio, bem entendido, é uma ilusão do demônio não causada por mudança alguma na matéria, mas só existe na mente do enganado, seja em relação as suas percepções internas ou externas. Por isso, podemos dizer inclusive, da arte prestidigitadora humana, que pode se efetuar de três maneiras. Pela primeira, pode realizar-se sem demônios, já que se faz de forma artificial, pela agilidade dos homens que mostram coisas e as ocultam, como no caso dos truques dos prestidigitadores ou ventríloquos. O segundo método também carece da ajuda dos demônios, como quando os homens usam alguma virtude natural dos corpos ou minerais naturais, de modo a dar a tais objetos alguma outra aparência, muito diferente da verdadeira. Por isso, segundo São Tomás (I, 114, 4) e vários outros, os homens, por meio da fumaça de certas ervas acendidas, podem fazer que as varas pareçam serpentes. O terceiro método de enganar se efetua com a ajuda dos demônios, outorgada a permissão de Deus. Pois fica claro que possuem, por sua natureza, algum poder sobre certas matérias terrenas, e exercem sobre elas, quando Deus o permite, de modo que as coisas parecem ser o que não são. E em quanto a este terceiro método, há de se observar que o demônio tem cinco maneiras pelas quais pode enganar a qualquer um, de modo que pense que uma coisa é o que não é. Primeiro, por uma artimanha artificial e, como já dissemos o que um homem pode fazer por suas artes o demônio pode fazer melhor. Segundo, por um método natural, pela aplicação, como se disse, e interposição de alguma substância para ocultar o corpo verdadeiro, ou para confundi-lo na fantasia do homem. O terceiro método é quando um corpo adotado se apresenta como algo que não é, como é atestado na história que São Gregório narrada em seu Primeiro Diálogo, de uma Monja que comeu alface que, no entanto, como confessou o próprio demônio, não era uma alface, mas o demônio em forma de alface, ou na própria alface. Ou como quando apareceu a Santo Antônio num pedaço de ouro que encontrou no deserto. Ou quando toca um homem verdadeiro, e o faz parecer um animal, como logo explicaremos. O quarto método é quando confunde o órgão da visão, de modo que uma coisa clara pareça brumosa, ou ao contrário, e ainda quando uma idosa pareça ser uma jovenzinha. Como inclusive depois de chorar, a luz parece diferente do que era antes. Seu quinto método consiste em trabalhar sobre o poder da imaginação, e por uma perturbação dos humores, efetuarem uma transmutação nas formas que os sentidos percebem, como se tratou antes, de modo que os sentidos percebem então, por assim dizer, imagens novas. E em conseqüência, pelos três últimos métodos, e ainda pelo segundo, o demônio pode fazer um feitiço sobre os sentidos do homem. Portanto não tem dificuldades no ocultamento do membro viril seja por algum prestígio ou feitiço. E uma prova ou exemplo manifesto disso, nos foi revelada em nossa condição de inquisidores, que exporemos mais adiante, quando trataremos mais a respeito deste e outros assuntos, na Segunda Parte deste Tratado.
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