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São José dos Pinhais, 10.08.17
Dies Iovis, Sol in Leo 18º, Luna in Pisces 22º…
Faze o que tu queres há de ser o todo da Lei!
Esta semana eu me deparei com duas leituras muito similares de Tarot.
Ambas mulheres inteligentes, com formação acadêmica, atuando em posições interessantes profissionalmente, e ambas padecendo da mesma aflição. Ambas sofrendo por estarem se restringindo de serem elas mesmas em questões cruciais de suas vidas.
Uma delas, inclusive, após relatar determinada questão, olhou para mim com os olhos marejados e perguntou, completamente vulnerável ‘Você acha que eu agi certo?’
Quem me conhece sabe que eu, inclusive, sou ex-seminarista. Em pleno terceiro ano de faculdade, larguei o curso de Letras da UFPR e fui me candidatar a ser noviço da Legião de Cristo. Não durou muito, como seria de se esperar. Na época eu era Católico, e a Lei de Thelema era coisa do Raul Seixas.
Assim, sei tão bem quanto qualquer frequentador de igreja quais são as posições católicas e cristãs no que concerne o relacionamento com o outro. Não, isso não é um texto de incitação ao ódio contra os cristãos, nem contra qualquer Fé em particular. Aliás, faço minhas as palavras do Livro da Lei I, 56 ‘…Todas as palavras são sagradas e todos os profetas verdadeiros; salvo apenas que eles compreendem um pouco.’
Este texto é uma tentativa de expressar uma única mensagem: não comprometa sua individualidade pelo outro. Ou, em outras palavras, não minhas, mas de IAO131, ‘Não pise em Hadit’.
Jesus, no novo testamento, nos coloca uma mensagem muito bonita. Amai o próximo como a ti mesmo (Marcos 12:31). Alhures, ele diz que não devemos perdoar apenas sete vezes, mas setenta vezes sete (Mateus 18:22), e que devemos virar a outra face (Lucas 6:29). Também diz que maior é aquele que serve (Lucas 22:27). Paulo continua a doutrinação dizendo que assim como Cristo é a cabeça, a igreja é o corpo (Coríntios 12:27). Esse tipo de mensagem abundante no NT, inócua em si mesma, é tomada pelas igrejas do velho Aeon e potencializada em uma lavagem cerebral que coloca o indivíduo de joelhos, com uma mentalidade de massa e uma passividade que beira a dos vegetais. Entretanto, diz o Livro da Lei: II.58 ‘Sim! Não acrediteis em mudanças; vós sereis como sois e não outro. Portanto os reis da terra serão Reis para sempre: os escravos servirão. Não existe ninguém que deverá ser rebaixado ou elevado: tudo é sempre como foi. Ainda assim há mascarados que são meus servidores: pode ser que aquele mendigo ali seja um Rei. Um Rei pode escolher as suas vestes como quiser: não há teste exato: mas um mendigo não consegue esconder a sua pobreza.’
Essa mensagem do velho Aeon, especialmente como formulada por Paulo de Tarso, e que acabou prevalente no Concílio de Nicéia e infectou a igreja como um todo, é fruto de seu tempo, e tem o seu valor. Os rituais iniciáticos Maçons, Rosacruzes, e da Golden Dawn, muitas vezes, fazem referência a Osíris, e o mito genérico do deus Sol morto e ressuscitado tem a sua importância e deve ser respeitado.
Contudo, esse tempo chegou ao fim, e o Equinócio dos Deuses foi anunciado pelo profeta careca. I.49 ‘Estão abolidos todos os rituais, todos os ordálios, todas as palavras e sinais. Ra-Hoor-Khuit tomou o seu assento ao Leste no Equinócio dos Deuses’.
Essa ruptura com a mentalidade do autosacrifício do cordeiro imolado é claramente lido nas singelas e delicadas palavras do Livro da Lei, que poderiam tranquilamente estar em um filme de terror:
III,51 ‘Com a minha cabeça de Falcão Eu furo os olhos de Jesus enquanto está pendurado na cruz.’
III,52 ‘Eu bato as minhas asas na face de Maomé e o cego.’
III, 53 ‘Com minhas garras Eu arranco a carne do Indiano e do Budista, Mongol e Din.’
III, 54 ‘Bahlasti! Ompehda! Eu cuspo sobre os vossos credos crapulosos.’
III,55 ‘Que Maria inviolada seja dilacerada sobre rodas: por sua causa que todas as mulheres castas sejam completamente desprezadas entre vós!’
Talvez tenha faltado um calmantezinho na hora de escrever o livro, e esse tipo de passagem é que dá a fama tão comum aos thelemitas de que eles queimam bíblia e batem em padres. Ha!
Particularmente, prefiro um tom menos beligerante, como na passagem I,49: … ‘e que Asar esteja com Isa, que também são um. Mas eles não são de mim. Que Asar seja o adorador, Isa o sofredor; Hoor em seu secreto nome e esplendor é o Senhor iniciado’.
Para os desavisados, Asar é uma grafia do nome de Osíris a partir de uma transliteração dos hieróglifos, e Isa é até hoje o nome que Jesus de Nazaré recebe em Árabe, como, por exemplo no Corão. Precisava disso, Seu Aiwass?
De qualquer maneira, fica patente, não só por meio dessas passagens, mas ao longo de todos os três capítulos que a Lei de Thelema propõe uma ética de relacionamento diferente da anterior.
Os valores e instruções, desde a Torah dos judeus (Pentateuco) até o NT dos cristãos, focam a maior parte de sua mensagem em como o indivíduo deve fazer as coisas para ter um relacionamento apropriado com sua divindade e com o seu próximo. Acho até bem feliz a escolha da cruz como símbolo, não só pela iniciação por via da morte e ressurreição, mas porque a cruz é uma linha vertical (relacionamento com o divino) e uma linha horizontal (relacionamento com o próximo). Bela escolha do designer que criou a identidade da marca.
A preocupação thelemita é muito mais individual. É uma ética amoral. Essa construção me parece esquisita, mas vou mantê-la no texto. Ética porque é o conjunto de valores que orienta a relação interpessoal, mas amoral porque ela não estabelece bem ou mal essencial nessa relação. II,57 ‘Aquele que é correto permanecerá correto; aquele que é sujo permanecerá sujo.’
Não poderia ser diferente. I,40: …’Faze o que tu queres deverá ser o todo da Lei.’ I,42: … ‘tu não tens direito a não ser fazer a tua vontade. I,43: Faze isso, e nenhum outro te dirá não.’
O foco thelemita é em sua relação com seu chamado, com sua orbita individual enquanto estrela. I,3: ‘Todo homem e toda mulher é uma estrela.’ Assim, não há uma preocupação com o outro. Que cada um procure a sua órbita individual, o seu caminho. Não cabe a você determinar o caminho do outro. De fato, isso é uma das poucas proibições que há. Cada indivíduo é soberano para escolher seu próprio caminho, desde que assuma as consequências de suas escolhas. Dessa forma, ele se torna um deus sobre a terra, ou como o Livro da Lei o coloca, um rei.
I,11 ‘São tolos esses aos quais os homens adoram; tanto os seus Deuses quanto os seus homens são tolos.’
I,21 ‘Com o Deus e o Adorador eu nada sou; eles não me vêem. Eles estão assim sobre a terra; Eu sou Céu, e não há outro Deus além de mim e de meu senhor Hadit.’
II,23 ‘Eu estou só: não há Deus onde Eu estou.’
II,47 ‘Onde Eu estou estes não estão.’
Assim, diferentemente de toda a mensagem do velho Aeon, que coloca todos os homens em um patamar de igualdade diante de um criador Big Brother, a ética thelemita nos coloca distintamente duas classes diferentes de pessoas, a massa (os escravos) e os indivíduos autônomos (reis).
Essa distinção não é baseada em berço, conta bancária ou fenótipo. Ela é baseada na forma com que o indivíduo lida com o mundo e com o outro.
A busca de sua liberdade e expressão individual deve estar entre os valores mais altos – e que não devem ser comprometidos, independentemente de qualquer situação. A regra de ouro do socorrista aconselha que primeiro deve vir uma preocupação para consigo mesmo, depois com a equipe de resgate e somente por terceiro vem o acidentado. Eu utilizo essa lógica também, assim com cada thelemita deveria.
A sua voz, a sua liberdade e a sua individualidade são de importância ímpar, e sine qua non para uma felicidade real, madura e duradoura. II,9 ‘Lembrai todos vós que a existência é puro prazer; que todas as tristezas são nada mais que sombras; elas passam e pronto; mas existe aquilo que permanece.’ Se você não está estruturado, forte e bem, como pode ajudar ao outro efetivamente? Se você não cuida de você mesmo em primeiro lugar, dentro em breve estará se colocando em posição de precisar ser ajudado. Dessa forma, irá perder sua capacidade de buscar seu lugar no mundo. II, 19 ‘Deve um Deus viver em um cão? Não! Porém os mais elevados são de nós.
O Thelemita busca escrever sua vida com sua própria caligrafia. Ele segue regras, leis, códigos e normas, sim, na medida em que elas não agridem sua essência. Entretanto, caso esses regulamentos de comportamento deixem de fazer sentido em seu íntimo e visão de mundo, a Lei de Thelema incita o Rei a buscar seu próprio julgamento. Lembre-se, contudo, de que o sistema jurídico não é Thelemita. ‘Que você colha em abundância o que está plantando’, adverte o adágio cabalista, então consulte um advogado antes de sair por aí fazendo bobagem. Mas em um tom mais sério, o conceito de ‘desobediência civil’ é compatível com o conceito de conformidade Thelemita, pois este busca conviver em harmonia com o mundo, mas primeiramente harmonia com seus valores e com seu íntimo com sua própria dignidade.
De maneira similar, não é porque o thelemita deve pensar em si mesmo em primeiro lugar que ele vai virar um vilão de filme trash. Afinal, quando fazemos o bem ao outro, há uma grande chance de que ganhemos pontos de alguma forma, e estamos contribuindo para a harmonia com o todo e lálálá. A Lei não proíbe a caridade. Apenas adverte a necessidade de atender e respeitar a si mesmo antes de qualquer outra pessoa e princípio externo.
Agora, gostaria de voltar ao começo do texto, para preservar um mínimo de coesão e coerência, voltando assim para a pergunta da consulente. “Você acha que eu fiz certo?”
Pois, minha senhora… o que é que eu vou dizer? Não cabe a mim julgar o certo e o errado de sua ação. Eu cuido do certo e errado da minha escolha. Isto é: estou respeitando a mim mesmo e colocando minha visão e dignidade em primeiro lugar? Se a resposta é sim, ÓTEMO. Se não, não estou alinhado com os valores da empresa Universo S.A., e logo virá uma advertência…
Assim, quem deve dizer o que é certo e errado para ela não é outra pessoa se não ela mesma. Qualquer outra pessoa estará ferindo sua soberania. Cabe a ela aceitar essa violação da liberdade ou se rebelar. Escravos servirão. Por esse motivo é que o Capítulo 3 do Livro da Lei parece que caber em um capítulo violento de The Game of Thrones. É porque o preço da paz é a eterna vigilância, e é preciso fazer xixi nos lugares para marcar os limites de vez em quando.
Na relação interpessoal, as pessoas têm o direito de se expressarem verdadeiramente como são. Obviamente nem sempre vai ser tudo flores. Surge daí o questionamento das duas consulentes, embebido em culpa cristã por ter causado dor ou desconforto no outro, por ter feito ou dito algo ‘cruel’. II,18: ‘Estes estão mortos, estes homens; eles não sentem. Nós não somos para o pobre e o triste: os senhores da terra são nossos parentes.’
Bem, em primeiro lugar, há a questão de que algo que é dito com intenção ‘cruel’ pode não ser recebido dessa forma pelo outro, assim como algo dito com intenção ‘boa’ pode ser recebido como uma tijolada nos dentes. Como nos casos de assédio sexual, para avaliar o impacto causado, o que importa não é a intenção, mas a maneira que o conteúdo é recebido pelo outro. Mas chega de falar do outro. II,49: ‘Eu sou único e conquistador. Eu não sou dos escravos que perecem.’
Se o outro se ofendeu, magoou ou mimimi, problema é dele. Se ele for um escravo, que lamba suas feridas. Se for Rei, ele vai saber lidar com isso, e eventualmente vocês chegarão a um meio do caminho, onde ambos se respeitarão, ou seguirão caminhos distintos e nunca mais se falarão – ou sem matarão e pronto!
De qualquer forma, sofrer pelo que se faz ao outro, especialmente considerando que se está respeitando a própria dignidade, é absurdo. II,21: ‘Nós não temos nada a ver com o proscrito e o incapaz: que eles morram na sua miséria. Pois eles não sentem. Compaixão é o vício dos reis: dominai o miserável e o fraco: esta é a lei do forte: esta é a nossa lei e a alegria do mundo. II,59: ‘Cuidado, portanto! Amai a todos, pois talvez haja um Rei escondido! Tu dizes assim? Tolo! Se ele é um Rei, tu não podes feri-lo.’
A Lei da Liberdade vem para nos oferecer a soberania e o controle de nossas vidas. Todos somos estrelas. Que cada um cuide de sua órbita. Sem desculpas e sem justificativas ao outro. Você não deve nada a ninguém, então não confira poder ao outro sobre si para julgar se seus argumentos procedem. Não se justifique. III,11: ‘Esta será a tua única prova. Eu proíbo argumento. Conquistai! Isto é suficiente’. Você é quem está no comando de sua existência. II,31: Se o Poder pergunta por quê?, então Poder é fraqueza.’
Dessa forma, não devemos deixar de agir alinhados ao nosso íntimo só porque isso vai causar problemas para o outro. Ele que lide com isso. Ou não. Problema é dele. III,18: ‘Que não haja piedade: malditos sejam aqueles que se apiedam! Matai e torturai; não cedas; sê sobre eles!’
Hadit é um nome inventado (dizem alguns ‘recebido’) por Crowley, mas o princípio interno ao qual ele se refere é o maior tesouro que há – seja ele Atman, Cristo, Buddha, borogodó ou qualquer nome legal que você tenha para ele. II,6: ‘Eu sou a chama que arde em cada coração de homem, e o núcleo de cada estrela. Eu sou Vida, e o doador de Vida, ainda assim o conhecimento de mim é o conhecimento da morte’. II,7: ‘Eu sou o Magista e o Exorcista. Eu sou o eixo da roda, e o cubo no círculo’.
Termino essa lengalenga panfletária com uma exortação a ser você mesmo. Você é uma estrela independente e autojustificada, e tem o direito de viver como quiser e de defender sua voz como achar por bem. ‘III,3: Então que seja primeiramente entendido que Eu sou um deus de Guerra e de Vingança. Eu tratarei duramente com eles.’
II,60: Portanto golpeia duro e baixo, e ao inferno com eles, mestre!
Amor é a Lei, Amor sob Vontade.
por Antonio Dissenha
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