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A Sacerdotisa é um trunfo que carrega em si mesma a natureza de “Atu” (Chave), de forma a constituir praticamente uma metalinguagem. É o arcano que versa sobre a espiritualidade por excelência, distanciando-se da postura pública do Hierofante e de momentos específicos da jornada (como a feitiçaria do Mago ou o “inverno da alma” do Eremita), colocando-se como o alcance perfeito do ofício de ponte entre mundos, de veículo do vislumbre divino.
É a parte da Deusa e para a Deusa que se constitui a mais alta patente do Caminho Iniciático da Astrum Argentum – A Sacerdotisa da Estrela de Prata é esta mulher iniciadora e iniciada que concede o vislumbre do divino absoluto e imaterial que é Nuit. E aqui, a mulher a que me refiro não é a fêmea da espécie homo sapiens sapiens, necessariamente. Mas é aquela pessoa que atingiu o mais alto grau de iniciação da A∴A∴. Tampouco sou eu quem criou esta ideia e sim o próprio Crowley, que enfatiza tal natureza em seu Livro de Thoth ao citar a si mesmo em seu Livro das Mentiras:
ΚΕΦΑΛΗ Γ A OSTRA
Os Irmãos da Α∴Α∴são um com a Mãe da Criança.
Os Muitos são adoráveis ao Um, comoo Um o é para os Muitos. Este é o Amor Destes;
criação-parto é a Glória do Um;
coito-dissolução é a Glória de Muitos.
O Todo, assim combinado com Estes, é Glória.
Nada está além da Glória.
O Homem delicia-se ao unir-se com
a Mulher; a Mulher em parir uma Criança.
Os Irmãos da Α∴Α∴ são Mulheres: os Aspirantes à Α∴Α∴ são Homens
Obviamente, Crowley não quis dizer que somente machos ou fêmeas atingiriam determinados graus na Santa Ordem ou qualquer despautério do tipo. Aqui ele claramente foi inspirado pela Deusa Nuit a compreender algo até então inexplorado pelo ocultismo (e que infelizmente seguiu basicamente inexplorado): a necessidade do desenvolvimento do lado lunar, emocional, intuitivo, devocional e de conexão com as Divindades femininas de Thelema para a iniciação completa de qualquer Adepto. E, eu ousaria dizer, a necessidade da presença massiva de mulheres nas Ordens também, de maneira a equilibrar as polaridades, as visões de mundo, a construção real desse tal de Novo Aeon.
Sacerdotisa por Cathy McClelland
No fim, para além de nos reconhecermos todos enquanto sóis, precisamos também nos tornarmos Mulheres. Há aqui um potencial poético de uma reescrita profunda da vivência iniciática pelo prisma que, em Thelema, é sim primordial – mesmo que tentem insistir que não: Thelema pode estar nos ajudando a navegar em um Aeon regido por uma divindade masculina, bélica e extremamente solar (Ra-Hoor-Khuit) mas ela é, essencialmente, um caminho que compreende a não-dualidade. E que sem a Lua não há Sol. Thelema, em seu mais puro sentido, extingue a hierarquia entre sexos e divindades. Pressupõe a superação de uma visão maniqueísta do mundo. E por isso ela tinha um potencial de ser profundamente inovadora (mais do que foi) em seu tempo. Infelizmente, tal potencial não foi aproveitado (e Gerald Gardner viu isso, aproveitou e criou um movimento muito mais confluente com este Aeon – quer os thelemitas gostem ou não, é um fato.). Mas não adianta lamentar nem muito menos fingir que não está vendo! Talvez tenha finalmente chegado a hora de abraçarmos este caminho luminoso e esplendoroso que a Sacerdotisa nos oferece!
Crowley utilizou, como pudemos ver no poema acima do Liber 333, a simbologia da ostra. A ostra é o molusco que produz a pérola, a partir de grande esforço e de sofrimento. Assim como nós, Adeptos, somos ostras e é a partir das Ordálias Iniciáticas que alcançaremos a construção de nossa pérola – vislumbrarmos através do véu de luz da Sacerdotisa. E a pérola é um material de grande beleza e diversidade de cores, podendo ter e refletir praticamente todas as cores do arco-íris. O que me faz pensar em um insight que tive recentemente: o arco-íris é um atravessamento de luz (do sol) na água (gotículas de chuva) que acontece no ar, uma materialização do invisível, que no entanto ainda segue impalpável. Ar (louco), água (sacerdotisa) e ilusão de ótica (mago). No entanto, apesar da “ilusão”, o arco-íris é uma “quebra” do “branco” da luz em suas várias camadas de cores; um vislumbrar através do véu da Deusa. A água que quebra e revela, materializa: mesmo que ainda de forma impalpável.
A pérola também era uma preciosidade da natureza associada a Ísis, Deusa por excelência do Atu II. Já na Grécia, as pérolas eram as lagrimas de Afrodite – e aqui vemos o possível link com a Jornada completa que Crowley faz no Livro de Thoth quando associa a águia branca do Atu III, A Imperatriz, a Ísis e a águia vermelha do Atu IV, O Imperador, a Néftis.
Estes símbolos, bem como o próprio arco-íris, não por acaso ou coincidência aparecem novamente no Atu XIV, A Arte. Mais uma vez, uma lembrança do não-dualismo do Universo. A partir das imagens de Deus e Deusa, de Início e Fim, de Vida e Morte nós somos convidados a ir além em nosso processo iniciático e enxergarmos que na verdade é tudo parte de um Uno, o divino é Tudo, Nuit é Tudo (e aqui reforço que o Tudo não é deus. O Tudo é algo inefável e um conceito advindo do Tantra não-dual tradicional). E Dela, vislumbramos um lindíssimo e inebriante espectral pelo véu de luz de Ísis, a partir da guiança de sua Sacerdotisa, aquele ou aquela que se tornem verdadeiramente Adeptos em um dos Caminhos de Thelema.
Vesta NOX é graduada em Língua Estrangeira, Astróloga, Taróloga especializada no Tarot de Thoth e Sacerdotisa de Babalon. Ensina magia no projeto Bruxas Profanas e é Guardiã do Círculo Escarlate, primeiro círculo de mulheres do Brasil dedicado à uma Bruxaria Thelêmica
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