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Publicado originalmente em Hermetic Light
Compaixão é o vício dos reis: calcai o miserável & o fraco: esta é a lei do forte: esta é nossa lei e a alegria do mundo.
Liber AL vel Legis, II: 21
O Liber AL vel Legis, II: 21 provavelmente tem ofendido e ultrajado mais pessoas do que qualquer outra coisa nos livros e escritos de Thelema. Mesmo Aleister Crowley o odiava na época. Os simplórios ou aqueles com interesses particulares a defender, têm usado isso como uma desculpa para descrever Crowley como um fascista e um louco. Dessa forma, todo o negócio pode ser posto de lado e todos nós podemos dormir em segurança em nossas camas, sem nos incomodarmos com qualquer coisa que possa perturbar a nossa própria complacente justiça farisaica.
Infelizmente para o legado de Aleister Crowley, e talvez do Livro da Lei que é central para Thelema, Crowley numa fase posterior de sua carreira frequentemente aplicou uma interpretação literal ou fundamentalista para o Liber AL vel Legis. Seu Liber OZ, por exemplo, foi uma tentativa de criar uma espécie de Declaração de Direitos – completamente contrária ao espírito do Liber AL vel Legis, que se coloca contra todos os “credos crapulosos” ou mandamentos codificados. Quando Sophie di Jorio e eu escrevemos The Ending of the Words – Magical Philosophy of Aleister Crowley procuramos separar, em todos os sentidos, o conteúdo e significado do Liber AL vel Legis da interpretação pessoal e política que
Crowley e seus seguidores posteriormente impuseram. Em vez disso, colocamos o livro no contexto do quadro histórico da Tradição de Mistérios Ocidental. Dessa forma, nosso livro poderia ter sido mais apropriadamente legendado com “Um comentário oficioso sobre o Liber AL vel Legis”.
A palavra “compaixão” aparece duas vezes no Liber AL vel Legis, onde é tratada – em contradição direta com o pensamento popular contemporâneo – como um obstáculo espiritual, não uma medida de merecimento. A palavra “piedade” ocorre várias vezes nos segundo e terceiro capítulos do Liber AL vel Legis. Em Liber AL II: 48, “Não vos apiedai dos caídos! Eu nunca os conheci!”, há uma insinuação de que Crowley tenha argumentando contra o fluxo de instrução, ou de alguma forma calmamente resistiu a elas. Neste estágio, a Inteligência parece estar a tentar forçar Crowley, o escriba, a submeter-se, a render-se – a aceitar a sabedoria que ele teve o privilégio de receber diretamente da fonte.
Há uma possibilidade de que é o próprio Crowley quem está sendo advertido de terríveis consequências se ele não aceitar esse conhecimento; que ele vai “cair” a menos que purifique a si mesmo. A primeira menção de “piedade” vem em Liber AL, II: 46-48, onde parece que Crowley está sendo interrogado e repreendido. Devemos lembrar que o livro foi ditado a Crowley, e ele não gostou do caminho que o livro estava seguindo:
Tu fracassas? Tu estás pesaroso? Há medo em teu coração? Onde Eu sou estes não estão. Não vos apiedai dos caídos! Eu nunca os conheci! Eu não sou para eles! Eu não consolo: Eu abomino o consolado & o consolador.
O ponto é frisado com mais ferocidade no dia seguinte no Liber AL, III:18:
Misericórdia seja afastada: condenai os que se apiedam!
A palavra é mencionada mais uma vez em Liber AL vel Legis, III: 42, em um parágrafo sobre os ordálios da Iniciação:
Eles que buscam enredar-te, arruinar-te, combata-os sem piedade ou clemência & aniquila-os completamente.
O Liber AL vel Legis tem um histórico, um contexto Egípcio antigo. No culto central de Tebas, Ra Hoor Khuit foi associado com Hadit (ou Behedety), que por sua vez foi associado à batalha histórica narrada por Ptolomeu, onde o Hórus faraônico de Edfu derrotou seus inimigos, os derrotou impiedosamente e os seguiu por todo o Egito, finalmente matando a cada um dos últimos poucos sobreviventes na Núbia. Esta pode ser entendida como uma batalha espiritual, onde os “inimigos de Rá” simbolizam as forças da ignorância e da dispersão, que irão, em última análise, equivaler à morte como fim irreversível. Em Liber AL, III: 42,”combata-os sem piedade” pode, portanto, ser tomada como uma instrução para ser impiedoso com o inimigo interno. Ra Hoor Khuit oferece sua proteção aqui, pois o disco solar não era apenas um matador de inimigos, mas também um símbolo para indicar todo o céu acima, os céus. Isso significa proteção com alcance infinito. Como alguém pode se esconder do céu? Mas se há piedade para os agregados que alimentam o ego, incluindo a auto-piedade – permitindo assim que as forças demoníacas escravizem a alma – então mesmo o céu não pode proteger aquele que tem confiado seu próprio ser aos mundos infernais onde nenhum céu pode ser visto.
Em Liber AL, III: 43 a advertência é transmitida para a Mulher Escarlate, a alma, onde Ra Hoor Khuit, o Senhor do Juízo Final diz que vai matar seu filho:
Que a Mulher Escarlate se cuide! Se piedade e compaixão e escrúpulo visitarem seu coração; se ela renunciar à minha obra para divertir-se com antigas doçuras; então deverá minha vingança ser conhecida. Eu imolarei, a mim, sua criança: Eu alienarei seu coração: Eu a expulsarei por causa dos homens: como uma sucumbida e desprezada meretriz ela deverá arrastar-se por entre ruas sombrias e molhadas, e morrerá indiferente, fria e faminta.
A alma é advertida contra a perda de seu princípio imortal. Novamente, é sobretudo a auto-piedade que é o mal. O verbo “apiedar” é insidioso, uma vez que pressupõe uma espécie de ponto de vista superior e reforça o ego. “Compaixão”, que se tornou um chavão popular nos últimos tempos, implica também um ponto de vista superior. Enquanto dizendo: “Eu me sinto com você” (com-paixão), ele assume compreensão superior, a virtude superior. Automaticamente a pessoa se sente bem consigo mesma e melhor do que os outros que não são compassivos.
O Livro Egípcio da Lei pode ser facilmente entendido como um imperativo a respeito da vida ou morte espiritual para aqueles que ousarem. A busca do elixir da vida, a pedra imortal dos sábios, não deve ser confundida com uma busca de auto-aperfeiçoamento psicológico, como as legiões de apologistas mágicos, “curadores” espirituais, terapeutas profissionais e similares teriam feito.
Mas ela disse: os ordálios Eu não escrevo; os rituais deverão ser metade conhecidos e metade ocultados: a Lei é para todos.
Liber AL vel Legis, I: 34
Os “rituais”, como os hieróglifos Egípicios, não são conhecidos pelo objeto do símbolo, mas pela latência do símbolo. O símbolo deve ser seguido de volta à sua fonte. A Lei de Thelema não precisa ser “para todos” no sentido de “para qualquer um”. Como no contexto de outras escrituras, “todos” frequentemente significa ” pessoas de todos os tipos e maneiras”. Uma vez que Thelema é entendida como não tendo nada a ver com religião – um conceito completamente desconhecido antes dos exércitos do novo estado monoteísta ter pisoteado o velho mundo pagão e queimado seus templos – então ele pode ser totalmente apreciado como um tratado espiritual, mágico e alquímico que é impiedosamente discernido, e ainda assim não exclui qualquer homem ou mulher por raça, religião ou cultura. “Todos” não significa, “cada pessoa no mundo”. No entanto, como o princípio que rege a época ou idade atual, a Lei de Thelema secretamente informa, dirige – e rompe e destrói – todo o pensamento e atividade humana.
Para ajudar a entender o papel destrutivo da Lei de Thelema, vou citar de The Ending of the Words – Magical Philosophy of Aleister Crowley:
O Liber AL vel Legis veio ao mundo em um momento em que a razão humana havia declarado Deus morto. Como Erich Fromm escreveu em A Sociedade Sã de 1955:
“No século XIX, o problema era que Deus estava morto; no século XX, o problema é que o homem está morto “.
Ao matar a verdade o homem destrói a si mesmo. No entanto, a transmissão Thelêmica ou corrente 93 não permite que a razão humana prevaleça contra o amor.
Os antecedentes mais modernos de Thelema incluem algumas das obras de Nietzsche, especialmente Assim Falava Zaratustra. Não parece de todo improvável que a transmissão “93” tenha gerado o movimento Surrealista que produziu o seu manifesto em 1924 – 20 anos após a recepção do Liber AL vel Legis. Nietzsche, o Livro da Lei, e os Surrealistas declararam guerra à razão, a “palavra de Pecado” (Liber AL vel Legis, I: 41). Ele não exige que a razão e a inteligência sejam descartadas completamente. Ele exige que os cães blindados da razão devem ser silenciados. Como Aleister Crowley sabiamente colocou em seu O Livro de Thoth:
“Preste atenção não a sirene voz do sentido, ou a voz fantasma da razão: Descanse em simplicidade, e ouça o silêncio.”
Em The Ending of the Words, dedicamos algum tempo para apresentar a teologia da redenção de uma forma bastante simples, “como ela é”. Se a Lei de Thelema quer abolir ou substituir o que se passou antes dela, então, primeiro precisamos entender exatamente o que ocorreu antes dela! Para continuar – e para concluir este ensaio – aqui está um pouco do capítulo de The Ending of the Words chamado, “The History of the Divine Covenant” (“A História da Aliança Divina”):
O Liber AL vel Legis descarta a teologia da redenção com um tratado intransigente relativo à supremacia do amor infinito sobre a razão humana, e a imprevisibilidade do Espírito Santo, que “sopra onde quer” (João, 3: 8) – encarnando a Palavra em um nova forma de todos os tempos. Agora, a Palavra é retirada no Silêncio, conforme a humanidade foi sendo informada de que a sua própria razão é um espírito mentiroso. A humanidade cambaleia à beira da extinção no meio de emanações invisíveis que moldam seu destino de acordo com as forças cósmicas que ela desconhece – já que ela não as vê, não as ouve ou as sente.
A partir do caos de uma nova idade das trevas o Liber AL vel Legis resplandece uma luz que é invisível, salvo para aqueles extasiados com a canção de amor de Nuit. Por fim irá, no fim das contas, encontrar Hadit como um julgamento ou provação iniciatório:
Eu sou a chama que queima em cada coração de homem, e no núcleo de cada estrela. Eu sou Vida, e o doador de Vida, contudo por esse motivo é o conhecimento de mim, o conhecimento da morte.
Liber AL vel Legis, II: 6
Para a alma que suporta os ordálios do caminho do conhecimento, o céu pode ser conhecido durante e após existência terrena:
Eu dou alegrias inimagináveis sobre a terra; certeza, não crença, enquanto em vida, sobre a morte; paz inenarrável, repouso, êxtase; tampouco faço Eu exigência de algo em sacrifício.
Liber AL vel Legis, I: 58
A pulsação espiritual de Thelema é o amor, enquanto a sua sabedoria só é conhecida através do discernimento – que é a disciplina essencial do caminho do conhecimento:
Amor é a lei, amor sob vontade. Nem permita os tolos interpretarem erradamente o amor; pois existe amor e amor. Existe a pomba, e existe a serpente. Escolhei bem!
AL vel Legis, I: 57
Veja capa e descrição de The Ending of the Words (Revised 2014)
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Autor de The Ending of the Words – Magical Philosophy of Aleister Crowley.
© Tradução de Lilia Palmeira – 2014
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Fonte: Compaixão é o Vício dos Reis
Revisão final: Ícaro Aron Soares.
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