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Dissemos que para adquirir o poder mágico são necessárias duas coisas: desembaraçar a vontade de toda servidão e exercê- la à dominação.
A vontade soberana é representada nos nossos símbolos pela mulher que esmaga a cabeça da serpente, e pelo anjo radiante que reprime e contém o dragão embaixo do seu pé e da sua lança.
Declaremos aqui, sem rodeios, que o grande agente mágico, a dupla corrente de luz, o fogo vivo e astral da terra, foi figurado pela serpente de cabeça de touro, de bode ou de cão, nas antigas teogonias. É a dupla serpente do caduceu, é a antiga serpente do Gênese; mas é também a serpente de zinco e Moisés, entrelaçada ao redor do tau , isto é, do ligham gerador; é também o bode o Sabbat e o Baphomet dos Templários; é o Hyle dos Gnósticos; é a dupla cauda da serpente que forma as pernas do galo solar dos Abraxas; é, enfim, o diabo do Sr. Eudes de Mirville, e é realmente a força cega que as almas têm de vencer para libertar- se das cadeias da terra; porque, se a sua vontade as não separar desta imantação fatal, serão absorvidas na corrente pela força que as produziu, e voltarão ao fogo central e eterno.
Toda obra mágica consiste, pois, em desembaraçar- se dos anéis da antiga serpente, e depois pôr o pé na cabeça dela e guiá – la aonde se quiser. “Eu te darei – diz ela, no mito evangélico – todos os reinos da terra se te ajoelhares e me adorares ”. O iniciado deve responder- lhe: “Não me ajoelharei, e tu te arrastarás aos meus pés; nada me dará, mas servir-me – ei de ti e tomarei o que quiser: porque sou teu senhor e dominador! ”Resposta que está compreendida, mas oculta, na que lhe fez o Salvador!
Já dissemos que o diabo não é uma pessoa. É uma força desviada, como, aliás, seu nome indica. Uma corrente ódica ou magnética, formada por uma cadeia de vontades perversas, constitui este mau espírito, que o evangelho chama legião e, que precipita os porcos ao mar: nova alegoria do arrastamento dos seres baixamente instintivos pelas forças cegas que pode por em movimento a má vontade e o erro.
Podemos comparar este símbolo ao dos companheiros de Ulisses, transformados em porcos pela maga Circe.
Ora, vede o que faz Ulisses para se preservar a si próprio e libertar seus companheiros: recusa o copo da encantadora e lhe ordena com a espada. Circe é a natureza com todas as suas volúpias e atrativos; para gozar dela, é preciso vencê – la: tal é o sentido da fábula homérica, porque os poemas de Homero, verdadeiros livros sagrados da antiga Helênia, contêm todos os mistérios das altas iniciações do Oriente.
O médium natural é, pois, a serpente, sempre ativa e sedutora das vontades preguiçosas, à qual é preciso resistir sempre, dominando -a.
Um mago apaixonado, um mago guloso, um mago colérico, um mago preguiçoso são monstruosidades impossíveis. O mago pensa e quer, nada ama com desejo, nada repele com paixão; a palavra paixão representa um estado passivo, e o mago é sempre ativo e vitorioso. O mais difícil, nas altas ciências, é chegar à realização disto; por isso, quando o mago criou a si próprio, a grande obra está realizada, ao menos no seu instrumento e da sua causa.
O grande agente ou mediador natural da onipotência humana só pode ser subjugado e dirigido por um mediador extranatural , que é uma vontade livre. Arquimedes pedia um ponto de apoio fora do mundo para levantar o mundo. O ponto de apoio do mago é a pedra cúbica intelectual, a pedra filosofal de Azoth isto é, o dogma da absoluta razão e das harmonias universais pela simpatia dos contrários.
Um dos nossos escritores mais fecundos e menos fixos nas suas idéias, Eugênio Sue, compôs uma epopéia romanesca completa sobre uma individualidade que se esforça em se fazer odiosa e que se torna interessante a seu pesar, tanto ele lhe dá força, paciência, ousadia, inteligência e gênio! Trata – se de uma espécie de Sixto Quinto, pobre, sóbrio, sem ódio, que tem o mundo inteiro preso nas malhas das suas combinações.
Este homem excita à vontade as paixões dos seus adversários, destrói – os uns pelos outros, chega sempre aonde quer chegar, e isto sem alarde, sem brilho, sem charlatanismo. O seu fim é libertar o mundo de uma sociedade que o autor do livro crê perigosa e perversa, e, para isso, nada lhe custa: dorme em maus quartos, está mal vestido, alimenta – se como o último dos pobres, mas está sempre atento à sua obra. O autor, para ficar na sua idéia, o representa pobre, sujo, feio, nojento ao tato, horrível à vista. Mas, se até este exterior é um meio de disfarçar a ação e de chegar mais seguramente, não é a prova de uma coragem sublime?
Quando Rodin for papa, pensai vós que ficará ainda mal vestido e sujo? Eugênio Sue errou o seu alvo; quer atacar o fanatismo e a superstição, e une- se à inteligência, à força, ao gênio, a todas as grandes virtudes humanas! Se houvesse muitos Rodins entre os jesuítas, até se houvesse um só, não daria muito grandes coisas ao partido contrário, apesar das brilhantes e incorretas defesas dos seus ilustres advogados.
Querer bem, querer longo tempo, querer sempre, tal é o segredo da força; e é este arcano mágico que Tasso põe em ação na pessoa dos dois cavaleiros que vêm libertar Renato e destruir os encantamentos de Armida. Resistem tão bem às ninfas mais encantadoras como os animais ferozes mais terríveis; ficam sem desejos e sem temor, e chegam a seu fim.
Resulta disso que um verdadeiro mago é mais temível do que amável. Não discordo disso, e, reconhecendo perfeitamente quanto são agradáveis as seduções da vida, fazendo justiça ao gênio gracioso de Anacreonte e a toda a florescência juvenil da poesia dos amores, convido seriamente os estimáveis amigos do prazer a considerar as altas ciências só como um objeto de curiosidade, mas a nunca se aproximar da trípode mágica: as grandes obras da ciência são mortais à volúpia.
O homem que se libertou da cadeia dos instintos perceberá primeiramente a sua onipotência pela submissão dos animais. A história de Daniel na cova dos leões não é uma fábula, e mais de uma vez, durante as perseguições do cristianismo nascente, este fenômeno se renovou em presença de todo o povo romano. Raramente um homem tem alguma coisa a recear de um animal do qual não tem medo. As balas de Gerard, o matador de leões, são mágicas e inteligentes. Somente uma vez correu um verdadeiro perigo: tinha deixado ir consigo um companheiro que teve medo, e então, considerando este imprudente como perdido adiantadamente, teve medo também, mas pelo seu companheiro.
Muitas pessoas dirão que é difícil e até impossível chegar a uma resolução semelhante, que a força de vontade e a energia do caráter, são dons da natureza, etc. Não discordo disto, mas reconheço também que o hábito pode refazer a natureza; a vontade pode ser aperfeiçoada pela educação e, como disse, todo cerimonial mágico, semelhante, neste ponto, ao cerimonial religioso, só tem por objetivo experimentar, exercitar e habituar, assim, a vontade à perseverança e à força. Quanto mais as práticas são difíceis e humilhantes, tanto mais têm efeitos; agora deveis compreendê – lo.
Se até o presente foi impossível dirigir os fenômenos do magnetismo é que ainda não se achou magnetizador iniciado e verdadeiramente livre. Quem pode, com efeito, vangloriar- se de o ser? E não temos sempre de fazer novos esforços sobre nós mesmos? Todavia, é certo que a natureza obedecerá ao sinal e à palavra daquele que se sentir assaz forte para não duvidar. Digo que a natureza obedecerá, não digo que ela se desmentirá ou perturbará a ordem das suas possibilidades. As curas das doenças nervosas por uma palavra, um sopro ou um contato; as ressurreições em certos casos; a resistência às vontades mais capazes de desarmar e derrubar os assassinos; até a faculdade de se fazer invisível, perturbando a vista daqueles aos quais é importante escapar: tudo isto é um efeito natural da projeção ou do afastamento da luz astral. É por isso que Valente ficou ofuscado e aterrorizado, ao entrar no templo de Cesaréia, como outrora Heliodoro, fulminado por uma demência súbita no templo de Jerusalém, acreditou ter sido enxovalhado e pisado por anjos.
É por isso que o almirante Coligny impôs respeito aos seus assassinos, e só pôde ser morto por um homem furioso que se lançou sobre ele, perdendo a razão. O que fazia Joana d ’Arc sempre vitoriosa era o prestígio da sua fé, a maravilhosidade da sua audácia; ela paralisava os braços que queriam feri – la, e os ingleses puderam seriamente crê – la maga ou feiticeira. Ela era, com efeito, maga sem o saber, porque acreditava que agia de modo sobrenatural, ao passo que dispunha de uma força oculta, universal e sempre submissa às mesmas leis.
O magista magnetizador deve governar ao médium natural, e, por conseguinte, ao corpo astral que faz comunicar a nossa alma com os nossos órgãos; pode dizer ao corpo material: – “Dormi! ”e ao corpo sideral: – “Sonhai! ”Então as coisas visíveis mudam de aspecto como nas visões do haschich .
Cagliostro possuía, dizem, este poder, e ajudava a sua ação por fumigações e perfumes; mas o verdadeiro poder magnético deve abster- se desses auxiliares mais ou menos venenosos para a razão e nocivos à saúde. O Sr. Ragon, na sua sábia obra sobre a maçonaria oculta, dá a receita de uma série de medicamentos próprios para exaltar o sonambulismo. É um conhecimento que, sem dúvida, não é para ser rejeitado, mas de que os magistas prudentes devem abster- se de fazer uso.
A luz astral projeta – se pelo olhar, pela voz, pelos polegares e a palma da mão. A música é um poderoso auxiliar da voz, e daí provem a palavra encantamento . Nenhum instrumento de música é mais encantador que a voz humana, mas os sons longínquos do violino ou da harmônica podem aumentar o seu poder. Prepara – se assim o paciente que se quer submeter; depois, quando estiver meio adormecido e como que envolto por este encanto, estende- se a mão para ele e ordena – se – lhe dormir ou ver , e ele obedece contra a sua vontade. Se resistir, é preciso, olhando – o fixamente, pôr um polegar na sua fronte entre os olhos, e o outro polegar no seu peito, tocando – o levemente com um único e rápido contato; depois aspirar lentamente e expirar brandamente um sopro quente, e lhe repetir em voz baixa: – Dormi ou Vede .
Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia
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