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“Chama-se de lobisomens em Bruxaria – diz Colin de Plancy, em seu Dicionário Infernal – os homens e as mulheres que foram metamorfoseados ou se transformaram eles mesmos em logo”.
“Os Vampiros – segundo Stanislas de Guaita – são entidades astrais que sobrevivendo aos despojos mortais de certos indivíduos retardam indefinidamente a desagregação molecular. Essas entidades, amarradas ao cadáver por um elo invisível, tornam-se errantes e atacam os passantes”.
Nós tratamos aqui, no mesmo artigo, dos Lobisomens e dos Vampiros, que tem, como veremos, um estreito parentesco. Antes de mais nada são necessárias algumas considerações gerais.
Milhões de seres humanos, durante séculos, acreditaram nos vampiros e nos lobisomens. Milhares de narrações, concordando perfeitamente entre si, milhares de julgamentos registrando as deposições das testemunhas e as confissões dos acusados, confissões renovadas até à fogueira, atestam que de alto para baixo na escala social, – dos espíritos mais esclarecidos às mais fracas mentalidades –, todo o mundo estava convencido da existência real, evidente, inegável desses monstros misteriosos. Duvidar deles teria parecido tão maluco quanto negar a luz do sol… da lua, de preferência, pois as sinistras façanhas desses errantes malditos eram noturnas.
Estranhas crenças que repousavam sobre o que? No processo dos Templários, os acusados eram perseguidos (sem falar da origem política das perseguições) por atos determinados, possíveis (sacrílegos, libertinagem) e que poderiam ter sido cometidos; no processo de Gilles de Rais, os crimes de que ele era acusado eram autênticos e patentes… Nesse caso, porém? Pois bem, aqui estamos no domínio do inverossímil, do impossível, da mais pura e extravagante bruxaria, e mais extravagante ainda no que diz respeito aos Sabás… Efetivamente, se é impossível que bruxas tenham saído voando, cavalgando uma vassoura, pela sua chaminé, é possível e mesmo quase certo que assembléias de homens e mulheres tiveram lugar regularmente, em datas fixas, em algum lugar deserto da campanha, assembléias onde se realizavam as estranhas cerimônias de um culto diabólico, acompanhadas de cenas de libertinagem, e que alucinavam a embriaguez provocada pelas drogas retiradas de solanáceas, e que eram o ópio e a “coca” da época.
Mas os lobisomens? Mas os Vampiros? Sobre que tipos de fatos se baseavam para acreditarem neles? Crimes reais serviram como pretexto para as lendárias empreitadas criminosas que, durante tão longo tempo, apavoraram o mundo, multiplicadas pela imaginação popular, autenticadas pelas teorias dos demonólogos, dos inquisidores nos quais a deformação profissional criava a idéia fixa, como diríamos hoje. Homens cobertos com peles de animais, percorreram, noturnamente, as campanhas, atacando, matando, dilacerando com seus dentes os caminhantes isolados, as mulheres e as crianças demoradas? É provável: é a explicação que nós nos podemos dar: é a explicação que não admitiam nem os juizes, nem os acusados, os quais, em meio às torturas, afirmavam que eles tinham inteiramente, durante algumas horas, se tornado verdadeiros lobos, – a bruxaria das metamorfoses…
Mas essa tentativa de explicação que nós podemos invocar para a licantropia não se sustenta no que diz respeito ao vampirismo. É para nós impossível admitir que alguns mortos saíram de seus túmulos para assaltar ou passantes ou vítimas dormindo nos seus leitos. Onde se encontra aqui o pretexto da lenda?
Explicações ou preferentemente ensaios de explicações, foram dadas do vampirismo e da licantropia. Gorres, em seu estranho Mistica, considera que, “Uma vez que o homem vive pode comunicar a um outro homem emanações de sua própria vida, as quais são saudáveis ou perniciosas, um cadáver podendo exercer ele próprio uma influência”.
Os ocultistas estabeleceram um estreito parentesco entre o vampirismo e licantropia. Stanislas de Guaita escreveu no Templo de Satã: “Nos dois casos o espectro assassino percorre os campos sob diversas formas de animais; nos dois casos ele ataca de boa vontade os seres que ele encontra: a diferença essencial consiste nisso, precisamente, que o lobisomem, enquanto sua forma astral vagabundeia externamente, é um bruxo vivo que sonha no seu leito; e que o vampiro, contrariamente, é um bruxo morto que vegeta no seu túmulo”.
A possibilidade de “sair em corpo astral” de que fala Guaita e que é chamada também de desdobramento ou bilocação, é um artigo de fé ocultista.
De fato, sob a influência de drogas, o bruxo vivo poderia acreditar ter se transformado em lobo, assim como certas bruxas acreditavam ter estado no Sabá, enquanto era certo que elas tinham ficado em seu leito… Mas e o bruxo morto saindo do seu túmulo? Aqui entramos na necromancia.
Não vamos insistir nessas explicações, tão singulares quanto os fatos que tentam elucidar. Constatemos que, em todo o caso, a licantropia e o vampirismo são crenças que vêm da antigüidade, e que foram transmitidas de idade em idade, de raça em raça, de região para região.
Os gregos acreditavam nos vampiros, na “lamias” (monstro ou demônio fabuloso). Heródoto indica que o vampirismo era praticado em Menfis e em Tebas. Eles acreditavam na licantropia (termo impróprio, pois a transformação se realizava freqüentemente sob a forma de um animal que não era o lobo). Lemos em Lúcio que a mulher de Hiparco podia, queimando no fogo de uma lâmpada incenso e essências, pronunciando algumas palavras mágicas, transformar em animais os homens que eram objeto de seu ódio. Alexandre, quando fez a guerra das Índias “viu mais de cento e trinta mil homens com cabeças de cães ladrando como eles…” e existe o mito de Circe, feiticeira apaixonada por Ulisses que transformou os companheiros do herói em porcos…
Essas fábulas foram a origem de crenças mais recentes; elas geraram os terrores supersticiosos da Idade Média; elas tiveram, mais tarde ainda, seu pleno desabrochamento, no momento dos grandes dias, ou antes, das grandes noites de bruxaria, durante a Segunda metade do século XVI e durante os anos que se seguiram.
Vejamos o que se contava na época, o que se afirmava, no que se acreditava…
Todos as narrações concernentes aos vampiros trazem detalhes análogos. Um homem acaba de morrer. Quando ele era vivo, era temido, pois era acusado de bruxaria. Ele deixou, a respeito de seu enterro e do lugar de sua sepultura, diversas indicações estranhas, anormais, que seus entes mais chegados, alarmados, somente cumpriram de má vontade.
E, pouco depois, o terror se espalha pela região. Apontam-se mortes inexplicáveis que se multiplicam. Pessoas afirmam ter visto, à noite, um espectro que tem, ou aparência humana, ou a aparência de um cão preto, perseguindo os passantes isolados, assaltando-os, bebendo seu sangue. O monstro entra também nas casas, se instala sobre o peito dos que estão dormindo, os sufoca, morde sua garganta e foge. Algumas das vítimas sobrevivem mas são apenas sombras delas mesmas, sombras lívidas, lânguidas, guardando nos seus olhos apagados o sobressalto de um pavor supremo, o horror da morte que sob a forma de um morto as apertou…
O terror cresce, se exaspera… Como se proteger contra os assaltos do espectro?… Um único meio resta: abrir o túmulo do bruxo (Dom Calmet informa que a terra que cobria os vampiros estava freqüentemente coberta de buracos da grossura de um dedo. Ele se pergunta se era para conservar um simulacro de vida ao monstro inumano). Trata-se de um sacrilégio: fica decidido e as autoridades da região tomam a iniciativa. E o túmulo aberto mostra seu segredo. O morto, o bruxo, está imóvel, gelado, mas suas unhas cresceram desmesuradamente, seus olhos estão muito abertos, seus lábios estão vermelhos e mostram ainda algumas gotas de sangue fresco. É preciso matá-lo. Para isso, corta-se a sua cabeça, ou melhor, ele é pregado ao chão atravessando seu peito com uma espécie de dardo ou lança. Jatos de sangue líquido jorram, e com um uivo o vampiro, numa suprema convulsão, se contorce… Acabou tudo… Nem sempre… Às vezes, o vampiro continua com suas sinistras façanhas noturnas e só é possível vencê-lo queimando seu cadáver demoníaco… E na Europa inteira, acredita-se nessas hediondas histórias. O vampirismo, é, dizem, hereditário, epidêmico, dizimando regiões internas. Nada põe em dúvida sua realidade. Os búlgaros são aterrorizados por monstros que infestam as vilas. Os poloneses, as populações cossacas temem um vampiro criança, pequeno espectro lívido, de olhos fechados, que freqüenta os cemitérios e pula sobre as costas dos cavaleiros que passam perto dele, os pegam pelo pescoço e os mordem na nuca. Existe um único meio de salvação: colocar os pés no chão no mesmo instante, afirmar os pés na terra, com um sinal-da-cruz, um punhal: “Foge… desaparece!…”. O vampiro foge, e pegando o punhal, se enfia no chão…
Todos os autores que trataram da demonologia, Sprenger, Bodin, Boguet, Pierre De Lancre particularmente, trataram abundantemente dos lobisomens. Segundo Sprenger, o lobisomem é um lobo verdadeiro que é possuído por um demônio que o torna feroz, audaz, invulnerável. Mas a opinião mais corrente e que finalmente foi universalmente aceita é que o lobisomem é um bruxo metamorfoseado em animal. Notemos no entanto que certos especialistas que eu acabo de mencionar estabelecem sutilmente uma restrição: o diabo, diziam eles, não pode fazer milagres, o milagre pertence a Deus somente, mas o diabo pode criar prestígios, ilusões; ele não pode transformar em animal nem uma alma nem um corpo humano, mas ele pode convencer um ser humano de que ele se tornou um animal e o pode passar por tal diante de todo o mundo.
E todas as formas animais são boas para esta transformação: cão, gato – gato especificamente para bruxas – cabra preta, carneiro. O lobo, contudo, domina… E há uma série de sombrias e sangrentas histórias, cuja lembrança chegou até nossos dias e nas quais em certas regiões mais atrasadas se acreditava ainda não faz muito tempo… admitindo mesmo que não se acredita mais.
O lobisomem perambula durante a noite nas planícies, passa perto dos vilarejos, ataca os viajantes retrasados ou as mulheres que deixam furtivamente suas cabanas. “Freqüentemente, corre com grande estrépito, seguido pelo ladrido dos cães de toda uma região e produzindo o efeito de uma roda que percorre as ruas e nada pode deter…”
E o monstro vagabundo é invulnerável, sua pele é a prova de balas, a menos que essas balas tenham sido benzidas à noite, numa capela dedicada a Santo Huberno… e é preciso levar consigo um trevo de quatro folhas para poder matar o lobo. Morrendo, o bruxo retoma sua forma humana.
Notemos que as opiniões estavam divididas quanto à forma em que se operava a transformação de homem em besta e vice-versa. Muitos acreditavam que o bruxo tinha uma pele dupla, lobo de um lado, homem do outro, e que a revirava. Outros pensavam que ele vestia a pele de um verdadeiro lobo.
Numerosos lobisomens foram, no século XVI, condenados e queimados depois de haver confessado os crimes de que eram acusados. Na região de Jura, onde Boguet era Grande Juiz, mais de seiscentos lobisomens foram, durante dois anos, condenados e queimados. E é Boguet, em seu Discursos dos bruxos, quem conta a seguinte história, que aconteceu, diz ele, em Auvergne, em 1558.
Um gentil-homem que se encontrava uma noite numa janela de seu castelo viu passar um caçador e lhe pediu que lhe trouxesse carne. O caçador prometeu e se afastou. Pouco depois ele é, entrando no bosque, atacado por uma grande loba furiosa. Ele atira, a queima-roupa, sem acertar. Quando a besta se joga em cima dele ele pega seu facão e lhe arranca uma pata. A loba, então, foge. O caçador recolhe a pata cortada, a coloca no saco, cansado da caçada daquele dia, volta ao castelo e conta ao gentil-homem o que aconteceu. Ele quer, como prova, mostrar a pata da loba, remexe no seu saco… e retira uma mão de mulher, ornamentada por um anel com um brasão que o gentil-homem reconhece pertence à sua mulher. Tomado por uma terrível suspeita, ele a manda chamar… Ela vem, com o braço escondido sob seu casaco… O marido levanta o casaco… e vêque a dama está com uma mão cortada… Sem sombra de dúvida, ela é bruxa e, sob a forma de uma loba, atacou o caçador… Era-se impiedoso naquela época quanto às coisas de bruxaria… O gentil-homem denunciou sua mulher e ela foi queimada em Riom.
Em 1573, conta Bodin, um decreto condenou um homem chamado Gilles Garnier a ser queimado vivo. Ele tinha assaltado, matado e devorado parcialmente uma garotinha de doze anos, da qual ele “levara os melhores pedaços à sua mulher”. Ele confessou, sem ser torturado e na própria fogueira, três outros crimes do mesmo tipo.
Uma enormidade de fatos semelhantes, que relatam julgamentos autênticos, tiveram lugar na mesma época. Bruxos, em forma de lobos, são feridos e mutilados. Detidos eles confessam e são queimados. O juiz De Lancres aponta especialmente em que, em 1610, escapou à fogueira e que ele visitou na sua prisão em Bordéus. Era um rapaz de vinte anos, magro, de olhos ferozes e desvairados, com dentes fortes e longos, de unhas espessas, agudas, inteiramente negras e que andava de quatro, pulava os fossos “tão ligeiramente como poderia o fazer um galgo”… Ele confessava preferir como mais delicada a carne das garotinhas àquela dos garotinhos.
E as narrações se multiplicavam: em Lorena, no Jura, algumas mulheres se transformavam, dizem elas, em lobas e assaltam os passantes. Outras, numerosas, ladravam como cães. Certa noite, um fazendeiro escuta seus cães resmungar. Ele sai e vê, entre eles, um galgo branco e preto que os morde, e que ele mata com um tiro de fuzil… De manhã, não é o cadáver de um galgo o que ele encontra, mas o de uma donzela magnificamente vestida. Ele ficou espantado e de repente apareceu um gentil-homem seguido por um cãozinho. “Ah, você matou minha mulher!” exclamou o homem que, sem nada acrescentar, se afasta, seguido pelo cãozinho que chora… o filho da bruxa, metamorfoseado como ela, pensou-se…
Uma bruxa da Escócia, Isobel, contou diante dos juizes que ela tinha o costume de tomar a figura de uma lebre. Sob essa aparência e encarregada pelo diabo de levar uma mensagem, ela teve a desgraça de deparar com cães que a perseguiam de tal forma que e3la teve que se refugiar na sua casa e esconder numa caixa para encontrar o tempo para achar a fórmula que devia lhe devolver sua figura de mulher: “Lebre, lebre, que o diabo trate de ti. Estou agora sob a forma de uma lebre, dentro de um instante serei mulher… Lebre, lebre, que o diabo trate de ti.”
Mas a forma de gatas, de gatas pretas, era a que as bruxas tomavam de mais boa vontade, e neste caso as narrações fantásticas abundam. Bruxas italianas confessaram haver deslizado, assim travestidas, debaixo de portas para chupar o sangue das crianças. Em Vernon, os guardiães de um velho castelo foram atacados por um grupo de gatas furiosas; eles se defendem e as gatas feridas voltam ao mesmo instante a ser mulheres. Em Amsterdam, as crianças de um hospital, enfeitiçadas e transformadas em gatos falantes, pulam através do pátio, trepam ao longo dos muros, fazem discursos ao público, profetizam… Perto de Estrasburgo, três mulheres dão queixa à justiça; elas foram feridas e contundidas por um bruxo. Detido, o homem se defende. Ele não é bruxo nem feriu ninguém… Ninguém acredita nele, que corre o grande perigo de ser queimado… Mas repentinamente, ele compreende a verdade. Três gatas, alguns dias antes, o tinham atacado. E ele as tinha feito recuar às bengaladas… As três queixosas são as verdadeiras bruxas. Elas confessam. E foram elas as queimadas.
Essas histórias entre milhares de outras tão loucas quanto essas… E eram malucos e malucas os que se gabavam dessas fantásticas façanhas… desgraçados alucinados pelo contágio de superstições enraizadas, e jactância de atos horríveis e misteriosos. Mas as testemunhas que os acusavam, os juizes que os condenavam eram sadios mentalmente (por mais estranho que isso nos pareça agora) e se recusavam a acreditar que estavam loucos… Uma única voz, neste final cruel do século XVI, se levantou para afirmar que se tratava de doentes, e não de criminosos – a voz a de Jean Wier. Acusado de ser bruxo, ele também, esteve ameaçado pela fogueira.
Wier Jean Stanislas
Satanismo e Demonologia. O Dicionário do Diabo. Editora Ciências Ocultas.
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