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Uma definição bastante ampla do termo védico é tudo aquilo que é baseado em conhecimento. Afinal, a palavra veda significa conhecimento em sânscrito. Assim, védico seria aquilo que é fruto de um conhecimento mais completo, mais elevado. Uma definição mais precisa é que védico é aquilo que nos leva a conhecer Krishna, que nos aproxima de Deus, conforme a definição dos Vedas que Krishna explica no Bhagavad-gita, verso 15.15 (Estou situado nos corações de todos, e é através de Mim que vêm a lembrança, o conhecimento e o esquecimento. Através de todos os Vedas, é a Mim que se deve conhecer. Na verdade, sou o compilador do Vedânta e sou aquele que conhece os Vedas).. Ou seja, em última análise, védico é aquilo que nos traz conhecimento de Deus, de Krishna, que é o conhecimento mais elevado e mais completo.
Portanto, o ponto inicial mais importante de se compreender é que védico não significa indiano. Existe uma grande confusão a esse respeito. O que acontece é que o conhecimento védico manifestou-se primariamente naquela parte do mundo que hoje chamamos de Índia e foi lá que foi mais preservado. Porém, misturado ao conhecimento puro védico está uma enorme bagagem cultural local, muito influenciada pelos invasores muçulmanos e também fruto da decadência típica da nossa atual era. Assim, podemos encontrar superstições (muito comum na Índia), rituais de todo tipo (também algo muito popular na religiosidade do povo da Índia) e outros elementos da cultura mundana local. Um exemplo prático disso é visto no Caitanya Bhagavata, onde, na descrição do casamento de Sri Caitanya Mahaprabhu com Srimati Vishnupriya, é descrito que entre os tradicionais rituais védicos de casamento muitos outros costumes locais foram também observados. Ou seja, mesmo há mais de 500 anos, na cidade onde o Senhor apareceu, distinguia-se entre a cultura védica e a cultura local.
“Há muitas coisas na Índia que são mais védicas que no ocidente, e muitas coisas no ocidente que são mais védicas que na Índia” (Sua Santidade Hridayananda Das Goswami Acharyadeva).
Como separar o joio do trigo? Baseando-se nas escrituras confirmadas por todos os grandes acaryas (mestres espirituais) de nossa linha de sucessão discipular (parampara), que inclui a própria Suprema Personalidade de Deus, Sri Caitanya Mahaprabhu, ou seja: o Srimad Bhagavatam, Bhagavad-gita, Sri Caitanya Caritamrta, etc. Afinal, o que Srila Prabhupada trouxe ao Ocidente foi uma ciência espiritual perfeita, não o hinduísmo. Certa vez, em um discurso dado na sua volta triunfal à Índia, Srila Prabhupada enfaticamente disse aos seus compatriotas: “Se vocês tentarem converter um ocidental ao hinduísmo, ele vai lhes dar um chute na cara!” Não é isso que Prabhupada veio fazer no Ocidente. Ele veio trazer algo puro, acima de qualquer influência geográfica ou temporal, algo verdadeiramente universal. É essa ciência universal da consciência de Krishna que ele, e todo nosso parampara, deseja ver sendo distribuída ao mundo. O mundo não está interessado em mais uma manifestação mundana de cultura e religiosidade. As pessoas estão cada vez mais querendo encontrar um conhecimento científico puro e completo para dar sentido e propósito à vida; um conhecimento universal que torne nossas vidas mais saudáveis e felizes. E é exatamente isso que o Srimad Bhagavatam e o Bhagavad-gita ensinam.
ASPECTOS EXTERNOS
É claro que não há dúvida quanto ao aspecto verdadeiramente espiritual e filosófico das práticas dentro da ISKCON – Sociedade Internacional para Consciência de Krishna. As escrituras são detalhadas e os comentários de Srila Prabhupada, o fundador-acharya da ISKCON, as tornam cem por cento compreensíveis. A essência de nossas práticas — como os princípios reguladores e o canto do maha-mantra, todo o vasto acervo de informações acerca do mundo espiritual e a vida em outras partes do universo material, o nome, forma e passatempos de Deus, etc. — tudo isso é perfeitamente fidedigno, explicado nas escrituras e por todos acaryas de nosso parampara. Esse é nosso grande tesouro, o conhecimento claro e perfeito acerca do Absoluto que a sociedade humana tanto necessita e que transforma a vida de todos que o recebem.
Porém, em muitos casos, existem alguns aspectos externos de nossas práticas e da forma com a qual apresentamos esse conhecimento no Ocidente que precisam ser examinados, onde há uma nítida confusão entre aquilo que é verdadeiramente védico e aquilo que é apenas indiano, hindu ou simplesmente inventado.
Entre devotos praticantes da consciência de Krishna (vaisnavas) e até mesmo entre acadêmicos, é reconhecido que o Srimad Bhagavatam (também conhecido como Bhagavata Purana) é a mais elevada e importante escritura de devoção a Krishna. Sabemos que alguns textos védicos (outros Puranas, o Mahabharata, etc.) sofreram alterações e não foram perfeitamente preservados, porém sabe-se e é aceito que tanto o Srimad Bhagavatam como o Bhagavad-gita permanecem inalterados, não existindo qualquer controvérsia quanto a esse ponto. Agora ser formos analisar esses dois textos, em especial o Srimad Bhagavatam, em termos de tentar entender os aspectos externos (roupa, arquitetura, tipo de culinária, etc.) das civilizações védicas ali descritas, veremos que pouquíssimos detalhes podem ser apurados. Às vezes na tradução vemos termos como saris ou algum nome específico de preparação culinária, mas, ao analisarmos o sânscrito, veremos que os termos são bastante vagos, como “roupa superior” ou “preparo feito com leite”. Como explicar que um texto tão vasto (cerca de 15 mil versos) e tão importante não contenha tais explicações? A resposta é muito simples: porque não são relevantes. O propósito do texto é explicar o que é realmente importante, o que é realmente védico: a consciência de Krishna e o que isso implica em termos de diferentes técnicas de bhakti-yoga, estilo de vida, comportamento, organização social, etc. Ou seja, o texto nos apresenta o que é verdadeiramente védico e não os detalhes externos que variam de tempos em tempos, de um local para outro.
RISCOS
Poderia então se perguntar agora: e qual o problema de estar praticando algo indiano ou hindu? Mas o problema de fato é muito sério. Isso porque nossa missão não é de ser um mero representante da cultura indiana ou hindu, por mais bela e nobre que possa ser. Nosso destino não é de conquistar um pequeno território no campo das culturas e etnias mundiais. Nosso destino é salvar o mundo. Afinal, estamos representando Prabhupada e Krishna, o devoto puro e Deus (re-presentar, presentar novamente). Prabhupada não veio ao Ocidente para iniciar uma rede de missões culturais da Índia. Ele veio para salvar a humanidade. Portanto, se estamos de alguma forma afetando a imagem de nosso Movimento de forma negativa ou mesmo mal representando a verdadeira cultura védica, então estamos falhando gravemente em nossa atuação, em nossa missão. Afinal, o aspecto externo é aquele que é primeiro visto. Se esse aspecto externo, por alguma falha nossa, é algo pouco atraente, desinteressante ou até mesmo ridículo, estamos então prejudicando a vida espiritual daqueles que, graças a nossa má atuação, perderam o interesse em nossa mensagem, na mensagem de Krishna e Prabhupada antes de conhecê-la. Até mesmo do ponto de vista psicológico, é sabido que o corpo e mente têm uma resistência natural a mudanças. Portanto, quanto mais mudanças, especialmente externas, parecemos exigir, menor será o número de pessoas dispostas a aceitá-las ou sequer se interessar pelo processo, especialmente aqueles já bem sucedidos e estabelecidos na sociedade. Em outras palavras, é de máxima importância apresentarmos apenas a essência, a verdadeira ciência espiritual, para tornar nossa mensagem mais acessível, atraente e mais facilmente aplicável.
O QUE PODE MUDAR?
Devemos ser muito mais cuidadosos na compreensão do sentido verdadeiro do termo “cultura védica”. Não devemos seguir em frente com modelos apenas por que têm sido usados até momento. Pelo contrário, devemos ter a humildade de reconhecer que precisamos mudar, pois, em termos práticos, quase 40 anos após a chegada de Prabhupada no Ocidente, pode-se dizer que nossa influência na sociedade ocidental é zero. Sim, milhões de seres humanos e outros seres vivos se beneficiaram enormemente da consciência de Krishna. Sim, centenas de milhões de livros e revistas foram distribuídos. Incontáveis toneladas de prasadam foram distribuídas mundo afora. Tudo isso é certo, maravilhoso e louvável. Porém, o problema é que nossos objetivos, os objetivos de Prabhupada, são muito mais grandiosos. Estamos aqui para radicalmente mudar a consciência, de materialista para espiritual, de uma significativa parcela dos habitantes do planeta, especialmente seus líderes. Portanto, é válido iniciarmos uma discussão sobre nossos métodos e hábitos, no intuito de aperfeiçoar nossa apresentação e melhor representar a verdadeira cultura védica e a consciência de Krishna ao mundo. Resistir a isso é natural. Todo ser humano tem um mecanismo psicológico onde qualquer prática ou ritual ligado a nossa espiritualidade, se realizada por tempo suficiente e por um número suficiente de pessoas, se torna parte integrante de nossa vida religiosa. Sem considerar a origem, praticidade ou autenticidade dessa prática ou ritual, achamos que nossas vidas espirituais serão seriamente ameaçadas se forem interrompidas ou alteradas. É justamente esse tipo de coisa que nos levou a abandonar nossas tradicionais religiões e nos aprofundar na consciência de Krishna.
Não devemos ser sentimentalistas e sim verdadeiro cientistas. Falamos muito que a consciência de Krishna é uma ciência espiritual e não apenas uma religião. Portanto, devemos manter isso em mente ao questionar alguns aspectos de nossas práticas, não só agora, mas sempre. Vale sempre lembrar que isso não é uma licença para a especulação mental. Agir cientificamente em termos espirituais significa se basear cem por cento em guru, sastra e sadhu. Na ISKCON isso implica em levar a cabo as ordens de Srila Prabhupada, especialmente as contidas em seus livros, e não contrariar ou comprometer seus ensinamentos de forma alguma.
Vamos agora analisar alguns aspectos externos praticados na ISKCON:
Roupas
Aquilo que chamamos de “roupa devocional”, ou seja, dhoti, kurtas e saris, não é roupa devocional. Dhotis são usados por pessoas que odeiam Krishna, como os membros do Taliban e outros grupos muçulmanos radicais. Até Osama Bin Laden os usa. Dhotis não passam de roupas usadas na Índia e por outros povos entre o Oriente Médio e o sul e sudeste da Ásia. Roupas usadas por ateus, mayavadis, shivaistas, etc. Saris também são apenas roupas asiáticas, usadas por todo tipo de gente e não é, de forma alguma, algum tipo de exclusividade vaisnavas ou védica. E agora um fato realmente interessante: em todas nossas escrituras antigas sequer podemos encontrar a palavra dhoti ou sari – não são palavras sânscritas.
O que se encontra no Mahabharata, na descrição de uma roupa apropriada, é o termo “casto”. Ou seja, a roupa verdadeiramente védica é aquela que é casta, limpa e digna. Isso sim é vestir-se de acordo com a cultura védica. Muitas vezes vemos saris que nem sequer védicos são, pois ao expor em demasiado a barriga de uma mulher deixa de ser uma roupa digna e casta. E, ademais, uma roupa não pode ser devocional ou não, e sim a consciência de quem a usa. Ou seja, não é a etnia da roupa que irá determinar se a consciência de uma pessoa é devocional ou não, e sim a apresentação (castidade, limpeza, dignidade) e comportamento em geral dessa pessoa.
Também temos que abandonar essa idéia que todos que praticam a consciência de Krishna são monges e, portanto, precisam se vestir como tal ao ir ao templo, quando na verdade 99% dos membros da ISKCON vivem em casa e se ocupam em atividades não monásticas. Apenas os sacerdotes diretamente responsáveis pelo programa do templo precisam se vestir, serem identificados, como tais. Os demais membros da congregação apenas devem se vestir de forma “normal”, de forma verdadeiramente védica (casta, limpa e digna). Mesmo aqueles que são sannyasis e sacerdotes no templo, ao sair na rua, podem se vestir de forma discreta (casta, limpa e digna), não com as mesmas roupas que usariam ao realizar um culto ou dar uma aula. Essa é a etiqueta observada no Ocidente, seguida quase na totalidade por sacerdotes de outras religiões.
Portanto, não há razão para escolher uma roupa que cause estranheza, uma roupa asiática que nem sequer os líderes desses países usam, como sendo o uniforme de uma ciência espiritual universal, quando podemos optar por algo védico adequado a atual cultura global. A conseqüência disso seria fantástica. Imaginem como melhoraria nossa imagem se nos apresentássemos desta forma. Estaríamos derrubando uma enorme barreira que erguemos. Seria fantástico se as pessoas associassem o devoto como aquele que se veste de forma casta, limpa e digna. É essa a imagem que queremos transmitir.
Música
Achamos que músicas e instrumentos musicais do Ocidente não podem ser védicos. Isso é um grande engano. Pensamos que o harmônio, shenai, mrdanga e kartalas são verdadeiramente védicos. Porém o harmônio é um instrumento de origem alemã e o shenai é do Oriente Médio. Portanto, a origem ou tipo do instrumento não faz diferença alguma e sim o resultado final.
Música védica é aquela que é realizada com “conhecimento”. Isso significa conhecimento musical e conhecimento transcendental. Ou seja, a música védica é aquela que não só demonstra um alto grau de harmonia, graça e beleza musical, mas também que eleva nossa consciência a Deus. Por exemplo: Vivaldi era um padre, Bach viveu num mosteiro e Hendel era muito religioso e usava sua música como forma de elevar as pessoas e a glorificar Deus — todos são reconhecidos como gênios musicais. Portanto, suas músicas são cem por cento védicas. Isso é apenas um exemplo; existem, é claro, muitos outros no Ocidente e certamente em outras culturas também. O ponto é entender que védico não significa apenas indiano.
Por outro lado, não basta apenas adicionar o elemento espiritual aos santos nomes de Deus ou Seus passatempos e instruções, para tornar um som em música védica. Se ligarmos uma britadeira e uma serra elétrica e ao mesmo tempo cantarmos o maha-mantra, não podemos afirmar que isso é música devocional. É certo que os santos nomes são absolutos, mas música não. Achar que qualquer barulho é música é fruto de uma sociedade ignorante e certamente contraria o princípio de uma cultura védica, uma cultura de excelência, onde em tudo se busca a perfeição e a elevação. A música na cultura védica, como tudo mais, deve ser uma oferenda a Deus. Da mesma forma que deixamos apenas nossos melhores cozinheiros preparem os alimentos para as Deidades, também precisamos deixar apenas nossos melhores músicos tocarem e cantarem para as Deidades.
O kirtana nos templos é uma oferenda musical à Deidade, não algo feito para nosso prazer e desfrute. Portanto, sons estridentes ou perturbadores (como se obtém ao ter vários kartalas e/ou mrdangas sendo mal tocadas simultaneamente), excessivos barulhos (que já levou muitos devotos à perda parcial de audição) e falta de musicalidade é tão ofensivo quanto oferecer um alimento demasiadamente salgado ou queimado para as Deidades.
Nossa ciência espiritual diz que devemos cultivar o modo da bondade, para então transcendê-lo à pura espiritualidade. Onde está o modo da bondade num kirtan onde as pessoas correm o risco de perder sua audição? Onde instrumentos de percussão são usados como uma espécie de terapia primal? Onde o som que é produzido dificilmente seria interpretado como música por qualquer pessoa sana? Vemos nos passatempos do Senhor Caitanya como Ele pessoalmente escolhia os músicos e cantores para seus kirtans, escolhendo, é claro, os melhores.
Até mesmo no início da ISKCON, na década de 1960, ninguém poderia tocar diante da Deidade sem antes passar por um treinamento e ser aprovado. Veja como Prabhupada tocava a mrdanga, que maravilha que é! Mrdanga é um verdadeiro instrumento, que necessita de treinamento e estudo para ser bem tocado. Quem for tocá-lo, especialmente diante das Deidades e dos outros devotos, deve seguir os passos de Prabhupada, estudando e praticando seriamente. Como seremos respeitados por termos o mais elevado conhecimento e forma de viver se a expressão musical pela qual somos conhecidos e que oferecemos a Deus em nossos templos é algo tão parecido com o som heavy metal e punk? Por acaso os líderes da sociedade global glorificam ou apreciam esse tipo de música? Quantas pessoas respeitáveis de nossa sociedade, professores, médicos, empresários, etc., seriam capazes de se sentirem inspirados ao ouvir um kirtan assim? Podemos fazer lindos kirtans, verdadeiramente doces (madhu, madhu, dizia Bhaktivinode Thakur) — kirtans que invocam o modo da bondade, a devoção, não a paixão desenfreada. Não devemos fazer um show de êxtase devocional, correndo, berrando e estraçalhando as karatalas e mrdangas. Existe um grande risco de confundir êxtase devocional com uma manifestação da nossa cultura original, ou seja, uma cultura onde predomina o modo da ignorância (barulho e dor) e paixão (cantar/tocar a todo volume e ritmo frenético).
No caso de harinam nas ruas, o efeito é ainda pior, muito mais grave, pois estamos forçando as pessoas a se submeterem a algo que para a maioria não é nada atraente (curioso e engraçado na melhor das hipóteses). Em Bombaim, Prabhupada proibiu o harinam quando descobriu que era mal visto pela classe alta local. Por acaso a elite das sociedades no Ocidente acha o harinam atraente e bonito? Na época dos hippies pode ter sido um grande sucesso e altamente eficaz (em atrair hippies), mas será que isso é aplicável ao nosso tempo, lugar e circunstância? E se realmente formos sair às ruas cantando e tocando instrumentos não deveríamos ser duplamente cuidadosos na escolha dos músicos e na roupa que usarão ao nos representarem diante de todo o público?
Cultura do piso
Temos na ISKCON a errônea idéia que cultura védica significa sentar, comer e dormir no chão. Achamos que isso é tão nobre e benéfico, que obrigamos nossos visitantes a fazerem o mesmo em nossos templos. O Srimad Bhagavatam e outras escrituras estão repletas de descrições de móveis, camas, etc. Isso é um bom exemplo de como os devotos da ISKCON assumiram uma cultura artificial, mesmo contrariando as sugestões de Srila Prabhupada, o que dizer, então, da antiga cultura védica.
Um exemplo famoso é o de Los Angeles. Quando Prabhupada foi ver a igreja que mais tarde a ISKCON comprou e onde, até hoje, se situa o templo de Los Angeles, os bancos ainda estavam lá. Srila Prabhupada falou para os devotos que eles deveriam deixar os bancos lá para o público ficar mais confortável. Mas, no entusiasmo, os devotos os tiraram, e até hoje continua sem bancos. Não há razão alguma para não termos lugares para nossos convidados sentarem. É um absurdo achar que devemos impor tal desconforto a aqueles que estão se aproximando de Krishna e Prabhupada e até mesmo impor isso à nossa congregação. Quando devotos têm suas próprias casas, sempre encontramos confortáveis sofás, camas e cadeiras. Por que achamos que no templo o padrão deve ser inferior? Onde está a ciência espiritual nisso?
Talheres
O mesmo pode ser dito da cultura de comer com as mãos. Tudo bem que Srila Prabhupada fazia assim, mas ele foi criado assim. Viveu toda uma vida numa cultura onde se comia assim. É óbvio, portanto, que ele não mudaria ao chegar no Ocidente. Mas esse não é nosso caso e muito menos nossa cultura. Não há vantagem alguma em comer com a mão, se termos talheres disponíveis. Não é mais higiênico ou mais prático. O efeito que tem em nossos visitantes é muito ruim, pois no Ocidente isso não é bem visto. É considerado um tanto grosseiro e estranho, até mesmo repugnante. Portanto, não podemos correr o risco de transmitir uma impressão tão ruim assim por conta de algo que não é védico, nem de forma alguma necessário.
Vamos refletir um momento e pensar o que um ocidental pensaria ao ver pessoas vestindo uma roupa asiática que mais parece uma gigante fralda, sentados no chão, comendo com as mãos… E o pior que nada disso é védico, é necessário ou nos ajuda a desenvolver a consciência de Krishna. Pior ainda prejudica enormemente nossa missão, nosso verdadeiro dever, de difundir a ciência espiritual pura de bhakti-yoga.
Comida
Tanto no Bhagavad-gita como no Srimad Bhagavatam encontramos descrições do tipo de alimento que devemos oferecer a Deus e comer. Diversas vezes é explicado que devemos oferecer e então comer alimentos no modo da bondade. Tais alimentos são descritos no BG (17.8) como sendo aqueles que aumentam a duração da vida, são saudáveis, purificam nossa existência, nos dão força, felicidade e satisfação. Isso, portanto, é comida védica.
Não há necessidade alguma de ser comida indiana. Nem tampouco podemos achar que podemos comer todo tipo de fritura e doce ou pratos cheios de queijos industrias (todo queijo amarelo no Brasil contém coalho bovino!). Basta ver a saúde precária de muitos devotos antigos, que se submeteram a uma dieta nada saudável de excessiva gordura e açúcar.
Os devotos não deveriam ser conhecidos como aqueles que fazem saborosos pratos Indianos (um rótulo étnico), mas, sim, como aqueles que fazem saborosos pratos que, “aumentam a duração da vida, são saudáveis, purificam nossa existência, nos dão força, felicidade e satisfação” (que seria reconhecimento de um conhecimento superior e científico). Cada vez mais as pessoas buscam tais alimentos e deveríamos ensinar ao mundo como comer assim, uma vez que isso é uma parte intrínseca da verdadeira ciência espiritual da consciência de Krishna.
Cantando japa nas ruas
Até mesmo o simples ato de cantar japa nas ruas, com a mão no saquinho, tem resultados contraproducentes para nossa pregação. Vamos apenas refletir na aparência de alguém com a mão enfiada num saquinho, com um dedo para fora, sacudindo-o e falando para si mesmo (e muitas vezes fazendo alguma careta em concentração). Vamos deixar de lado por um momento o fato de sabermos que o ato em si (cantar japa) é maravilhoso e benéfico e vamos imaginar o que uma pessoa normal no Ocidente pensa ao ver isso. Esse é o ponto. Não devemos apenas agir de forma a nos beneficiar, mas sim agir de forma que outros também se beneficiem. Se algo que fazemos, que pode ser alterado sem comprometer nossos verdadeiros princípios, causa estranheza ou afeta nossa imagem de forma negativa, então continuar a agir assim é irresponsável e egoísta. Irresponsável porque estamos ignorando a ordem máxima de Prabhupada de apresentar a consciência de Krishna de forma inteligente e atrair o máximo número de pessoas e egoísta porque estamos pensando apenas em nosso avanço espiritual.
Dança, arte e arquitetura
O mesmo princípio aplica-se a todos os demais aspectos da cultura védica. Dança, arte e arquitetura védicas também não são necessariamente indianos. Prabhupada freqüentemente apreciava a arquitetura clássica ocidental. Nossos templos não necessitam ter aquela decoração rebuscada e colorida que costumeiramente possuem. Nem há razão para sempre termos shows de dança indiana em nossos programas como Ratha Yatra. Isso só faz estereotipar nossa imagem, limitando assim a visão que as pessoas poderiam ter da ISKCON, de estar representando algo realmente universal e prático.
JUSTIFICATIVA
De acordo com os ensinamentos de Prabhupada e das escrituras essas mudanças podem ser feitas na ISKCON? A resposta é sim. Podem e devem. É nosso dever. Prabhupada falou que ele tinha apenas criado a estrutura básica1 e que cabia a nós dar o acabamento. Podemos ver que em seus 60 volumes, ele não fala sobre esses pequenos detalhes, sabendo que isso é uma questão de tempo, lugar e circunstância. Como poderia um movimento durar 10 mil anos sem alterar tais detalhes? Como poderia uma ciência ser válida por todo tempo em todos os universos se ficasse presa a esse tipo de coisa? O ponto é que Prabhupada sempre falava, “apenas acrescente Krishna”2. Ele não dizia para apagarmos tudo e começar do nada, e sim deixar tudo do jeito que está, mas acrescentar Krishna, pois aí o resultado seria maravilhoso.
Um dos pontos mais importantes da nossa filosofia, que Prabhupada enfatiza repetidamente, é o princípio de adaptar a ciência espiritual ao tempo, lugar e circunstância3. Prabhupada não veio ao Ocidente para tirar nossas calças ou os talheres de nossas mãos, nem nossas cadeiras. Tampouco ele veio para substituir a arquitetura, dança e música clássica ocidental. Ele veio para trazer Krishna e a ciência de conectar tudo a Ele novamente.
CONCLUSÃO
Na verdade, a cultura védica não é algo externamente padronizado, em termos do tipo de música, roupa, arquitetura, culinária, etc. Varia de um lugar para o outro e de uma época para outra. Não é que por todo universo, por toda Vaikuntha, onde quer que predomine a cultura védica iremos encontrar exatamente o mesmo tipo de roupa, arquitetura, arte, dança, culinária, etc. Se mesmo num minúsculo planeta como o nosso encontramos simultaneamente tantas culturas vastamente diferentes, o que dizer da inconcebível criação de Deus?
Não é por omissão que nossas principais escrituras, e nossos grandes acaryas, incluindo Prabhupada, não tocam nesses assuntos. É porque isso é uma questão variável, uma questão superficial. O que não é variável na cultura védica é a ciência espiritual, as diferentes formas de auto-realização e avanço espiritual, culminando em puro serviço devocional a Sri Krishna. Também não é variável o fato que cultura védica significa esmerar pela perfeição, pelo conhecimento máximo em tudo que se faz. Assim, a ISKCON deveria se esforçar para mostrar ao mundo esse ideal de buscar a qualidade máxima em tudo que se faz como uma oferenda a Deus. Quem pode argumentar contra um objetivo tão perfeito? Quem poderia se opor a um Movimento que trabalhasse assim? Se realmente estamos levando a sério a ordem e a missão de Srila Prabhupada, devemos entender que não há outra alternativa.
No mundo globalizado vemos duas principais tendências: a busca pela excelência e a padronização de uma cultura universal. Empresas e governos sérios investem bilhões de dólares em educação e treinamento para seus funcionários, exigindo deles um nível cada vez maior de eficiência e qualidade. Praticamente nenhuma empresa grande consegue sobreviver sem estar constantemente aperfeiçoando seus produtos e processos. Nos países mais desenvolvidos, o povo também exige de seu governo crescente qualidade e excelência. E, já há muitas décadas, vemos que aquilo que é considerado como sendo algo digno e respeitável em Nova York, será igualmente digno e respeitável em Xangai, Deli, Paris ou São Paulo. O mundo busca universalidade para essa nova realidade. É insensato e contraproducente tentar apresentar uma mensagem, não importa quão maravilhosa seja, imersa num formato étnico exótico.
Agindo dessa forma estamos dizendo ao mundo que não estamos interessados nele, e, em contrapartida, o mundo não estará interessado em nós. Estamos totalmente fora de sintonia com a realidade atual. Claro que nossa filosofia é perfeita e na verdade pessoalmente não precisamos da aprovação de ninguém, nem estamos interessados em seguidores, fama, etc. Mas, como uma instituição, como pregadores, não podemos pensar assim. Temos que nos esforçar e fazer tudo que podemos para nos manter atuais e relevantes, se quisermos que nossa mensagem seja ouvida.
Notas
1) “Agora eu construí a estrutura do arranha-céu, vocês devem completá-lo.” (Carta a Rupanuga, Delhi, 10 de dezembro de 1971)
2) “Eles buscam o conhecimento, mas o conhecimento material vai desviá-los do verdadeiro objetivo da inteligência deles e todas suas conquistas educacionais vão apenas representar tantos zeros. Mas se você estiver bem familiarizado com nossa filosofia de Krishna, poderá convencê-los que se eles colocarem Krishna ou Deus no centro de seus esforços educacionais, não importa se são cientistas, químicos, políticos, o que quer que sejam, se eles colocarem Krishna na frente de tantos zeros o resultado final será um número muito grande e suas vidas serão perfeitas.” (Carta a Tribuvannatha, Los Angeles, 16 de junho de 1972)
3) “O método de adoração — cantar o mantra e preparar as formas do Senhor — não é estereotipado, tampouco é exatamente o mesmo em toda a parte. Menciona-se especialmente neste verso que se deve levar em consideração o tempo, o lugar e as conveniências circunstanciais. Nosso movimento para a consciência de Krsna está se difundindo em todo o mundo, e também instalamos Deidades em diferentes centros. Às vezes, nossos amigos indianos, inflados com noções inventadas, criticam: ‘Isto não se faz assim. Aquilo não se faz assim.’ Mas eles se esquecem desta instrução de Narada Muni a um dos maiores vaisnavas, Dhruva Maharaja. É preciso levar em consideração o tempo, o país e as conveniências em particular. O que é conveniente na Índia pode não ser conveniente nos países ocidentais. Aqueles que não estão realmente na linha dos acaryas, ou que pessoalmente não sabem como agir no papel de acarya, desnecessariamente criticam as atividades do movimento ISKCON em países fora da Índia. O fato é que tais críticos nada podem fazer pessoalmente para difundir a consciência de Krsna. Se alguém sai e prega, correndo todos os riscos e levando em consideração tempo e lugar, pode ser que proceda a mudanças na maneira de adoração, mas isto não é absolutamente errado, de acordo com o sastra. Srimad Viraraghava Acarya, um acarya na sucessão discipular da Ramanujasampradaya, observa em seu comentário que os candalas, ou almas condicionadas nascidas em famílias inferiores a famílias de sudras, também podem ser iniciados de acordo com as circunstâncias. Pode ser que se altere levemente as formalidades aqui e ali para transformá-los em vaisnavas.” (Srimad Bhagavatam, 4.8.54, significado)
Por Giridhari Das. Extraído de encontros com S.S. Hridayananda das Goswami Acharyadeva em maio 2002 e janeiro 2003
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