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Dagdagiel (Túneis de Set)

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Por Kenneth Grant, O Lado Noturno do Éden.

 

O DÉCIMO-QUARTO túnel é coberto com o kala de Vênus representado pela Prostituta. Sua atribuição cabalística é Daleth, significando ‘uma porta’; a porta que permite o acesso à sua casa ou útero, e regresso(?) desta. Sua zona cósmica de poder é Vênus. Este túnel apoia o primeiro Caminho Recíproco na Árvore da Vida; sua contraparte infernal é a base da pirâmide que, quando invertida, é equilibrada sobre o ponto do Ain no vazio do Abismo. O nome de seu sentinela é Dagdagiel. Ela pode ser evocada vibrando-se o seu nome na clave de ‘F’ aguda acompanhado de um sussurro ou som alegre. Seu sigilo pode ser pintado em um azul celeste vívido num círculo rosa brilhante raiado com verde pálido. Seu número é 55, que é um número místico de Malkuth, a zona de poder da Terra. Cinqüenta e cinco, como 5 x 11, resume a fórmula da magia(k) (11), posta em movimento ou controlada pela shakti (5). É também o número de DVMH, ‘silêncio’, que é a fórmula da mulher (shakti) quando ela fica grávida do filho da luz produzido pelo próximo kala. A palavra HIM, ‘inchar’, é indicativo dessa condição; e IHM (uma metátese de HIM) significa ‘conceber’, ‘ter relação sexual’, e ‘criar’, 55 é também o número de KLH, ‘a noiva’, a ‘nora’, que sugere a noiva cósmica Malkuth, a filha de IHVH, ela que é o termo final () de manifestação.

 

A filha é o símbolo de retorno iminente; da reversão incipiente da manifestação ao seu estado primal de não manifestação; de ser retornando-se não-ser. No Aeon atual o Filho é a Criança, mas no vindouro Aeon de Maat a Criança será a Filha, pois ao final daquele Aeon Malkuth uma vez mais retornará ao seu sono de dissolução (pralaya) anterior a uma nova manifestação.

 

A ideia da matéria chegando a um fim relembra a declaração em AL (I.66): “A Manifestação de Nuit está por um fim”538. O título do Atu deste Caminho é A Filha dos Poderosos. O tema é repetido pela palavra MUT (uma forma de Maat) que também soma 55 e que significa ‘sacudir’, ‘agitar’, ‘cambalear’, ‘falhar’, ‘decair’, ‘morrer’. Ele deriva da palavra egípcia mut, significando ‘terminar’ ou ‘morrer’.

 

O sigilo de Dagdagiel mostra a letra Daleth em reverso e na forma de uma forca na qual está pendurado um triângulo invertido acima das letras AVD. AVD (Od) é a luz mágicka. O triângulo é a pirâmide invertida colocada no Abismo com seu ápice no Vazio (Ain), pois este túnel recíproco é refletido dentro dos golfos além de Kether.

 

A implicação é que a pirâmide é a luz mágicka ou Serpente de Fogo suspensa em uma forca na forma da Mulher da Noite539 cuja vagina (daleth = porta) está aqui invertida. Esta peculiaridade mostra que ela é uma iniciada nos mais altos mistérios sexuais e que ela possui a marca540 especial de uma Mulher Escarlate. Seus totens são a pomba (o pássaro Tifoniano), o pardal541, e a porca adulta. Numa nota holográfica em sua cópia pessoal do Liber 777, Crowley nota contra este caminho (coluna xxxvii): “A Porca [adulta] = tipo de Vênus que faz se iguala com Marte (oposto ao tipo romântico e outros tipos elevados). Marte = javali’. Com isto ele quer dizer que enquanto a virgem se aquece na luz idílica do amor romântico ou não realizado, a porca [adulta] se espoja no chiqueiro da sensualidade.Mas a comparação da Porca adulta de Vênus com o Javali de Marte comporta outro mistério que pode ser sondado apenas em termos da Corrente Draconiana. A porca (Babalon = prostituta) é a qlipha 542 ou casca externa da Deusa. Seu mistério interno envolve o kalas ou a Própria Kali, pois ela é a Mãe definitiva. Em termos de Novo Aeon, portanto, Marte é a zona cósmica de poder atribuída a Ra- Hoor-Khuit como a criança (Har) do presente Aeon, porque o sangue associado à esta zona (de Marte) não é o sangue do homem derramado em batalha, mas o sangue da mulher que encarna a criança.543

 

A pomba é também atribuída ao 14º kala544. A pomba era o pássaro de sangue (fonte feminina) antes de ele se tornar o pássaro do ar (espírito masculino). Primeiro era Marte-Kali-Tífon, então veio Vênus-Neftis-Nu-Isis.

 

O poder mágico correspondente a este kala é, tradicionalmente, a habilidade de destilar filtros de amor. A frase é um eufemismo para as vibrações vaginais emanando da virgem na forma de magnetismo sexual que atrai a Luz Criativa para dentro de seu útero.

 

No verso do grimório pertencente a este kala, está escrito:

 

A Virgem de Deus está entronada sobre uma concha de ostra; ela é como uma pérola, e buscou(?) 70 para seu 4. Em seu coração está Hadit a glória invisível.

 

A ostra é o afrodisíaco típico; a virgem está embriagada sobre sua concha e buscou 70545 para seu 4546. Em seu coração está Hadit (i.e.Set, o Próprio Demônio), a glória invisível que motiva seu desejo. A virgem portanto se torna a prostituta, ou, na linguagem do simbolismo mágico, a sacerdotisa encantada se torna iluminada ou despertada; a pitonisa se torna oracular, sendo inspirada com o espírito divino. Portanto a fórmula mágica deste kala é Agapé, cujo número é 93, que é o número de desejo ou vontade (Thelema) e do Próprio Demônio (Aiwass).

 

Todos os afrodisíacos e ‘todos os odores voluptuosos doces’ são atribuídos a este kala, cujas deidades que o presidem são Hathor, Afrodite, Kapris Cottyto, e, nos sistemas tântricos, Lalita 547, o aspecto sexual da shakti (poder).

 

É, contudo, sobre a Árvore africana que as atribuições mais significativas são encontradas. Na magia primordial de Equatoria este 14º kala é atribuído à deusa Odudua, a deusa cujo templo secreto em Ado, próximo a Badagry, se aglomerava com as sacerdotisas consagradas de seu culto. Eles o batizaram com o nome de Cidade da Prostituição, da qual a Babilônia foi um tipo mais tardio. Para os Ogboni548 ela era conhecida como Ile, a Terra.

 

O 14º raio ou kala une a zona de poder cósmico de Odudua (Binah) com aquela de Once ou Anansi (Chokmah), simbolizado pela Aranha que mais tarde se tornou o símbolo supremo do Culto do Obi (Obeah). Estas duas zonas de poder são o campo de atividades do Obeah e da Wanga, o ‘trabalho da vara e o trabalho da espada’549. O simbolismo deste verso (do AL) foi explicado em alguma extensão em Aleister Crowley e o Deus Oculto; aqui é necessário chamar a atenção para a simetria da teia da aranha. No túnel subjacente ao 14o caminho a teia não está estruturada sobre uma superfície plana mas ocupa vários planos de forma que – a partir da perspectiva de um observador trabalhando sobre este caminho – os filamentos cruzados produzem uma louca geometria. Por dentro do túnel, e visto por detrás da Árvore, entretanto, a teia parece formar com fios de luz suave infinitamente tênues as curiosas aberturas de escuridão que dão entrada à golfos de espaço entre as costas e a frente da Árvore. Na profundidade mais central deste túnel o encantamento mágico primal foi lançado e o primeiro de todos os círculos mágicos (teias) foi formado. É aqui que a Serpente e a Aranha se encontram em um símbolo. A serpente é OB, a corrente lunar da qual Once tece sua teia. Serk550, simbolizado pelo escorpião, assim une a aranha e a serpente em um glifo. O ‘trabalho da vara551 e o trabalho da espada552’ são idênticos. A fusão destes é o trabalho do Obeah e do Wanga que é realizado via 14º  kala.

 

A palavra Aud (Od) que aparece no sigilo de Dagdagiel é a luz mágica que flui da yoni de Odudua. Neste túnel de Odudua, portanto, esta aparece como a pirâmide; ela é o triângulo (yoni) em uma dimensão adicional e cercada pela teia de filamentos, ou pelo anel de fogo, com o qual a aranha e o escorpião são respectivamente associados.

 

Em seu Diário Mágico, Crowley fala sobre os túneis ou cavernas de fogo através dos quais ele foi guiado por um espírito raposa durante suas mais altas iniciações. A raposa ou chacal, como já mostrado, é um zoótipo de Shugal, a forma-deus de Shaitan-Aiwass. Seu complemento é a entidade amorfa Choronzon, o Guardião do Pylon de Daäth que forma o ápice da pirâmide e é o portal de acesso para a rede de túneis que se inclinam para baixo nas costas da Árvore.

 

A teia da aranha é a rede de túneis que conduzem para outras dimensões, pois o que parece como meros interstícios numa superfície plana quando a aranha emergiu de seu buraco são – nas profundezas de Ile (a terra) – vazios intra-espaciais e golfos atravessados de sonhos (talvez no sentido de extremamente imensos_?) de imensidão cósmica. O Obeah e o Wanga são portanto os modos duais de transformação através dos quais a entidade humana é transportada pare dentro de dimensões mais além via vórtices do vazio.

 

As doenças típicas do 14º kalas são a sífilis, gonorreia, e ninfomania. Estas são explicadas pela atribuição a este kala do mais horroroso dos fetiches africanos, Champana, a divindade deformada cujo símbolo é um leproso com um áspero bastão com pontos vermelhos e brancos. O elemento da ninfomania é evidente nos súcubos ou mulheres-sombra geradas a partir da yoni da Deusa cuja arma mágica é o cinto. A conexão com o mecanismo dos sonhos é óbvia embora haja uma explicação mais esotérica. A mulher-sombra é o meio de controle do sonho pois é através de seu cinto ou círculo mágico que o sonhador ingressa em dimensões que jazem no lado noturno da pirâmide invertida que é uma projeção do yantra da Deusa. A fórmula tem uma base sexual e tudo o que pode ser divulgado553 já apareceu na minha Trilogia Tifoniana.

 

É interessante ver o quão próximo H. P. Lovecraft abordou as fronteiras destas dimensões alienígenas. Em O Caso de Charles Dexter Ward ele alude ao ‘signo de Koth que os sonhadores veem fixado acima da arcada de uma certa torre negra que permanece sozinha no crepúsculo…’. A torre negra é o Phallus de Set, a pedra erguida fixada no crepúsculo do Abismo, i.e., no estado crepuscular entre o sonho e o ‘abismo negro do sono’. A palavra Koth ou Kotha aparece entre os nomes bárbaros de evocação que os Gnósticos usavam em sua Agapoi, alguns dos quais Crowley restaurou cabalisticamente e usou no Liber Samekh, o grimório central do Novo Aeon que contém o ritual conhecido como Congressus cum Daemone. Este é um dos mais potentes rituais existentes, segundo Crowley; ele contém as fórmulas de união com o duplo ou sombra-self554. Na seção elemental atribuída ao elemento Terra, Kotha aparece como o nome de Hathor, a Deusa voluptuosa do Prazer Sexual ‘a quem Satan, contemplando, deseja!’. Kotha é aqui traduzido como ‘Tu o vazio’, o ‘a’ final sendo evocativo. Koth portanto significa o vazio, o túnel que é simbolizado pela vagina da mulher que emite o tênue plasma suscetível à menor impressão da vontade magicamente direcionada. Com relação à esta seção elemental do grimório Crowley observa que ‘a concepção é da Terra, brilhante, habitada por um Hipopótamo Solar-Fálico555 de uma natureza Venérea’.

 

A palavra ChVTh, uma forma de Koth significando ‘a besta dos juncos’556 tem o número 414 que é aquele da Luz Ilimitada (Ain Soph Aur), um dos tríplices véus do vazio além de Kether. Este é também o número de AZVTh (Azoto), o fluido, i.e. a suprema secreção ou kala que dissolve toda estrutura molecular com sua luz infinitamente corrosiva. Lovecraft conceitualizou esta noção em termos do seu próprio materialismo científico como Azathoth, o caos cego e idiota no centro do Infinito557. O nome Azathoth é composto de dois conceitos distintos, Aza e Thoth. Segundo W.Henning558 Az é a ‘mãe maligna de todos os demônios’. Unida à Thoth, de cujos tipos um é o do macaco com cabeça de cão ou cinocéfalo, ela resume o lado feminino do guardião do Abismo559. Azoto engloba as letras iniciais e finais dos alfabetos de três línguas antigas: Aleph e Tau (Ath) em hebraico; Alfa e Ômega, em grego; A e Z, em latim.

 

A palavra Koth como Cheth (ChITh), 418, é de vital importância no Novo Aeon pois ele é o número da Grande Obra em sua mais alta fase alquímica, ou seja: a dissolução de toda estrutura molecular,560 como esboçado em Al.II.44561.

 

538 Vide Cultos da Sombra, capítulo 8, para o significado deste verso e sua relação com a secreção (secret-ion) implicada na fórmula da filha.

 

539 i.e., Lilith, a prostituta.

 

540 A vulva retromingent (*). Vide Cultos da Sombra, capítulo 7. (Nota do Tradutor: Organizada de forma a descarregar a urina para trás. Fonte: Websters Dictionary)

 

541 Notável por sua lubricidade.

 

542 Qliphah, ‘uma meretriz’.

 

543 Vide capítulo 10, Aleister Crowley e o Deus Oculto, para o papel da Corrente Marciana no Novo Aeon.

 

544 Vide observações sobre o kala anterior, 13.

 

545 i.e., o phallus ereto, simbolizado pelo Olho (Ayin = Olho = 70) do Demônio.

 

546 Daleth, 4, = porta (i.e., vagina).

 

547 A Lilith da tradição rabínica. É interessante notar que Lalit era a Rerit (a Porca adulta) anterior. Vide observações na página 177. A letra ‘r’ se tornou, por um processo de elisão, a letra ‘l’.

 

548 Uma sociedade secreta africana. Em seu aspecto esotérico ela é um corpo de doutrina compreendendo todos os kalas e as fórmulas de seu uso mágico.

 

549 AL.II.37.

 

550 Deusa do Círculo. Serk e Círculo são sinônimos em linguagem posterior.

 

551 A vara é aquela do Magus, Chokmah, regida por Chozzar (Netuno). Vide observações referentes a Chozzar e Choronzon na página 191.

 

552 A espada é a mulher, ou divisor em dois. Ela é tipificada na Árvore como Binah cujo representativo planetário é Saturno (i.e. Set).

 

553 Não por razões de segredo (vide Introdução Geral) mas porque a fórmula não pode ser transmitida em linguagem dualista mas apenas nas profundezas do próprio sonho.

 

554 Este era ‘o Ritual empregado pela Besta 666 para a Obtenção do Conhecimento e Conversação de seu Santo Anjo Guardião’. Vide Magick p.355 e seguintes.

 

555 O hipopótamo é sagrado para Hathor. Como Crowley observa: ‘A ideia é aquela do Feminino concebido como invulnerável, tranqüilo, com enorme capacidade de engolir, etc.’ Em outras palavras um símbolo apto das mandíbulas devoradoras do abismo.

 

556 ChVTh (Koth) ‘a besta dos juncos’ (Salmos I.xviii) era uma imagem do Egito. A palavra deriva de Khebt, o hipopótamo, um zoótipo do Egito ao Norte, i.e. Baixo Egito, a região Tifoniana.

 

557 No sistema de Crowley Hadit é o Chaos no coração do Infinito (Nuit).

 

558 Vide ‘O Nascimento e Origem do Homem Primal segundo os Maniqueístas’ citado em A Religião Gnóstica, de Hans Jonas, p.341.

 

559 Vide Parte I, onde a identidade Thoth = Daäth foi demonstrada.

 

560 Cf. ‘a dissolução, e eterno êxtase nos beijos de Nu’.

 

561 O número deste verso, 44, é o número de DM (sangue) que é a imagem mágica da Mulher Escarlate cujo kala compõe o assunto do presente capítulo e cujo ‘túnel’ é a morada de Dagdagiel.

 

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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.


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