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Raymond T. McNally e Radu Florescu
Em um sentido geral, Stoker estava absolutamente certo ao situar sua história de Drácula na Transilvânia, embora localizando seu castelo de ficção a nordeste, muitos quilômetros distante do verdadeiro, na fronteira ao sul. O Drácula de verdade nasceu em 1431 na Transilvânia, na cidade fortificada alemã de Schassurg (Sighsoara, na Romênia). Um dos burgos saxônios mais encantadores, certamente o mais medieval, Schassburg está localizado cerca de quarenta quilômetros ao sul de Bistrita.
Esse castelo fica no local estratégico que domina o vale do rio Tirnava. É circundado por finas muralhas de defesa em pedra e tijolos, de novecentos metros de comprimento, e quatorze torres na muralha, cada uma delas com o nome da guilda que a custeou – as dos alfaiates, joalheiros, peleteiros, açougueiros, ourives, ferreiros, barbeiros, cordoeiros. Com suas ruas estreitas, tortuosas e de paralelepípedos, suas escadas`ligando a famosa torre do relógio às torres mais altas na crista da colina, a cidade fortificada servia às necessidades de uma próspera comunidade de comerciantes alemães que negociavam com Nuremberg e outras cidades alemãs Ela funcionava como depósito de mercadorias que eram levadas e trazidas entre a Alemanha ocidental e Constantinopla; além disso, servia de rota comercial pelo nordeste para a Polônia, o mar Báltico e as cidades germânicas ligadas à União Aduaneira Hanseática.
A casa em que Drácula e seu irmão Radu nasceram é identificada por uma pequena placa mencionando o fato de que seu pai, Drácul, morou ali de 1431 a 1435. O edifício é uma construção de pedra de três andares em tom amarelo-escuro, com um teto de telhas e pequenas janelas, e aberturas apropriadas para a pequena guarnição que servia a Vlad Dracul. Recente restauração do segundo andar revelou uma pintura mural representando três homens e uma mulher sentados a uma mesa. Somente a figura central sobreviveu inteiramente intacta. O retrato de um homem rotundo com um queixo duplo, um longo bigode bem untado, sobrancelhas arqueadas e nariz bem torneado. A semelhança dos olhos castanhos e amendoados com os do famoso retrato de Drácula preservado no Castelo Ambras, sugere que esse pode ser o único retrato sobrevivente do pai de Drácula, Vlad Dracul. A mãe de Drácula, princesa Cneajna, da dinastia Musatin da vizinha Moldávia, criou o jovem Drácula com o auxílio de suas damas de companhia dentro de casa. A amante de seu pai, Caltuna, deu a Dracul um filho também chamado Vlad. Ela finalmente entrou para um mosteiro e ali tomou o nome de Eupráxia. Seu filho mais tarde tornou-se conhecido como Vlad o Monge, porque seguiu os passos de sua mãe e encaminhou-se para a vida religiosa. Drácula passou sua juventude numa atmosfera tipicamente germânica; seu pai exerceu autoridade sobre todas as cidades alemãs da região e defendia a Transilvânia inteira contra ataques potenciais dos turcos. Vlad Dracul recebia sua autoridade do sacro imperador romano Sigismundo de Luxemburgo, em cuja corte em Nuremberg foi educado por monges católicos. Suas ambições políticas ganharam forma quando em 8 de fevereiro de 1431 dois importantes eventos tiveram lugar em Nuremberg: sua entrada na prestigiosa Ordem do Dragão, juntamente com o rei Ladislau da Polônia e o príncipe Lazarevic da Sérvia, e sua investidura como príncipe da Valáquia. O imperador germânico Sigismundo de Luxemburgo e sua segunda mulher, Bárbara von Cilli, haviam fundado a Ordem do Dragão em 1387 como uma fraternidade secreta militar e religiosa com o fim de proteger a Igreja Católica contra heresias tais como as dos hussitas, que punham em perigo a Europa Central.
Outro objetivo da Ordem era a organização de uma cruzada contra os turcos que haviam invadido grande parte da península balcânica. A segunda investidura, presidida pelo próprio imperador, encarregou Dracul da tarefa arriscada de buscar o inseguro trono valáquio (que incluía os ducados transilvanos de Amlas e Fagaras), governados na época pelo príncipe Alexandru Aldea, meio-irmão de Drácula. Isso marcaria o começo de uma prolongada contenda entre membros rivais da família principesca Besarab, dela decorrendo inúmeros crimes.
Quando o há pouco investido “dragão” estava enfim apto a fazer valer o seu título de príncipe expulsando Alexandru Aldea da Valáquia durante o inverno de 1436/37, a sede do poder valáquio continuava próxima da fronteira da Transilvânia, onde Dracul tinha sua base. Historicamente, a Transilvânia sempre foi ligada à Moldávia e aos principados valáquios. Depois que as legiões romanas evacuaram a mais recentemente conquistada província da Adácia, em 271 d.C., a maioria da população romanizada retirou-se para as montanhas, tentando escapar das desordens decorrentes da invasão pelo leste do planalto da Transilvânia. Desse modo, os dácio-romanos sobreviveram intocados pelas avalanches gótica, huna, eslava ou mesmo húngara e búlgara, que teriam certamente destruído sua língua e seus costumes latinos, tivessem permanecido na região. Só depois que a torrente de invasões diminuiu puderam os romenos descer para a planície, mas cautelosamente, conservando seu abrigo na montanha. Cada geração de romenos do século XIII avançou um pouco mais na planície. Finalmente eles alcançaram o Danúbio e o mar Negro ao sul, o Prut e o Dniester a nordeste – em outras palavras, os limites da moderna Romênia e também parte dos limites anteriores da antiga Dácia. No caso da Valáquia, nada mais típico da sua tendência em se voltar para a Transilvânia em busca de segurança, e nada demonstra melhor a excitação em abandonar as montanhas como um abrigo Seguro do que a escolha de antigas capitais do principado. A primeira, antiga capital do século XVI, Cimpulung, limita-se com os Alpes da Transilvânia.
A capital de Drácula, Tirgoviste, fica a baixa altura nas colinas, mas ainda assim permite um acesso fácil às montanhas. A escolha desse sítio marca um período de crescente autoconfiança na história do país. Boatos diziam que o mais jovem irmão de Drácula, Radu o Belo, devido a sua longa permanência na capital turca, também queria estar perto de Constantinopla, uma vez que ele não era imune aos prazeres do harém do sultão. Mexericos o acusavam, muito por causa de sua boa aparência, de ser um dos favoritos do harém masculino de Mehemed, herdeiro do trono otomano, o que o obrigava a ficar constantemente à disposição do seu mestre. Em todo caso, o reino de Radu marcou o recuo do período heróico da história da Valáquia e o começo da rendição condicional ao sultão. Condicional porque a relação da Valáquia com Constantinopla continuava a ser regulada por um tratado, com os príncipes locais como vassalos do sultão.
Quando seguro do seu trono, Dracul, um político esperto, sentiu que a tênue balança do poder estava rapidamente oscilando a favor do ambicioso sultão Murad II. Os turcos haviam então destruído sérvios e búlgaros, e o sultão estava planejando um ataque final contar os gregos. Assim, Dracul promoveu a primeira de suas numerosas imposturas, assinando traiçoeiramente um acordo com os turcos contra os sucessores de seu protetor, o sacro imperador romano Sigsmundo, que morreu em 1437. Em 1438, em circunstâncias inegavelmente difíceis, Dracul e seu filho Mircea, acompanharam o sultão Murad II numa de suas freqüentes incursões na Transilvânia, assassinando, pilhando e queimando pelo caminho, como era da tradição turca. Essa foi a primeira das muitas ocasiões em que os Dráculas, que se consideravam transilvanos, voltaram a sua pátria como inimigos ao invés de amigos. Mas as vilas e cidades da Transilvânia, embora cruelmente devastadas e pilhadas, ainda acreditavam num acordo melhor com um cidadão seu do que com os turcos. Isso serviu de justificativa para a avidez do administrador e dos cidadãos de Sebes em se renderem especificamente aos Dráculas, com a condição de que suas vis seriam poupadas e eles não acabariam escravizados pelos turcos. Dracul, que havia jurado proteger os cristãos, pôde ao menos nessa ocasião salvar uma cidade da destruição completa.
Muitos desses incidentes fizeram com que os turcos suspeitassem da lealdade do príncipe romeno. Em conseqüência, o sultão Murad II levou Dracul a um confronto pessoal na primavera de 1442. Sem perceber a armadilha, Dracul atravessou o Danúbio com seu segundo filho Drácula e seu filho mais moço Radu, sendo em seguida “preso em cadeias de ferro” e levado à presença de quem o acusara de deslealdade. Para salvar seu pescoço e recuperar seu trono, após um breve aprisionamento em Gallipoli Dracul jurou renovar fidelidade a Murad II, e como prova de sua lealdade deixou Drácula e Radu como reféns. Os dois meninos foram colocados sob prisão domiciliar no palácio do sultão em Gallipoli e mais tarde foram mandados, por razões de segurança, à distante Egrigoz, na Ásia Menor. Drácula permaneceu cativo dos turcos até 1448; Radu tornou-se aliado de Murad II e, devido ao seu caráter fraco, submeteu-se mais facilmente às técnicas de doutrinação daqueles que eram, até certo ponto, seus carcereiros. Radu se tornou um favorito do futuro sultão Mehmed II e eventualmente candidato oficial turco ao trono da Valáquia, no qual, na devida ocasião, sucedeu seu irmão Drácula.
A reação de Drácula há esses anos perigosos foi exatamente oposta. De fato, esse tempo como prisioneiro dos turcos ofereceu um bom estímulo à sua personalidade ardilosa e perversa. A partir dessa época, Drácula passou a ter a natureza humana em baixa estima. A vida era coisa desprezível – além do mais, sua própria vida estaria em perigo se seu pai se mostrasse desleal ao sultão – e a moralidade não era essencial em assuntos de estado. Ele não precisou de Maquiavel para se informar sobre a amoralidade dos políticos. Os turcos ensinaram a Drácula a língua turca, entre outras coisas, e ele a manejava como um nativo; ele foi aproximado dos prazeres do harém, porque suas condições de confinamento não eram tão estritas; e completaram seu treinamento no cinismo bizantino, que os turcos herdaram dos gregos. Como foi relatado por seus carcereiros turcos durante aqueles anos, ele também desenvolveu uma reputação como trapaceiro, manhoso, insubordinado e brutal, inspirando medo aos seus próprios guardas. Isso em contraste agudo com a dócil subserviência de seu irmão. Dois outros traços se entrincheiravam na pisque de Drácula devido à trama em que pai e filho se enrascaram. Um era a suspeição; nunca de novo ele confiaria nos turcos ou em homem algum. O outro era o sabor da vingança; Drácula jamais se esqueceria ou perdoaria os que o traíram – esse fato tornou-se um traço da família.
Em dezembro de 1447, Dracul pai morreu, vítima de sua própria trama. Seu assassínio foi ordenado por João Hunyadi, que ficou irritado com as relações do Dragão com os turcos. A política de Dracul a favor dos turcos era facilmente explicável, se não por outro motivo, para salvar seus filhos de uma inevitável vingança e possível morte. O filho mais velho de Dracul, Mircea, fora cegado com ferro em brasa e queimado vivo por seus inimigos políticos em Tirgoviste. Essas mortes e as circunstâncias traiçoeiras que cercaram a morte de seu irmão revelaram ter deixado fortes marcas no príncipe Drácula, logo após a sua ascensão ao poder. O assassínio de Drácul teve lugar nos pântanos de Baltenir, próximos a um velho monastério que ainda existe ali. Houve, no entanto, alguma justificativa para a premeditação desse assassínio por Hunyadi.
Ao tempo de sua prisão em Adrianópolis, Dracul havia jurado que jamais tomaria armas contra os turcos, uma flagrante violação de seu juramento anterior como membro da Ordem do Dragão. Uma vez seguro na sua posição de príncipe, e não obstante o fato de seus filhos serem reféns dos turcos, Dracul reavaliou in extremis seu juramento ao sacro imperador romano, e junto-se à luta contra os turcos, sendo ele mesmo absolvido do seu juramento a vafor dos turcos, pelo papa. Isso significava que podia participar das cruzadas dos Balcãs organizadas por Hunyadi contra o sultão Murad II. O príncipe sérvio Brankovic teve seus dois filhos cegados pelos turcos quando fora desleal com o sutão, e Dracul temeu o mesmo destino trágico para seus próprios filhos. Ele escreveu desconsolado aos chefes de Brasov no fim de 1443: “Por favor entendam que permiti que meus filhos fossem massacrados em favor da paz cristã, de modo que eu e meu país pudéssemos continuar vassalos do Sacro Império Romano”. De fato, foi quase um milagre que os turcos não tenham decapitado Drácula e Radu. O irmão mais velho de Drácula, Mircea, não Dracul, teve efetivamente o papel mais ativo no que foi descrito como “a longa campanha” de 1443. Do ponto de vista valáquio, essa campanha teve imenso sucesso. Ela permitiu a captura da cidade de Giurgiu (construída a um alto custo para a Valáquia pelo avô de Drácula), e ameaçou o poder turco na Bulgária. No entanto, a campanha de Hunyadi em Varna em 1444, que foi organizada em escala muito ambiciosa e chegou até o mar Negro, acabou em desgraça. O jóvem e inesperiete rei da Polônia, Ladislau III, e o núncio papal Juliano Cesarini morram na ocasião.
Hunyadi conseguiu fugir e sobreviveu apenas porque os valáquios conheciam suficientemente o terreno para conduzi-lo em segurança. Nas inevitáveis recriminações que se seguiram, Dracul e Mircea atribuem pessoalmente a Hunyadi a responsabilidade pela magnitude da derrota. Um conselho de guerra reunido em algum lugar na Dobrogea julgou Hunyadi responsável pelo fracasso cristão, e por maioria, embora parte devido à insistência de Mircea, sentenciou-o à morte. Mas os servissos prestados por Hunyadi e sua grande reputação como cavaleiro branco das forças cristãs poupara-lhe a vida e Dracul assegurou sua passagem a salvo para a Transilvânia.
Todavia, a partir do momento em que os Hunyadis contrariaram os Dráculas, particularmente Mircea, surgiu um grande ódio entre eles. A sede de vingança que decorreu de tudo isso foi afinal aplacada com as mortes de Drácula e Mircea. Depois de 1447, Hunyadi pôs a coroa valáquia nas mãos mais confiáveis de um pretendente Danesti, Vladslav I (a família rival Danesti tinha ligações de sangue com o príncepe Dan, um dos tios-avós de Drácula.)
O mais difícil de entender é a atitude de Drácula na sua fuga do cativeiro turco em 1448. Sabemos que os turcos, inegavelmente impressionados com a ferocidade e a bravura de Drácula, e obviamente adversários dos príncepes Danesti, que eram identificados com a corte húngara, tentaram colocar Drácula no trono valáquio a partir de 1448, enquanto Vladislav II e Hunyadi combatiam ao sul do Danúbio. Esse golpe corajoso foi eficaz por apenas dois meses. Drácula, então com cerca de vinte anos, temeroso dos assassinos transilvanos de seu pai e igualmente relutante em voltar para os seus captores turcos, fugiu para a Moldavia, o mais ao norte possível dos principados romenos, governada nesse tempo pelo príncepe Bogdan, cujo filho, príncipe Estêvão, era primo de Drácula. Durante esses anos de exílio moldavio, Drácula e Estêvão desenvolveram uma estreita e duradoura amizade, cada um deles prometendo ao outro que aquele que primeiro ascendesse ao trono do seu principado levaria o outro imediatamente ao poder – à força de armas, se preciso. A sede do principado moldávio era então em Suceava, uma antiga cidade onde Drácula e Estêvão continuavam sua educação eclesiástica bizantina sob a supervisão de monges eruditos.
Dracula permaneceu na Moldávia até 1451, quando Bogdan foi brutalmente assassinado por seu rival Petru Aron. Talvez devido à falta de alternativa, Drácula então reapareceu na transilvânia, onde se entregou à misericórdia de João Hunyadi. Estava então tentando a sorte, embora nessa época, devido à pressão turca, o príncepe Danesti da Valáquia, Ladislau II, estivesse adotando uma política favorável aos turcos, distanciando-se dos seus protetores húngaros.
Era interessante para os Hunyadis, uma vez mais, ter um instrumento flexível, um príncepe de reserva, para o caso de o príncipe Danesti voltar-se para os turcos completamente. Assim, interesses mútuos em lugar de qualquer confiança, aproximaram Drácula e João Hunyadi de 1451 a 1456, quando Hunyadi morreu em Belgrado. Durante esse tempo, Hunyadi foi o último tutor de Drácula, seu mentor político e mais importante educador militar. Hunyadi introduziu seu protegido na corte do rei absburgo da Hungria, Ladislau V. Ali ele conheceu o filho de Hunyadi, Matias Corvinus, seu futuro adversário político. Drácula não podia ter melhor preparação de campo da estratégia antiturca. Como nobre vassalo, tomou parte pessoalmente em muitas das campanhas de Hunyadi contra os turcos nas regiões onde no século XX surgiria a Iugoslávia. E ele se envolveu, como seu pai o fizera, com os ducados de Fagaras e de Almas. Além disso, Drácula também se fez pretendente do trono valáquio. Foi por essa razão que ele não acompanhou seu suserano na campanha de Belgrado de 1456, quando Hunyadi foi finalmente vencido pela peste. Por esse tempo, Drácula recebeu afinal permissão para atravessar as montanhas da transilvânia e desalojar o infiel príncipe Danesti do trono valáquio.
Durante os anos 1451-56, Drácula residiu novamente na Transilvânia. Abandonando a casa da família em Sighisoara passou a residir em Sibiu, principalmente para ficar próximo da fronteira valáquia. Em Sibiu, Drácula foi informado pelo administrador da cidade e por muitos outros refugiados da capital do império grego sobre um acontecimento que teve o efeito de uma bomba no mundo cristão: Constantinopla havia sido tomada pelos turcos e o imperador Constantino XI Paleólogo (em cuja corte Drácula viveu temporariamente como pajem em 1430), morrera no combate corpo a corpo, defendendo as muralhas da capital. Um refugiado romeno, bispo Samuil, informou Drácula de que o próximo objetivo do sultão Mehmed II era a conquista da Transilvânia e que ele planejava um ataque à própria Sibiu, local estratégico que podia servir de base a uma conquista posterior do reino húngaro. Drácula pelo menos podia sentir-se confortado com o fato de Sibiu ser considerada a mais inexpugnável das cidades da Transilvânia. Isso pode ter influído na sua decisão de lá permanecer. Mas numa daquelas decisões que tornaram ainda mais misteriosa sua personalidade, em 1460, apenas quatro anos depois que ele deixara a cidade de Sibiu, Drácula devastou impiedosamente essa região com um contingente valáquio de vinte mil homens e matou, mutilou, empalou e torturou cerca de dez mil de seus antigos vizinhos. Ele achava que os alemães de Sibiu haviam se envolvido em práticas de comércio desonesto às expensas dos mercados valáquios. A pilhagem e o saque tiveram lugar em escala mais feroz do que a feita pelos turcos em 1438.
Isso nos leva a considerar um dos aspectos mais ambivalentes da carreira de Drácula na Transilvânia, onde de amigo ele se transformou em inimigo para os seus companheiros e aliados. (Isso será descrito em detalhes na análise das histórias de horror alemães.) Essa rixa vai durar três anos violentos, de 1458 a 1460, durante os quais Drácula foi príncipe na vizinha Valáquia. A primeira investida relâmpago na área de Sibiu teve lugar em 1457, quando Drácula queimou e pilhou cidades e vilarejos, destruindo tudo no seu caminho. Somente a própria cidade de Sibiu, assim mesmo uma pequena parte dentro de suas poderosas muralhas de defesa, escapou da destruição. O propósito do ataque pode ter sido a captura do meio irmão de Drácula e rival político Vlad o Monge, e para servir de advertência aos cidadãos de Sibiu para não darem abrigo e proteção a candidatos rivais. Outra cidade ligada ao nome de Drácula é Brasov (Kronstadt para os alemães). Brasov tinha a duvidosa honra de haver testemunhado em suas colinas próximas mais vítimas de empalamento ordenado por Drácula, apodrecendo no sol e mutiladas pelos abutres dos Cárpatos, do que outro lugar do principado. Conta-se que foi numa dessas colinas que Drácula jantou e tomou vinho entre cadáveres. E foi numa dessas ocasiões que Drácula deu prova do seu senso de humor pervertido. Uma narrativa russa fala de um boiardo que tendo chegado para uma festa em Brasov, e não suportando o horrível cheiro de sangue coagulado, fechou com os dedos suas narinas num gesto de repulsa. Drácula mandou que se trouxesse uma grande estaca e a exibiu ao visitante, dizendo: “Fica ali, bem afastado, onde o mau cheiro não vai incomodar-te”. E mandou empalar imediatamente o boiardo. Depois do ataque a Brasov, Drácula continuou queimando e aterrorizando outros vilarejos na vizinhança da cidade, mas ele não foi capaz de capturar a fortaleza de Zeyding (Codlea em romeno), ainda hoje existente em parte, tendo então mandado executar o capitão responsável pelo fracasso. Durante o inverno de 1458-1459 as relações de Drácula com os saxões da Transilvânia mudaram para pior na Valáquia. Drácula decidiu aumentar as tarifas dos bens na Transilvânia, a favor de manufatureiros locais, em violação do tratado por ele assinado no início do seu reinado. Obrigou também os alemães a voltarem ao antigo costume de expor seus produtos apenas em determinadas cidades, como Cimpulung, Tirgoviste e Tirgsor. Essa decisão fechou subitamente muitas cidades ao comércio alemão onde os saxões tinham feito negócios proveitosos, inclusive na tradicional estrada para o Danúbio. Quando os habitantes de Brasov ignoraram essas medidas, Drácula iniciou outra ação terrorista.
A vingança e a violência de Drácula se estenderam pela primavera e o verão de 1460. Em abril, ele pôde finalmente pegar e matar seu oponente Dan III; somente sete dos segidores de Dan puderam escapar. No começo de julho, Drácula capturou a fortaleza de Fagarras e empalou seus cidadãos – homens mulheres e crianças. Embora as estatísticas desse período sejam muito difíceis de estabelecer, na cidade de Almas vinte mil pessoas foram mortas na noite de São Bartolomeu de 24 de agosto de 1460, mais do que foram assassinadas por Catarina de Médices em Paris, cerca de um século depois. O massacre de São Bartolomeu de Drácula escapou, de certo modo, da atenção dos historiadores, enquanto o de Catarina de Médicis fez dela alvo de grande reprovação moral.
Depois de 1460, os ataques e ações na Transilvânia contra os alemães da Valáquia diminuíram, e a renovação de tratados permitiu aos alemães privilégios comerciais, quando assinados juntamente com obrigações prévias ou quando outros acontecimentos concorriam para preencher a atenção de Drácula em outro lugar. No entanto, os saxões exercitaram sua vingança contribuindo para a prisão de Drácula como “inimigo da humanidade”, no outono de 1462, e a mais longo prazo arruinando sua reputação para a posteridade.
Reexaminando esse catálogo de horrores, percebe-se que havia dois lados na personalidade de Drácula. Um era o do torturador e inquisidor que aterrorizava deliberadamente como método político, às vezes inclinando-se à piedade para aliviar a própria consciência. O outro revelava um precursor de Maquiavel, um racionalista pioneiro e um surpreendente estadista moderno que justificava suas ações de acoedo com alguma raison d’état. Os cidadãos de Brasov e de Sibiu eram afinal estrangeiros que tentavam perpetuar seu monopólio de comércio com os principados romenos. Gostavam, a seu modo, também de uma intriga. Os saxões, conscientes do autoritarismo de Drácula, estavam ansiosos para subverter sua autoridade na Transilvânia e garantir asilo a possíveis contestadores do trono valáquio. É fácil demais explicar a personalidade de Drácula, como alguns fizeram, com base só na crueldade.
Havia um método na sua aparente loucura.
Embora Drácula tivesse governado o principado romeno da Valáquia em três diferentes ocasiões e morrido perto da cidade de Bucareste, seu lugar de nascimento, sua propriedade familiar e os dois ducados feudais a ele sujeitos, Almas e Fagaras, ligaram seu nome à Transilvânia. Drácula amava seu lugar de nascimento e finalmente se instalou em Sibiu, após Ter feito as pazes com os alemães. Mesmo seu famoso castelo no rio Arges, embora tecnicamente localizado no lado valáquio da fronteira, era vizinho dos Alpes da Transilvânia. Nesse sentido a tradição confirma que a história de Stoker é absolutamente correta. O nome de Drácula está inexorável e historicamente ligado à romântica Transilvânia.
Um Cruzado Contra os Turcos
Durante o inverno de 1461, Drácula lançou um desafio a ninguém menos do que o orgulhoso conquistador de Constantinopla, o sultão Mehemed II. As campanhas que se seguiram no Danúbio e na Valáquia, e que duraram do inverno de 1461 até o outono de 1462, inegavelmente constituem o episódio mais discutido na carreira de Drácula. Sua habilidade, seus feitos de valor, suas táticas e estratégia, trouxeram-lhe tanta notoriedade na Europa quanto o horrível tratamento que dava a seus súditos. Enquanto seus empalamentos eram evocados nas narrativas populares, os atos de heroísmo a ele atribuídos na luta contra os turcos foram preservados nos registros oficiais da época.
Com a morte do grande Hunyadi em 1456, as forças remanescentes cristãs precisavam desesperadamente de uma liderança. As disputas amargas que haviam ficado desde o assassínio do pai de Drácula ainda não estavam superadas. Essa ausência de unidade dos cristãos contribuiu muito para a causa turca e ajudou na captura de Constantinopla em 1453, três anos antes da segunda subida de Drácula ao trono da Valáquia. Com o desaparecimento dos últimos vestígios da independência sérvia e búlgara, e a queda do império grego, circunstâncias geográficas colocaram a Valáquia na vanguarda da cruzada antiturca. A Moldávia, aliada da Valáquia, estava salva nas mãos de Estêvão, primo de Drácula que surgiu como herói no mundo cristão depois de Hunyadi. Após o assassínio de seu pai, Bogdan, Estêvão acompanhou Drácula no seu exílio na Transilvânia. Lá, enquanto ambos residiam no castelo dos Hunyadis em Hunedoara, Drácula fez um pacto com Estêvão: Quem subisse ao trono primeiro, ajudaria o outro a ganhar o principado irmão. Em 1457, exatamente um ano após sua subida ao trono, Drácula coerente com sua promessa, mandou um contingente valáquio para ajudar Estêvão a reconquistar a coroa de seus antepassados. Desse modo, Drácula ajudou a iniciar a brilhante carreira do maior soldado, estadista e homem de cultura que a Renascença romena produziu. Porque Estêvão o Grande, ou Santo Estêvão como é ele hoje chamado após a sua canonização pela Igreja Ortodoxa em 1972, foi soldado e amante das artes. O número de mosteiros que sobreviveram na região de Suceava, capital de Estêvão, é eloqüente testemunho do brilho cultural e arquitetônico da sua época.
Quando Drácula finalmente ascendeu ao trono em julho de 1456, os astrônomos chineses e europeus documentaram uma aparição celestial incomum – um cometa “tão grande quanto a metade do céu, com duas caudas, uma apontando o Ocidente e a outra o Oriente, cor de ouro e parecendo uma chama ondulante no horizonte noturno”. O cometa tornou-se mais tarde tema de estudo do astrônomo Edmund Halley, e tornou-se conhecido então como Cometa de Halley.
No século XV, como hoje, as pessoas supersticiosas viam nos cometas anúncios de catástrofes naturais, pestes ou ameaças de invasão. Com a morte de Hunyadi em Belgrado, esses augúrios aumentaram muito. Mas os videntes e astrólogos de Drácula interpretaram o cometa como um símbolo de vitória. Um especialista romeno em numismática descobriu recentemente uma pequena moeda de prata cunhada pelo príncipe, mostrando a águia Valáquia de um lado e a estrela puxando seis raios ondulantes de outro, uma representação tosca do famoso cometa.
Após a queda de Constantinopla, os poderes remanescente da Europa Central e Oriental dedicaram-se a libertar as terras dos Bálcãns conquistadas pelos turcos. Uma das grandes figuras da Renascença, Enea Silvio Piccolominio, um astuto diplomata e especialista em Europa Ocidental, tornou-se o papa Pio II em 1458. Ele percebeu o imenso perigo para todo o mundo cristão das ambições imperialistas do sultão Mehmed II. Pio II lançou sua cruzada no Concílio de Mântua em 1459, advertindo os governantes incrédulos de que, a menos que os cristãos se unissem todos para se opor a Mehemed, o sultão destruiria seus inimigos um a um. O papa pedia aos cristãos que tomassem a si a cruz e angariassem cem mil ducados de ouro.
Em seguida à morte de Hunyadi e ao assassinato de seu filho mais velho, Ladislau, a luta pela coroa húngara continuou entre os Hunyadi e os Habsburgos. Drácula permaneceu leal aos Hunyadis em suas lutas com os alemães da Transilvânia, inicialmente a Ladislau e após sua morte ao filho mais jovem de Hunyadi, Matias, e ao cunhado Michael Szilagy. Do lado oposto estavam os Habsburgos: Albert I, que governou pouco tempo, sua esposa Elizabete e Ladislau V. A coroa sagrada de Santo Estêvão, guardada na fortaleza de Visegrad, esperava ser reclamada pelo próximo legítimo Habsburgo. O sacro imperador romano Frederico III estava tão preocupado com seus assuntos internos que o império não se animou a responder ao apelo do papa. O filho de Hunyadi, Matias, manobrou para tornar-se rei da Hungria em 1458. Drácula, que conheceu Matias ainda jovem, esperava que ele se juntasse à cruzada. Quanto a isso ele se desapontou, tal como o papa. Matias nunca deu seu inteiro apoio à cruzada papal contra os turcos, devido ao seu vacilante apoio ao trono da Hungria. O sacro imperador romano Frederico III; George de Podebrady, rei da Boêmia; Casimir IV, da Polônia; o Grão-Duque de Moscou, Ivan III; os governantes das repúblicas italianas; e um número de potentados orientais que participaram do concílio, limitou-se a enviar palavras de encorajamento ao papa. Estavam todos envolvidos em suas pequenas querelas e preferiram descartar logo o apelo papal.
Drácula foi o único soberano que respondeu imediatamente à conclamação do papa. Sua ação corajosa foi reconhecida nos comentários favoráveis dos representantes oficiais de Veneza, Gênova, Milão e Ferrara e mesmo do papa Pio II. Embora ainda desaprovasse algumas das cruéis táticas que ele usava, todos admiravam a coragem de Drácula e elogiavam sua disposição de combater pela cristandade.
Apesar do seu juramento ao rei húngaro e ao papa, as relações de Drácula com os turcos permaneciam acomodadas. Ele cumpria suas obrigações de vassalagem, que incluíam pagamento de tributo e uma visita ocasional a Constantinopla. A primeira indicação de que podia haver problemas na preservação de relações amigáveis veio do próprio Drácula. Em carta datada de 10 de setembro de 1456, dirigida aos dignitários de Brasov, Drácula revelou seu real pensamento, apenas alguns dias depois da sua investidura como príncipe:
Estou vos dando notícias… de que o embaixador dos turcos veio agora até nós. Tende no espírito e o conservai com firmeza o que tratei previamente convosco acerca de fraternidade e paz… O tempo e a hora chegaram afinal, a respeito do que antes vos havia dito. Os turcos querem pôr em nossos ombros… responsabilidades insuportáveis e… compelir-nos a não mais viver em paz (convosco)… Eles estão buscando um modo de saquear nosso país passando sobre nós. Além disso, eles nos forçam a trabalhar contra nossa fé católica. Nosso desejo é nada fazer contra vós, nem vos abandonar, como vos disse e jurei. Asseguro-vos que continuarei vosso irmão e amigo fiel, e por isso retive os enviados turcos aqui, de modo a que tivesse tempo de mandar-vos essas notícias.
Seguem-se aqui preceitos típicos que antecipam Maquiavel:
Tendes de refletir … quando um príncipe é poderoso e valente ele pode fazer a paz como desejar. Se, no entanto, ele foi enfraquecido, alguém mais poderoso que ele há de conquista-lo e ditar-lhe sua vontade.
Levando em conta sobretudo à tensa situação turco-valáquia resultante da dupla posição de Drácula, as causas do corte final de relações e do início das hostilidades devem ser buscadas nas tentativas turcas de se beneficiar da infringência dos tratados. Os tributos foram pagos regularmente por Drácula apenas durante os primeiros três anos do seu reinado. De 1459 a 1461. Daí por diante, no entanto, porque estava preocupado com os problemas dos saxões da Transilvânia, Drácula violou o contrato e deixou de comparecer à corte turca. Por isso, quando as negociações foram retomadas, os turcos exigiram o pagamento dos tributos devidos.
Havia uma outra nova exigência que nunca fora estipulado antes e que representava uma clara violação dos trados anteriores. Ela envolvia a cobrança do tributo infantil – nada menos do que quinhentos jovens destinados aos regimentos de janízaros. Essa infantaria de elite era composta de recrutas de várias províncias dos Nálcãs, sob o controle do sultão. De fato, oficiais recrutadores de vez em quando invadiam as planícies da Valáquia, onde sentiam que a qualidade dos jovens era melhor.
Drácula havia resistudo a tal incursão pela força das armas, e cada turco que fosse pego nessa tarefa podia ser levado à estaca. Tais violações do território por ambos os lados somaram-se às provocações e contribuíram para azedar as relações turco-valaquias. Ataques, pilhagem e saques tornaram-se endêmicos, de Giurgiu até o mar Negro. Os turcos conseguiram assegurar o controle de várias fortalezas e comunas no lado romeno do Danúbio.
Para complicar as coisas, Radu o Belo, que fielmente residira em Constantinopla desde sua libertação em 1447, foi encorajado pelos turcos a se considerar candidato ao trono da Valáquia. Antes do corte de relações, o sultão Mehemed II deu a Drácula uma última opotunidade. Ele o convidou a ir a Niocópolis, no Danúbio, para se encontrar com Isaac Pasha, o governante da Rumélia e representante do sultão, que foi intruido a persuadir Drácula de ir pessoalmente a Constantinopla e explicar suas violações de vassalagem dos últimos anos.Drácula respondeu que estava preparado para viajar, levando presentes, até Constantinopla, e concordou em discutir o não-pagamento dos tributos e até ajustamentos de fretes na fronteira, mas continuava inflexível a respeito do recrutamento de crianças pelos turcos.
Na verdade, em hipótese nenhuma ele viajaria até a corte do sultão, porque se lembrava de como seu pai fora traído. O pretexto oficial para sua recusa de ir a Constantinopla era o receio de que se fizesse isso seus inimigos na Transilvânia ficariam mais fortes na sua ausência.
Uma vez que não havia base sincera e genuína para as negociações, pode se entender melhor a reação do sultão. A recusa de Drácula de viajar até Constantinopla confirmava as suspeitas dos turcos de que ele estava negociando simultaneamente uma aliança com os húngaros. Por isso, os turcos planejaram uma emboscada. Os homens encarregados de levar avante o plano não podiam ter sido mais bem escolhidos – um demônio de esperteza grego, Thomas Catavolinos, e Hamza Pasha, chefe dos falcoeiros da corte, governador de icópolis e homem conhecido por sua mente sutil. O pretexto ostensivo era encontrar Drácula para discutir uma fronteira mutuamente aceita e para persuadi-lo a ir a Constantinopla. Logo que eles souberam que Drácula recusaria esta última proposta, suas instruções secretas eram de capturar o príncipe Valáquio morto ou vivo. Temos a sorte de possuir um relato claro e dramático das precisas circunstâncias nas quais Drácula venceu seus oponentes. A história é contada pelo próprio Drácula em carta datada de 11 de fevereiro de 1462, dirigida ao rei Matias Corvinus: Em outras cartas que enviei a Vossa Alteza, narrei o modo pelo qual os turcos, cruéis inimigos da Cruz de Cristo, mandaram seus emissários até mim visando quebrar nossa mútua paz e aliança, e destruir nossa união, de forma que eu me aliasse com eles e viajasse até o soberano turco, o que equivale dizer sua corte, e a menos que eu recusasse a abandonar a paz e os tratados e a união com Vossa Alteza, os turcos não manteriam a paz comigo. Eles também enviaram um importante conselheiro do sultão, Hamza Pasha, de Nicópolis, para determinar a fronteira do Danúbio, com o intento de que Hamza Pasha, se pudesse, me tomasse de algum modo por engano ou boa-fé, ou de alguma outra maneira, levando-me para o porto, ou então tentando me manter cativo. Mas pela graça de Deus, quando eu viajava pela fronteira descobri suas intenções e astúcia, e fui eu quem capturou Hamza Pasha num distrito e numa terra turca, próxima a uma fortaleza chamada Giurgiu. Quando os turcos abriram os portões da fortaleza, a pedido dos nossos homens, imaginando que apenas os seus entrariam, nossos soldados se misturaram com eles e invadiram a fortaleza, conquistando a cidade que em seguida mandei incendiar.
Nessa mesma carta, Drácula descreve a campanha que se seguiu e que teve lugar ao longo do Danúbio até o mar Negro durante o inverno de 1461, que se constituiu no começo real das hostilidades, sem que tenha havido uma declaração formal de guerra. Desse modo, Drácula pode ser visto como agressor. A campanha do Danúbio foi a bem-sucedida fase inicial da guerra turco-valáquia. Drácula estava na ofensiva, tentando duplicar a bem-sucedida guerra anfíbia de Hunyadi na decada de 40 daquele século. A maior parte da campanha teve lugar em solo búlgaro controlado pelos turcos. Pela menção de nomes de locais é possível reconstituir o avanço das forças de Drácula ao longo do Danúbio, e Drácula conta com precisão o número de baixas infligidas:
Matei homens e mulheres, velhos e jovens que viviam em Oblucitza e Novoselo, onde o Danúbio flui para o mar até Rahova, que fica perto de Chilia desde o baixo (Danúbio) até lugares como Samovit e Ghighen (ambos localizados na moderna Bulgária). (Matamos) 23.884 turcos e búlgaros sem contar aqueles que foram queimados em suas casas ou aquelas cabeças que não foram cortadas por nossos soldados… E assim Vossa Alteza deve saber que quebrei a paz com o sultão.
Seguem-se algumas espantosas estatísticas de pessoas assassinadas: em Oblucitza e Novoselo, 1.350; em Dirstor (Durostor, Silistria), Cirtal e Dridopotrom, 6.840; em Orsova, 343; em Vectrem, 840; em Turtucaia, 630, em Marotim, 210, na propria Giurgiu, 6.414; em Turnu, Batin e Novigrad, 384, em Sistov, 410; em Nicóplis, Samovit e Ghighen, 1.138; em Rahova, 1.460. Para melhor impressionar o rei Matias com os detalhes do seu relato, Dracula mandou até ele seu enviado Radu Farma, com dois sacos contendo cabeças, narizes e orelhas.
A campanha de inverno terminou na costa do mar Negro, sob as vistas da poderosa força dos turcos que havia atravessado o Bósforo para uma invasão em grande escala da Valáquia. Com seu flanco desprotegido, Drácula fora obrigado a abandonar a ofensiva. Ele havia queimado todas as fortalezas turcas que não conseguira de fato ocupar. Não tinha muito mais o que fazer; o ponto alto da ofensiva tinha se esgotado.
A campanha do Danúbio havia estabelecido a reputação de Drácula como cruzado e guerreiro da cristandade. Através da Europa Central e Ocidental, e de um eram cantados e os sinos tocavam de Gênova a Paris em gratidão pela cruzada, com um novo ânimo de viver e a louvação da liderança de Hunyadi. A corajosa ofensiva de Drácula enviou também uma nova esperança de liberdade aos povos escravizados da Bulgária, Sérvia e Grécia. Em Constantinopla pairava uma atmosfera de consternação, melancolia e medo, e alguns dos chefes turcos, temendo o Empalador, consideravam a hipótese de fuga pelo Bósforo para a Ásia menor. Mehmed II decidiu lançar sua invasão da Valáquia na primavera de 1462; Drácula não havia dado ao sultão outra alternativa. Desafiar o sultão com o fracasso de um provável plano de assassínio era uma coisa; ridiculariza-lo e instilar esperanças de libertação entre os súditos cristãos era outra, muito mais perigosa para seu império recentemente estabelecido. Em cada movimento que fez dali em diante, Mehmed quis reduzir a Valáquia a uma província turca. Com esse formidável desafio em mente, o sultão reuniu as mais poderosas forças que até então tinham se juntado desde a queda de Constantinopla em 1453. Um imenso contingente comandado pelo próprio sultão foi transportado ao longo do Bósforo por uma vasta frota de barcaças. Outra força poderosa, reunida em Nicópolis, na Bulgária, devia cruzar o Danúbio, recapturar a fortaleza de Giurgiu e então se unir com o contingente principal num ataque combinado a Tirgoviste.
Drácula esperava reforços de Matias da Hungria, de maneira a equilibrar a disparidade dos números. De acordo com as narrativas eslavas, ele não dispunha de mais de 30.900 homens. Drácula apelou aos seus compatriotas. Como era costume a independência do país era ameaçado, todo o homem válido, inclusive meninos de mais de doze anos, e até mulheres eram convocados. Uma testemunha ocular turca afirma que a travessia do Danúbio foi completada na noite do sexto dia do jejum de Ramadã (sexta-feira, 4 de junho de 1462), os soldados turcos sendo transportados em setenta barcos e barcaças. Outras testemunhas oculares turcas dão-nos conta em detalhes e gráficos de toda a operação. A travessia tornou-se possível graças ao fogo dos canhões turcos dirigidos contra posições valáquias na margem direita: (Quando a noite começou a cair) subimos nos barcos e descemos pelo Danúbio e chegamos à outra margem, muitas léguas abaixo do lugar onde o exército de Drácula havia estacionado. Ali cavamos nós mesmos trincheiras instalando os canhões ao nosso redor. Escondemo-nos nas trincheiras de modo que os cavaleiros não nos atingissem. Depois disso cruzamos de volta para a outra margem e aí transportamos soldados através do Danúbio. E quando o conjunto de nossa infantaria havia atravessado, preparamo-nos e saímos aos poucos em direção ao exército de Drácula, juntamente com a artilharia e outros componentes que trouxéramos também. Havendo parado, acertamos os canhões, mas antes que pudéssemos usá-los, trezentos dos nossos foram mortos. O sultão ficou muito entristecido com o fato, vendo aquela batalha do outro lado do Danúbio e sentindo-se incapaz de chegar até nós. Ele temia que todos os soldados fossem mortos, uma vez que o imperador não podia pessoalmente cruzar o rio. Depois disso, vendo que nosso lado foi muito enfraquecido e tendo conosco cento e vinte armas, defendemo-nos e atiramos repetidamente com elas, repelimos o exército do príncipe nesse local e nos fortalecemos a nós mesmos. Então o imperador, tendo ganhado a confiança, transportou outros soldados. E Drácula, vendo que não podia evitar a travessia, retirou-se das nossas proximidades. Então, depois de o imperador haver cruzado o Danúbio seguindo-nos com todo o exército, distribuiu entre nós trinta moedas de ouro.
Pouco depois houve escaramuças preliminares ao longo dos pântanos do Danúbio, que visavam basicamente retardar a junção dos dois grandes exércitos turcos. Drácula abandonou o rio e iniciou sua retirada para o norte. A partir desse ponto, Drácula recorreu ao que é conhecido como retirada estratégica, um recurso invariavelmente usado pelos exércitos com inferioridade numérica. Os romenos dependiam da variedade do terreno para sua defesa: o solo pantanoso perto do Danúbio, a densa floresta de Vlasi aprofundando-se na planície e as montanhas impenetráveis. De acordo com a tradição romena, era a floresta “louca” e as montanhas “irmãs do povo” que haviam assegurado a sobrevivência da nação através das épocas. À medida que as tropas Valáquianas deixavam seu território aos turcos, Drácula usava táticas de terra devastada, e esgotava seus inimigos criando um vasto deserto no caminho das forças invasoras. Enquanto o exército de Drácula batia em retirada para o norte, abandonando território aos turcos, ele despovoava a área, queimava seus próprios vilarejos e punha fogo nos grandes centros, reduzindo-os a cidades-fantasmas. Boiardos, camponeses e citadinos acompanhavam os exércitos em retirada, a menos que encontrassem refúgios em montanhas isoladas ou mosteiros inacessíveis, como os de Snagov, onde os mais ricos buscavam proteção. Além disso, Drácula ordenou que as colheitas fossem sistematicamente queimadas; e envenenados todos os poços e exterminado o gado e todos os outros animais domésticos que não pudessem ser levados para as montanhas. O povo cavara longos buracos e havia coberto com galhos e folhas, de maneira a fazer grandes armadilhas para homens, camelos e cavalos. Drácula determinou mesmo que represas fossem construídas para secar a água de pequenos rios e para criar pântanos que pudessem impedir o avanço dos canhões turcos, atolando-os todos em lama. Fontes contemporâneas confirmam o cenário de desolação que esperava os exércitos turcos. Um historiador grego, por exemplo, conta: “Drácula escondeu as mulheres e crianças numa área muito pantanosa, protegida por defesas naturais, cobertas por uma densa floresta de carvalhos e ordenou a seus homens que se ocultassem nessa floresta de carvalhos e ordenou a seus homens que se ocultassem nessa floresta, que era inacessível a qualquer estranho que a penetrasse”. Do lado turco, os comentários são exatamente os mesmos. Um veterano da campanha queixava-se de que “o melhor dos homens entre os turcos não encontrava fontes… (nenhuma) água potável”. Mahmud Pasha, um dos comandantes que foram mandados à frente do exército principal com um pequeno contingente, pensou ter encontrado finalmente um lugar para descansar. “Mas mesmo ali”, escreveu o veterano, “numa distância de seis léguas não era encontrada uma gota de água. A intensidade de calor causado pelo sol ardente era tão grande que a armadura parecia derreter numa forja. Na planície ressecada, rachavam os lábios dos combatentes do Islã. Os africanos e asiáticos, acostumados a condições do deserto, usavam seus escudos para cozinhar carne ao sol.”
Certamente um fator que contribuiu para o sofrimento e a morte que atingiu o exército turco foram o fato de o verão de 1462 ter sido um dos mais quentes já registrados. Ao lado das medidas de terra devastada, Drácula usou táticas de guerrilha nas quais o elemento surpresa e o íntimo conhecimento do terreno eram as chaves do sucesso. Um viajante italiano relatou que a cavalaria de Drácula podia freqüentemente surgir de trilhas relativamente desconhecidas e atacar saqueadores turcos distanciados das forças militares. Às vezes Drácula atacava mesmo o grosso das tropas, quando elas menos esperavam, e antes que pudessem se recuperar ele voltava para a floresta sem dar ao inimigo a oportunidade de combater em igualdade de condições. Os desgarrados do principal corpo das forças turcas que ficavam para trás eram invariavelmente isolados e mortos, a maioria por empalamento. Uma tática mais insidiosa, quase desconhecida nesse período, era uma versão do século XV da guerra bacteriológica. Drácula teria encorajado todos os doentes vítimas de lepra, tuberculose e peste bubônica a se vestirem como os turcos e a se misturarem com os soldados. Se de algum modo sobrevivessem depois de contaminar e matar os turcos com sucesso, os Valáquios infectados seriam ricamente recompensados. Do mesmo modo, Drácula libertava criminosos empedernidos que eram encorajados a assassinar os turcos desgarrados.
O ataque conhecido como a Noite do Terror foi um exemplo da ousadia e da mestria de Drácula em táticas de surpresa. Em um dos muitos vilarejos próximos de Tirgoviste, perto do acampamento dos turcos na floresta, Drácula reuniu um conselho de guerra. A situação de Tirgoviste era desesperada e Drácula apresentou um plano corajoso para salvar sua indefesa capital. O conselho concordou em que somente o assassínio do sultão poderia desmoralizar suficientemente o exército turco, a ponto de produzir uma retirada rápida.
A execução desse plano foi admiravelmente registrada por um soldado sérvio que experimentou todo o impacto da investida audaciosa de Drácula. Seu relato descreve o complexo acampamento turco: o som dos guardas vigilantes gritando ordens ocasionais, o cheiro do carneiro assado na brasa, a conversa de soldados que partem, as risadas das mulheres e de outros visitantes, o cântico lamentoso dos escravos dos turcos, o ruído dos camelos, as incontáveis tendas e finalmente aquela bordada em ouro em que dormia o sultão, bem no centro do acampamento. Menhemed havia acabado de se retirar depois de uma pesada refeição. De repente, ouviu-se o pio de uma coruja, sinal de Drácula para o ataque, seguido do tropel da cavalaria. Os invasores atravessaram o círculo de defesa dos guardas galopando livremente entre as tendas dos soldados mal despertos. A espada e a lança valáquias – com Drácula à frente – abriam um atalho sangrento. “Kaziku Bey!, o Empalador”, gritava fieiras de soldados turcos, gemendo e morrendo na trilha da avalanche romena. Os clarins turcos finalmente chamaram os homens às armas. Um corpo de guarda aos poucos se formou, determinado, em torno da tenda do sultão. Drácula havia calculado que a abrupta surpresa e o ímpeto do ataque podiam levar sua cavalaria até a cama do sultão. Mas enquanto ele buscava essa meta, a guarda do sultão reuniu-se, deteve a ofensiva valáquia e de fato começou a fazer recuar os atacantes. Percebendo que corria o risco de ser envolvido e capturado, Drácula, embora com relutância, deu ordens de retirada. Ele havia matado vários milhares de turcos; ferido muito mais, criado pânico, caos e terror dentro do acampamento turco, mas havia perdido muitas centenas de seus guerreiros mais corajosos e o ataque havia fracassado. O sultão Mehemed tinha sobrevivido e a estrada para Tirgoviste estava aberta.
O grande vizir Machumet prendeu um valáquio e sob tortura começou a interroga-lo sobre a localização e os planos de Drácula. O prisioneiro permaneceu em silêncio e foi provavelmente cerrado em dois. Admirado com esta demonstração de coragem, o vizir disse ao sultão: “Se este homem estivesse no comando de um exército, poderia ter conquistado grande poder”. Os turcos chegaram finalmente a Tirgoviste mas não encontraram homem ou gado; comida ou bebida. A capital valáquia apresentava de fato um aspecto desolador aos turcos que chegavam. Os portões da cidade foram deixados abertos e um véu leve de fumaça se confundia com a luz da madrugada. A cidade fora esvaziada de praticamente todas as suas relíquias sagradas e tesouros, do palácio fora levado tudo que havia ali de aproveitável, e o resto queimado. Por toda parte, os poços estavam envenenados. Os turcos foram recebidos por uns poucos disparos de canhão feitos por alguns valáquios que ainda se escondiam nas ameias. Mehemed II resolveu não se deter na capital mas continuou sua marcha atrás do ardiloso Empalador. A umas tantas milhas ao norte, o sultão foi surpreendido por um espetáculo ainda mais desolador: numa estreita garganta de cerca de um quilômetro e meio ele encontrou uma verdadeira “floresta de cadáveres empalados, talvez 20.000 ao todo”. O sultão examinou o que restava dos homens, mulheres e crianças, sua carne devorada pelos corvos que faziam ninhos em seus crânios e entre suas costelas. Entre eles o sultão encontrou os cadáveres de prisioneiros que Drácula havia conservado desde o começo da campanha, no inverno anterior. Num pico mais alto estavam as carcaças dos dois assassinos que haviam tentado apanhar Drácula antes do início das hostilidades. Ao longo de muitos meses os elementos da natureza e os corvos haviam feito o seu trabalho. Era uma cena horrível o bastante para desencorajar até mesmo o homem mais frio. Impressionado por esse espetáculo, Mehemed II ordenou que o acampamento turco fosse cercado por uma profunda trincheira naquela mesma noite. Logo, pensando sobre o que tinha visto, o sultão perdeu o ânimo. Como registra um historiador, “mesmo o sultão, tomado de pasmo, admitiu que ele não podia tomar a terra de um homem que faz tais coisas, e acima de tudo lida com seus súditos desse modo. Um homem capaz de fazer tais coisas seria capaz de coisas mais terríveis!” O sultão deu então ordens de retirada para a maior parte das forças turcas, e pôs-se em marcha para o leste em busca de um porto no Danúbio onde sua frota havia ancorado.
Após a retirada do contingente de Mehemed, o caráter da guerra mudou radicalmente. de fato, esse último capítulo pode ser descrito com maior propriedade como uma guerra civil, ao invés de uma guerra estrangeira, muito embora soldados turcos ainda continuassem envolvidos. Antes da partida, o sultão Mehemed nomeou formalmente Radu comandante-em-chefe, com a missão de destruir Drácula e tomar conta oficialmente do principado. O contingente turco, sob o comando do paxá de Cilistria, apoiaria as relações de Radu, mas o novo comandante devia confiar principalmente no apoio dos valáquios. Os turcos alimentavam deliberadamente esse conflito de modo a confundir os valáquios e a evitar a impressão de uma guerra nacional contra um adversário comum, de fato abandonando seu plano anterior de conquistar a Valáquia para converte-la num estado vassalo obediente. O que eles deixaram de conseguir pela força das armas obtinham pela diplomacia. Assim, em última análise, era menos uma questão de tática do que de política. As últimas batalhas opunham Drácula não tanto aos turcos, mas aos poderosos boiardos romenos que afinal apoiavam decisivamente a causa de Radu. “Os boiardos romenos, entendendo que os turcos eram mais fortes, abandonaram Drácula e se associaram a seu irmão que chegava como sultão turco.” Terminava assim o relato de um janízaro sérvio. Havia uma outra razão mais forte para a retirada turca. A peste havia aparecido nas hostes do sultão e as primeiras vítimas da terrível doença foram registradas em Tirgoviste. Talvez a tentativa de Drácula de fazer guerra bacteriológica tivesse funcionado. O pedido desesperado de ajuda feito por Drácula a seu parente Estêvão foi respondido com a traição. Em junho o governante moldavo atacou a importante fortaleza valáquia de Chilia, vindo do norte, enquanto poderosos contingentes turcos atacavam-na simultaneamente pelo sul. Apesar disso, esse extraordinário duplo assalto fracassou. Os turcos levantaram o sítio. Estêvão foi ferido por um tiro disparado pela fortaleza e retirou-se para a Moldávia. Ele não renovou o ataque a chilia até 1465. E então ele a capturou, enquanto seu primo Drácula vivia em segurança numa prisão húngara, alguns quilômetros Danúbio acima, em Visegrad. Durante a última fase da guerra turco-valáquia, Drácula governou de seu castelo no Arges superior, o ponto final do refúgio do príncipe quando os turcos avançavam. Uma vez que os cronistas da campanha turca haviam retornado a Constantinopla com o sultão e o grosso do exército, só restava aos historiadores confiar nas baladas populares da região do castelo pra obter suas informações. Os camponeses dos vilarejos vizinhos do Castelo Drácula relatam histórias relativas ao fim do segundo reinado no outono de 1462. Todas essas histórias terminam quando Drácula atravessa a fronteira da Transilvânia e se torna prisioneiro dos húngaros. Elas recomeçam em 1476, quando Drácula volta à Valáquia para seu terceiro reinado. Uma das narrativas mais clássicas dos últimos momentos da resistência de Drácula aos turcos em 1462 apresenta-se assim: Após a queda de Tirgoviste, Drácula e uns poucos fiéis seguidores seguiram para o norte; evitando os passos mais conhecidos que levavam à Transilvânia, chegaram ao seu retiro na montanha. Os turcos que foram mandados em sua perseguição acamparam no escarpado de Poenari, que domina uma vista admirável do Castelo Drácula na margem oposta do Arges. Ali eles instalaram seus canhões de cerejeira. O grupo de soldados turcos desceu para o rio e o atravessou a vau, acampando do outro lado. O bombardeio ao Castelo Drácula começou, mas sem sucesso, devido ao pequeno calibre dos canhões turcos e à solidez das muralhas do castelo. As ordens para o assalto final ao castelo foram preparadas para ser dadas na manhã seguinte.
Naquela noite, um escravo romeno dos turcos, de acordo com uma narrativa local, que era um parente distante de Drácula, advertiu o príncipe valáquio sobre o grande perigo em que se encontrava. Sem ser percebido na noite sem lua, o escravo subiu as escarpas do Poenari e fazendo cuidadosa pontaria disparou uma flecha para uma das janelas da torre principal, onde ele sabia que ficavam os aposentos de Drácula. Presa à flecha ia uma mensagem advertindo Drácula para escapar enquanto ainda era tempo. A flecha apagou um candelabro dentro da torre. O escravo pôde ver a sombra da mulher de Drácula e conseguiu talvez perceber que ela lia a mensagem. O resto dessa história só pode ter sido transmitido por conselheiros íntimos de Drácula dentro do castelo. A esposa de Drácula informou o marido sobre o aviso. Ela lhe disse que preferia ter seu corpo devorado pelos peixes lá em baixo no rio Arges a ser capturada pelos turcos. Drácula sabia por sua própria experiência em Egrigoz o que, no caso, significava ser prisioneiro. Percebendo o quanto era desesperadora sua situação, e antes de qualquer outra interferência, a mulher de Drácula subiu correndo as escadas e se atirou da torre. Esse ponto do rio é hoje conhecido como Riul Doannei, rio da Princesa. Essa narrativa trágica é praticamente a única menção à primeira mulher de Drácula. Drácula imediatamente fez planos para sua própria fuga; não importava o quanto as circunstâncias fossem desfavoráveis, o suicídio não era uma opção. Ele ordenou que os seus líderes mais corajosos do vilarejo vizinho de Arefu fossem trazidos ao castelo, e durante a noite eles discutiram as várias rotas de fuga para a Transilvânia. Drácula tinha esperança de que Matias da Hungria, ao qual havia enviado muitos apelos desde uma primeira carta de fevereiro de 1462, pudesse acolhê-lo como um aliado e assegurar sua volta ao trono valáquio. De fato, sabia-se que o rei húngaro, dispondo de um poderoso exército, havia estabelecido quartéis além das montanhas, em Brasov. Chegar até ele supunha o desafio de atravessar os Alpes da Transilvânia num ponto onde não havia estradas ou passos. Os despenhadeiros no alto dessas montanhas são rochosos e traiçoeiros, em geral cobertos de neve e gelo mesmo durante o verão. Drácula não poderia ter tentado essa travessia sem o auxílio de guias locais. As narrativas populares ainda identificam vários rios, clareiras, florestas e mesmo rochedos junto aos quais passou Drácula em sua fuga. Tentamos usar essa narrativa para reconstituir o verdadeiro caminho de Drácula, mas a tarefa mostrou-se difícil, porque os nomes dos lugares mudaram com o passar dos anos.
Tão longe quanto conseguimos saber, Drácula, uma dúzia de subordinados, seu filho ilegítimo e cinco guias deixaram o castelo antes da madrugada pela escada em espiral que desce para o seio da montanha e leva até uma caverna na margem do rio. Ali, o grupo de fugitivos podia ouvir os ruídos do acampamento turco e cerca de um quilômetro ao sul. Algumas das montarias mais rápidas haviam sido trazidas do vilarejo; os cavalos eram equipados com ferraduras invertidas de modo a deixar as marcas aparentes de uma cavalaria que chegava. Para distrair a atenção da fuga, durante a noite os canhões do castelo dispararam repetidamente. Os turcos em Poenari respondiam quase automaticamente. Devido ao ruído, assim conta à história, a montaria do próprio Drácula mostrou-se nervosa, e seu filho que estava amarrado na sela caiu ao solo e se perdeu na confusão. A situação era desesperadora demais para que alguém iniciasse uma busca e Drácula estava acossado demais e tinha o coração frio o bastante para se deixar perder por seu filho.
Essa pequena e trágica vinheta teve, entretanto,um final feliz. O menino, por volta de seus dez anos, foi encontrado na manhã seguinte por um pastor, que o tomou e o levou até sua cabana, onde cresceu como se fosse alguém de sua família. Quando Drácula voltou como príncipe quatorze anos depois, o camponês que havia descoberto a verdadeira identidade de seu adotado, levou o rapaz até o castelo. A essa altura ele havia se transformado em um esplêndido jovem. Contou a seu pai tudo o que o pastor havia feito por ele, e como prova de gratidão Drácula compensou o camponês com o oferecimento de terras nas vizinhanças e eventualmente se tornado governador do castelo. Quando o grupo fugitivo finalmente atingiu a crista das montanhas, pôde presenciar o assalto final dos turcos ao sul, que destruiu parcialmente o Castelo Drácula. Ao norte ficavam as muralhas fortificadas de Brasov, onde se esperava que os exércitos do rei Matias estivessem manobrando para vir em auxílio a Drácula. Em um lugar chamado Plaiul Oilor, ou planície do Carneiro; o grupo de Drácula, agora salvos dos turcos, reuniram-se e fizeram planos para a descida pelo norte.
Convocando seus corajosos companheiros, Drácula lhes perguntou de que modo ele poderia recompensá-los por lhe ter salvado a vida. Eles lhe disseram que apenas haviam cumprido seu dever com o príncipe e com o país. O príncipe, no entanto, insistiu: “O que desejais? Dinheiro ou terras?” E eles responderam: “Dai-nos terras, alteza”. Em um bloco de pedra conhecido como Mesa do Príncipe, Drácula atendeu seus desejos escrevendo em algumas peles de lebres caçadas no dia anterior. Entregou aos cinco guias vastas glebas de terra nas montanhas e um rico suprimento de florestas, pescado e ovelhas, tudo por volta talvez de oitenta mil metros quadrados. Drácula mais tarde estipulou a respeito que nenhuma dessas terras podia jamais ser tirada deles por príncipe, boiardo ou chefe eclesiástico. Eram de suas famílias, para ser usufruídas através das gerações.
Diz uma antiga tradição que essas peles de lebre são ainda carinhosamente guardadas pelos descendentes daqueles cinco homens, mas a despeito de muitos esforços e persuasão, nenhum descendente quis esclarecer o paradeiro exato de tais documentos. Ainda assim temos razões para supor que, escondidas em algum sótão ou enterradas num subterrâneo, as peles de coelho de Drácula ainda existem. Um historiador romeno tentou encontrar os pergaminhos, mas os camponeses da área permaneceram reservados e intratáveis. Nem mesmo grandes somas em dinheiro puderam persuadi-los a partilhar tais preciosas lembranças dos tempos heróicos de Drácula.
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