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Yoga e Magia: A Cooperação dos Amantes

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Texto de Frater Aletheia. Traduzido por Caio Ferreira Peres. Utilizada a tradução de Vitor Cei para os versos dos Livros Sagrados de Thelema publicada no ano de 2018 pela Madras Editora.

Uma Gestalt do Objetivo do Caminho Mágico e Místico

O Yoga constitui um dos dois pilares centrais do sistema de realização prática e espiritual englobado pela Lei de Thelema—o outro pilar, é claro, é a Magia.  A partir de seu contato com o Yoga, Crowley pegou o que considerava serem seus elementos valiosos e essenciais, simplificando-os e vinculando-os à sua doutrina da Magia. Os dois, Yoga e Magia, tomados em conjunto, embora aparentemente opostos no método, têm a intenção de convergir para o mesmo objetivo final—Magia, no Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião, e Yoga, no Samadhi; que, como veremos, Crowley via como termos que refletiam fenômenos místicos, se não os mesmos, pelo menos semelhantes.[1]  Crowley escreve,

…[i]sso agora deixará claro que não há distinção entre Magia e Meditação, exceto do tipo mais arbitrário e acidental.  É a cooperação dos amantes, que é aqui um símbolo do fato (ênfase adicionada).[2]

E mais tarde, nota que,

…meu sistema pode ser dividido em duas partes.  Aparentemente diametralmente opostas, mas no final convergindo, uma ajudando a outra até que o método final de progresso participe igualmente de ambos os elementos.  Por conveniência, chamarei o primeiro método de Magia e o segundo de Yoga.  A oposição entre eles é muito clara, pois a direção da Magia é totalmente externa, enquanto a da Yoga é totalmente interna.[3]

Os dois métodos de Yoga e Magia, embora opostos em detalhes, caminham lado a lado—a cooperação dos amantes—uma gestalt do objetivo do sistema místico e mágico abrangido pela Lei de Thelema.

O SAG e a União com Deus

Crowley era inequívoco em sua afirmação de que todas as operações mágicas deveriam ser realizadas para alcançar o Conhecimento e a Conversação do Sagrado Anjo Guardião; em sua forma mais geral, caracterizada como o contato do aspirante com seu Daemon, Gênio, Augoeides, Eu Inconsciente ou Secreto, um tipo de inteligência ou ordem de ser muito superior a qualquer coisa que conhecemos como humano.[4] Embora as operações mágicas pudessem e possam ser realizadas para outros objetivos, como riqueza, saúde ou amor, esses tipos de operações só deveriam ser realizados para colocar o aspirante em um terreno mais firme para alcançar o Conhecimento e a Conversação.[5] Ele escreve:

“Há uma única definição principal do objeto de todo ritual mágico.  É a união do Microcosmo com o Macrocosmo.  O Ritual Supremo e completo é, portanto, a Invocação do Sagrado Anjo Guardião ou, na linguagem do Misticismo, a União com Deus.”[6]

O objetivo da Magia, no sentido mais amplo, é aqui concebido como Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião; no entanto, o que nos interessa é que o Conhecimento e a Conversação são equiparados “na linguagem do misticismo” à “União com Deus”, uma conquista que Crowley associa claramente ao resultado final do Yoga, ou seja, o Samadhi.  Ele escreve: “Em primeiro lugar, qual é o significado do termo?  Etimologicamente, sam é o grego συν-, o prefixo inglês syn- que significa “junto com”.  Ādhi significa ‘Senhor’, e uma tradução razoável de toda a palavra seria ‘União com Deus’, o termo exato usado pelos místicos cristãos para descrever sua realização”.[7] Assim, o objetivo da Magia é aqui equiparado ao objetivo do Yoga.

Magia: Conquistando Novos Mundos

O Yoga e a Magia representam dois processos distintos que convergem para o mesmo objetivo; no entanto, no Yoga, o iogue atravessa “para dentro”, alcançando a união com Deus por meios introspectivos e meditativos, enquanto na Magia, o mago atravessa “para fora”, alcançando a união por meios ritualísticos e cerimoniais.  Para começar com o último, a prática da Magia culmina na identificação ou, mais amplamente, na unificação do mago com seu SAG; e, se considerarmos o mago como um microcosmo, então, de acordo com a teoria mágica do universo conforme entendida por Crowley, cada elemento que compõe o microcosmo do mago tem seu correlato na escala macrocósmica do universo.

É tarefa do mago (a) descobrir e obter controle sobre cada elemento de seu ser e (b) estender cada elemento de seu ser “para fora” para fazer contato adequado com seus respectivos correlatos no macrocosmo.  Como observa Crowley, “o aspirante a Mago só analisa a si mesmo com o objetivo de encontrar novos mundos para conquistar”[8] e que a Magia “… é a ciência e a arte de estender, primeiro em si mesmo, suas próprias faculdades, segundo na natureza externa suas características ocultas”.[9]

O mágico invoca, evoca ou, de outra forma, traz para a consciência manifesta elementos do macrocosmo por meios cerimoniais, criando um elo mágico entre aquele elemento do macrocosmo que ele deseja manifestar e seu correlato apropriado no microcosmo que ele mesmo contém.

O objetivo da Magia, então, é estender o microcosmo “para fora” a tal ponto que a interioridade do mago se revele coextensiva com o macrocosmo, unindo o eu e o cosmos, o aspirante e o SAG.  Assim como no Yoga, por meio de uma série progressiva de práticas e rituais prescritos, o mago desdobra gradualmente o conteúdo de seu universo microcósmico, fundindo esse conteúdo com o universo exterior no qual ele se encontra, instigando uma identificação gradual e, no momento adequado, completa do eu e do cosmo.  Crowley escreve:

“O Microcosmo é uma imagem exata do Macrocosmo; a Grande Obra é a elevação do homem inteiro em perfeito equilíbrio ao poder do infinito”.[10]

Se o universo é de fato infinito, então, de acordo com a teoria mágica do universo, o indivíduo também o é, já que o indivíduo, o microcosmo, “é uma imagem exata do macrocosmo”.

A meta do mago é perceber essa verdade em seu próprio ser e gradualmente tornar essa identificação completa.   A meta do yoga é a mesma, com a diferença principal de que, em vez de se mover “para fora” para se unir ao macrocosmo, o iogue viaja “para dentro”, descobrindo que o macrocosmo está contido dentro de si mesmo.  Assim, já podemos começar a ver a natureza inseparável da Magia e do Yoga de Crowley.

Yoga: “uma cristalização resplandecente de luz interior”

A prática do Yoga também tem o objetivo de culminar na identificação e unificação do iogue com a natureza fundamental do universo – uma identificação com Nuit, o Um, o Tudo, o Nada primordial, a infinidade do cosmos e de toda a possibilidade.  Na linguagem do Yoga, podemos chamar essa identificação com o ilimitado do cosmos de samadhi, que Crowley define como “a união do sujeito e do objeto da consciência”[11] e, como vimos, como “União com Deus”.

Essa concepção de samadhi pode ser explicada metaforicamente com o auxílio da fórmula do Tetragrama (YHVH).  Se tomarmos Yod (Pai) para representar o iogue, o primeiro Heh (Mãe) para representar o objeto de meditação, Vau (Filho), como a união do iogue com o objeto de meditação, e o Heh final (Filha) como o êxtase de união produzido a partir daí, o que temos são os processos e resultados do yoga descritos em termos de fórmulas simples.  Crowley nos dá uma descrição fenomenológica dessa fórmula quando escreve:

“O yod representará uma energia criativa rápida e violenta; em seguida, haverá um fluxo de Vontade mais calmo e reflexivo, mas ainda mais poderoso, como se fosse a força irresistível de um rio poderoso [Heh].  Esse estado de espírito será seguido por uma expansão da consciência; ela penetrará em todo o espaço [Vau] e, finalmente, passará por uma cristalização resplandecente com luz interior [Heh final]”.[12]

“Quando todo o sistema do Universo é coincidente com a sua compreensão, ‘interior’ e ‘exterior’ se tornam idênticos”

Por meio de uma série progressiva de práticas prescritas, o iogue atravessa as bainhas da consciência interiormente em direção ao seu eu total e, por fim, em direção ao nada, alcançando o samadhi; e, como o eu total ou o nada primordial é, em última análise, idêntico ao universo como tal, essa jornada progressiva para dentro também é uma jornada progressiva para fora em direção à união com o cosmos.  Como Crowley observa em Magick Without Tears:

“Você pergunta se essas observações não entram em conflito com minha repetida definição de Iniciação como o Caminho para dentro.  De modo algum; o Íntimo é idêntico ao Todo.  À medida que você viaja para dentro, você se torna capaz de perceber todas as camadas que cercam o ‘eu’ a partir de dentro, ampliando assim o escopo de sua visão do universo… Quando todo o sistema do Universo é coincidente com a sua compreensão, ‘interior’ e ‘exterior’ se tornam idênticos”[13]

Na Magia, o mago direciona seus esforços e poder para fora, estendendo o domínio de sua consciência para abranger regiões mais vastas dos elementos ocultos no universo externo, enquanto no Yoga, o iogue faz essa mesma jornada, mas para dentro, por meio dos invólucros da consciência que ocultam a natureza e o ser primordiais.  Os dois caminhos da Magia e do Yoga, que correm em trajetórias e planos aparentemente contrários, acabam convergindo para um ponto de interseção idêntico, no qual o eu individual se une ao cosmo como um todo.

Yoga e Magia: A Função Dual da Criança

Para Crowley, tanto os métodos de Yoga quanto os de Magia têm como objetivo final a união com o “Um”, “Todo” ou “Nada”–união com o Anjo–que ele descreve de várias maneiras como a criação ou manifestação da “Criança”.  Essa “Criança” pode ser vista como a consciência “primordial” ou “precognitiva” do adepto, “… o Eu-Anão, a consciência fálica que é a verdadeira Vida do Homem, além de seus ‘véus’ de encarnação… a Vontade Verdadeira ou Inconsciente… o ‘Eu Silencioso’ ou ‘Sagrado Anjo Guardião”.[14]

Essa “Criança” tem uma função ou aspecto duplo, refletido na natureza gêmea da Criança do Aeon–”Heru-ra-ha”–como “Harpócrates” ou “Hoor-Pa-Kraat” (“O Bebê no Ovo Azul” e “o Deus do Silêncio”) e Hórus ou Ra-Hoor-Khuit (“O Senhor Místico com Cabeça de Falcão” e o “Deus da Guerra e da Vingança”).  Essa função dupla é uma representação simbólica da operação da Criança, da Fala e do Silêncio, ou a manifestação mágica da Vontade em meio às condições de dualidade (Magia) e a absorção mística e aniquilação do ego na Noite de Pan (Yoga).

No Livro da Lei está escrito:

“Eu sou a secreta Serpente constritora prestes a saltar: há júbilo em minha constrição. Se eu levanto minha cabeça, minha Nuit e eu somos uma. Se eu abaixo minha cabeça e destilo veneno, então é o arrebatamento da terra, e a terra e eu somos um.”[15]

Dois processos distintos, que em última análise são um só, são expressos aqui.  Por um lado, a consciência do adepto, a “Criança”, nasce em Samadhi, na dissolução no corpo de Nuit.  Por outro lado, essa consciência da “Criança” nasce no mundo como uma manifestação material, uma extensão do microcosmo para o macrocosmo, o “arrebatamento da terra” e a união com as condições materiais da existência por meio das técnicas e dos processos da Magia.  Assim, pode-se dizer que os dois métodos de Yoga e Magia são um só; no entanto, dada a natureza dessa união e os processos envolvidos nela, essa união e a Criança produzida a partir dela terão uma natureza que é exclusiva do método usado em sua concepção.

Yoga e Magia: A Cooperação dos Amantes

O Yoga e a Magia de Crowley podem então ser vistos como métodos complementares por meio dos quais o ser do indivíduo se funde com o ser do cosmo.  A unificação do eu e do cosmos, do sujeito e do objeto da consciência, do microcosmo e do macrocosmo, do indivíduo e de Deus, é a Grande Obra que os métodos do Yoga e da Magia pretendem realizar.

Na Magia, a jornada é “para fora”, com o mago fazendo contato com esferas mais amplas do cosmo exteriorizado; enquanto no Yoga, a jornada é feita “para dentro”, com o iogue concentrando sua consciência no interior, onde se descobre que o cosmo está contido.  No entanto, nessa contração, o iogue alcança a expansão da Magia; e, na expansão da Magia, o Mago alcança a contração do Yoga.  Assim, um se funde no outro.

A Magia e o Yoga tratam dos mesmos fenômenos a partir de pontos diferentes ao longo de um espectro fenomenológico, sendo que cada um deles é parte integrante do sistema de realização prática e espiritual englobado pela Lei de Thelema.  A seguir, os dois conceitos mestres de Thelema e Ágape, ou Vontade e Amor, que facilitam esse processo da Grande Obra, serão abordados sob a expressão formulaica da Vontade de Amor.

NOTAS

[1] Pode-se argumentar que Samadhi era um estado que Crowley associava mais especialmente à recompensa da provação da Travessia do Abismo, do estado de consciência alcançado por um Mestre do Templo (8° = 3⸋); enquanto que o Conhecimento e a Conversação com o Sagrado Anjo Guardião ele associava à obtenção dos graus de Adeptus Minor (5° = 6⸋), Adeptus Major (6° = 5⸋) e Adeptus Exemptus (7° = 4⸋), aos quais correspondia o estado iogue de Dhyana. Pode ser útil considerar a fenomenologia da realização aqui como existente em um continuum, com a percepção consciente comum (se é que pode ser chamada de comum) de um lado e a completa absorção mística do outro. O grau em que esses estados diferem está além do escopo deste ensaio.

[2] Crowley, Aleister. Eight Lectures on Yoga, ed. Hymenaeus Beta.  New Falcon, 1991, pp. 111.

[3] Crowley, Aleister.  Magick Without Tears.  New Falcon, 1973, pp. 499

[4] Ibid, pp. 495-496.

[5] Observe que essa interpretação da Magia se afasta um pouco da definição canônica de Magia como “a Ciência e a Arte de fazer com que a Mudança ocorra em conformidade com a Vontade” (Book 4Parte III, Magick in Theory and Practice, Introdução).  Embora essa definição não seja contradita pelas definições de Magia propostas neste ensaio, achei que as definições atuais são mais proveitosas para comparar e contrastar a Magia com o Yoga.

[6] Crowley, Aleister.  Book 4—Part III, Magick in Theory and Practice.  Weiser Books, 1997, pp. 144.

[7] Ibid, pp. 37.

[8] Crowley, Aleister.  Magick Without Tears.  New Falcon, 1973, pp. 500.

[9] Ibid, pp. 502.

[10] Crowley, Aleister.  Book 4—Part III, Magick in Theory and Practice.  Weiser Books, 1997, pp. 139.

[11] Crowley, Aleister. Eight Lectures on Yoga.  New Falcon, 1991, pp. 16.

[12] Crowley, Aleister.  Book 4—Part III, Magick in Theory and Practice.  Weiser Books, 1997, pp. 154.

[13] Crowley, Aleister.  Magick Without Tears.  New Falcon, 1973, pp. 204.

[14] Crowley, Aleister.  Magical and Philosophical Commentaries, III:23.

[15] Crowley, Aleister.  O Livro da Lei, II:26.

 

Esta é a Segunda Parte de uma série sobre o Yoga Thelêmico:

Parte 1: Início do Yoga

Parte 3: A Vontade de Amor no Yoga Thelêmico

Link para o original: https://thelemicunion.com/thelemic-yoga-series-part-2-yoga-magick-cooperation-lovers/

 


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