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Por Kenneth Grant, Nightside of Eden, Capítulo I.
AS SEPHIROTH eram descritas pelos antigos qabalistas como emanações divinas do Absoluto. A palavra sephiroth é a forma plural da palavra hebraica sephira, significando ‘número’ ou ‘emanação’. As Dez Sephiroth representam o surgimento [a partir] do Ain (o Nada que está além da Unidade) via escala dos números de um a nove, da Vibração Divina, e seu retorno novamente para o Vazio via Malkuth onde a Unidade (1) se torna Nada (0) novamente.
Durante o curso do desenvolvimento da ciência oculta os números de um a dez vieram a significar centros ou zonas de poder cósmico, e de modo a trazer sua natureza para dentro do alcance da compreensão humana foram partilhados entre elas vários representantes planetários.
A Árvore da Vida Qabalística mostrando as dez Sephiroth e vinte e dois caminhos com suas principais atribuições astrológicas, elementais e de tarô, organizados de acordo com a Tradição Oculta iniciada.
Plutão representa a zona de poder mais externa, o pylon colocado na mais distante margem do sistema planetário além da qual se estende as vastidões do Espaço Exterior. Quando aplicado ao micro cosmo (o mundo da consciência humana) Plutão representa o pylon nos portais do santuário do Espaço Interior. Kether, a Coroa do Sistema no Externo e no Interno, é portanto equivalente à Altura (e Profundeza) do espaço físico e psicológico. É essencial apreender este fato de modo a compreender porque Malkuth, a décima e final sephira, é equivalente à aquilo que, pela falta de um termo mais preciso, pode ser indicado pelo termo anti-matéria. Eu digo indicado, porque nem Kether nem Malkuth podem ser descritas em termos de lógica mundana. Os qabalistas aludiam à Kether por títulos como O Antigo dos Dias, a Cabeça Branca, o Ponto Supremo. [13] Similarmente, nos ensinamentos esotéricos do Tantrismo (tanto Budista como Hindu), Nirvana e Samsara [14] são considerados como sendo idênticos. Ainda assim o conceito de Samsara não está, estritamente falando, confinado a Malkuth, pois todas as outras Sephiroth até e incluindo Kether formam parte deste; em outras palavras, todos eles são conceitos e portanto objetivações da subjetividade. Como objetos eles são ilusórios, pois Ain (subjetividade) sozinho É, e a natureza de seu ser é NÃO. Mas, como analogia aproximativa isto é útil porque traz a doutrina oriental em alinhamento com a Tradição Oculta Ocidental.
Existem inúmeros tratados sobre a Árvore da Vida qabalística e presume-se que o leitor esteja familiarizado com alguns deles. Não se pretende aqui escrutinar solo já pesquisado muitas vezes antes, mas analisar o esquema qabalístico como um mapa de zonas cósmicas de poder interagindo e impingindo sobre o homem em todos os pontos de seu ser, pois não existe um único elemento no homem que não vibre em concordância com o ritmo dos números de um a nove, e suas modificações. (Vide diagrama da Árvore). É evidente que nenhum ser humano, não importa o quão avançado ele esteja rumo à realização da consciência cósmica, pode transcender Kether e explorar os vazios transplutonianos, seja nos espaços externos do universo físico ou nos espaços internos de sua própria individualidade inescrutável. Fazer isso implicaria que ele tivesse desistido completamente e para sempre o reino da consciência humana, talvez para se tornar um com Deus, pois, seja o que for que aquele termo possa significar o estado que ele implica não pode ter significação possível dentro da estrutura da experiência dualista, e portanto está fora do escopo da presente investigação. Como se para compensar por esta jornada proibida, contudo, a Árvore oferece uma única brecha através da qual a vontade humana pode ser projetar, e é este ‘buraco no espaço’ que forma o pylon externo oculto no abismo da consciência (o Inconsciente) que separa a tríada sefirótica superna (Kether-Chokmah-Binah) do remanescente da Árvore. Desencaminhar-se neste Deserto de Set é tornar-se o que é conhecido como um Irmão Negro. Seu destino é talvez único. [15]
O nome dado pelos qabalistas a este Portal do Golfo é Daäth, e na tradição oculta este é o lugar no qual o dragão de oito cabeças das profundezas desapareceu por trás da Árvore quando ele a escalou numa tentativa mal sucedida de atingir bem no coração da divindade (i.e. Kether). A palavra Daäth instantaneamente sugere o nome daquele outro portal que abre sobre o vazio da extinção pessoal, i.e. Morte. Estes temos, Daäth e Morte, deveras possuem uma afinidade mística e não há refutação à este fato de que as palavras estejam em línguas diferentes, pois os elementos salientes de ambas as palavras D A Th são cabalisticamente equivalentes ao número 474 [16]. Um dos significados de Daäth é ‘Conhecimento’. Ela é chamada ‘a sephira que não é uma sephira’. Em um aspecto ela é a filha de Chokmah e Binah; em outro, ela é a Oitava Cabeça do Dragão Curvado, elevado quando a Árvore da Vida foi despedaçada e Macroprosopus colocou uma espada flamejante contra Microprosopus. [17] Por permutação Doth (Daäth) iguala com OThD , outra palavra hebraica, significando um ‘carneiro’ ou um ‘bode’; este é também o número da palavra grega duo, significando ‘dois’. [18] O duplo é o eidolon, boneco, ou sombra, simbolizado pelos antigos egípcios pelo Tat que é equivalente a Doth. Daäth é também a Casa de Choronzon, o Guardião do Portal do Abismo. Reunindo estes vários significados nós percebemos que o Conhecimento de Daäth, ou Morte, é da natureza do segredo da Dualidade representada pela sombra ou duplo mágico através do qual o homem supera a morte e entra no portal de Daäth para explorar a Morada de Choronzon, o Deserto de Set.
Daäth enquanto a filha de Chokmah e Binah [19] é atribuída a Urano o que indica a natureza altamente explosiva deste ‘conhecimento’. Netuno, como Chokmah, é uma forma de Hadit, e Saturno, como Binah, é uma forma de Nuit. [20] Este conhecimento, portanto, é o conhecimento da Vida que é também o conhecimento da Morte e, como tal, ele sugere a natureza sexual de sua fórmula. Em O Livro da Lei [21] Hadit declara:
Eu sou a chama que arde em todo coração de homem e no âmago de cada estrela. Eu sou Vida e o doador da Vida, ainda que portanto seja o conhecimento de mim o conhecimento da morte.
Se por morte nós lermos Daäth o verso assume um significado mais profundo pois ele é então visto como sendo uma chave secreta da função de Hadit. Hadit é Shaitan ou Set, Senhor do Deserto e do Grande Portal do Golfo cujo guardião é Choronzon. A palavra ou nome Choronzon é dentro de toda probabilidade uma corruptela de Chozzar [22] cujo símbolo, o tridente, o iguala a Netuno-Nodens, o Deus das Profundezas. Então, Hadit (Netuno) e Nuit (Saturno), os princípios duais da vida, combinam-se para formar o princípio oposto ou Choronzonico de Daäth e Morte; pois este conhecimento (Daäth) é do lado oposto, reverso, ou posterior da Árvore.
Daäth é descrita pelos qabalistas como a falsa sephira porque ela não tinha lugar no esquema de números de um a dez, nenhum lugar que esteja na dimensão representada pela parte frontal ou anverso da Árvore. Em consequência ela foi considerada como sendo a décima primeira sephira. Onze é o número da magia(k), da ‘energia tendendo à mudança’, que é a fórmula precisa da Operação de Daäth, e a razão para sua associação com a morte como o tipo supremo de mudança.
No esquema Tântrico dos chakras, ou zonas de poder micro cósmicas, Daäth é atribuída à Zona da Palavra, Visuddha ou centro da garganta. [23] Este centro representa a fala, mas a Palavra em seu sentido oculto da Verdadeira Voz (Ma Kheru) pode ser pronunciada apenas por um Magus, cuja origem natural é a segunda sephira, Chokmah, atribuída à Hadit. O II (dois) e o 11 (onze) portanto se encontram em Daäth, a esfera do conhecimento, pois o conhecimento é possível apenas onde a dualidade (dois; duo, II) prevalece. Esses dois – sujeito e objeto – se unem, e sua união provoca a modificação, que é a fórmula da magia(k). A união ocorre na consciência, onde o ato é refletido como num espelho, e o ato abre o portal através do qual a Vontade (Hadit) é projetada. Sua imagem aparece no mundo-espelho [24] nas costas da Árvore e em reverso, pois naquela dimensão o tempo flui para trás, e o homem se reverte ao macaco. O cinocéfalo foi portanto escolhido como um símbolo mágico da Palavra pelos antigos egípcios que a atribuíam ao deus-lua, Thoth. O nome deste deus é equivalente a Doth [25] (Daäth) e é significativo que a lua esteja atribuída ao kala que irradia desde Kether através do abismo até o centro solar ou centro do coração do cosmos. [26] O reflexo do sol (consciência humana) nas águas do abismo é então simbolizado por Thoth e seu cinocéfalo como o homem e seu cão [são] refletidos na lua. O cinocéfalo ou macaco com cabeça de cão pronuncia a Palavra do Magus (Hadit-Chokmah) em reverso. Frater Achad tinha uma noção destes mistérios e isso o levou à enunciar sua Fórmula da Reversão. [27] Por volta do mesmo período o artista Austin Spare, trabalhando através de linhas similares, percebeu que de forma a se tornar Deus, o homem deve regredir ao estado primal ou original de consciência. [28] Esta é a base lógica definitiva por trás das tentativas dos ocultistas de todas as eras em saltar para trás e para dentro rumo às profundezas interiores da Árvore, dessa forma revertendo ao estado de consciência primevo antes que Kether transmitisse a corrente de manifestação desde o Olho do Vazio (Ain). [29] Muitos magos se desencaminham naquela jornada de regresso, sua consciência assume formas de vida larval que são anteriores à humana. Então o Macaco de Thoth escarnece deles enquanto eles lutam para se desembaraçar de uma reversão de consciência que se acelera rapidamente e que finalmente os lança no esquecimento. Este é o destino peculiar aos Adeptos que, nutrindo suas tendências animais enquanto estão no abismo, assumem a forma de bestas [30] sem primeiro abandonar as tendências do ego em usar para fins pessoais os poderes que estas criaturas simbolizam.
Podemos então propor anti-mundos (anti-universos) baseados na aplicação de cada sephira ao seu oposto, dessa forma obtendo uma rápida visão não apenas das costas da Árvore, mas do reverso total da Árvore com respeito à seu anverso, que constitui o mundo das aparências. [31] Podemos desta forma formular não apenas um anti-universo ou zona de anti-matéria, mas também uma zona de anti-espírito representada por Kether invertida por trás de Malkuth. Porém não vamos cair no erro de Achad de considerar estas especulações como fatos reais de consciência espiritual. Ao invés disso, utilizemos a ideias delas como um trampolim que pode nos lançar para dentro de espaços internos de consciência que comportam, cada um por sua vez, o inferno [32] ou buraco de cada zona de poder.
Notas:
13 O bindu ou ponto indivisível dos Tantras.
14 Literalmente a coisa movente; i.e. o mundo das aparências; este universo.
15 Vide Parte Dois.
16 A letra ‘A’ sendo considerada como Ayin, 70.
17 Isto é explicado no devido curso.
18 Para uma explicação sobre dualidade em termos do Duplo ou Diabo simbolizado pelo bode itifálico, vide O Renascer da Magia. Muller, 1972.
19 Chokmah=Sabedoria; Binah=Compreensão.Vide diagrama da Árvore.
20 Vide O Livro da Lei e seus comentários para uma explicação sobre estes termos.
21 Capítulo 2, Verso 6.
22 O deus da Magia Atlante. Porém veja Cultos da Sombra para uma definição mais completa.
23 Cultos da Sombra capítulo 1, para um relato detalhado desta zona e sua relação com a cruz óctupla dos kalas.
24 Conhecido em algumas escolas de mistérios como o mirroir fantastique. Vide Michael Bertiaux: Papeis Graduados do MSR.
25 A letra ‘d’ é a forma posterior e suprimida de ‘t’.
26 Representado na árvore pela sephira Tiphareth que tipifica a consciência humana iluminada.
27 Vide Liber XXXI, de Frater Achad. Revista Sothis vol. I. No. iii.
28 Vide O Livro do Prazer de Austin Osman Spare. Reimpresso em 1975.
29 Ain significa ‘nada’, ‘vazio’, o não-manifesto. Ele também significa um Olho, Ayin, que possui o valor numérico de 70. Para o significado deste número importante vide mais adiante.
30 Esta é a origem da licantropia mágica e fenômenos ocultos similares.
31 i.e. o mundo fenomenal; nosso universo.
32 Os antigos finlandeses (?) utilizavam uma palavra mais apropriada para designar ‘inferno’, a saber: ‘tuonela’, um túnel. Num sentido físico esta palavra implica numa passagem subterrânea; em um sentido psicológico, o subconsciente, e num sentido macro cósmico ela significa o mundo sub-nuclear da anti-matéria, o buraco negro no espaço do qual o inferno mitológico, com suas chamas aniquiladoras, é o símbolo.
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Revisão final: Ícaro Aron Soares.
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