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Excerto de o Despertar dos Mágicos de Louis Pauwels e Jacques Bergier
A Terra é oca. Nós habitamos no interior.
Os astros são blocos de gelo. Já caíram várias luas sobre a Terra. A nossa também cairá. Toda a história da humanidade se explica pela batalha entre o gelo e o fogo.
O homem não está acabado. Está à beira de uma formidável mutação que lhe dará os poderes que os antigos atribuíam aos deuses. Existem no mundo alguns exemplares do homem novo, vindos talvez de além das fronteiras do tempo e do espaço.
Há alianças possíveis entre o Mestre do Mundo e o “Rei do Medo,” que reina numa cidade escondida algures no Oriente. Aqueles que tiverem um pacto modificarão por milénios a superfície da Terra e darão um sentido à aventura humana.
Tais são as teorias “científicas” e as concepções “religiosas” que alimentaram o nazismo original, nas quais acreditavam Hitler e os membros do grupo de que ele fazia parte, e que fortemente orientaram os factos sociais e políticos da história recente. Isto pode parecer extravagante. Uma explicação da história contemporânea, mesmo parcial, a partir de tais ideias e crenças pode parecer repugnante. Mas achamos que nada é repugnante no exercício da verdade.
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Sabe-se que o partido nazi se mostrou anti-intelectual de maneira franca, e mesmo ruidosa, que queimou os livros e classificou os físicos teóricos entre os inimigos “judaico-marxistas”. Em proveito de que explicações do mundo ele rejeitou as ciências ocidentais oficiais é o que muita gente ignora. Ainda menos se sabe em que concepção do homem se baseava o nazismo, pelo menos no espírito de alguns dos seus chefes. Mas, sabendo-o, situa-se melhor a última guerra mundial no quadro dos grandes conflitos espirituais; a história recupera o fôlego à Vítor Hugo da grandeza épica.
“Lançam-nos o anátema como a inimigos do espírito, dizia Hitler. Pois bem, é verdade, é isso que nós somos. Mas num sentido bem mais profundo do que a ciência burguesa, no seu imbecil orgulho, jamais sonhou”. É pouco mais ou menos o que Gurdjieff declarava ao seu discípulo Ouspensky, depois de terminado o processo da ciência: “O meu caminho é o do desenvolvimento das possibilidades escondidas do homem. É um caminho contra a natureza e contra Deus”.
Esta ideia das possibilidades escondidas do homem é essencial. Ela conduz muitas vezes à rejeição da ciência e ao desprezo pela humanidade vulgar. Ao nível desta ideia, muito poucos homens existem realmente. Ser é ser diferente. O homem vulgar,
o homem em estado natural não passa de uma larva e o Deus dos cristãos não passa de um pastor de larvas.
O doutor Willy Ley, um dos maiores peritos do Mundo em matéria de foguetões, fugiu da Alemanha em 1933. Foi por seu intermédio que soubemos da existência, em Berlim, pouco antes do nazismo, de uma pequena comunidade espiritual de verdadeiro interesse para nós.
Essa comunidade secreta fundamentara-se, literalmente, num romance do escritor inglês Bulwer Lytton: A Raça que nos há-de suplantar. Esse romance descreve homens cujo psiquismo é muito mais evoluído do que o nosso. Eles conquistaram poderes, sobre si próprios e sobre as coisas, que os tornam semelhantes a deuses. De momento, ainda se escondem. Habitam cavernas no centro da Terra. Em breve sairão para nos governar.
Eis tudo o que o doutor Willy Ley parecia saber. Acrescentava, sorrindo, que os discípulos julgavam possuir certos segredos para mudar de raça, para se tornarem iguais aos homens escondidos no interior da Terra. Métodos de concentração, toda uma ginástica interior para se transformarem. Iniciavam os seus exercícios contemplando fixamente uma maçã cortada ao meio. . . Nós prosseguimos as investigações.
Essa sociedade berlinense, à semelhança das lojas maçónicas, chamava-se: “A Loja Luminosa” ou “Sociedade do Vril”[1]. O Vril é a imensa energia de que nós não utilizamos senão uma ínfima parte na vida comum, o factor principal da nossa divindade possível. Aquele que se torna senhor do Vril torna-se senhor de si próprio, dos outros e do mundo,. É a isso que devemos aspirar. É nesse sentido que devemos encaminhar os nossos esforços. Todo o resto faz parte da psicologia oficial, das morais, das religiões, do vento. O mundo vai modificar-se. Os Senhores vão sair das entranhas da Terra. Se não tivermos feito uma aliança com eles, se não formos senhores, também nós, ficaremos entre os escravos, na estrumeira que servirá para fazer brotar as novas cidades.
“A Loja Luminosa” tinha adeptos na teosofia e nos grupos da Rosa-Cruz. Segundo Jack Belding, autor da curiosa obra Os Sete Homens de Spandau[2], Karl Haushoffer teria pertencido a essa Loja. Teremos muito que falar dele, e ver-se-á que a sua passagem por essa “Sociedade do Vril” esclarece certas coisas.
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Talvez o leitor se recorde que descobrimos, atrás do escritor Arthur Machen, uma sociedade iniciática inglesa: a Golden Dawn. Essa sociedade neopagã, da qual faziam parte grandes inteligências, nascera da Sociedade da Rosa-Cruz inglesa, fundada por Wentworth Little em 1867. Little estava em comunicação com membros da Rosa-Cruz. Recrutou os seus adeptos, em número de 144, entre os dignitários mações. Um dos adeptos era Bulwer Lytton.
Bulwer Lytton, erudito genial, célebre em todo o Mundo pela sua narrativa Os últimos Dias de Pompeia, não esperava sem dúvida que um dos seus romances, dezenas de anos mais tarde, inspirasse na Alemanha um grupo místico pré-nazi. No entanto, em obras como A Raça que nos há-de suplantar ou Zanoni, pretendia aludir às realidades do mundo espiritual, e mais especialmente do mundo infernal. Considerava-se um iniciado. Através da efabulação romanesca exprimia a certeza de que existem seres dotados de poderes sobre-humanos. Esses seres suplantar-nos-ão e conduzirão os eleitos da raça humana a caminho de uma formidável mutação.
É preciso prestar atenção a esta ideia de mutação de raça, pois viremos a reencontrá-la em Hitler[3], e ainda se não extinguiu.
É preciso também dar atenção à ideia dos “Superiores Desconhecidos”. Encontramo-la em todas as místicas negras do Oriente e do Ocidente. Habitando debaixo da terra ou vindos de outros planetas, gigantes semelhantes a esses que dormiriam sob uma carapaça de ouro nas criptas tibetanas, ou então presenças informes e terrificantes, tais como as descrevia Lovecraft, esses “Superiores Desconhecidos” evocados nos ritos pagãos e luciferinos existirão realmente? Quando Machen fala do mundo do Mal, “cheio de cavernas e de habitantes crepusculares”, é ao outro mundo, àquele onde o homem toma contacto com os “Superiores Desconhecidos”, que se refere, como discípulo do Golden Dawn. Parece-nos certo que Hitler partilhava dessa crença. Mais: que ele pretendia ter a experiência de contactos com os “Superiores”.
Citámos a Golden Dawn e a Sociedade do Vril alemã. Falaremos mais adiante do grupo de Tule. Não temos a loucura de pretender explicar a história por meio das sociedades iniciáticas. Mas veremos, curiosamente, que tudo teve importância e que através do nazismo, foi “o outro mundo” que exerceu autoridade sobre nós durante alguns anos. Ficou vencido. Mas não
morreu, nem do outro lado do Reno, nem noutros sítios. Isso não é horroroso, a nossa ignorância é que é horrorosa.
Já fizemos notar que Samuel Mathers fundara a Golden Dawn. Mathers pretendia estar em comunicação com esses “Superiores Desconhecidos” e ter estabelecido os contactos em companhia de sua mulher, irmã do filósofo Henri Bergson. Eis a seguir uma passagem do manifesto aos “Membros da segunda ordem”, que ele escreveu em 1896:
“A respeito desses Chefes Secretos, aos quais me refiro e de que recebi as instruções da Segunda Ordem que vos comuniquei, nada vos posso dizer. Nem sequer sei os seus nomes terrenos e só muito raramente os vi com os seus corpos físicos… Eles encontram-se fisicamente no tempo e no lugar antecipadamente fixados. Na minha opinião, creio que são seres humanos que habitam a Terra, mas que possuem poderes terríveis e sobre-humanos. . . As minhas relações físicas com eles mostraram-me quão difícil é para um mortal, por muito evoluído que seja, suportar-lhes a presença. Não quero dizer que, durante esses raros encontros que com eles tive, o efeito em mim produzido tenha sido o de depressão física intensa que se segue à perda do magnetismo. Pelo contrário, sentia-me em contacto com uma força tão terrível que só a posso comparar ao efeito provocado numa pessoa que esteve perto de um relâmpago durante uma violenta trovoada, acompanhado por uma grande dificuldade em respirar. . . À prostração nervosa de que falei juntavam-se suores frios e perdas de sangue pelo nariz, boca e, por vezes, pelos ouvidos.”
Hitler conversava um dia com Rauschning, chefe do governo de Dantzig, a respeito do problema da mutação da raça humana. Rauschning, que não possuía a chave de tão estranha preocupação, interpretava as frases de Hitler como frases de um criador de gado que procurasse melhorar o sangue alemão.
“Mas não pode fazer outra coisa senão auxiliar a natureza, dizia ele, abreviando o caminho a percorrer! É preciso que a própria natureza lhe dê uma nova variedade. Até agora, só raramente o criador obteve bons resultados, em relação à espécie animal, no desenvolvimento das mutações, quer dizer, em criar ele próprio novos caracteres.”
– O homem novo vive entre nós! Já chegou! – exclamou Hitler em tom triunfante. – Isto não lhe basta? Vou dizer-lhe um segredo. Eu vi o homem novo. É intrépido e cruel. Tive medo diante dele.
“Ao pronunciar estas palavras, acrescenta Rauschning, Hitler tremia num ardor extático.”
E Rauschning conta também esta cena estranha, a respeito da qual se interroga em vão o doutor Achille Delmas, especialista de psicologia aplicada. De facto, neste caso, a psicologia não se aplica:
“Uma pessoa da intimidade de Hitler disse-me que ele acorda durante a noite soltando gritos convulsivos. Pede socorro, sentado na beira da cama, como que paralisado. É possuído por um pânico que o faz tremer a ponto de sacudir a cama. Profere vociferações confusas e incompreensíveis. Arqueja como se estivesse a sufocar. A mesma pessoa relatou-me uma dessas crises com pormenores em que me recusaria a acreditar se a fonte não fosse de tanta confiança. Hitler estava de pé no seu quarto cambaleante, olhando em redor com ar desvairado. “É ele! É ele Ele esteve aqui!”, gemia. Os lábios tremiam-lhe. O suor escorria abundantemente. De súbito pronunciou números sem qualquer sentido, depois palavras, restos de frases. Era pavoroso. Empregava termos curiosamente reunidos, absolutamente extraordinários. Depois, novamente, voltara a ficar silencioso, mas continua a mexer os lábios. Tinham-no então friccionado, e fizeram-no tomar uma bebida. Depois, subitamente, berrou: “Ali, ali no canto! Está ali!” Batia com o pé no chão e soltava gritos. Tranquilizaram-no dizendo-lhe que nada se passava de anormal; e ele acalmou-se pouco a pouco. Em seguida, dormira várias horas e voltara a ser quase normal e suportável.[4]”
Deixamos ao leitor o cuidado de comparar as declarações de Mathers, chefe de uma pequena sociedade neopagã do fim do século xIx, e os ditos de um homem que, no momento em que Rauschning os coligia, se preparava para lançar o mundo numa aventura que provocou vinte milhões de mortos. Pedimos-lhe que não despreze esta comparação e a sua lição, a pretexto de que a Golden Dawn e o nazismo são, aos olhos do historiador é razoável, coisas completamente diferentes. O historiador é razoável, mas a história não o é. São as mesmas crenças que animam os dois homens, as suas experiências fundamentais são idênticas, a mesma força os impele. Pertencem à mesma corrente de pensamento, à mesma religião. Essa religião ainda não foi verdadeiramente estudada. Nem a Igreja, nem o racionalismo, que é outra igreja, o permitiram. Nós entramos numa época do conhecimento na qual tais estudos se tornarão possíveis porque a realidade desvendará a sua faceta fantástica e ideias ou técnicas que nos pareciam anormais, desprezíveis ou odiosas, apresentar-se-ão úteis para a compreensão de um real cada vez menos tranquilizador.
Não propomos ao leitor que estude uma filiação Rosa-Cruz-Bulwer Lytton-Litlle Nlathers-Cowley-Hitler, ou qualquer outra filiação do mesmo género, onde também se encontraria Madame Blavatsky e Gurdjieff. O jogo das filiações é como o das influências em literatura. Acabado o jogo, o problema mantém-se. O do génio em literatura. O do poder em História. A Golden Dawn não basta para explicar o grupo Tule, ou a “Loja Luminosa”, a Ahnenerbe. Existem, evidentemente, inúmeras interferências, passagens clandestinas ou declaradas de um grupo para outro. Não deixaremos de as assinalar. Isso é apaixonante, como toda a pequena história. Mas o nosso objectivo é a grande história.
Pensamos que essas sociedades, pequenas ou grandes, ramificadas ou não, conexas ou não, são as manifestações mais ou menos claras, mais ou menos importantes, de outro mundo diferente daquele em que vivemos. Digamos que é o mundo do Mal no sentido em que Machen o entendia. Mas também não conhecemos melhor o mundo do Bem. Vivemos entre dois mundos, tomando este no man’s land pelo próprio planeta inteiro. O nazismo foi um dos raros momentos da história da nossa civilização em que uma porta se abriu sobre outra coisa, de forma ruidosa e visível. É bastante estranho que os homens finjam nada ter visto nem ouvido, além dos espectáculos e ruídos vulgares da desordem guerreira e política.
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Todos estes movimentos: Rosa-Cruz moderna, Golden Dawn inglesa, Sociedade do Vril alemã (que nos conduzirão ao grupo Tule, no qual encontraremos Haushoffer, Hess, Hitler) tinham maiores ou menores ligações com a Sociedade Teosófica, poderosa e bem organizada. A teosofia juntava à magia neopagã uma solenidade oriental e uma terminologia hindu. Ou antes, abria os caminhos do Ocidente a um certo Oriente luciferino. Foi sob a designação de teosofismo que se acabou por descrever o vasto movimento de renascimento do mágico que impressionou muitas inteligências no início do século.
No seu estudo Le Théosophisme: histoire d’une pseudo-religíon, publicado em 1921, o filósofo René Guénon mostra-se profeta. Ele vê aumentarem os perigos por detrás da teosofia e os grupos iniciáticos neopagãos mais ou menos ligados à seita de Madame Blavatsky.
Escreve :
“Os falsos messias que até agora vimos apenas fizeram prodígios de qualidade muito inferior, e aqueles que os seguiram provavelmente não eram muito difíceis de seduzir. Mas quem sabe o que o futuro nos reserva? Se pensarmos que esses falsos messias nunca foram senão instrumentos mais ou menos inconscientes entre as mãos daqueles que os suscitaram, e se nos reportarmos em especial à série de tentativas sucessivamente feitas pelos teosofistas, somos levados a pensar que tudo isso foram apenas ensaios, de certa maneira experiências, que se renovarão sob diversas formas até que o êxito seja alcançado, e que, entretanto, sempre conseguem provocar certa perturbação nos espíritos. Aliás, não acreditamos que os teosofistas, nem os ocultistas ou os espiritas sejam capazes de realizar, por eles próprios e com pleno êxito, tal empreendimento. Mas não haveria, atrás de todos esses movimentos, qualquer coisa de igualmente temível, que os seus chefes talvez nem conhecessem e de que eram, por sua vez, os simples instrumentos!
É também a época em que uma extraordinária personagem, Rudolph Steiner, desenvolve na Suíça uma sociedade de investigações que se baseia na ideia de que o Universo inteiro está contido no espírito humano e que esse espírito é capaz de uma actividade sem nada de comum com o que a esse respeito nos diz a psicologia oficial. De facto, certas descobertas steinerianas, na biologia (os adubos que não destroem o solo), na medicina (utilização dos metais que alteram o metabolismo) e sobretudo em pedagogia (funcionam hoje na Europa numerosas escolas steinerianas), enriqueceram consideravelmente a humanidade.
Rudolph Steiner pensava que há uma forma negra e uma forma branca de investigação “mágica”. Achava que o teosofismo e as diversas sociedades neopagãs provinham do grande mundo subterrâneo do Mal e anunciavam uma era demoníaca. Apressava-se a estabelecer, no âmago do seu próprio ensinamento, uma doutrina moral incitando os “iniciados” a só utilizarem forças benéficas. Ele pretendia criar uma sociedade de benevolentes.
Não vamos pôr a questão de saber se Steiner tinha ou não razão, se era ou não senhor da verdade. O que nos impressiona é que as primeiras equipas nazis parecem ter considerado Steiner o seu inimigo número um. Logo de início, os seus agentes dispersam por meio da violência as reuniões de steinerianos, ameaçam de morte os discípulos, obrigam-nos a fugir da Alemanha e, em 1924, na Suíça, em Dornach, deitam fogo ao centro edificado por Steiner. Os arquivos ardem, Steiner já não está em condições de trabalhar e morre de desgosto um ano mais tarde.
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Até agora descrevemos os antecedentes do fantástico hitleriano. Agora, vamos realmente entrar no assunto. Floresceram duas teorias na Alemanha nazi: a teoria do Mundo gelado e a teoria da Terra oca. São duas explicações do Mundo e do homem que confirmam dados tradicionais, justificam mitos, verificam um certo número de “verdades” defendidas por grupos iniciáticos, desde os Teósofos a Gurdjieff. Mas essas teorias foram expressas com grande aparato político-científico. Quase expulsaram da Alemanha a ciência moderna tal como nós a consideramos. Foram aceites por muitos espíritos. Além disso, determinaram certas decisões militares de Hitler, influenciaram por vezes a marcha da guerra e contribuíram sem dúvida para a catástrofe final. Foi levado por essas teorias e especialmente pela ideia do dilúvio sacrificial que Hitler pretendeu arrastar todo o povo alemão para a destruição.
Não sabemos por que razão essas teorias, tão poderosamente afirmadas, às quais aderiram dezenas de homens e de grandes espíritos, pelas quais se fizeram grandes sacrifícios materiais e humanos, ainda não foram estudadas entre nós e continuam mesmo desconhecidas.
Ei-las a seguir, com a sua génese, a sua história, as suas aplicações e a sua posteridade.
1 A ideia do “Vril” encontra-se, originariamente, na obra do escritor francês Jacolliot, cônsul de França em CALGUtá na época de Napoleão III. V. o Cap. II.
2 Não traduzido em francês. Encontra-se a mesma indicação em As Estrelas em Tempo de Guerra e de Paz de Louis de Wohl, escritor húngaro que dirigiu durante a guerra a secção de investigações sobre Hitler e os nazis do Serviço de Informações inglês (não traduzido).
3 O objectivo de Hitler não é nem a criação da raça dos Senhores, nem a conquista do Mundo; isso são apenas os meios para realizar a grande obra sonhada por Hitler. O verdadeiro objectivo era fazer obra de criação, obra divina, o objectivo da mutação biológica; o resultado será uma ascensão da humanidade ainda não igualada, “a aparição de uma humanidade de heróis, de semideuses, de homens-deuses”. Dr. Achille Delmas.
4 Hermann Rauschning: Hitler n2’a dit. Edição Cooperação, Paris, 1939. Achille Delmas: Hitler essai de biographie psyco pathologique. Livraria Marcel Rivière. Paris, 1946.
Numa manhã de Verão de 1925, o carteiro entregou uma carta em casa de todos os sábios da Alemanha e da Áustria. Apenas o tempo de a abrir: a ideia da ciência tranquila morrera, os sonhos e os gritos dos condenados enchiam de súbito os laboratórios e as bibliotecas. A carta era um ultimato:
“Agora é preciso escolher, estar connosco ou contra nós. Ao mesmo tempo que Hitler limpará a política, Hans Horbiger expulsará as falsas ciências. A doutrina do gelo eterno será o sinal da regeneração do povo alemão! Atenção! Coloquem-se do nosso lado antes que seja demasiado tarde!”
O homem que assim ousava ameaçar os sábios, Hans Horbiger, tinha sessenta e cinco anos. Era uma espécie de profeta furioso. Usava uma imensa barba branca e tinha uma letra capaz de desencorajar o melhor grafólogo. A sua doutrina começava a ser conhecida por um vasto público sob o nome de well. Era uma explicação do cosmos em contradição com a astronomia e as matemáticas oficiais, mas que justificava antigos mitos. No entanto Horbiger considerava-se a ele próprio como um sábio. “A ciência
Mas a ciência devia mudar de via e de métodos.
Objectiva é uma invenção perniciosa, um totem de decadência”. Pensava, como Hitler, “que a questão prévia a qualquer actividade científica é saber quem quer saber”. Só o profeta pode reclamar a ciência, pois ele é, em virtude da inspiração, elevado a um nível superior de consciência. Era o que pretendia dizer o iniciado Rabelais ao escrever: “Ciência sem consciência é apenas ruína da alma.” Ele pretendia dizer: ciência sem consciência superior. Tinham falsificado a sua mensagem, em proveito de uma pequena consciência humanista primária. Quando o profeta quer saber, pode então tratar-se de ciência, mas é uma coisa diferente daquilo a que vulgarmente se chama ciência. Por isso Hans Horbiger não podia suportar a menor dúvida, o menor esboço de contradição. Agitava-o um furor sagrado: “Têm confiança nas equações e não têm em mim!, berrava. De quanto tempo precisarão ainda para compreender que as matemáticas representam uma mensagem sem valor?”
Na Alemanha do Herr Doktor, cientista e técnico, Hans Horbiger, com gritos e murros, abria caminho ao saber inspirado, ao conhecimento irracional, às visões. Não era o único; mas nesse domínio era o que mais se distinguia. Hitler e Himmler tinham-se unido a um astrólogo, mas não o divulgavam. Esse astrólogo chamava-se Führer. Mais tarde, após a tomada do poder, e como que para afirmar a sua vontade, não só de reinar, como de “modificar a vida”, eles próprios ousariam provocar os sábios. Nomeariam Führer “plenipotenciário das matemáticas, da astronomia e da física” .
De momento, Hans Horbiger organizava, nos domínios da inteligência, um sistema comparável ao dos agitadores políticos.
Parecia dispor de grandes possibilidades financeiras. Agia como um chefe de partido. Criava um movimento, com serviços de informações, recrutamento e quotizações, propagandistas e “agentes” escolhidos entre a juventude hitleriana. As paredes estavam cobertas de cartazes, inundavam os jornais de editais, distribuíam panfletos em massa, organizavam-se “meetings”. As reuniões e conferências de astrónomos eram interrompidas pelos partidários que gritavam: “Fora os sábios ortodoxos! Sigam Horbiger!” Os professores eram molestados nas ruas. Os directores dos institutos científicos recebiam cartões: “Quando ganharmos, o senhor e os seus semelhantes irão mendigar pelos passeios”. Homens de negócios, industriais, antes de contratarem um empregado obrigavam-no a assinar uma declaração: “Juro ter confiança na teoria do gelo eterno”. Horbiger escrevia aos grandes engenheiros: “Ou aprenderá a acreditar em mim, ou será tratado como inimigo”.
Em poucos anos, o movimento publicou três grandes volumes de doutrina, quarenta livros populares, centenas de brochuras. Editavam um magazine mensal de grande tiragem: A Chave dos Acontecimentos Mundiais. Já recrutara dezenas de milhares de aderentes. Viria a representar um papel importante na história das ideias e na própria história.
Ao princípio, os sábios protestavam, publicavam cartas e artigos para demonstrar as impossibilidades do sistema Horbiger. Depois alarmaram-se quando a wel tomou proporções de um vasto movimento popular. A seguir à subida ao poder de Hitler a resistência diminuiu, embora as universidades continuassem a ensinar a astronomia ortodoxa. Sábios de renome aderiram à doutrina do gelo eterno, como, por exemplo, Lenard, que, juntamente com Roentgen, descobrira os raios X, o físico Oberth, e Stark, cujas investigações sobre a espectroscopia eram mundialmente conhecidas. Hitler protegia abertamente Horbiger e acreditava nele.
“Os nossos antepassados nórdicos tornaram-se fortes devido à neve e ao gelo, declarava um panfleto popular da wel, e é esse motivo por que a crença no gelo mundial é a herança natural do homem nórdico. Um austríaco, Hitler, expulsou os políticos judeus, um segundo austríaco, Horbiger, expulsará os sábios judeus. Com a sua própria vida, o Führer provou que um amador é superior a um profissional. Foi preciso outro amador para nos dar uma compreensão completa do Universo.”
Hitler e Horbiger “os dois maiores austríacos,” encontraram-se várias vezes. O chefe nazi escutava aquele sábio visionário com deferência. Horbiger não admitia que o interrompessem no seu discurso e respondia com firmeza a Hitler: “Maul Zum Cala a boca! Levou ao extremo a convicção de Hitler: o povo alemão, no seu messianismo, era envenenado pela ciência ocidental, tacanha, debilitante, separada da carne e da alma. Criações recentes, como a psicanálise, a serologia e a relatividade eram máquinas de guerra dirigidas contra o espírito de Parsifal. A doutrina do gelo mundial forneceria o contraveneno necessário. Essa doutrina destruía a astronomia aceite: o resto do edifício desmoronar-se-ia em seguida por si próprio, e era preciso que se desmoronasse para que renascesse a magia, único valor dinâmico. Os teóricos do nacional-socialismo e os do gelo eterno reuniram-se em conferências: Rosenberg e Horbiger, rodeados pelos seus melhores discípulos.
A história da humanidade, tal como Horbiger a descrevia, com os grandes dilúvios e as migrações sucessivas, com os seus gigantes e os seus escravos, os seus sacrifícios e as suas epopeias, correspondia à teoria da raça ariana. As afinidades do pensamento de Horbiger com os temas orientais das eras antediluvianas, dos períodos de salvação da espécie e os períodos de punição apaixonaram Himmler. À medida que o pensamento de Horbiger se definia, revelavam-se correspondências com as visões de Nietzsche e a mitologia wagneriana. As origens fabulosas da raça ariana, que descera das montanhas habitadas pelos super-homens de outra era, destinada a mandar no planeta e nas estrelas, estavam estabelecidas. A doutrina de Horbiger associava-se intimamente ao pensamento do socialismo mágico, aos movimentos místicos do grupo nazi. Vinha fortalecer muito o que Jung viria a chamar mais tarde “a líbido do sem-razão”. Ela trazia algumas dessas “vitaminas da alma” contidas nos mitos.
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Foi em 1913 que um certo Philipp Fauth[1], astrónomo amador especializado na observação da Lua, publicou com alguns amigos um enorme livro de mais de oitocentas páginas: A Cosmogonia Glacial de Horbiger. A maior parte da obra era escrita pelo próprio Horbiger.
Horbiger, nessa época, administrava com negligência os seus negócios pessoais. Nascido em 1860, de uma família conhecida no Tirol desde há séculos, fizera os estudos na Escola de Tecnologia de Viena, e um estágio prático em Budapeste. Desenhador na fábrica de máquinas a vapor Alfredo Collman, entrara em seguida como especialista dos compressores na fábrica de Land, em Budapeste. Foi aí que inventou, em 1894, um novo sistema de torneira para bombas e compressores. A licença fora vendida a poderosas sociedades alemãs e americanas, e Horbiger vira-se de súbito na posse de uma grande fortuna que a guerra em breve dispersaria.
Horbiger era apaixonado pelas aplicações astronómicas das mudanças de estado da água: líquido, gelo, vapor, que tivera ocasião de estudar no seu trabalho. Pretendia explicar com isso toda a cosmografia e toda a astrofísica. Bruscas inspirações, intuições fulgurantes tinham-lhe aberto as portas, dizia ele, de uma ciência nova que continha todas as outras ciências. Ia transformar-se num dos grandes profetas da Alemanha messiânica e, como viriam a escrever depois da sua morte: “Um descobridor de génio abençoado por Deus”.
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A doutrina de Horbiger deve o seu poder a uma visão completa da história e da evolução do cosmos. Ela explica a formação do sistema solar, o aparecimento da Terra, da vida e do espírito. Descreve todo o passado do Universo e anuncia as suas futuras transformações. Responde às três interrogações essenciais: O que somos nós? De onde vimos? Para onde vamos? E responde de forma exaltante.
Tudo assenta na ideia da luta perpétua, nos espaços infinitos, entre o gelo e o fogo e entre a força de repulsão e a força de atracção. Essa luta, essa tensão variando entre princípios opostos, essa eterna guerra no céu, que é a lei dos planetas, rege também a Terra e a matéria viva e determina a história humana. Horbiger pretende revelar o mais longínquo passado do nosso globo bem como o seu mais longínquo futuro, e introduz noções fantásticas a respeito da evolução das espécies vivas. Altera aquilo que geralmente pensamos da história das civilizações, da aparição e do desenvolvimento do homem e das suas sociedades. Não descreve, a esse respeito, uma elevação contínua, mas uma série de ascensões e de quedas. Ter-nos-iam precedido, há centenas de milhares de anos, e talvez biliões de anos, homens-deuses, gigantes, civilizações fabulosas. Aquilo que eram os antepassados da nossa raça talvez nós o voltemos a ser, através de cataclismos e mutações extraordinárias, no decurso de uma história que, sobre a Terra como no cosmos, se desenrola por ciclos. Pois as leis do céu são as mesmas que as da Terra e o Universo inteiro participa do mesmo movimento, é um organismo vivo onde tudo se repercute sobre tudo. A aventura dos homens está ligada à aventura dos astros, o que se passa no cosmos passa-se sobre a Terra, e reciprocamente.
Como se vê, esta doutrina dos ciclos e das relações quase mágicas entre o homem e o Universo fortifica o pensamento tradicional mais remoto. Volta a introduzir as antiquíssimas profecias, os mitos e as lendas, os antigos temas do Génesis, do Dilúvio, dos Gigantes e dos Deuses.
Esta doutrina, como melhor se compreenderá mais adiante, está em contradição com todos os dados da ciência admitida. Mas, dizia Hitler, “há uma ciência nórdica e nacional-socialista que se opõe à ciência judaico-liberal”. A ciência admitida no Ocidente, como aliás a religião judaico-cristã que aí encontra cumplicidades, é uma conspiração que é preciso destruir. É uma conspiração contra o sentido da epopeia e do mágico que reside no coração do homem forte, uma vasta conspiração que fecha para a humanidade as portas do passado e do futuro para além do curto espaço das civilizações recenseadas, que a despoja das suas origens e do seu destino fabuloso, e que a priva do diálogo com os seus deuses.
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Os sábios admitem geralmente que o nosso universo foi criado por uma explosão, há três ou quatro biliões de anos. Explosão de quê? Talvez o cosmos inteiro estivesse contido num átomo, ponto zero da criação. Esse átomo teria explodido e estaria desde então em constante expansão. Estariam contidas nele toda a matéria e todas as forças hoje empregadas no Universo. Mas, aceitando a hipótese, não se pode dizer, no entanto, que se trata do começo absoluto do Universo. Os teóricos da expansão do Universo a partir desse átomo omitem o problema da sua origem. No fim de contas, a esse respeito a ciência não faz declarações mais precisas do que o admirável poema índio: “No intervalo entre a dissolução e a criação, Vishnu-Cesha repousava na sua própria substância, luminoso de energia dormente, entre os gérmenes das vidas futuras”.
No que se refere ao nascimento do nosso sistema solar, as hipóteses também são vagas. imaginaram que os planetas teriam brotado de uma explosão parcial do Sol. Um grande corpo astral teria passado perto, arrancando uma parte da substância solar, que se teria dispersado no espaço e como que condensado em planetas. Depois, o grande corpo, o superastro desconhecido, continuando o seu percurso, ter-se-ia perdido no infinito. Imaginaram ainda a explosão de um gémeo do nosso Sol. O professor H.-N. Roussel, resumindo a questão, escreveu com humor: “Até que saibamos como é que a coisa aconteceu, o que há realmente de certo é que o sistema solar se produziu de uma certa maneira”.
Quanto a Horbiger, ele pretende saber como a coisa aconteceu. Conhece a explicação definitiva. Numa carta ao engenheiro Willy Ley confirma que essa explicação lhe saltou à vista na juventude. “Tive a revelação, diz ele, quando, jovem engenheiro, observei um dia uma corrente de aço fundido sobre a terra molhada e coberta de neve: a terra explodia com certo atraso e grande violência”. É tudo. A partir daí, a doutrina de Horbiger desenvolver-se-á e começará a dar frutos. É a maçã de Newton.
Havia no céu um enorme corpo de alta temperatura, milhões de vezes maior do que o nosso Sol actual. Esse corpo entrou em colisão com um planeta gigante constituído por uma acumulação de gelo cósmico. Essa massa de gelo penetrou profundamente no supersol. Nada se produziu durante centenas de milhares de anos. Depois, o vapor de água fez explodir tudo.
Alguns fragmentos foram projectados tão longe que se perderam no espaço gelado.
Outros tornaram a cair sobre a massa central de onde partira a explosão.
Outros finalmente foram atirados para uma zona média: são os planetas do nosso sistema. Havia trinta. São blocos que a pouco e pouco se cobriram de gelo. A Lua, Júpiter, Saturno são de gelo e os canais de Marte são fendas do gelo. Só a Terra não está inteiramente tomada pelo frio: aí mantém-se a luta entre o gelo e o fogo.
A uma distância igual a três vezes a de Neptuno encontrava-se, no momento dessa explosão, um enorme anel de gelo. E ali se encontra ainda. É o que os astrónomos oficiais teimam em chamar a Via Láctea, porque algumas estrelas semelhantes ao nosso Sol brilham através dele. Quanto às fotografias de estrelas individuais, cujo conjunto daria uma Via Láctea, trata-se de truques fotográficos.
As manchas que se observam no Sol e que mudam de forma e de lugar todos os onze anos continuam inexplicáveis para os sábios ortodoxos. Elas são produzidas pela queda de blocos de gelo que se desagregam de Júpiter. E Júpiter fecha o seu círculo em redor do Sol todos os onze anos. Na zona média da explosão, os planetas do sistema de que nós fazemos parte obedecem a duas forças:
– A força primeira da explosão, que os afasta;
– A gravitação, que os atrai em direcção da massa mais forte situada nas proximidades.
Estas duas forças não são iguais. A força da explosão inicial vai diminuindo, pois o espaço não está vazio: há uma matéria ténue, feita de hidrogénio e de vapor de água. Além disso, a água que atinge o Sol enche o espaço de cristais de gelo. Assim, a força inicial, de repulsão, acha-se cada vez mais travada. Em contrapartida, a gravitação é constante. É o motivo por que cada planeta se aproxima do planeta mais próximo que o atrai. Aproxima-se dando voltas em redor, ou antes, descrevendo uma espiral que se vai estreitando. Desta forma, mais cedo ou mais tarde, todo o planeta cairá sobre o que estiver mais próximo, e todo o sistema acabará por cair novamente em gelo no Sol. E dar-se-á então uma nova explosão, e um novo recomeço.
Gelo e fogo, repulsão e atracção estão permanentemente em luta no Universo. Essa luta determina a vida, a morte e o perpétuo renascimento do cosmos. Um escritor alemão. Elmar Brugg, escreveu em 1952 uma obra em homenagem a Horbiger, na qual dizia:
“Nenhuma das doutrinas de representação do Universo punham em jogo o princípio de contradição, de luta entre duas forças contrárias, e de que, no entanto, a alma do homem se alimenta há milénios. O mérito imperecível de Horbiger é ter ressuscitado poderosamente o conhecimento intuitivo dos nossos antepassados por meio do conflito eterno do fogo e do gelo, cantado por Edda. Ele expôs esse conflito ante os olhos dos seus contemporâneos. Fundou cientificamente essa imagem grandiosa do mundo ligado ao dualismo da matéria e da força, da repulsão que dispersa e da atracção que torna a reunir”.
É então certo: a Lua acabará por cair sobre a Terra. Há um momento, algumas dezenas de milénios, em que a distância
de um planeta a outro parece fixa. Mas poderemos constatar que a espiral se estreita. Pouco a pouco, no decorrer dos tempos, a Lua aproximar-se-á. A força de gravitação que ela exerce sobre a Terra aumentará. Então as águas dos nossos oceanos juntar-se-ão numa maré permanente, e aumentarão de volume, cobrindo as terras, submergindo os trópicos e cercando as mais altas montanhas. Os seres vivos achar-se-ão progressivamente libertos do seu peso. Crescerão. Os raios cósmicos tornar-se-ão mais poderosos. Agindo sobre a génese e os cromossomas provocarão mutações. Ver-se-ão surgir novas raças, animais, plantas
e homens gigantescos.
Depois, ao aproximar-se ainda mais, a Lua explodirá, girando a grande velocidade, e transformar-se-á num imenso anel de rochedos, de gelo, água e gás, girando cada vez mais depressa. Por fim, esse anel cairá sobre a Terra, e então será a Queda, o Apocalipse anunciado. Mas se sobreviverem alguns homens, os mais fortes, os melhores, os eleitos, estar-lhes-ão reservados estranhos e formidáveis espectáculos. E talvez o espectáculo final.
Após milénios sem satélite, durante os quais a Terra terá conhecido extraordinárias imbricações de raças antigas e modernas, civilizações vindas dos gigantes, recomeços para além do Dilúvio e de imensos cataclismos, Marte, mais pequeno do que o nosso globo, acabará por se lhe reunir. Atingirá a órbita da Terra. Mas é demasiado grande para ser capturado, para se tornar, como a Lua, um satélite. Passará muito perto da Terra, roçá-la-á ao cair sobre o Sol, atraído por ele, aspirado pelo fogo. Então a nossa atmosfera achar-se-á de um momento para o outro tragada, arrastada pela gravitação de Marte, e abandonar-nos-á para se perder no espaço. Os oceanos agitar-se-ão aos borbotões à superfície da Terra, lavando tudo, e a crosta terrestre estalará. O nosso globo, morto, continuando a girar em espiral, será apanhado por planetóides gelados que vagueiam pelo céu, e transformar-se-á numa enorme bola de gelo que por sua vez se precipitará sobre o Sol. Após a colisão haverá o grande silêncio, a grande imobilidade, enquanto o vapor de água se acumulará, durante milhões de anos, no interior da massa chamejante. Finalmente haverá uma nova explosão para outras criações na eternidade das forças ardentes do cosmos.
Tal é o destino do nosso sistema solar na visão do engenheiro austríaco que os dignitários nacionais-socialistas chamavam “O Copérnico do século xx”. Vamos agora descrever essa visão aplicada à história passada, presente e futura da Terra e dos homens. É uma história que, através dos “olhos de tempestade e batalha” do profeta Horbiger, se assemelha a uma lenda, cheia de revelações fabulosas e formidáveis estranhezas.
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Estava-se em 1948, eu acreditava em Gurdjieff e uma das suas fiéis discípulas convidara-me amavelmente a passar alguns dias em sua casa, com minha família, na montanha. Essa mulher tinha uma grande cultura, uma formação de química, inteligência viva e temperamento firme. Auxiliava os artistas e os intelectuais. Depois de Luc Dietrich e René Daumal, eu viria a contrair em relação a ela uma dívida de reconhecimento. Nada tinha da discípula louca e os ensinamentos de Gurdjieff; que por vezes se instalava em sua casa, penetravam-na através do crivo da razão. No entanto, um dia, apanhei-a, ou julguei apanhá-la em flagrante delito de insensatez. Abriu-me de súbito os abismos do seu delírio, e eu fiquei mudo e aterrado diante dela, como perante uma agonia. Uma noite fria brilhava sobre a neve e nós conversávamos tranquilamente, encostados à varanda da casa. Olhávamos os astros, como os olhamos na montanha, sentindo uma solidão absoluta que noutros sítios é angustiante, mas ali purificante. Os relevos da Lua viam-se nitidamente.
– Seria melhor dizer-se uma lua – disse a minha hospedeira -, uma das luas. . .
– O que quer dizer?
– Houve outras luas no céu. Esta é simplesmente a última…
– O quê?! Teria havido outras luas além desta?
– Decerto. O Sr. Gurdjieff sabe-o, e sabem-no outras pessoas.
– Mas, enfim, os astrónomos…
– Oh!, se acredita em cientistas!..
O seu rosto estava calmo e sorria com um pouco de comiseração. A partir desse dia deixei de me sentir em harmonia com certos amigos de Gurdjieff a quem estimava. Tornaram-se, a meus olhos, seres frágeis e inquietantes e senti que um dos elos que me ligavam a essa família acabava de se romper. Alguns anos mais tarde, ao ler o livro de Gurdjieff As Narrativas de Belzebu, e ao descobrir a cosmogonia de Horbiger, compreendi que aquela visão, ou antes aquela crença, não era uma simples incursão pelo fantástico. Havia uma certa coerência entre essa extraordinária história de luas e a filosofia do super-homem, a psicologia dos “estados superiores da consciência,” a mecânica das mutações. Essa história, aliás, encontrava-se nas tradições orientais, bem como a ideia de que existiram homens, há milénios, que puderam observar um céu diferente do nosso, outras constelações, outro satélite.
Não teria Gurdjieff feito mais do que inspirar-se em Horbiger, que certamente conhecia? Ou então ter-se-ia inspirado em fontes antigas de saber, tradições ou lendas, que Horbiger corroborara como que casualmente no decorrer das suas inspirações pseudo-científicas?
Eu ignorava, sobre aquela varanda da casa de montanha, que a minha hospedeira exprimia uma crença que fora a de milhares de homens na Alemanha hitleriana ainda sepultada sob ruínas, nessa hora ainda sangrenta, ainda chamejante, entre os destroços dos seus grandes mitos. E a minha hospedeira naquela noite clara e tranquila, também o ignorava.
*
Portanto, na opinião de Horbiger, a Lua, aquela que nós vemos, não passaria do último satélite captado pela terra, o quarto. O nosso globo, no decurso da sua história, já teria captado três. Três massas de gelo cósmico errando no espaço teriam, sucessivamente, alcançado a nossa órbita. Teriam começado a girar em espiral à volta da Terra, aproximando-se, depois ter-se-iam abatido sobre nós. A nossa Lua actual também se precipitará sobre a Terra. Mas, desta vez, a catástrofe será maior, pois este último satélite gelado é maior que os precedentes. Toda a história do globo, a evolução das espécies e toda a história humana encontram a sua explicação nesta sucessão das luas do nosso céu.
Há quatro épocas geológicas, pois houve quatro luas. Estamos no quaternário. Antes de cair, uma lua explode e, girando cada vez mais depressa, transforma-se num anel de rochedos de gelo e de gás. É esse anel que cai sobre a Terra, recobrindo em círculo a crosta terrestre e fossilizando tudo o que fica por baixo. Os organismos enterrados não se fossilizam em período normal: apodrecem. Só se fossilizam no momento em que cai uma lua. Eis o motivo por que nos foi possível recensear uma época primária, uma época secundária e uma época terciária. No entanto, como se trata de um anel, só possuímos testemunhos muito fragmentários a respeito da história da vida sobre a Terra. Ao longo dos tempos puderam nascer e desaparecer outras espécies animais e vegetais, sem que delas ficassem vestígios nas camadas geológicas. Mas a teoria das luas sucessivas permite imaginar as modificações sofridas no passado pelas formas vivas. Permite igualmente prever as modificações futuras.
Durante o período em que o satélite se aproxima, há um momento de algumas centenas de milhares de anos em que ele gira em volta da Terra a uma distância de quatro a seis raios terrestres. Em comparação com a distância da nossa Lua actual está ao alcance da mão. A gravitação está portanto consideravelmente alterada. Ora é a gravitação que dá aos seres o seu tamanho. Eles só aumentam de tamanho em função do peso que podem suportar.
No momento em que o satélite está próximo há portanto um período de gigantismo.
No final do primário: os vegetais imensos, os insectos gigantescos.
No final do secundário: os diplódocos, os iguanodontes, os animais de trinta metros. Produzem-se mutações bruscas, pois os raios cósmicos são mais poderosos. Os seres, libertos do seu peso, erguem-se, as caixas cranianas dilatam-se, os animais começam a voar. talvez tenham aparecido, no final do segundo período, mamíferos gigantescos. E talvez os primeiros homens criados por mutação. Seria preciso situar esse período no final[2] do secundário, no momento em que a segunda lua gira nas proximidades do globo, há cerca de quinze milhões de anos. É a era do nosso antepassado, o gigante. Madame Blavatsky, que pretendia ter recebido comunicação do Livro dos Dzyan, texto que seria o mais antigo da humanidade e contaria a história das origens do homem, afirmava igualmente que uma primeira raça humana, gigantesca, teria surgido no secundário: “O homem secundário será descoberto um dia, e com ele as suas civilizações há muito submersas”.
Numa noite dos tempos infinitamente mais espessa do que nós o imaginamos, eis portanto, sob uma lua diferente, num mundo de monstros, esse primeiro homem que mal se nos assemelha e cuja inteligência é diferente da nossa. O primeiro homem, e talvez o primeiro par humano, gémeos expulsos de uma matriz animal por um prodígio das mutações que se multiplicam quando os raios cósmicos são gigantescos. O Génesis diz-nos que os descendentes desse antepassado viviam entre quinhentos a novecentos anos: é que o alívio de peso diminui o desgaste do organismo. Ele não nos fala de gigantes, mas as tradições judaicas e muçulmanas compensam abundantemente essa omissão. Enfim, os discípulos de Horbiger afirmam que fósseis do homem secundário teriam sido descobertos recentemente na Rússia.
Quais teriam sido as formas de civilizações do gigante há quinze milhões de anos? Imaginam-se assembleias e maneiras de ser decalcadas sobre os insectos gigantes vindos do primário e de que os nossos insectos de hoje, ainda muito estranhos, são os descendentes degenerados. Imaginam-se grandes poderes de comunicação à distância, civilizações fundadas sobre o modelo das centrais de energia psíquica e material que formam por exemplo as termiteiras, as quais põem ao observador tantos problemas perturbantes acerca dos domínios desconhecidos das infra-estruturas – ou das superestruturas – da inteligência.
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Essa segunda lua vai ainda aproximar-se, explodir em anel e cair sobre a Terra, que sofrerá um novo e longo período sem satélite. Nos espaços longínquos, uma formação glaciária em espiral alcançará a órbita da Terra, que desta forma captará uma nova lua. Mas, durante esse período em que nenhuma grande bola brilhará sobre as cabeças, só sobrevivem alguns espécimes das mutações que se produziram no final do secundário e que vão subsistir diminuindo de tamanho. Há ainda gigantes que se adaptam. Quando a lua terciária aparece já se formaram homens vulgares, mais pequenos, menos inteligentes: os nossos verdadeiros antepassados. Mas os gigantes oriundos do secundário têm atravessado os cataclismos, ainda existem, e são eles que vão civilizar os pequenos homens.
A ideia de que os homens, partindo da bestialidade e da selvajaria, evoluíram lentamente até à civilização é uma ideia recente. É um mito judaico-cristão, imposto às consciências para expulsar um mito mais poderoso e mais revelador. Quando a humanidade estava mais fresca, mais perto do seu passado, no tempo em que nenhuma conspiração bem urdida a expulsara ainda da sua própria memória, ela sabia que descendia dos deuses, dos reis gigantes que lhe tinham ensinado tudo. Lembrava-se de uma idade de ouro em que os superiores, nascidos antes dela, lhe ensinavam a agricultura, a metalurgia, as artes, as ciências e o manejo da Alma. Os gregos evocavam a época de Saturno e o reconhecimento que os seus antepassados votavam a Hércules. Os egípcios e os mesopotâmios conservavam as lendas dos reis gigantes iniciadores. As povoações a que nós hoje chamamos “primitivas”, os indígenas do Pacífico, por exemplo, juntam à sua religião, sem dúvida adulterada, o culto dos bons gigantes do princípio do Mundo. Na nossa época, em que todos os dados do espírito e do conhecimento foram alterados, os homens que realizaram o tremendo esforço de escapar às formas de pensar estabelecidas tornam a encontrar, na origem da sua inteligência, a nostalgia dos tempos felizes da alvorada dos séculos, de um paraíso perdido, a recordação velada de uma iniciação primordial.
Da Grécia à Polinésia, do Egipto ao México e à Escandinávia, todas as tradições dizem que os homens foram iniciados por
gigantes. É o período de ouro do terciário, que dura vários milhões de anos durante os quais a civilização moral, espiritual e talvez técnica atinge o seu apogeu sobre o globo. Quando os gigantes ainda estavam misturados aos homens.
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A lua terciária, cuja espiral se estreita, reaproxima-se da Terra. As águas sobem, aspiradas pela gravitação do satélite, e os homens, há mais de novecentos mil anos, sobem para os mais altos cumes montanhosos com os gigantes, seus reis. Sobre esses cumes, por sobre os oceanos revoltados que formam um anel em redor da Terra, os homens e os seus Superiores vão fundar uma civilização marítima mundial na qual Horbiger e o seu discípulo inglês Bellamy vêem a civilização atlântida.
Bellamy assinala, nos Andes, a quatro mil metros, vestígios de sedimentos marinhos que se prolongam durante setecentos quilómetros. As águas do final do terciário chegavam até ali e um dos centros civilizados desse período teria sido Tiahuanaco, perto do lago Titicaca. As ruínas de Tiahuanaco testemunham uma civilização centenas de vezes milenária, e que em nada se assemelha às civilizações posteriores[3]. Os vestígios dos gigantes ali estão, para os horbigerianos, visíveis, assim como os seus inexplicáveis monumentos. Ali se encontra, por exemplo, uma pedra de nove toneladas, entalhada com seis chanfraduras de três metros de altura, as quais continuam incompreensíveis para os arquitectos, como se o seu papel tivesse sido esquecido depois por todos os construtores da história. Pórticos com três metros de altura e quatro de largura, talhados numa pedra única, com portas, janelas falsas e esculturas talhadas a cinzel, pesando no conjunto dez toneladas. Lanços de muros, ainda de pé, pesam sessenta toneladas, e são sustentados por blocos de grés de cem toneladas, enterrados na terra como cunhas. Entre essas ruínas fabulosas erguem-se estátuas gigantescas de que só uma foi retirada e colocada no jardim do Museu de La Paz. Tem oito metros de altura e pesa vinte toneladas. tudo convida os horbigerianos a ver nessas estátuas retratos de gigantes, executados por eles próprios.
“Das feições do rosto chega a nossos olhos, e mesmo até ao nosso coração, uma expressão de soberana bondade e soberana sabedoria. Uma harmonia de todo o ser emana do conjunto do colosso, cujas mãos e o corpo maravilhosamente estilizados são concebidos com um equilíbrio que tem uma qualidade moral. Emana do maravilhoso monolítico tranquilidade e paz. Se ele representa o retrato de um dos reis gigantes que governaram esse povo, não se pode deixar de pensar neste princípio de frase de Pascal: “Se Deus nos desse mestres das suas mãos…”
Entre essas esculturas figuram estilizações de um animal, o todoxon, cujos ossos foram descobertos nas ruínas de Tiahuanaco. Ora nós sabemos que o todoxon só pôde viver no terciário. Finalmente, nessas minas que teriam precedido em cem mil anos o final do terciário, enterrado no lodo ressequido, há um pórtico de dez toneladas cujas decorações foram estudadas pelo arqueólogo alemão Kiss, discípulo de Horbiger, entre 1928 e 1937. Tratar-se-ia de um calendário realizado segundo as observações dos astrónomos do terciário. Esse calendário exprime dados científicos rigorosos. É dividido em quatro partes separadas pelos solstícios e os equinócios que marcam as estações astronómicas. Cada uma dessas estações é por sua vez dividida em três secções, e nessas doze subdivisões a posição da Lua é visível para cada hora do dia. Além disso, os dois movimentos do satélite, o seu movimento aparente e o seu movimento real, tendo em consideração a rotação da Terra, estão indicados nesse fabuloso pórtico esculpido, de tal forma que somos levados a pensar que os realizadores e os utilizadores tinham uma cultura superior à nossa.
Tiahuanaco, a mais de quatro mil metros nos Andes, era portanto uma das cinco grandes cidades da civilização marítima do fim do terciário, construídas pelos gigantes condutores de homens. Os discípulos de Horbiger vêem nela os vestígios de um grande porto, com os seus cais enormes, de onde os atlantas, visto que se trata sem dúvida da Atlântida, partiam, a bordo de naus aperfeiçoadas, para dar a volta ao Mundo pela orla dos oceanos e tomar contacto com os outros quatro grandes centros: Nova Guiné, México, Abissínia, Tibete. Portanto essa civilização ter-se-ia estendido a todo o globo, o que explica as semelhanças entre as mais antigas tradições recenseadas da humanidade.
No extremo grau da unificação, do refinamento dos conhecimentos e dos meios, os homens e os seus reis gigantes sabem que a espiral dessa terceira lua se estreita e que o satélite cairá finalmente, mas eles têm consciência das relações de todas as coisas no cosmos, das afinidades mágicas do ser com o Universo, e servem-se sem dúvida de certos poderes, certas energias, individuais e sociais, técnicas e espirituais, para retardar o cataclismo e prolongar essa era atlantidiana, cuja recordação esfumada se manterá através dos milénios.
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Quando a lua terciária cair, as águas baixarão bruscamente, mas as alterações precursoras já terão danificado essa civilização. Os oceanos tendo já baixado de nível, as cinco grandes cidades, entre as quais essa Atlântida dos Andes, desaparecerão, isoladas, asfixiadas pela queda das águas. Os vestígios são mais nítidos em Tiahuanaco, mas os horbigerianos descobrem-nos noutros sítios.
No México, os Tolteques deixaram textos sagrados que descrevem a história da Terra de acordo com a tese de Horbiger. Na Nova Guiné, os indígenas malekula continuam, sem saberem muito bem o que fazem, a erigir imensas pedras esculpidas com mais de dez metros de altura, que representam o antepassado superior, e a sua tradição oral, que faz da Lua a criadora do género humano, anuncia a queda do satélite.
Da Abissínia teriam vindo os gigantes mediterrâneos após o cataclismo, e a tradição faz desse altiplano o berço do povo judeu e a pátria da rainha do Sabá, detentora das antigas ciências.
Por fim, sabe-se que o Tibete é um reservatório de antiquíssimos conhecimentos baseados no psiquismo. Surgindo como que para confirmar a visão dos horbigerianos, em 1957 apareceu em Inglaterra e em França um curioso trabalho. Essa obra, intitulada Le Troisième euil (o Terceiro Olho), é assinada por Lobsang Rampa. O autor afirma ser um lama que atingiu o último grau de iniciação. Podia dar-se o caso de ser um dos alemães enviados em missão especial ao Tibete pelos chefes nazis[4]. Descreve a sua descida, sob a orientação de três grandes metafísicos, a uma cripta de Lassa onde residiria o verdadeiro segredo do Tibete.
“Vi três túmulos de pedra negra decorados com gravuras e inscrições curiosas. Não estavam fechados. Ao olhar para o interior perdi o fôlego.
“- Olha, meu filho – disse-me o decano dos Abades. Eles viviam como deuses no nosso país, na época em que ainda não havia montanhas. Percorriam as nossas terras quando os mares banhavam as nossas margens e outras estrelas brilhavam no nosso céu. Olha bem, pois só os iniciados os viram.
“Obedeci, e sentia-me a um tempo fascinado e aterrado. Três corpos nus, cobertos de ouro, estavam estendidos sob os meus olhos. Cada uma das suas feições era fielmente reproduzida pelo ouro. Mas eram imensos! A mulher media mais de três metros e o maior dos homens não menos de cinco. Tinham cabeças grandes, ligeiramente cónicas na parte superior, maxilar estreito, boca pequena e lábios finos. O nariz era longo e afilado, os olhos direitos e profundamente encovados… Examinei a tampa de um dos túmulos. Um mapa dos céus, com estrelas muito estranhas, ali estava gravado.
Os jornais ingleses, na altura da publicação de O Terceiro Olho, interrogaram-se a respeito da personalidade dissimulada sob o nome de Lobsang Rampa, sem terem conseguido chegar a uma conclusão, devido aos serviços de informação oficiais nada dizerem. Ou se trata de um autêntico lama iniciado, dizendo-se o autor filho de um dos altos dignitários do antigo governo de Lassa, e portanto obrigado a disfarçar o nome, ou então de um dos alemães das missões tibetanas realizadas entre 1928 e o final do regime hitleriano. Neste caso, dá provas de estar de posse, ou de autênticas descobertas, ou de conceitos transmitidos, ou de teses horbigerianas e nacionais-socialistas às quais dá uma ilustração fantástica. No entanto é preciso notar que não pôde ser dado pelos especialistas do Tibete qualquer desmentido categórico ao conjunto das suas “revelações”.
E escreve ainda, após essa descida à cripta:
“Outrora, há milhares e milhares de anos, os dias eram mais curtos e mais quentes. Edificaram-se civilizações grandiosas e os homens eram mais sábios do que na nossa época. Do espaço exterior surgiu um planeta que embateu obliquamente na Terra. Os mares foram agitados por ventos e, sob o impulso de pressões de gravitações diversas, alagaram as terras. A água cobriu o Mundo, que foi sacudido por tremores de terra, e o Tibete deixou de ser um país quente, uma estação marítima.”
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Bellamy, arqueólogo horbigeriano, descobre em redor do lago Titicaca os vestígios das catástrofes que precederam a queda da lua terciária: cinzas vulcânicas, depósitos provenientes de inundações repentinas. É o momento em que o satélite vai estoirar em anel e girar loucamente muito perto da Terra antes de cair. Em volta de Tiahuanaco há ruínas que evocam estâncias subitamente abandonadas, utensílios dispersos. A alta civilização atlantidiana sofre, durante alguns milhares de anos, os ataques dos elementos, e vai-se esterilizando. Depois, há cento e cinquenta mil anos, o grande cataclismo produz-se, a lua cai, a terra é atingida por um pavoroso bombardeamento. A atracção cessa, a orla dos oceanos desce de repente, os mares retiram-se, baixam novamente. Os cumes que eram grandes estações marítimas acham-se isolados até ao infinito por pântanos. O ar rarifica-se, o calor desaparece. A Atlântida não morre submersa, mas, pelo contrário, abandonada pelas águas. Os navios são arrastados e destruídos, as máquinas extinguem-se ou explodem, os alimentos que vinham do exterior faltam, a morte absorve miríades de seres, os sábios e as ciências desapareceram, a organização social é destruída. Se a civilização atlantidiana tinha atingido o mais alto grau possível de perfeição social e técnica, de hierarquia e unificação, pôde volatilizar-se num ápice, sem quase deixar vestígios. Imagine-se o que poderia ser a destruição da nossa própria civilização dentro de algumas centenas de anos, ou mesmo de alguns anos. Os instrumentos emissores de energia, assim como os instrumentos transmissores, simplificam-se cada vez mais e os difusores multiplicam-se. Dentro em breve cada um de nós possuirá difusores de energia nuclear, por exemplo, ou viverá nas proximidades desses difusores: fábricas ou máquinas, até ao dia em que bastará um acidente no manancial para que tudo se volatilize ao mesmo tempo sobre a imensa cadeia desses difusores: homens, cidades, nações. O que seria poupado seria justamente o que não tem contacto com essa alta civilização técnica. E as ciências-chaves, da mesma forma que as chaves do poder, desapareceriam de um golpe, devido justamente ao extremo grau das especializações. São as mais perfeitas civilizações que desaparecem de um momento para o outro, sem nada transmitirem. Essa visão é irritante para o espírito, mas é muito provável que seja verdadeira. Desta forma pode supor-se que as centrais e as difusoras da energia psíquica, que estava talvez na base da civilização do terciário, explodem de uma só vez, enquanto descampados de lodo cercam esses cumes agora esfriados e onde a atmosfera se torna irrespirável. Mais simplesmente, a civilização marítima, com os seus Superiores, os seus navios, os seus contactos, desaparece no meio do cataclismo.
Resta aos sobreviventes descer em direcção às planícies pantanosas que o mar acaba de deixar a descoberto, às turfeiras do novo continente, mal liberto ainda pela retirada das águas tumultuosas, e onde só dentro de milénios aparecerá uma vegetação utilizável. Os reis gigantes estão no fim do seu reinado; os homens tornaram-se outra vez selvagens, e mergulham com os seus últimos deuses em decadência nas profundas noites sem lua que o globo irá conhecer.
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Os gigantes que, desde há milhões de anos, habitavam este Mundo, semelhantes aos deuses que povoarão mais tarde as nossas lendas, perderam a sua civilização. Os homens sobre os quais reinavam tornaram-se novamente uns brutos. Essa humanidade caída, atrás dos seus mestres já sem poder, dispersa-se em bandos pelos desertos de lodo. Essa queda dataria de há cento e cinquenta mil anos, e Horbiger cALcUla que o nosso globo se manteve sem satélite durante cento e trinta e oito mil anos. Durante esse enorme período renascem civilizações sob o comando dos últimos reis gigantes. Estabelecem-se em planícies elevadas, entre o quadragésimo e o sexagésimo grau de latitude norte, ao passo que sobre os cinco altos cumes do terciário se mantém qualquer coisa da longínqua idade do ouro. Teriam existido portanto duas Atlântidas: a dos Andes, brilhando sobre o Mundo, com os seus quatro outros pontos. E a do Atlântico Norte, muito mais modesta, fundada muito tempo após a catástrofe pelos descendentes dos gigantes. Esta tese das duas Atlântidas permite integrar todas as tradições e antigas narrativas. É dessa segunda Atlântida que Platão fala.
Há doze mil anos, a Terra captou um quarto satélite: a nossa Lua actual. Uma nova catástrofe se produz. O nosso globo toma a sua forma levemente inchada nos trópicos. Os mares do Norte e do Sul retrocedem para o Equador e as eras glaciárias recomeçam ao Norte, sobre as planícies descarnadas pelas correntes de ar e de água da Lua iniciante. Então a segunda civilização atlantidiana, mais pequena que a primeira, desaparece numa noite, tragada pelas águas do Norte. É o Dilúvio de que fala a nossa Bíblia. É a Queda de que se recordam os homens expulsos ao mesmo tempo do paraíso terrestre dos trópicos. Para os horbigerianos, os mitos do Génesis e do Dilúvio são simultaneamente recordações e profecias, visto que os acontecimentos cósmicos se reproduzirão. E o texto do Apocalipse, que nunca foi explicado, seria uma fiel tradução das catástrofes celestes e terrestres observadas pelos homens no decorrer dos tempos, e conformes com a teoria horbigeriana.
Neste novo período de lua alta, os gigantes vivos degeneram. As mitologias estão cheias de lutas de gigantes entre si, de combates entre homens e gigantes. Aqueles que tinham sido reis e deuses, esmagados agora pelo peso do céu, esgotados, tornam-se monstros que é preciso expulsar. Caem tanto mais baixo quanto tinham subido mais alto. São os ogros das lendas. úrano e Saturno devoram os filhos. David mata Golias. Vêem-se, como diz Vítor Hugo:
… horríveis gigantes muito estúpidos vencidos por anões cheios de espírito É a morte dos deuses. Os hebreus, quando atingirem a Terra Prometida, descobrirão a cama de ferro monumental de um rei gigante desaparecido:
“E vede, o seu leito era de ferro, com nove côvados de comprimento e quatro de largura” (Deuteronómio).
O astro de gelo que ilumina as nossas noites foi captado pela Terra e gira a volta dela. A nossa Lua nasceu há doze mil anos e de então para cá não cessámos de lhe render um culto vago, carregado de inconscientes recordações, de lhe prestar uma inquieta atenção de que não compreendemos muito bem o sentido. Não deixamos de sentir, ao contemplá-la, qualquer coisa que se agita no fundo da nossa memória, mais vasta que nós próprios. Os antigos desenhos chineses representam o dragão lunar ameaçando a Terra. Lê-se nos Números (XIII, 3j): “E, além, vimos os gigantes, os filhos de Anak que descendem dos gigantes, e sentíamo-nos diante deles como gafanhotos – e aos olhos deles nós éramos como gafanhotos.” E Jo (vI, 5) evoca a destruição dos gigantes e exclama: “Os seres mortos estão debaixo de água, e os antigos habitantes da Terra…”
Um mundo está submerso, um mundo desapareceu, os antigos habitantes da Terra sumiram-se, e nós iniciámos a nossa vida de homens isolados, de pequenos homens abandonados, na expectativa das mutações, dos prodígios e dos cataclismos futuros, numa nova noite dos tempos, sob esse novo satélite que vem até nós dos espaços onde se perpetua a luta entre o gelo e o fogo.
Um pouco por toda a parte, os homens repetem como cegos os gestos das civilizações extintas, erguem sem já saber porquê monumentos gigantescos, repetindo, em degenerescência, os trabalhos dos mestres antigos: são os imensos megálitos de Malékula, os menires célticos, as estátuas da ilha de Páscoa. Povoações a que hoje chamamos “primitivas” não passam, provavelmente, de restos degenerados de impérios desaparecidos, que repetem sem os compreender, e abastardando-os, actos outrora determinados por administrações racionais.
Em certos países, no Egipto, na China, muito mais tarde na Grécia, erguem-se grandes civilizações humanas, mas que se recordam dos Superiores desaparecidos, dos reis gigantes iniciadores. Após quatro mil anos de cultura, os egípcios do tempo de Heródoto e de Platão continuam a afirmar que a grandeza dos Antigos é devida ao facto de terem aprendido as suas artes e as suas ciências directamente dos deuses.
Após múltiplas degenerescências, outra civilização vai nascer no Ocidente. Uma civilização de homens separados do seu passado fabuloso, limitando-se no tempo e no espaço, reduzidos a si próprios e procurando consolações míticas, exilados das suas origens e inconscientes da imensidade do destino das coisas vivas, ligado aos vastos movimentos cósmicos. Uma civilização humana humanista: a civilização judaico-cristã. É minúscula. É residual. E no entanto esse resíduo da grande alma passada tem possibilidades ilimitadas de dor e entendimento. É o que constitui o milagre dessa civilização. Mas está no fim. Aproximamo-nos de outra era. Vão produzir-se mutações. O futuro vai dar novamente a mão ao passado mais recuado. A Terra verá novamente gigantes. Haverá outros dilúvios, outros apocalipses, e outras raças governarão. “A princípio guardámos uma recordação relativamente clara do que havíamos visto. Depois, esta vida actual ergueu-se em volutas de fumo e obscureceu rapidamente todas as coisas, à excepção de algumas grandes linhas gerais. Presentemente, tudo nos volta ao espírito com maior clareza do que nunca. E no Universo, onde tudo se repercute sobre tudo, produziremos profundas vagas”.
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Tal é a tese de Horbiger e tal é o clima espiritual que ela propaga. Esta tese é um poderoso fermento da magia nacional-socialista, e evocaremos mais adiante os seus efeitos sobre os acontecimentos. Ela vem acrescentar súbitas revelações às intuições de Haushoffer, dá asas ao pesado trabalho de Rosenberg, precipita e prolonga as inspirações do Führer.
Segundo Horbiger, estamos portanto no quarto ciclo. A vida sobre a Terra conheceu três apogeus, durante os três períodos de luas baixas, com mutações bruscas, aparições gigantescas. Durante os milénios sem lua surgiram as raças anãs e sem prestígio e os animais que rastejam, como a serpente que recorda a Queda. Durante as luas altas, as raças medianas, sem dúvida os homens comuns do terciário, os nossos antepassados. É ainda preciso lembrar que as luas, antes da sua derrocada, giram em círculo à volta da Terra, criando condições diferentes nas partes do globo que não estão sob esse circuito. De forma que, após vários ciclos, a Terra oferece um espectáculo variado: raças em decadência, raças em evolução, seres intermédios, degenerados e aprendizes do futuro, anunciadores das mutações a vir e escravos de ontem, anões das antigas noites e Senhores de amanhã. Precisamos de distinguir no meio de tudo isso os caminhos do sol com um olhar tão implacável quão implacável é a lei dos astros. O que se produz no céu determina o que se produz sobre a Terra, mas há reciprocidade. Como o segredo e a ordem do Universo residem o menor grão de areia, o movimento dos milénios está contido, de certa maneira, no curto espaço da nossa passagem pelo globo e nós devemos, na nossa alma individual assim como na nossa alma colectiva, repetir as quedas e as ascensões passadas, e preparar os apocalipses e elevações futuras.Nós sabemos que toda a história do cosmos reside na luta entre o gelo e o fogo e que essa luta tem poderosos reflexos neste mundo. No plano humano, no plano dos espíritos e dos corações, quando o fogo não é alimentado, vem o gelo. Sabemo-lo por nós próprios e pela humanidade inteira que está eternamente colocada perante a escolha do dilúvio e da epopeia.
Eis a base do pensamento horbigeriano e nazi. Vamos agora estudar as suas consequências.
1 Philipp Fauth nasceu a 19 de Março de 1867 e morreu a 4 de Janeiro de 1941. Engenheiro e construtor de máquinas, as suas investigações sobre a Lua deram-lhe uma certa notoriedade: traçara dois mapas da Lua, e uma cratera dupla, ao sul da cratera de Copérnico, tem o nome de Fauth por decisão da União Internacional de 1935. Foi nomeado professor em 1939, por medida especial do Governo nacional-socialista.
2 Nos tempos em que ninguém falava escreve Vítor Hugo com intuição extraordinária.
3 O arqueólogo alemão Von Hagen, autor de um trabalho publicado em francês sob o título Au royaume des Incas (Plon, 1950), recolheu perto do lago Titicaca uma tradição oral dos Índios locais segundo a qual “Tiahuanaco foi construída antes que as estrelas existissem no céu”. homens, se as esculturas de uma extrema abstracção, de uma estilização tão avançada que confunde a nossa própria inteligência, foram na verdade executadas por esses Superiores, nelas encontramos a origem dos mitos segundo os quais as artes foram concedidas aos homens por deuses, e a chave das diversas místicas da inspiração estética.
4 Voltaremos a referir-nos demoradamente às estranhas relações mantidas por Hitler e os seus íntimos com o Tibete.
5 Há que notar que foi descoberto numa caverna do Bohistão, na base do Himalaia, um mapa do céu muito diferente dos mapas oficiais de hoje. Os astrónomos são de opinião que se trata de observações que podem ter sido feitas há treze mil anos. Esse mapa foi publicado pelo National Geographical Magazine, em 1925.
Os engenheiros alemães, cujos trabalhos estão na origem dos foguetões que expulsaram para o céu os primeiros satélites artificiais, foram obrigados a atrasar o acabamento dos V-2 pelos próprios chefes nazis. O general Walter Dornberger dirigia as experiências de Peenemünde onde nasceram os engenhos teleguiados. Suspenderam essas experiências para submeter os relatórios do general à apreciação dos apóstolos da cosmogonia: horbigeriana. Tratava-se, antes de mais nada, de saber como reagiria, nos espaços, o “gelo eterno,” e se a violação da estratosfera não desencadearia qualquer desastre sobre a Terra.
O general Dornberger conta, nas suas Memórias, que os trabalhos foram de novo suspensos por dois meses, um pouco mais tarde. O Führer sonhara que os V-2 não funcionariam ou então que o céu se vingaria. Como esse sonho se produziu num estado de transe especial, teve maior influência nos espíritos dos dirigentes do que as opiniões dos técnicos. Para além da Alemanha científica e organizadora, o espírito das antigas magias estava alerta. Esse espírito não morreu.
Em Janeiro de 1958, o engenheiro sueco Rohert Engstroem dirigia um memorial à Academia das Ciências de Nova Iorque para precaver os Estados Unidos contra as experiências astronáuticas. “Antes de proceder a tais experiências seria conveniente estudar de uma maneira nova a mecânica celeste,” declarava esse engenheiro. E prosseguia, em tom horbigeriano: “A explosão de uma bomba H sobre a Lua poderia causar um pavoroso dilúvio sobre a Terra”. Nesta estranha advertência torna a encontrar-se a ideia paracientífica das alterações de gravitação num Universo em que tudo se repercute sobre tudo. Essas ideias (que no entanto não são inteiramente para desprezar se se pretende manter abertas todas as portas do conhecimento) continuam, na sua forma ingénita, a exercer um certo fascínio. No final de um célebre inquérito, o americano Martin Gardner cALcUlava, em 1953, em mais de um milhão o número de discípulos de Horbiger na Alemanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Em Londres, H. S. Bellamy prossegue há trinta anos a organização de uma antropologia que tem em consideração a derrocada das três primeiras luas e a existência dos gigantes secundários e terciários. Foi ele que pediu aos russos, depois da guerra, autorização para dirigir uma expedição ao monte Ararate, onde contava descobrir a Arca da Aliança. A agência Tass publicou uma recusa categórica, por os soviéticos terem proclamado a atitude intelectual de Bellamy como fascista e serem de opinião que tais movimentos paracientíficos são de natureza a “revelar forças perigosas”. Em França, Denis Saurat, universitário e poeta, tornou-se o porta-voz de Bellamy e o êxito do trabalho de Velikovsky demonstrou que muitos espíritos continuam sensíveis a uma concepção mágica do mundo. É quase escusado dizer, finalmente, que os intelectuais influenciados por René Guénon e pelos discípulos de Gurdjieff concordam com os horbigerianos.
Em 1952, um escritor alemão, Elmar Brugg, publicava um volumoso trabalho em honra do “pai do gelo eterno”, do “Copérnico do nosso século xx”. Escrevia ele:
“A teoria do gelo eterno não é apenas uma obra científica considerável. É uma revelação das ligações eternas e incorruptíveis entre o cosmos e todos os acontecimentos da Terra. Ela junta aos acontecimentos cósmicos os cataclismos atribuídos aos climas, as doenças, as mortes, os crimes, e desta forma abre portas completamente novas ao conhecimento da marcha da humanidade. O silêncio da ciência clássica a seu respeito só é explicável pela conspiração dos medíocres.”
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O grande romancista austríaco Robert Musil, cuja obra pôde ser comparada às de Proust e de Joyce[1], analisou muito bem o estado das inteligências na Alemanha, no momento em que Horbiger se sente inspirado e em que o caporal Hitler concebe o sonho de redimir o seu povo.
“Os representantes do espírito, escreve ele, não estavam satisfeitos. . . Os seus pensamentos nunca se encontravam em
repouso, porque se mantinham presos a essa parte irredutível das coisas que vagueia eternamente sem jamais poder entrar na ordem. Por isso se persuadiram finalmente de que a época em que viviam era votada à esterilidade intelectual, e só podia ser salva por um acontecimento ou um homem absolutamente excepcionais. Foi então que nasceu, entre aqueles a que chamamos os “intelectuais”, o gosto pela palavra redimir. Estavam persuadidos de que a vida acabaria se não chegasse em breve um messias. Era, segundo o caso, um messias da medicina, que 1 deveria “salvar” a arte de Esculápio das pesquisas de aboratório
durante as quais os homens sofrem e morrem sem ser tratados; ou um messias da poesia que devia estar à altura de escrever um drama que atiraria milhões de homens para os teatros e no entanto seria perfeitamente original na sua nobreza espiritual. Para além dessa convicção de que não havia uma actividade humana que pudesse ser salva sem a intervenção de um messias particular, existia ainda, evidentemente, o sonho banal e perfeitamente primitivo de um messias à maneira forte para redimir
tudo”.
Não é um só messias que vai aparecer, mas, se assim nos podemos exprimir, uma sociedade de messias que vai designar Hitler como seu chefe. Horbiger é um desses messias, e a sua concepção paracientífica das leis do cosmos e de uma história épica da humanidade terá um papel determinante na Alemanha dos “redentores”. A humanidade vem de mais longe e de mais alto do que se supõe, e está-lhe reservado um destino prodigioso. Hitler, na sua constante exaltação mística, tem consciência de que está ali para que esse destino se cumpra. A sua ambição e a missão de que se supõe encarregado ultrapassam infinitamente o domínio da política e do patriotismo. “A ideia de nação, diz ele próprio, tive de me servir dela por razões de oportunidade, mas já sabia que não podia ter mais do que um valor provisório… Um dia virá em que pouca coisa restará, mesmo aqui na Alemanha, daquilo a que chamamos o nacionalismo. O que haverá no Mundo será uma confraria universal dos mestres e dos senhores”. A política é apenas a manifestação exterior, a aplicação prática e momentânea de uma visão religiosa das leis da vida sobre a Terra e no cosmos. Há, para a humanidade, um destino que os homens comuns não são capazes de conceber, cuja visão não poderiam suportar. Isso está reservado para alguns iniciados. “A política, diz ainda Hitler, é simplesmente a forma prática e fragmentária desse destino”. É o exoterismo da doutrina, com os seus slogans, os seus factos sociais, as duas guerras. Mas há também um esoterismo.
O que Hitler e os seus amigos encorajam ao defenderem Horbiger, é uma extraordinária tentativa para restaurar, a partir da ciência ou de uma pseudociência, o espírito das antigas épocas segundo o qual o homem, a sociedade e o Universo obedecem às mesmas leis, segundo o qual o movimento das almas e o das estrelas têm correspondências. A luta entre o gelo e o fogo, do qual nasceram, morrerão e renascerão os planetas, dá-se também no próprio homem.
Elmar Brugg escreve com grande exactidão: “O Universo, para Horbiger, não é um mecanismo morto de que apenas uma parte se deteriora pouco a pouco para finalmente sucumbir mas um organismo vivo no sentido mais prodigioso da palavra, um ser vivo onde tudo se repercute sobre tudo e que perpétua, de geração em geração, a sua força ardente”.
É o fundo do pensamento hitleriano, como bem o viu Rauschning: “Só se podem compreender os planos políticos de Hitler conhecendo os seus pensamentos dissimulados e a sua convicção de que o homem está em relação mágica com o Universo”.
Essa convicção, que foi a dos sábios nos séculos passados, que governou a inteligência dos povos a que chamamos “primitivos” e que se subentende na filosofia oriental, não se apagou completamente no Ocidente de hoje, e pode acontecer que a própria ciência lhe dê, de maneira inesperada, um certo vigor. Mas, entretanto, encontramo-la em estado bruto, por exemplo, no judeu ortodoxo Velikovski, cuja obra, Mundos a Chocarem-se, obteve êxito mundial nos anos 1956-57. Para os adeptos do gelo eterno, assim como para Velikovski, os nossos actos podem ter o seu eco no cosmos e o sol pôde imobilizar-se no céu em honra de Josué. Há alguma razão para que Hitler tenha nomeado o seu astrólogo particular uplenipotenciário das matemáticas, da astronomia e da física”. Em certa medida, Horbiger e os esoteristas nazis alteram os próprios métodos e direcções da ciência. Reconciliam-na à força com a astrologia tradicional. Tudo o que em seguida se fizer, no plano das técnicas, no imenso esforço de consolidação material do Reich, bem poderá ser feito, aparentemente, fora desse espírito:
o impulso foi dado, há uma ciência secreta, uma magia, à base de todas as ciências. “Existe, dizia Hitler, uma ciência nórdica e nacional-socialista que se opõe à ciência judaico-liberal”.
Essa “ciência nórdica” é um esoterismo, ou antes, ela inspira-se no que constitui o próprio fundo de todo o esoterismo. Não é por acaso que as Enéadas, de Plotino, foram cuidadosamente reeditadas na Alemanha e nos países ocupados. As Enéadas eram lidas nos pequenos grupos intelectuais místicos pró-alemães, durante a guerra, assim como liam os Índios, Nietzsche e os Tibetanos. Em frente de cada linha de Plotino. Por exemplo, na sua definição de astrologia, poderia colocar-se uma frase de Horbiger. Plotino fala das relações naturais e sobrenaturais do homem com o cosmos e de todas as partes do Universo entre elas:
“Esse Universo é um animal único que contém em si todos os animais… Mesmo sem estar em contacto, as coisas agem e têm necessariamente uma acção à distância. . . O mundo é um animal único, e é esse o motivo por que é absolutamente necessário que esteja de acordo com ele próprio; não há acaso na sua vida, mas uma harmonia e uma ordem únicas.”
E finalmente: “Os acontecimentos deste mundo dão-se de acordo com as coisas celestes”.
Mais perto de nós, William Blake, numa inspiração poético-religiosa, vê todo o Universo contido num grão de areia. É a ideia da reversibilidade do infinitamente pequeno e infinitamente grande e da unidade do Universo em todas as suas partes.
Segundo o Zohar: “Tudo na Terra se passa como no céu”.
Hermes Trismegista: “O que está no céu é igual ao que está na Terra”.
E a antiga lei chinesa: “As estrelas no seu percurso combatem pelo homem justo”.
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Chegámos às próprias bases do pensamento hitleriano. Lamentamos que esse pensamento não tenha sido até aqui analisado desta forma. Contentaram-se em destacar os seus aspectos exteriores, as suas fórmulas políticas, as suas formas exotéricas. Não quer dizer, bem entendido, que procuremos revalorizar o nazismo, como é evidente. Mas esse pensamento inscreveu-se nos factos. Agiu sobre os acontecimentos. Parece-nos que esses acontecimentos só se tornam verdadeiramente compreensíveis sob tal influência. Continuam a ser horríveis, mas, esclarecidos dessa forma, transformam-se noutra coisa além de dores infligidas aos homens por loucos e perversos. Dão à história uma certa amplitude; colocam-na de novo no nível em que deixa de ser absurda e merece ser vivida, mesmo no sofrimento, ao nível espiritual.
O que nós desejamos fazer compreender é que uma civilização totalmente diferente da nossa apareceu na Alemanha e se manteve durante alguns anos. Que uma civilização tão profundamente estranha se possa ter estabelecido de um momento para o outro não é, vendo bem, impensável. A nossa civilização humanista também se baseia num mistério. O mistério é que, entre nós, todas as ideias coexistem e que o conhecimento proporcionado por uma ideia acaba por beneficiar a ideia contrária. Além disso, na nossa civilização tudo contribui para fazer compreender ao espírito que o espírito não é tudo. Uma conspiração inconsciente dos poderes materiais reduz os riscos, mantém o espírito dentro de limites nos quais o orgulho não é excluído, mas onde a ambição é moderada por um pouco de “para que serve isso”. No entanto, como Musil bem viu: “Bastaria que se tomasse verdadeiramente a sério uma qualquer das ideias que influenciam a nossa vida, de tal forma que não subsistisse absolutamente nada que lhe fosse contrário, para que a nossa civilização deixasse de ser a nossa civilização.” Foi o que se deu na Alemanha, pelo menos nas altas esferas dirigentes do socialismo mágico.
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Estamos em relação mágica com o Universo, mas esquecemo-nos disso. A próxima mutação da raça humana criará seres conscientes dessa relação, homens-deuses. Essa mutação já faz sentir os seus efeitos em certas almas messiânicas que reatam laços com um passado muito longínquo e se recordam do tempo em que os gigantes influenciavam o percurso dos astros.
Horbiger e os seus discípulos, como já vimos, imaginam épocas de apogeu da humanidade: as épocas da lua baixa, no final do secundário e no final do terciário. Quando o satélite ameaça desmoronar-se sobre a Terra, quando gira a pouca distância do globo, os seres vivos estão no auge do seu poder vital e sem dúvida do seu poder espiritual. O rei-gigante, o homem-deus capta e orienta as forças psíquicas da comunidade Ele dirige esse feixe de radiações de tal forma que o percurso dos astros se mantenha e que a catástrofe seja adiada. É a função essencial do gigante-mago. Em certa medida, ele mantém no seu lugar o sistema solar. Ele dirige uma espécie de central de energia psíquica: é ali o seu reino. Essa energia participa da energia cósmica. Desta forma, o calendário monumental De Tiahuanaco, que deve ter sido elaborado durante a civilização dos gigantes, não seria feito para registar o tempo e os movimentos dos astros, mas para criar o tempo e para manter esses movimentos. Trata-se de prolongar ao máximo o período em que a lua está a alguns raios terrestres do globo, e pode ser que toda a actividade dos homens, sob a direcção dos gigantes, fosse uma actividade de concentração da energia psíquica, a fim de preservar a harmonia das coisas terrestres e celestes. As sociedades humanas excitadas pelos gigantes são uma espécie de dínamos. Produzem forças que irão ter o seu papel no equilíbrio das forças universais. O homem, e mais especialmente o gigante é responsável por todo o cosmos.
Há uma estranha semelhança entre esta visão e a de Gurdjieff. É sabido que este célebre taumaturgo afirmava ter aprendido, em centros iniciáticos do Oriente, certo número de segredos sobre as origens do nosso mundo e a respeito de grandes civilizações submersas há centenas de milhares de anos. Na sua famosa obra All and Everything, sob a forma imaginativa de que tanto gostava, pode ler-se:
“Essa Comissão (dos anjos arquitectos criadores do sistema solar), tendo cALcUlado todos os factos conhecidos, chegou à conclusão de que, embora os fragmentos projectados para longe do planeta “Terra” se possam manter algum tempo na sua posição actual, todavia, no futuro, devido ao que se chama as deslocações tastartoonarianas, esses fragmentos satélites poderiam vir a mudar de posição e provocar grande número de calamidades irreparáveis. Portanto, os altos comissários resolveram tomar medidas para impedir essa eventualidade. A medida mais eficaz, segundo decidiram, seria que o planeta Terra enviasse constantemente a esses fragmentos-satélites, para os manter no seu lugar, as vibrações denominadas askokinns.”
Portanto os homens acham-se dotados de um órgão especial, emissor de forças psíquicas destinadas a preservar o equilíbrio do cosmos. É aquilo a que vagamente chamamos a alma, e todas religiões não seriam mais do que a recordação degenerada dessa função primordial: participar do equilíbrio das energias cósmicas.
Na primeira América, recorda Denis Saurat, “grandes iniciados executavam com raquetes e bolas uma cerimónia sagrada: as bolas descreviam no ar o mesmo percurso dos astros no céu. Se um desajeitado deixava cair ou perder a bola, causava catástrofes astronómicas: matavam-no então, e arrancavam-lhe coração”.
A recordação dessa função primordial perde-se em lendas e superstições, desde o Faraó que, pela sua força mágica, faz encher o Nilo cada ano, até às orações do Ocidente pagão para fazer mudar o vento ou cessar o granizo e às práticas encantatórias dos feiticeiros polinésios para que a chuva caia. A origem de qualquer grande religião estaria nessa necessidade de que os homens das antigas épocas e os seus reis tinham consciência: manter aquilo a que Gurdjieff chama “o movimento cósmico da harmonia geral”.
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Na luta entre o gelo e o fogo, que é a chave da vida universal, existem ciclos sobre a Terra. Horbiger afirma que sofremos, de seis mil em seis mil anos, uma ofensiva de gelo. Produzem-se dilúvios e grandes catástrofes. Mas no seio da humanidade dá-se, todos os setecentos anos, uma explosão de fogo. Quer dizer que todos os setecentos anos o homem retoma consciência da sua responsabilidade nesta luta cósmica. Volta a ser, no sentido total da palavra, religioso. Retoma contacto com as inteligências há muito submersas. Prepara-se para as futuras mutações. A sua alma adquire as dimensões do cosmos. Recupera o sentido da epopeia universal. É novamente capaz de fazer a distinção entre o que vem do homem-deus e o que vem do homem-escravo e de rejeitar da humanidade o que pertence às espécies condenadas. Torna-se novamente implacável e flamejante. Volta a ser fiel à função para que os gigantes o destinaram.
Não conseguimos compreender de que forma é que Horbiger justificava esses ciclos, e como adaptava essa afirmação ao conjunto do seu sistema. Mas Horbiger declarava, como Hitler, aliás, que a preocupação pela coerência é um vício mortal. O que conta é o que provoca o movimento. O crime também é movimento: um crime contra o espírito é um benefício. Enfim, Horbiger tivera consciência desses ciclos por inspiração. Isso ultrapassava em autoridade o raciocínio. A última explosão de fogo dera-se com a aparição dos cavaleiros teutónicos. Estávamos agora sob uma nova explosão. Esta coincidia com a fundação da “Ordem Negra” nazi.
Rauschning, que se sentia desorientado, pois não possuía nenhuma das chaves do pensamento do Führer e se mantinha um bom aristocrata humanista, anotava as frases que Hitler por vezes deixava escapar na sua presença.
“Um tema que aparecia constantemente nas suas conversas era o que ele chamava a “curva decisiva do mundo”, ou a charneira do tempo. Dar-se-ia uma alteração no planeta que nós, os não iniciados, não podíamos compreender na sua amplitude[2]. Hitler falava como um vidente. Ele imaginava uma mística biológica, ou, se assim o desejam, uma biologia mística que formava a base das suas inspirações. Ele inventara uma terminologia pessoal. “A falsa rota do espírito” era que o homem abandonasse a sua vocação divina. Adquirir a “visão mágica” parecia-lhe o objectivo da evolução humana. Acreditava que ele próprio estava no limiar desse saber mágico, fonte dos seus êxitos presentes e futuros. Um professor de Munique[3] dessa época escrevera, além de certo número de obras científicas, alguns ensaios bastante estranhos sobre o mundo primitivo, a formação das lendas, a interpretação dos sonhos entre os povos das primeiras épocas, sobre os seus conhecimentos intuitivos e uma espécie de poder transcendente que teriam exercido para modificar as leis da natureza. Havia também referência, no meio dessa baralhada, ao olho de Ciclope, o olho frontal que em seguida se atrofiara para formar a glândula pineal. Tais ideias fascinavam Hitler. Gostava de as aprofundar. Não sabia explicar a maravilha do seu próprio destino senão pela acção das forças ocultas. Atribuía a essas forças a sua vocação sobre-humana de anunciar à humanidade o novo evangelho.
“A espécie humana, dizia ele, fazia desde a origem uma prodigiosa experiência cíclica. Era submetida a provas de aperfeiçoamento de um milénio a outro. O período solar[4] do homem atingia o seu termo: já se podiam vislumbrar as primeiras amostras do super-homem. Uma espécie nova se anunciava, que iria expulsar a antiga humanidade. Assim como, de acordo com a
imortal sabedoria dos velhos povos nórdicos, o mundo devia ser constantemente rejuvenescido pelo desmoronar das eras extintas e pelo crepúsculo dos deuses, assim como os solstícios representavam nas velhas mitologias o símbolo do ritmo vital, não em linha direita e contínua, mas em espiral, assim também a humanidade progredia por uma série de saltos e de retornos.
“Quando Hitler se me dirigia, prossegue Rauschning, tentava exprimir a sua vocação de anunciador de uma nova humanidade I em termos racionais e concretos. Dizia ele:
“A criação não está terminada. O homem atinge nitidamente uma fase de metamorfose. A antiga espécie humana já entrou no estádio do enfraquecimento e da sobrevivência. A humanidade transpõe um escalão todos os setecentos anos, e o motivo da luta, que só se realizará muito mais tarde, é o advento dos Filhos de Deus. Toda a força criadora se concentrará numa nova espécie.
As duas variedades evoluirão rapidamente em discordância. Uma desaparecerá e a outra desenvolver-se-á. Ultrapassará infinita
mente o homem actual. . . Compreende agora o sentido profundo do nosso movimento nacional-socialista? Aquele que só compreende o nacional-socialismo como um movimento político pouco sabe…”
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Rauschning, da mesma forma que os outros, não reuniu a doutrina racial ao sistema geral de Horbiger. No entanto, em certa medida, está-lhe ligada. Ela faz parte do esoterismo nazi de que veremos, daqui a pouco, outros aspectos. Existia um racismo de propaganda: é aquele que os historiadores descreveram e que os tribunais, exprimindo a consciência popular, condenaram justamente. Mas havia outro racismo, mais profundo, e sem dúvida mais horrível. Esse ficou fora do entendimento dos historiadores e dos povos, e não podia haver uma linguagem comum entre esses racistas, por um lado, as suas vítimas e os seus juízes por outro.
No período terrestre e cósmico em que nos encontramos, na expectativa do novo ciclo que determinará sobre a Terra novas mutações, uma nova classificação das espécies e o regresso ao gigante-mago, ao homem-Deus, nesse período coexistem no globo espécies vindas de diversas fases do secundário, do terciário e do quaternário. Houve fases de ascensão e fases de quedas. Certas espécies são marcadas por degenerescências, outras são anunciadoras do futuro, trazem os germes do porvir. O homem não é uno. Assim, os homens não são os descendentes dos gigantes. Eles apareceram após a criação dos gigantes. Foram criados, por sua vez, por mutação. Mas também essa humanidade mediana não pertence a uma única espécie. Há uma humanidade verdadeira, designada para conhecer o próximo ciclo, dotada dos órgãos psíquicos necessários para representar um papel no equilíbrio das forças cósmicas e destinada à epopeia sob a orientação dos Superiores Desconhecidos que hão-de vir. E há outra humanidade, que não passa de uma aparência, que não merece esse nome, e que sem dúvida surgiu no globo em épocas inferiores e sombrias em que, tendo-se desmoronado o satélite, imensas partes do globo não passavam de lameiros desertos. Foi sem dúvida criada com seres rastejantes e hediondos, manifestações de vida em decadência. Os Ciganos, os Negros e os Judeus não são homens, no verdadeiro sentido da palavra. Nascidos após a derrocada da lua terciária, por mutação brusca, como que por um infeliz tartamudear da força vital condenada, essas criaturas “modernas” (particularmente os judeus) imitam o homem e invejam-no, mas não pertencem à espécie. “Eles estão tão afastados de nós como as espécies animais da verdadeira espécie humana”, disse exactamente Hitler a Rauschning, que fica aterrado, pois descobre no Führer uma visão ainda mais louca que em Rosenberg e todos os teóricos do racismo. “Não é verdade, precisa Hitler, que eu considere o judeu um animal. Ele está muito mais afastado dos animais do que nós.” Exterminá-lo não é portanto cometer um crime contra a humanidade: ele não faz parte da humanidade. “É um ser estranho à ordem natural”.
É este o motivo por que certas sessões do processo de Nuremberga eram desprovidas de sentido. Os juízes não podiam manter qualquer espécie de diálogo com os responsáveis, que aliás tinham desaparecido na sua maior parte, deixando ficar no banco dos réus apenas os executantes. Estavam em presença dois mundos, mas sem comunicação. O mesmo que pretender julgar os Marcianos sobre o plano da civilização humanista. Eles eram Marcianos. Pertenciam a um mundo separado do nosso, daquele que conhecemos há seis ou sete séculos. Uma civilização totalmente diferente do que está estabelecido chamar-se civilização fora organizada na Alemanha em poucos anos, sem que disso nos tivéssemos apercebido claramente. No íntimo os seus iniciadores já não tinham qualquer espécie de comunicação intelectual, moral ou espiritual connosco. A despeito das formas exteriores, eram-nos tão estranhos como os selvagens da Austrália. Os juízes de Nuremberga esforçavam-se por agir como se não esbarrassem contra essa pavorosa realidade. Em certa medida, tratava-se, de facto, de lançar um véu sobre essa realidade, a fim de que ela ficasse oculta, como nas sortes de prestidigitação. Tratava-se de manter a ideia da permanência e da universalidade da civilização humanista e cartesiana, e era necessário que os acusados fossem, a bem ou a mal, integrados no sistema. Era indispensável. Estava nisso o equilíbrio da consciência ocidental, e devem compreender que não nos passa pela cabeça negar os benefícios do empreendimento de Nuremberga. Pensamos simplesmente que o fantástico foi ali enterrado. Mas era necessário que o fosse, a fim de que não fossem contaminadas dezenas de milhões de almas. Só fazemos as nossas pesquisas para alguns amadores, prevenidos e munidos de máscaras.
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O nosso espírito recusa admitir que a Alemanha nazi encarnasse os conceitos de uma civilização sem relação com a nossa. E no entanto é isso, e mais nada, que justifica essa guerra, uma das poucas da história conhecida cujo objecto foi realmente essencial. Era necessário que uma das duas visões do homem, do céu e da Terra, triunfasse, a humanista ou a mágica. Não havia coexistência possível, ao passo que se pode facilmente imaginar o marxismo e o liberalismo coexistindo: eles assentam sobre a mesma base, pertencem ao mesmo universo. O universo de Copérnico não é o de Plotino; ambos se opõem fundamentalmente, e não apenas no plano das teorias, como no da vida social, política, espiritual, intelectual, passional.
O que nos constrange, para admitir essa visão estranha de outra civilização estabelecida em tão pouco tempo para além do Reno, é que conservamos uma concepção infantil da distinção entre o “civilizado” e aquele que o não é. Precisamos de capacetes de plumas, de tantãs, de choças para sentir essa diferença. Ora seria mais fácil fazer um “civilizado” de um feiticeiro banto do que ligarmos Hitler, Horbiger ou Haushoffer ao nosso humanismo. Mas a técnica alemã, a ciência alemã, a organização alemã, comparáveis, se não superiores às nossas, ocultaram-nos esse ponto de vista. A formidável novidade da Alemanha nazi foi que o pensamento mágico se uniu à ciência e à técnica.
Os intelectuais difamadores da nossa civilização, virados para o espírito das antigas épocas, sempre foram inimigos do progresso técnico Por exemplo, René Guénon ou Gurdjieff, ou os inúmeros hinduístas. Mas o nazismo foi o momento em que o espírito de magia se apossou das alavancas do progresso material. Lenine dizia que o comunismo é o socialismo mais a electricidade. De certa maneira, o hitlerismo era o guenonismo mais as divisões blindadas.
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Um dos mais belos poemas da nossa época tem por título: Crónicas rvlarcianas. O seu autor é um americano de cerca de trinta anos, cristão à maneira de Bernanos, receoso de uma civilização de autómatos, um homem cheio de cólera e de caridade. O seu nome é Ray Bradbury. Não se trata, como se supõe em França, de um autor de “ficção-científica”, mas de um artista religioso. Serve-se de temas da mais moderna imaginação, mas se propõe viagens no futuro e no espaço é para descrever o homem interior e a sua crescente inquietação.
No início das Crónicas Marcianas, os homens vão lançar o primeiro grande foguetão interplanetário. Este atingirá Marte e estabelecerá, pela primeira vez, contactos com outras inteligências. Estamos em Janeiro de 1999:
“No instante anterior era o Inverno em Ohio, com as suas portas e janelas fechadas, as suas vidraças matizadas de geada,
os seus telhados franjados de estalactites. . . Depois uma longa onda de calor varreu a pequena cidade. Uma corrente violenta de ar escaldante, como se acabasse de ser aberta a porta de um forno. O vento quente passou sobre as casas, as moitas, as crianças. Os pedaços de gelo desprenderam-se, quebraram-se e começaram a derreter-se… O verão do foguetão. A notícia espalhava-se de boca em boca pelas grandes casas abertas. O verão do foguetão. A aragem abrasadora do deserto dissolvia nas janelas os arabescos do gelo… A neve, ao cair do céu frio sobre a cidade, transformava-se em chuva quente antes de atingir o solo. O verão do foguetão. À soleira das suas portas onde escorria a água, os habitantes contemplavam o céu que se ia avermelhando…”
O que mais tarde aconteceu aos homens, no poema de Bradbury, será triste e doloroso porque o autor não acredita que o progresso das almas possa estar ligado ao progresso das coisas. Mas, no prólogo, ele descreve esse “verão do foguetão”, destacando assim um arquétipo do pensamento humano: a promessa de uma eterna Primavera sobre a Terra. No momento em que o
homem atinge o mecanismo celeste e ali introduz um novo motor, grandes alterações se produzem na Terra. Tudo se repercute sobre tudo. Nos espaços interplanetários, onde se manifesta daqui em diante a inteligência humana, produzem-se reacções em cadeia que se repercutem no globo, cuja temperatura se modifica. No momento em que o homem conquista, não apenas o céu, mas “o que está para além do céu”; no momento em que se opera uma grande revolução material e espiritual no Universo, no momento em que a civilização cessa de ser humana para se tornar cósmica, há uma espécie de recompensa imediata sobre a Terra. Os elementos já não oprimem o homem. Uma eterna suavidade, um eterno calor envolvem o globo. O gelo, sinal de morte, é vencido. O frio recua. A promessa de uma eterna Primavera será mantida se a humanidade cumprir a sua missão divina. Se ela se integrar no Todo universal, a Terra eternamente tépida e florida será a sua recompensa. Os poderes do frio, que são os poderes da solidão e da derrota, serão quebrados pelos poderes do fogo.
É outro arquétipo o da assimilação do fogo à energia espiritual. Quem contém essa energia contém o fogo. Por muito estranho que pareça, Hitler estava convencido que ali onde ele avançasse o frio recuaria. Essa convicção mística explica em parte a maneira como ele conduziu a campanha da Rússia.
Os horbigerianos, que se declaravam capazes de prever o tempo sobre todo o planeta, com meses e mesmo anos de antecedência, tinham anunciado um Inverno relativamente suave. Mas havia outra coisa: como os discípulos do gelo eterno, Hitler estava intimamente persuadido de que contraíra uma aliança com o frio, e que as neves das planícies russas não lhe poderiam retardar a marcha. A humanidade, sob a sua orientação, ia entrar num novo ciclo de fogo. Já estava a entrar. O Inverno cederia perante as suas legiões portadoras da chama.
Ao passo que, normalmente, o Führer prestava particular atenção ao equipamento material das suas tropas, apenas mandou entregar aos soldados da campanha da Rússia um suplemento de vestuário irrisório: um cachecol e um par de luvas.
E, em Dezembro de 1941, o termómetro descia bruscamente a quarenta graus negativos. As previsões eram falsas, as profecias não se realizavam, os elementos insurgiam-se, as estrelas, no seu percurso, cessavam bruscamente de trabalhar para o homem justo. Era o gelo que triunfava sobre o fogo. As armas automáticas pararam, pois o óleo gelara. Nos reservatórios, a gasolina sintética separava-se, sob a acção do frio, em dois elementos inutilizáveis. Na retaguarda, as locomotivas gelavam. Sob o seu capote e com as botas do uniforme, os homens morriam. A mais ligeira ferida os condenava. Milhares de soldados, ao acocorarem-se sobre o solo para satisfazer as suas necessidades, caíam com o ânus gelado. Hitler recusou acreditar nesse primeiro desacordo entre a mística e o real. O general Guderian, arriscando-se a ser destituído e mesmo condenado à morte, foi de avião até à Alemanha para pôr o Führer ao corrente da situação e pedir-lhe para dar ordem de retirada.
“Quanto ao frio – disse Hitler -, o assunto é comigo. Ataquem!”
Foi assim que todo o corpo de batalhão blindado que vencera a Polónia em dezoito dias e a França num mês, os exércitos de Guderian, Reinhardt e Hoeppner, a formidável legião de conquistadores a que Hitler chamava os seus Imortais, golpeada pelo vento, queimada pelo gelo, desapareceu no deserto do frio, para que a mística fosse mais real do que a Terra.
O que restava desse Grande Exército teve finalmente de renunciar e atacar em direcção ao Sul. Quando, na Primavera seguinte, as tropas invadiram o Cáucaso, realizou-se uma estranha cerimónia. Três alpinistas S. S. treparam ao cume do Elbruz, montanha sagrada dos arianos, importante local de antigas civilizações, vértice mágico da seita dos “Amigos de Lúcifer”. Colocaram a bandeira com a suástica abençoada segundo o rito da Ordem Negra. A bênção da bandeira no alto do Elbruz devia marcar o início da nova era. Dali em diante, as estações obedeceriam e o fogo venceria o gelo por vários milénios. Houvera uma grave decepção no ano anterior, mas não passara de uma provação, a última, antes da verdadeira vitória espiritual. E, apesar das advertências dos meteorólogos clássicos, que anunciavam um Inverno ainda mais de recear que o precedente, apesar dos mil sinais ameaçadores, as tropas subiram em direcção ao Norte e Estalinegrado para cortar a Rússia em duas partes.
“Enquanto a minha filha cantava os seus cânticos exaltados, lá no alto perto do mastro escarlate, os discípulos da razão mantiveram-se afastados, com os seus rostos tenebrosos…
Foram “os discípulos da razão, com os seus rostos tenebrosos”, que venceram. Foram os homens materiais, os homens “sem fogo,” com a sua coragem, a sua ciência “judaico-liberal,” as suas técnicas sem prolongamentos religiosos, foram os homens sem a “sagrada desmedida” que, auxiliados pelo frio, pelo gelo, triunfaram. Fizeram malograr o pacto. Venceram a magia. Após Estalinegrado, Hitler deixá de ser um profeta. A sua religião desmorona-se. Estalinegrado não é apenas uma derrota militar e política. O equilíbrio das forças espirituais foi alterado, a roda deixa de se mover. Os jornais alemães aparecem com banda preta e as descrições que fazem do desastre são mais terríveis que as dos comunicados russos. O luto nacional é decretado. Mas esse luto ultrapassa a nação. “Reparai bem!, escreve Goebbels. É todo um pensamento, toda uma concepção do Universo que sofre uma derrota. As forças espirituais vão ser destruídas, a hora do julgamento aproxima-se”.
Em Estalinegrado não é o comunismo que triunfa sobre o fascismo, ou antes, não é só isso. Analisando de mais longe, quer dizer, com a perspectiva necessária para abarcar o sentido de tão amplos acontecimentos, é a nossa civilização humanista que faz parar o desenvolvimento de outra civilização, luciferina, mágica, não feita para o homem mas para “qualquer coisa acima do homem”. Não há diferenças essenciais entre as causas dos actos civilizadores da U.R.S.S. e dos Estados Unidos. A Europa dos séculos xvIII e xIx forneceu o motor que ainda serve. Não faz exactamente o mesmo barulho em Nova Iorque e em Moscovo, e é tudo. No fundo, era de facto um mundo inteiro que estava em guerra contra a Alemanha, e não uma aliança momentânea de inimigos fundamentais. Um só mundo que acredita no progresso, na justiça, na igualdade e na ciência. Um só mundo que tem a mesma visão do cosmos, a mesma compreensão das leis universais e que reserva para o homem no Universo o mesmo lugar, nem grande nem pequeno demais. Um só mundo que acredita na razão e na realidade das coisas. Um só mundo que devia desaparecer completamente para dar lugar a outro de que Hitler se sentia o anunciador.
É o pequeno homem do “mundo livre”, o habitante de Moscovo, de Boston, de Limoges ou de Liège, o pequeno homem positivo, racionalista, mais moralista que religioso, desprovido do sentido metafísico, sem apetite para o fantástico, aquele que Zaratustra classifica como um homem-fingido, uma caricatura, é esse pequeno homem saído da coxa do burguês médio que irá destruir o grande exército destinado a abrir o caminho ao super-homem, ao homem-Deus, senhor dos elementos, dos climas e das estrelas. E, por um curioso capricho da justiça – ou da injustiça – é esse pequeno homem de alma tacanha que, anos mais tarde, vai lançar para o céu um satélite, e inaugurar a era interplanetária. Estalinegrado e o lançamento do Sputnik são bem, como dizem os Russos, as duas vitórias decisivas, e eles aproximaram-nas uma da outra ao celebrar, em 1957, o aniversário da sua revolução Foi publicada pelos jornais uma fotografia de Goebbels. “Eles acreditavam que íamos desaparecer. Era necessário que triunfássemos para criar o homem interplanetário”.
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A resistência desesperada, louca, catastrófica de Hitler, no momento em que, como era evidente, tudo estava perdido, só se explica pela expectativa do dilúvio descrito pelos horbigerianos. Se não fosse possível modificar a situação por processos humanos, restava a possibilidade de provocar o julgamento dos deuses. O dilúvio sobreviria, como um castigo, para a humanidade inteira. A noite ia de novo cobrir o globo e tudo ficaria sepultado por tempestades de água e granizo. Hitler, diz Speer com horror, “tentava deliberadamente fazer com que tudo morresse com ele. Já não era mais que um homem para quem o fim da sua própria vida significava o fim de todas as coisas”. Goebbels, nos seus últimos editais, saúda com entusiasmo os bombardeiros inimigos que destróem o seu país: “Sob os destroços das nossas cidades aniquiladas estão enterradas as estúpidas realizações do século xIx”. Hitler faz reinar a morte: prescreve a destruição total da Alemanha, manda executar os prisioneiros, condena o seu antigo cirurgião, manda matar o cunhado, pede a morte para os soldados vencidos, e desce ele próprio ao túmulo. “Hitler e Goebbels, escreve Trevor Roper, convidaram o povo alemão a destruir as suas cidades e as suas fábricas, a fazer ir pelos ares os seus diques e as suas pontes, a sacrificar os caminhos de ferro e todo o material circulante, e tudo isto em proveito de uma lenda, em nome de um crepúsculo dos deuses”. Hitler pede sangue, envia as suas últimas tropas para o sacrifício: “As perdas nunca parecem bastante elevadas”, diz ele. Não são os inimigos da Alemanha que ganham, são as forças universais que se preparam para destruir a Terra, punir a humanidade, porque a humanidade preferiu o gelo ao fogo, as potências da morte às potências da vida e da ressurreição. O céu vai vingar-se. Ao morrer, resta apenas reclamar o grande dilúvio. Hitler oferece um sacrifício à água: manda inundar o metropolitano de Berlim, onde morrem 300 000 pessoas refugiadas nos subterrâneos. É um acto de magia iniciática: esse gesto provocará movimentos de apocalipse no céu e na Terra. Goebbels publica um último artigo antes de matar, no Bunker, a mulher, os filhos e de se matar a ele próprio. Intitula o seu edital de despedida: “E mesmo que assim fosse”. Diz que o drama não se representa à escala da terra, mas do cosmos. “O nosso fim será o fim de todo o Universo”.
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Eles erguiam o seu pensamento demencial em direcção aos espaços infinitos, e morreram num subterrâneo.
Julgavam preparar o homem-deus ao qual os elementos iriam obedecer. Acreditavam no ciclo de fogo. Venceriam o gelo, tanto na Terra como no céu, e os seus soldados morriam ao deitar as calças abaixo, com o ânus congelado.
Alimentavam uma visão fantástica da evolução das espécies, aguardavam formidáveis mutações. E as últimas notícias do mundo exterior foram dadas pelo guarda-mor do Jardim Zoológico de Berlim, que, empoleirado numa árvore, telefonava ao Bunker.
Poderosos, esfaimados e orgulhosos, profetizavam:
A grande era do mundo renasce,
Os anos de ouro reaparecem.
Como uma serpente, a Terra
Renova os seus fatos gastos pelo Inverno
Mas há sem dúvida uma profecia mais profunda que condena os próprios profetas e os vota a uma morte mais do que trágica: caricatural. No fundo dos seus subterrâneos, ouvindo o rumor cada vez mais forte dos tanques, terminavam a sua vida arrebatada e má entre as revoltas, dores e súplicas com que termina a visão de Shelley que se intitula Hellas:
Oh! esperai! O ódio e a morte deverão reaparecer?
Esperai! Deverão os homens matar e morrer?
Esperai! Não esgoteis até ao sedimento
A urna de uma amarga profecia!
O mundo está cansado do passado.
Oh! oxalá morra ou repouse enfim!
1 L’homme sans qualités, publicado em francês nas Editions du Seuil.
2 A quarta lua reaproximar-se-á da Terra e a gravitação está alterada. As águas subirão, os seres conhecerão um período de gigantismo. Sob a acção dos raios cósmicos mais fortes produzir-se-ão mutações. O Mundo entrará numa nova fase atlantidiana.
3 Não de Munique, mas austríaco; trata-se de Horbiger, a que Rauschning se refere de ouvido.
4 O período sob a influência do Sol. Os períodos áureos ficam sob a influência da Lua, quando se aproxima da Terra.
Estamos em Abril de 1942. A Alemanha lança todas as suas forças na guerra. Nada, segundo parece, poderia afastar os técnicos, os sábios e os militares da sua tarefa imediata. No entanto uma expedição organizada, com a concordância de Goering, Himmler e Hitler, deixa o Reich em grande segredo. Os membros dessa expedição são alguns dos melhores especialistas do radar. Sob a orientação do doutor Heinz Fisher, conhecido pelos seus trabalhos sobre os raios infravermelhos, desembarcam na ilha báltica de Rügen. Tinham-nos munido dos mais aperfeiçoados aparelhos de radar. No entanto, esses aparelhos ainda são raros nessa época e estão divididos pelos pontos nevrálgicos da defesa alemã. Mas as observações a que se vão dedicar na ilha de Rügen são consideradas, pelo alto estado-maior da marinha, capitais para a ofensiva que Hitler prepara sobre todas as frentes.
Assim que chega, o doutor Fisher manda apontar os radares para o céu, sob um ângulo de 45 graus. Aparentemente, nada há a revelar na direcção escolhida. Os outros membros da expedição supõem que se trata de uma experiência. Ignoram o que esperam deles. O objectivo das investigações ser-lhes-á revelado mais tarde. Constatam, intrigados, que os radares continuam apontados durante vários dias. É então que recebem a seguinte notícia: o Führer tem bons motivos para supor que a Terra não é convexa, mas côncava. Nós não habitamos o exterior do globo, mas o interior. A nossa posição é comparável à de moscas a caminharem no interior de uma bola. O objectivo da expedição é demonstrar cientificamente essa verdade. Por reflexão de ondas de radar propagando-se em linha recta obter-se-ão imagens de pontos extremamente afastados no interior da esfera. O segundo objectivo da expedição é obter por reflexão imagens da armada inglesa ancorada em Scapaflow.
Martin Gardner narra essa louca aventura da ilha de Rügen no seu livro In the name of Science. O próprio doutor Fisher viria a referir-se-lhe, depois da guerra. O professor Gerard S. Kuiper, do observatório do monte Palomar, consagrou, em 1946, uma série de artigos à doutrina da Terra oca que presidira a essa expedição. Escrevia ele em Popular Astronomy: “Personalidades importantes da marinha alemã e da aviação acreditavam na teoria da Terra oca. Pensavam especialmente que ela seria útil para marcar a posição exacta da armada inglesa, visto que a curvatura côncava da Terra permitiria observar a grande distância, por intermédio dos raios infravermelhos, menos curvos que os raios visíveis.” O engenheiro Willy Ley narra os mesmos factos no seu estudo de Maio de 1947: Pseudociências entre os Nazis.
É extraordinário, mas autêntico: altos dignitários nazis, peritos militares negaram pura e simplesmente o que parece uma evidência para uma criança do nosso mundo civilizado, como seja que a Terra é uma bola cheia e que nós estamos à superfície. Por cima de nós, pensa a criança, estende-se um Universo infinito, com as suas miríades de estrelas e as suas galáxias. Por baixo de nós estão os rochedos. Quer seja francesa, inglesa, americana ou russa, nesse ponto a criança está de acordo com a ciência oficial e também com as religiões e as filosofias admitidas. As nossas morais, as nossas artes, as nossas técnicas baseiam-se nessa visão que a experiência parece verificar. Se procuramos aquilo que melhor pode assegurar a unidade da civilização moderna, é na cosmogonia que o encontraremos. Sobre o essencial, quer dizer, sobre a situação do homem e da Terra no Universo, estamos todos de acordo, quer sejamos marxistas ou não. Só os nazis não estavam de acordo.
Para os partidários da Terra oca que organizaram a famosa expedição paracientífica da ilha de Rügen, habitamos no interior de uma bola presa numa grande quantidade de rochedo que vai até ao infinito. Vivemos agarrados sobre a superfície côncava. O céu está no centro dessa bola: é uma massa de gás azulada, com pontos de luz brilhante que tomamos por estrelas. Ali só há o Sol e a Lua, mas infinitamente mais pequenos do que dizem os astrónomos ortodoxos. O Universo limita-se a isso. Estamos sós, e envolvidos por rochedos.
Vamos ver como nasceu essa visão das lendas, da intuição e da imaginação. Em 1942, uma nação comprometida numa guerra na qual a técnica é soberana pede à ciência que alimente a mística, à mística que enriqueça a técnica. O doutor Fisher, especialista do infravermelho, recebe como missão a ordem de pôr o radar ao serviço dos magos.
Quer em Paris, quer em Londres, nós temos os nossos pensadores excêntricos, os nossos descobridores de cosmogonias extravagantes, os nossos profetas de toda a espécie de fantasias. Escrevem opúsculos, frequentam as lojas dos velhos livreiros, cavaqueiam em Hyde Park ou na “Sala de Geografia” do boulevar Saint-Germain. Na Alemanha hitleriana vemos pessoas dessa espécie mobilizar as forças da nação e a aparelhagem técnica de um exército em guerra. Vemo-las influenciar os altos estados-maiores, os chefes políticos, os sábios. É que estamos em presença de uma civilização completamente nova, baseada no desprezo pela cultura clássica e pela razão. Nessa civilização, a intuição, a mística, a inspiração poética são colocadas exactamente no mesmo plano que a investigação científica e o conhecimento racional. “Quando oiço falar de cultura pego no meu revólver”, diz Goering. Esta frase terrível tem dois sentidos: o literal, onde se vê Goering-Ubu partir a cabeça aos intelectuais, e um sentido mais profundo e também mais verdadeiramente prejudicial àquilo a que chamamos a cultura, onde se vê Goering atirar balas explosivas que são a cosmogonia horbigeriana, a doutrina da Terra oca ou a mística do grupo Tule.
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A doutrina da Terra oca nasceu na América no princípio do século xIx. A 10 de Abril de 1818, todos os membros do Congresso dos Estados Unidos, os directores das Universidades e alguns grandes sábios receberam a seguinte carta:
“São-Luís, Território do Missouri
América do Norte
10 de Abril
“Ao mundo inteiro,
Declaro que a Terra é oca e habitável interiormente. Ela contém diversas esferas sólidas, concêntricas, colocadas uma dentro da outra, e é aberta no pólo de 12 a 16 graus. Comprometo-me a demonstrar a realidade do que afirmo e estou pronto a explorar o interior da Terra se o mundo aceita auxiliar-me no meu empreendimento.
JNO. CLEVES SYMNES,
antigo capitão de infantaria de Ohio.”
Sprague de Camp e Willy Ley, na sua bela obra Do Atlântico ao Eldorado, resumem da seguinte forma a teoria e a aventura do antigo capitão de infantaria:
“Symnes afirmou, visto tudo ser oco neste mundo, tanto os ossos como os cabelos, os caules das plantas, etc., que os planetas também o eram e que no caso da Terra, por exemplo, podiam distinguir-se cinco esferas colocadas umas no interior das outras, todas habitáveis, tanto no interior eomo no exterior e todas equipadas com vastas aberturas polares pelas quais os habitantes de cada esfera podem ir de qualquer ponto do interior para outro, ou para o exterior, como uma formiga que percorresse o interior e depois o exterior de uma taça de porcelana… Symnes organizava as suas tournées de conferências como se fossem campanhas eleitorais. Quando morreu deixou montões de notas e provavelmente o pequeno modelo de madeira do globo de Symnes, que se encontra actualmente na Academia das Ciências Naturais de Filadélfia. Seu filho, Americ Vespucius Symnes, era um dos seus adeptos e tentou, sem êxito, reunir essas notas num trabalho coerente. Acrescentou uma suposição segundo a qual, depois de os tempos mudarem, as Dez Tribos perdidas de Israel seriam descobertas, vivendo provavelmente no interior da mais exterior das esferas.”
Em 1870, outro americano, Cyrus Read Teed, proclama por sua vez que a Terra é oca. Teed era um espírito de grande erudição, especializado no estudo da literatura alquímica. Em 1869 na altura em que trabalhava no seu laboratório e meditava sobre os Livros de Isaías, tivera uma inspiração. Compreendera que habitamos, não sobre a Terra, mas no interior. Como essa visão vinha dar crédito a antigas lendas, criou uma espécie de religião e divulgou a sua doutrina fundando um pequeno jornal: A Espada de Fogo. Em 1894 reunira mais de quatro mil fanáticos. A sua religião chamava-se o Koresháme. Morreu em 1908, depois de anunciar que o seu cadáver não entraria em putrefacção. Mas os seus adeptos tiveram de o mandar embalsamar ao fim de dois dias.
Essa ideia da Terra oca está ligada a uma tradição que se encontra em todas as épocas e em todos os locais. As mais antigas obras de literatura religiosa falam de um mundo separado, situado sob a crosta terrestre e que seria a morada dos mortos e dos espíritos. Quando Gilgamesh, herói lendário dos antigos Sumerianos e das epopeias babilónicas, vai visitar o seu antepassado Utnapishtim, desce às entranhas da Terra, e é ali também que Orfeu vai procurar a alma de Eurídice. Ulisses, ao atingir os limites do Ocidente, oferece um sacrifício a fim de que os espíritos dos antigos saiam das profundezas da Terra e o aconselhem. Plutão reina no fundo da Terra sobre os espíritos dos mortos. Os primeiros cristãos reúnem-se nas catacumbas e fazem dos abismos subterrâneos a morada das almas condenadas. As lendas germânicas exilam Vénus para o fundo da Terra. Dante coloca o inferno nos círculos inferiores. Os folclores europeus supõem haver dragões debaixo da terra e os japoneses imaginam nas profundezas da sua ilha um monstro cujos arrepios provocam tremores de terra.
Falámos de uma sociedade secreta pré-hitleriana, a Sociedade do Vril, que misturava essas lendas com as teses apresentadas pelo escritor inglês Bulwer Lytton no seu romance A Raça que nos há-de suplantar. Para os membros dessa sociedade, certos seres com um poder psíquico superior ao nosso habitam cavernas no centro da Terra. De lá sairão um dia para nos governar.
No fim da guerra de 1914, um jovem aviador alemão prisioneiro em França, Bender, descobre velhos exemplares do jornal de Teed, A Espada de Fogo, assim como brochuras de propaganda a favor da Terra oca. Atraído por esse culto e por sua vez inspirado, esclarece e desenvolve essa doutrina. De regresso à Alemanha, organiza um movimento, o Hohl welt Lehre. Prossegue a tarefa de outro americano, Marshall B. Gardner, que, em 1913 publicara um trabalho para demonstrar que o Sol não estava por cima da Terra, mas no centro da mesma, e emitia raios que exercem uma pressão capaz de nos manter sobre a crosta côncava.
Para Bender a Terra é uma esfera da mesma dimensão que na geografia ortodoxa, mas é oca e a vida acha-se encostada à face interna pelo efeito de certas radiações solares. Para além, o rochedo até ao infinito. A camada de ar, no interior, tem uma altura de sessenta quilómetros, depois rarefaz-se até ao vazio absoluto do centro, onde se encontram três corpos: o Sol, a Lua e o Universo fantasma. Esse Universo fantasma é uma bola de gás azulado na qual brilham grãos de luz a que os astrónomos chamam estrelas. É noite sobre uma parte da concavidade terrestre quando essa massa azul passa diante do Sol, e a sombra dessa massa sobre a Lua produz os eclipses. Acreditamos num Universo exterior, situado por cima de nós, porque os raios luminosos não se propagam em linha recta: são curvos, à excepeção dos infravermelhos. Esta teoria de Bender viria a tornar-se popular por volta de 1930. Dirigentes do Reich, oficiais superiores da Marinha e da Aviação acreditavam na Terra oca.
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Parece-nos absolutamente insensato que homens encarregados de dirigir uma nação possam, em parte, ter regulado a sua conduta segundo intuições místicas que negam a existência do nosso Universo. No entanto é necessário ver bem que, para o homem simples, para o alemão da rua cuja alma fora modelada pela derrota e pela miséria, a ideia da Terra oca, por volta de 1930, não era mais louca, no fim de contas, que a ideia segundo a qual um grão de matéria conteria fontes de energia ilimitada, ou que a ideia de um Universo com quatro dimensões. A ciência, a partir do final do século xIx, enveredava por um caminho que não era o do bom senso. Para espíritos primários, desgraçados e místicos, qualquer singularidade se tornava admissível e, de preferência, uma singularidade compreensível e consoladora como a da Terra oca. Hitler e os seus camaradas, homens saídos do povo e adversários da inteligência pura, deviam considerar as ideias de Bender mais admissíveis do que as teorias de Einstein, que punham a descoberto um Universo de infinita complexidade, de infinita delicadeza para quem quisesse abordá-lo. O mundo segundo Bender era aparentemente tão louco como o mundo de Einstein, mas para nele penetrar não era preciso mais do que uma loucura de primeiro grau. A explicação do Universo feita por Bender, embora tivesse premissas loucas, desenvolvia-se de maneira razoável. “O louco perdeu tudo excepto a razão”.
O Hohl Wrelt Lehre, que fazia da humanidade a única presença inteligente do Universo, que reduzia esse Universo apenas às dimensões da Terra, que dava ao homem a sensação de estar envolvido, encerrado, protegido, como o feto no útero da mãe, satisfazia certas aspirações da alma infeliz, concentrada no orgulho e cheia de raiva contra o mundo exterior. Além disso a única teoria alemã que era possível opor ao judeu Einstein.
A teoria de Eirlstein baseia-se na experiência de Michelson e Morley, demonstrando que a velocidade da luz que se desloca no sentido da revolução terrestre é a mesma que a da luz perpendicular a essa revolução. Einstein deduz daí que não há portanto um meio que “conduza” a luz, mas que esta é composta por partículas independentes. A partir desse dado, Einstein apercebe-se de que a luz se contrai no sentido do movimento e que é condensação de energia. Ele estabelece a teoria da relatividade do movimento da luz. No sistema Bender, a Terra, sendo oca, não se desloca. Nada há ali a ver com Michelson. A tese da Terra oca, aparentemente, explica a realidade tão bem como a tese de Einstein. Nessa época, nenhuma verificação experimental viera ainda corroborar o pensamento de Einstein, a bomba atómica não viera justificar esse pensamento de forma absoluta e aterradora. Os dirigentes alemães aproveitaram a ocasião para negar qualquer valor aos trabalhos do genial judeu e a perseguição contra os sábios israelitas e contra a ciência oficial começou.
Einstein, Teller, Fermi e muitos outros grandes espíritos tiveram de se isolar. Receberam bom acolhimento nos Estados Unidos, dispuseram de dinheiro e de laboratórios bem equipados. A origem do poder atómico americano está nisso. Foi a subida das forças ocultas na Alemanha que concedeu a energia nuclear aos americanos.
O mais importante centro de estudos do exército americano encontra-se em Dayton, no Ohio. Em 1957 era anunciado que o laboratório que, nesse centro, é consagrado à domesticação da bomba de hidrogénio conseguira realizar uma temperatura de um milhão de graus. O sábio que levara a bom termo essa extraordinária experiência era o doutor Heinz Fisher, o homem que dirigira a expedição à ilha de Rügen para verificar a hipótese da Terra oca. Ele trabalhava livremente nos Estados Unidos desde 1945. Interrogado a respeito do seu passado pela imprensa americana, declarou: “Os nazis obrigavam-me a fazer um trabalho de louco, o que prejudicava consideravelmente as minhas investigações”. Perguntamos a nós próprios o que teria acontecido e de que maneira teria evoluído a guerra se as pesquisas do doutor Fisher não tivessem sido interrompidas em proveito do místico Bender. . .
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Após a expedição da ilha de Rügen, a autoridade de Bender, aos olhos dos dignitários nazis, diminuiu, apesar da protecção de Goering, que sentia afecto por aquele antigo herói da aviação. Os horbigerianos, os partidários do grave Universo onde reina o gelo eterno. venceram-no. Bender foi mandado para um campo de concentração, onde morreu. Desta forma, a Terra oca teve o seu mártir.
No entanto, muito antes dessa louca expedição, os discípulos de Horbiger atormentavam Bender com sarcasmos e pediam que os livros a favor da Terra oca fossem proibidos. O sistema de Horbiger tem as dimensões da cosmologia ortodoxa, e não é possível acreditar simultaneamente no cosmos onde o gelo e o fogo prosseguem a sua luta eterna e no globo oco preso num rochedo que se prolonga até ao infinito. Foi pedida a arbitragem de Hitler. A resposta merece reflexão:
“Não temos a menor necessidade – disse Hitler – de uma concepção do mundo coerente. Ambos podem ter razão.”
O que conta não é a coerência e a unidade do conjunto, mas sim a destruição dos sistemas provenientes da lógica, das formas de pensamento racional, é o dinamismo místico e a força explosiva da intuição. Há lugar, nas trevas cintilantes do espírito mágico, para mais de uma centelha.
Vivia em Kiel, após a guerra, um honesto médico dos seguros sociais, perito junto dos tribunais, bem-humorado, que chamava Fritz Sawade. No final do ano de 1959, uma voz misteriosa preveniu o médico de que a justiça ia ser obrigada a prendê-lo. O médico fugiu, vagueou durante oito dias e depois rendeu-se. Tratava-se na realidade do “Obersturmbannführ” S.S. Werner Heyde. O professor Heyde fora o organizador médico do programa de eutanásia que, de 1940 a 1941, fez 200 vítimas alemãs e serviu de prefácio à exterminação dos estrangeiros nos campos de concentração.
A propósito dessa prisão, um jornalista francês, que é ao mesmo tempo um excelente historiador da Alemanha hitleriana
escreveu[1] :
“O caso Heyde, como muitos outros, assemelha-se aos icebergues cuja parte visível é a menos importante… A eutanásia dos fracos, dos incuráveis, o extermínio em massa de todas as comunidades susceptíveis de “contaminar a pureza do sangue germânico” foram realizados com uma obstinação patológica, uma convicção de natureza quase religiosa que parecia atingir a demência. A tal ponto que numerosos observadores dos processos alemães do após-guerra – autoridades científicas ou médicas pouco capazes de admitirem como provas mistificações – acabaram por pensar que a paixão política constituía uma explicação bastante fraca e que era necessário que entre tantos executantes e tantos chefes, entre Himmler e o último guarda de campo de concentração, tivesse imperado uma espécie de elo místico.
“A hipótese de uma comunidade iniciática, subjacente ao nacional-socialismo, impôs-se pouco a pouco. Uma comunidade verdadeiramente demoníaca, regida por dogmas ocultos, bem mais aperfeiçoados do que as doutrinas elementares de mein Kampf ou do Nlito do século xx, e servida por ritos cujos vestígios isolados não se notam, mas cuja existência parece incontestável para os analistas (e recordamos que se trata de sábios e de médicos) da patologia nazi.” Eis a água para este horrível moinho.
Todavia não pensamos que se trate de uma única sociedade secreta, solidamente organizada e ramificada, nem de um dogma único, nem de um conjunto de ritos organicamente constituído. A pluralidade e a incoerência parecem-nos, bem pelo contrário, significativas dessa Alemanha subterrânea que tentamos descrever. A unidade e a coesão em qualquer assunto, mesmo místico, parece indispensável a um ocidental cheio de positivismo e de cartesianismo. Mas aqui estamos fora desse Ocidente; trata-se antes de um culto multiforme, de um estado de superespírito (ou de subespírito) absorvendo diversos ritos, crenças mal ligadas entre si. O importante é manter um fogo secreto, uma chama viva; tudo serve para a alimentar.
Nesse estado já nada é impossível. As leis naturais são interrompidas, o mundo torna-se fluido. Chefes S.S. declaravam que a Mancha é muito menos larga do que o indicam os Atlas. Para eles, como para os sábios hindus de há dois mil anos, como para o bispo Berkeley no século xvIII, o Universo não passava de uma ilusão e a sua estrutura podia ser modificada pelo pensamento activo dos iniciados.
O que para nós é possível é a existência de um puzzle mágico, de uma forte corrente luciferina a respeito da qual demos algumas indicações nos capítulos anteriores. Tudo isto pode servir para explicar um grande número de factos horríveis, de uma forma mais realista que a dos historiadores convencionais que apenas querem ver, atrás de tantos actos crueis e insensatos, a megalomania de um sifilítico, o sadismo de um grupo de neuróticos, a obediência servil de uma multidão de cobardes.
Segundo o nosso método, vamos agora apresentar informações e confirmações respeitantes a outros aspectos desprezados do “socialismo mágico”: a sociedade Tule, vértice da Ordem Negra, e a sociedade Ahnenerbe. Conseguimos reunir uma documentação bastante volumosa, cerca de um milhar de páginas. Mas essa documentação deveria ser mais uma vez verificada e copiosamente completada se quiséssemos realizar um trabalho claro, poderoso completo. De momento, isso está fora das nossas ossibilidades: Para mais, não pretendemos tornar excessivamente pesado o presente volume, que só a título de exemplo do “realismo fantástico” se refere à história contemporânea. Eis portanto a seguir um breve resumo de algumas verificações esclarecedoras.
*
Num dia de Outono de 1923 morreu em Munique uma personagem singular, poeta, dramaturgo, jornalista, boémio, que o nome de Dietrich Eckardt. Com os pulmões queimados pela iperita, ele fizera, antes de entrar na agonia, a sua oração muito pessoal perante uma meteorite negra da qual dizia: “É a minha pedra de Kaaba”, e que legou ao professor Oberth, um dos criadores da astronáutica. Acabava de enviar um longo manuscrito ao seu amigo Haushoffer. Os seus assuntos estavam em ordem. Ele morria, mas a “Sociedade Tule” continuaria a viver e em breve transformaria o mundo e a vida sobre a Terra.
Em 1920, Dietrich Eckardt e outro membro da sociedade tule o arquitecto Alfred Rosenberg, travaram conhecimento com Hitler. Marcaram-lhe uma primeira entrevista na casa de Wagner, em Baireute. Durante três anos rodearão sem cessar o pequeno caporal da Reichswehr, dirigindo-lhe os pensamentos e os actos. Konrad Heiden[2] escreve:”Eckardt empreende a formação espiritual de Adolfo Hitler.” Ensina-lhe a escrever e a falar. Os seus ensinamentos desenvolvem-se sobre dois planos: a doutrina “secreta” e a doutrina de propaganda. Narrou algumas das conversas que teve com Hitler em relação à segunda num curioso folheto intitulado O bolchevismo de Moisés a Lenine. Em junho de 1923, esse novo mestre, Eckardt, será um dos sete membros fundadores do partido nacional-socialista. Sete: número sagrado. No Outono, por altura da sua morte, diz: “Sigam Hitler. Ele há-de dançar, mas a música foi escrita por mim. Nós concedemos-lhe os meios de comunicar com Eles… Não me lamentem: terei influenciado a história mais do que qualquer outro alemão…”
A lenda de Tule remonta às origens do germanismo. Tratar-se-ia de uma ilha desaparecida, em qualquer parte no Extremo Norte. Na Gronelândia? No Lavrador? Como a Atlântida. Tule teria sido o centro mágico de uma civilização submersa. Para Eckardt e seus amigos, nem todos os segredos de Tule se teriam perdido. Seres intermediários entre o homem e as inteligências do Exterior disporiam, para os iniciados, de um reservatório de forças onde as podiam ir buscar para dar de novo à Alemanha o domínio do Mundo, para fazer da Alemanha a nação anunciadora da super-humanidade futura, das mutações da espécie humana. Um dia agitar-se-ão legiões para destruir tudo o que constituiu obstáculo ao destino espiritual da Terra, e serão conduzidas por homens infalíveis, alimentados nas fontes da energia, guiados pelos Grandes Antigos. Tais são os mitos contidos na doutrina ariana de Eckardt e de Rosenberg, e que esses profetas de um socialismo mágico introduzem na alma mediumínica de Hitler. Mas a sociedade Tule talvez ainda não passe de uma bastante poderosa maquinazinha para misturar o sonho e a realidade. Depressa se transformará, sob outras influências e com outras personagens, num instrumento muito mais estranho: um instrumento capaz de alterar a própria natureza da realidade. Segundo parece, é com Karl Haushoffer que o grupo Tule vai adquirir o seu verdadeiro carácter de sociedade secreta de iniciados em contacto com o invisível, e se tornará o centro mágico do nazismo.
Hitler nasceu em Braunau-sobre-Inn, a 20 de Abril de 1889, às 17 e 30, no número 219 da Salzburger Vorstadt. Cidade fronteira austro-bávara, ponto de encontro de dois grandes estados alemães, foi mais tarde para o Führer uma cidade símbolo. A ela se liga uma singular tradição: é um viveiro de médiuns. É a cidade natal de Willy e Rudi Schneider, cujas experiências psíquicas fizeram sensação há perto de trinta anos. Hitler teve a mesma ama que Willy Schneider. Em 1940, Jean de Pange escrevia: “Baunau é um centro de médiuns. Um dos mais conhecidos é Madame Stokhammes que, em 1920, desposou em Viena o príncipe Joaquim da Prússia. Era de Braunau que um espirita de Munique o barão Schrenk-Notzing, mandava vir os seus auxiliares, e um deles era justamente primo de Hitler”.
O ocultismo ensina que depois de terem conciliado forças ocultas, por meio de um pacto, os membros do grupo não podem evocar essas forças senão por intermédio de um mágico, o qual não poderá agir sem um médium. Tudo se passa como se Hitler tivesse sido o médium e Haushoffer o mágico.
Rauschning descreve assim o Führer: “Somos obrigados a pensar nos médiuns. A maior parte do tempo são seres vulgares, insignificantes. Subitamente, como que lhes caem do céu poderes que os elevam acima da medida comum. Esses poderes são exteriores à sua personalidade real. São visitantes oriundos de outros planetas. O médium está possesso. Uma vez libertado, volta a cair na mediocridade. É sem dúvida desta forma que certas forças atravessam Hitler. Forças quase demoníacas das quais a personagem chamada Hitler não é mais do que a vestimenta momentânea. Essa reunião do banal e do extraordinário, eis a insuportável dualidade de que nos apercebemos logo que entramos em contacto com ele. Este ser poderia ter sido inventado por Dostoievski. Tal é a impressão que provoca numa pessoa estranha a associação de uma confusão doentia e de um poder turvo”.
Strasser: “Aquele que escuta Hitler vê surgir de súbito o Führer da glória humana… Aparece uma luz atrás de uma janela escura. Um senhor com um cómico bigode em vassoura transforma-se em arcanjo… Depois o arcanjo levanta voo: apenas resta Hitler, que se volta a sentar, alagado em suor, com os olhos vítreos”.
Bouchez: “Examinara-lhe os olhos, uns olhos que se tinham tornado mediumínicos… Por vezes, qualquer coisa se passava, semelhante a um fenómeno de ectoplasma: qualquer coisa parecia habitar o orador. Emanava um fluido. . . Depois voltava a ser pequeno, medíocre, até vulgar. Parecia fatigado, completamente exausto”.
François-Poncet (ex-embaixador na Alemanha): “Ele entrava numa espécie de transe mediumínico. O rosto reflectia um encantamento extático”.
Atrás do médium, sem dúvida não está apenas um homem, mas um grupo, um conjunto de energias, uma central mágica. E o que nos parece fora de dúvida é que Hitler está animado por outra coisa além daquilo que exprime: por forças e doutrinas mal coordenadas mas infinitamente mais temíveis do que apenas a teoria nacional-socialista. Um pensamento muito maior do que o dele, que constantemente o excede, e do qual só dá ao povo, aos seus colaboradores, restos grosseiramente vulgarizados. “Ressoador potente, Hitler sempre foi o “tambor” que se gabava de ser no processo de Munique, e sempre continuou a ser um tambor. No entanto, só reteve e utilizou aquilo que, ao acaso das circunstâncias, servia a sua ambição de conquista do poder, o seu sonho de domínio do Mundo, e o seu delírio: a selecção biológica do homem-deus”.
Mas há outro sonho, outro delírio: modificar a vida sobre todo o planeta. Por vezes abre-se, ou antes, o pensamento interior excede-o, e filtra bruscamente por uma pequena abertura. Dizia a Rauschning: “A nossa revolução é uma nova etapa, ou antes a etapa definitiva da evolução que conduz à supressão da história…” Ou ainda: “Não sabem nada de mim, os meus camaradas do partido não fazem a menor ideia dos sonhos que faço e do edifício grandioso do qual pelo menos os alicerces estarão edificados quando eu morrer. . . Há uma curva decisiva do mundo, eis-nos na charneira dos tempos… Haverá uma alteração do planeta que vós, os não iniciados, são incapazes de compreender. . . O que se está a passar é mais do que o aparecimento de uma nova religião. . . ”
Rudolf Hess fora o assistente de Haushoffer quando este professava na Universidade de Munique. Foi ele que estabeleceu o contacto entre Haushoffer e Hitler. (Fugiu de avião da Alemanha, para uma expedição delirante, depois de Haushoffer lhe ter dito que o vira voar, em sonhos, a caminho da Inglaterra. Nos raros momentos de lucidez que a sua inexplicável doença lhe permite, o prisioneiro Hess, último sobrevivente do grupo Tule, teria declarado formalmente que Haushoffer era o mágico, o mestre secreto.[4])
Após a revolta falhada, Hitler é encerrado na prisão de Landshurt. Levado por Hess, o general Karl Haushoffer visita quotidianamente Hitler, passa horas junto dele, desenvolve as suas teorias e delas extrai todos os argumentos favoráveis à conquista política. A sós com Hess, Hitler mistura para a propaganda externa as teses de Haushoffer e os projectos de Rosenberg, num conjunto imediatamente ditado para Mein Kamp.
Karl Haushoffer nasceu em 1869. Fez diversas estadias nas Índias e no Extremo-Oriente, foi enviado ao Japão e aí aprendeu a língua. Para ele a origem do povo alemão dera-se na Ásia Central e a permanência, a grandeza, a nobreza do mundo estavam asseguradas pela raça indo-germânica. No Japão, Haushoffer teria sido iniciado numa das mais importantes sociedades secretas budistas e ter-se-ia comprometido, em caso de malogro da sua “missão”, a executar o suicídio cerimonial.
Em 1914, Haushoffer, jovem general, faz-se notar por um extraordinário poder de predizer os acontecimentos: horas de ataque do inimigo, locais onde cairão as bombas, tempestades, alterações políticas em países de que nada se sabe. Terá Hitler possuído também esse dom de clarividência ou seria Haushoffer que lhe murmura-a as suas próprias inspirações? Hitler redisse
com exactidão a data de entrada das suas tropas em Paris, a data da chegada a Bordéus dos primeiros arrombadores de bloqueio. Quando decide a ocupação da Renânia, todos os peritos da Europa, incluindo os alemães, estão persuadidos de que a França e a Inglaterra se oporão. Hitler prediz que não. Ele virá a anunciar a data da morte de Roosevelt.
Após a primeira grande guerra, Haushoffer retoma os seus estudos e parece dedicar-se exclusivamente à geografia política, funda a revista de Geopolítica e publica numerosos trabalhos. Muito curiosamente, esses trabalhos parecem baseados num realismo político acanhadamente materialista. Essa preocupação, em todos os membros do grupo, em empregar uma linguagem exotérica puramente materialista, em transportar para o exterior concepções pseudocientíficas baralha constantemente as cartas.
O geopolítico sobrepõe-se a outra personagem, discípulo de Schopenhauer, inclinado para o budismo, admirador de Inácio de Loiola tentado pelo governo dos homens, espírito místico em busca de realidades ocultas, homem de grande cultura e de grande psiquismo. Parece muito provável que tenha sido Haushoffer a escolher a cruz gamada para emblema.
Na Europa, como na Ásia, a suástica foi sempre considerada um signo mágico. Viram nele o símbolo do Sol, fonte de vida e de fecundidade, ou do trovão, manifestação da cólera divina, que é necessário esconjurar. Ao contrário da cruz, do triângulo, do círculo ou do crescente, a suástica não é um símbolo elementar que possa ter sido inventado e reinventado em qualquer época da humanidade e em todos os pontos do globo com uma simbólica sucessivamente diferente. É o primeiro signo traçado com uma intenção precisa. O estudo das suas migrações põe o problema das primeiras eras, das origens comuns nas diversas religiões, das relações pré-históricas entre a Europa, a Ásia e a América. O seu mais antigo rasto teria sido descoberto na transilvânia e remontaria ao final da época da pedra polida. Voltamos a encontrá-lo sobre centenas de fusos datando do século xIv antes de Cristo e nos vestígios de Tróia. Aparece na Índia no século Iv antes de Cristo e na China no século v da nossa era. Vemo-lo um século mais tarde no Japão, no momento da introdução do budismo, que dela faz um emblema. Constatação capital: é completamente desconhecido ou só aparece a título acidental em toda a região semítica, no Egipto, na Caldeia, na Assíria, na Fenícia. É um símbolo exclusivamente aríano. Em 1891, Ernest Krauss chama a atenção do público germânico para este facto: Guido List, em 1908. descreve a suástica nas suas obras de divulgação como um símbolo de pureza do sangue e, ao mesmo tempo, como um signo de conhecimento esotérico, revelado pela decifração da epopeia rúnica de Edda. Na corte da Rússia, a cruz gamada é introduzida pela imperatriz Alexandra Feodorovna. Teria sido sob a influência dos teósofos? Ou antes sob a do médium Badmaiev, estranha personagem formada em Lassa e que em seguida estabeleceu numerosas ligações com o Tibete? Ora o Tibete é uma das regiões do Mundo onde a suástica – orientada quer para a direita, quer para a esquerda – é de uso corrente. Vem agora a propósito uma história bastante espantosa.
Sobre a parede da casa Ipatieff, a czarina, antes da sua execução, teria desenhado uma cruz gamada, acompanhada de uma inscrição. Teria sido tirada uma fotografia dessa inscrição, que depois se apressaram a apagar. Koutiepoff teria estado de posse de uma fotografia feita a 24 de Julho, ao passo que a fotografia oficial data de 14 de Agosto. Teria igualmente recebido em depósito o ícone descoberto sobre o corpo da czarina, no interior do qual se encontraria outra mensagem em que se aludia à sociedade secreta do Dragão Verde. Segundo o agente de informações, que viria a ser misteriosamente envenenado e que nos seus romances usava o pseudónimo de Teddy Legrand, Koutitepoff desaparecera sem deixar rasto; teria sido raptado e assasinado no iate de três mastros do barão Otto Bautenas, igualmente assassinado mais tarde. Teddy Legrand escreve: “O grande barco branco chamava-se Asgard. Fora portanto baptizado – teria sido fortuitamente?com um vocábulo com que as lendas islandesas designam o Reino do Rei de Tule.” Segundo Trebich Lincoln (que na realidade afirmava ser o lama Djordni Den), a sociedade dos Verdes, parente da sociedade Tule, tinha as suas origens no Tibete. Em Berlim, um monge tibetano, a quem chamavam “o homem das luvas verdes” e que por três vezes anunciou na imprensa, com precisão, o número dos deputados hitlerianos enviados ao Reichstag, recebia regularmente Hitler. Era, segundo os iniciados, “detentor das chaves que abrem o “reino de Agarthi”.
Eis o que nos reconduz a Tule. Na altura em que Mein Kampf é publicado aparece também o livro do russo Ossendovski, Homens, Animais e Deuses, no qual, pela primeira vez, são revelados publicamente os nomes de Schamballah e Agarthi. Voltarão a ouvir-se esses nomes pronunciados pelos responsáveis da Ahnenerbe no processo de Nuremberga.
Estamos em 1925[5]. O Partido Nacional-Socialista começa a recrutar activamente. Horst Wessel, braço direito de Horbiger, organiza as tropas de choque. É abatido, no ano seguinte, pelos comunistas. O poeta Ewers compõe, em sua memória, um canto que se transformará no hino sagrado do movimento. Ewers, que é um Lovecraft alemão, inscreveu-se no partido cheio de entusiasmo, porque vê nele, a princípio, “a expressão mais forte das potências negras”.
Essas potências negras, os sete homens fundadores, que sonham “modificar a vida”, estão certos, física e espiritualmente certos, de serem impulsionados por elas. Se as informações que temos são exactas, o juramento que os une, o mito a que se referem para dele extrair energia, confiança e sorte, tem a sua origem numa lenda tibetana. Há trinta ou quarenta séculos existia no Gobi uma alta civilização. Em seguida a uma catástrofe, talvez atómica, o Gobi foi transformado num deserto e os que escaparam emigraram, uns em direcção ao extremo Norte da Europa, outros para o Cáucaso. O Deus Tor, das lendas nórdicas, teria sido um dos heróis dessa migração.
Os “iniciados” do grupo Tule estavam persuadidos de que esses emigrados do Gobi compunham a raça fundamental da humanidade, a cepa ariana. Haushoffer apregoava a necessidade de um “regresso às origens”, quer dizer, a necessidade de conquistar toda a Europa oriental, o Turquestão, o Pamir, o Gobi o Tibete. A seu ver, esses países constituíam a “região-centro”, e quem controlar essa região controla o globo.
Segundo a lenda, tal como sem dúvida foi contada a Haushoffer por volta de 1905, e tal como à sua maneira a conta René Guénon em Le Roi du Monde, após o cataclismo do Gobi, os mestres da alta civilização, os detentores do conhecimento, os filhos das Inteligências do Exterior instalaram-se num imenso sistema de cavernas sob o Himalaia. No centro dessas cavernas dividiram-se em dois grupos, um seguindo “a via da mão direita”, o outro “a via da mão esquerda”. A primeira via teria o seu centro em Agarthi, lugar de contemplação, cidade escondida do bem, templo da não-participação no mundo. A segunda passaria por Schamballah, cidade da violência e do poder, cujas forças comandam os elementos, as massas humanas, e activam a chegada da humanidade à “charneira dos tempos”. Aos magos condutores de povos seria possível fazer um pacto com Schambllah, mediante juramentos e sacrifícios.
Na Áustria, o grupo Edelweiss anunciava em 1928 que nascera um novo messias. Na Inglaterra, sir Musely e Bellamy proclamavam em nome da doutrina horbigeriana que a luz atingira a Alemanha. Na América apareciam os “Caminhos de Prata” do coronel Ballard. Um certo número de nobres ingleses procuram alertar a opinião contra esse movimento, no qual vêem acima de tudo uma ameaça espiritual, a ascensão de uma religião luciferina. Kipling manda suprimir a cruz gamada que ornamenta a capa dos seus livros. Lord Tweedsmuir, que escreve com o pseudónimo de John Buchan, publica dois romances com personagens reais sob disfarce: O Julgamento da madrugada e Um Príncipe no Cativeiro, que contêm uma descrição dos perigos que pode representar para a civilização ocidental uma “central de energias” intelectuais, espirituais e mágicas, orientadas para o grande Mal. Saint-Georges Saunders denuncia, em Les Sept Dormeurs e Le Royaume Caché, as chamas lúgubres do esoterismo nazi e a sua inspiração “tibetana”.
É em 1926 que se instala em Berlim uma pequena colónia hindu e tibetana. No momento da entrada dos russos em Berlim encontrar-se-á, entre os cadáveres, um milhar de voluntários da morte de uniforme alemão, sem papéis nem insígnias, de raça himalaia. Logo que o movimento, começa a dispor de grandes possibilidades financeiras organiza múltiplas expedições ao Tibete, que se sucederão praticamente sem interrupção até 1943.
Os membros do grupo Tule deviam alcançar o domínio material do Mundo, deviam ser protegidos contra todos os perigos, e a sua acção prolongar-se-ia durante mil anos, até ao próximo dilúvio. Comprometiam-se a procurar a morte por suas próprias mãos se cometessem qualquer falta que quebrasse o pacto, e a realizar sacrifícios humanos. O extermínio dos boémios (750000 mortos) não parece que tenha senão razões mágicas. Wolfram Sievers foi designado como o executor, o carrasco sacrificial, o degolador ritual. Voltaremos ao assunto mais adiante, mas é bom esclarecer desde já, com a “luz interdita” que convém, um dos aspectos do pavoroso problema posto à consciência actual por esses extermínios. No espírito dos maiores responsáveis tratava-se de vencer a indiferença das Potências, de lhes chamar a atenção. Dos Maias aos Nazis, é esse o sentido mágico dos sacrifícios humanos. Espantou muitas vezes a indiferença dos chefes supremos do assassinato no decorrer do processo de Nuremberga. Uma bela e terrível frase que Merrit põe na boca de um dos seus heróis, no romance Os Habitantes da miragem, pode ajudar a compreender essa atitude: “Tinha esquecido, como as esquecia sempre, as vítimas do sacrifício, na lúgubre excitação do ritual…”
A 14 de Março de 1946, Karl Haushoffer assassinava a esposa. Marta, e suicidava-se, segundo a tradição japonesa. Nenhum monumento, nenhuma cruz marcam o seu túmulo. Acabava de saber da execução, no acampamento de Moabit, de seu filho Albrecht, preso juntamente com os organizadores da conspiração contra Hitler e do atentado falhado de 20 de Julho de 1941. Na algibeira do fato ensanguentado de Albrecht foi encontrado um manuscrito de poemas:
Para meu pai o destino pronunciara-se:
Dependia uma vez mais
De empurrar o demónio para o seu cárcere
meu pai quebrou o selo,
Não sentiu o bafo do maligno
E largou o demónio pelo mundo. . .
*
Toda esta exposição, na sua rapidez e fatal incoerência, apenas exprime um punhado de coincidências, de verificações, de signos e conjecturas. É escusado dizer que os elementos reunidos aqui de acordo com o nosso método não excluem; de forma alguma, as explicações do fenómeno hitleriano pela política e a economia. É também escusado dizer que nem tudo, no espírito e mesmo no inconsciente dos homens de que falámos, foi determinado por tais crenças. Mas as imagens loucas que descrevemos, tomadas como tais ou como realidades, povoaram os seus cérebros num momento ou noutro: isso pelo menos parece-nos certo.
Ora os nossos sonhos não se extinguem no fundo de nós próprios da mesma forma que as estrelas no céu quando nasce o dia. Continuam a brilhar atrás dos nossos sentimentos, dos nossos pensamentos, dos nossos actos. Há os factos, e há um subsolo dos factos: é o que nós exploramos.
Ou antes, assinalamos, com as poucas referências à nossa disposição, que haveria motivos para explorar. Só pretendemos e queremos dizer uma coisa: é que, nesse subsolo, há mais escuridão do que se imagina.
1 M. Nobécourt: no semanário Carrefour de 6 de Janeiro de 1960
2 Konrad Heiden: Adolph Hitler traduzido por A. Pierhal. Ed. Grasset.
3 Dr. Achine Delmas.
4 Jack Fishman: Os Sete Homens de Spandau
5 Em 1931 na sua obra Le symbolásme de la croix René Guénon põe uma nota em final de página:
“Assinalámos recentemente, num artigo do Journal des Débats, de 22 de Janeiro de 1929, a seguinte informação, que dir-se-ia indicar que as grandes tradições não estão tão completamente perdidas como se supõe:
“Em 1925, uma grande parte dos Índios Cuna revoltaram-se, mataram os polícias do Panamá que viviam no seu território, e aí fundaram a república independente de Tule, cuja bandeira é uma suástica sobre fundo alaranjado com orla vermelha. Essa república ainda existe actualmente.”
“Notar-se-á sobretudo a associação da suástica com esse nome Tule, que é uma das mais antigas designações do centro espiritual supremo, depois aplicada a alguns dos centros subordinados.”
Era no cruel Inverno de 1942. Os melhores soldados alemães e a fina flor da S.S., pela primeira vez, já não avançavam, bruscamente petrificados nos buracos da planície russa. A Inglaterra, obstinada, preparava-se para futuros combates e a América agitar-se-ia em breve. Numa manhã desse Inverno, em Berlim, o corpulento doutor Kersten, de mãos carregadas de fluido, encontrou o seu cliente, o Reichsführer Himmler, triste e acabrunhado.
“Caro senhor Kersten, estou numa terrível angústia.”
Começaria ele a duvidar da vitória? Claro que não. Desabotoou as calças para receber massagens no ventre, e começou a falar, enquanto permanecia estendido, de olhos no tecto. Explicou: o Führer compreendera que não haveria paz sobre a Terra enquanto continuasse com vida um único judeu que fosse… “Então, acrescentou Himmler, ordenou-me que liquidasse imediatamente todos os judeus em nosso poder”. As suas mãos, longas e secas, repousavam sobre o divã, inertes, geladas. Depois calou-se.
Kersten, estupefacto, via transparecer um sentimento de piedade no mestre da Ordem Negra e o seu terror foi atravessado
por uma esperança:
– Sim, sim – respondeu -, sei que no fundo da sua consciência não aprova essa atrocidade… compreendo a sua tristeza
horrível.
– Mas não se trata disso! De forma nenhuma! – exclamou Himmler erguendo-se. – Não está a perceber!
Hitler convocara-o. Pedira-lhe que suprimisse imediatamente cinco a seis milhões de judeus. Era uma pesada tarefa e Himmler estava fatigado; além disso, de momento tinha imenso que fazer. Era desumano que exigissem dele um redobrar de esforços nos próximos dias. Verdadeiramente desumano. Fora o que dera a entender ao seu chefe bem-amado e o chefe bem-amado não ficara satisfeito, encolerizara-se e agora Himmler sentia-se muito triste por se ter deixado arrastar por um momento de esgotamento e de egoísmo.[1]
Como compreender essa formidável inversão de valores? Não o conseguiríamos invocando apenas a loucura. Tudo se passa num universo paralelo ao nosso, cujas estruturas e leis são radicalmente diferentes. O físico George Gamov imagina um universo paralelo no qual, por exemplo, a bola de bilhar japonês entrasse em dois buracos ao mesmo tempo. O universo em que vivem homens como Himmler é pelo menos tão estranho ao nosso como o de Gamov. O homem verdadeiro, o iniciado de Tule, está em comunicação com as Potências e toda a sua energia está dirigida para uma modificação da vida sobre o globo.
O médium pede a um homem verdadeiro que liquide alguns milhões de falsos homens? De acordo, mas o momento foi mal escolhido. É absolutamente indispensável? Imediatamente? Pois bem, de acordo. Elevemo-nos ainda um pouco mais acima de nós próprios, sacrifiquemo-nos ainda mais…
A 20 de Maio de 1945 foi preso por soldados britânicos, na ponte de Beruweverde, a 25 milhas a oeste de Lüneburg, um homem alto, de cabeça redonda e ombros estreitos, portador de papéis em nome de Hitzinger. Levaram-no à polícia militar. Estava à paisana e tinha uma pala sobre o olho direito. Durante três dias, os oficiais britânicos tentaram descobrir a sua verdadeira identidade. Por fim, já cansado, ele tirou a pala e disse: “Chamo-me Heinrich Himmler.” Não o acreditaram. Ele insistiu. Para o porem à prova obrigaram-no a despir-se. Depois deram-lhe a escolher entre vestuários americanos e um cobertor. Enrolou-se no cobertor. Um investigador pretendeu certificar-se de que não dissimulava nada na intimidade do seu corpo. Outro pediu-lhe que abrisse a boca. Então, o prisioneiro quebrou uma ampola de cianeto escondida num dente e caiu. Três dias mais tarde, um comandante e três oficiais subalternos tomaram conta do corpo. Dirigiram-se à floresta próxima de Lüneburg, cavaram uma fossa, atiraram o cadáver lá para dentro e depois aplainaram cuidadosamente o solo. Ninguém sabe exactamente onde repousa Himmler, sob que ramadas chilreantes acaba de se decompor a carne daquele que supunha ser a reincarnação do imperador Henrique I, cognominado o Passarinheiro.
Se Himmler fosse vivo e tivesse sido arrastado para o processo de Nuremberga, que poderia ter dito em sua defesa? Não tinha uma linguagem comum com os membros do júri. Ele não habitava este lado do mundo. Pertencia inteiramente a outra ordem das coisas e do espírito. Era um monge combatente de outro planeta. “Ainda não foi possível explicar de maneira satisfatória, diz o cronista Poetel, os secretos níveis psicológicos que originaram Auschwitz e tudo o que este nome pode representar. No fundo, o processo de Nuremberga não esclareceu grande coisa e a abundância das explicações psicanalíticas, que declaravam sem cerimónia que nações inteiras podiam perder o equilíbrio mental da mesma forma que indivíduos isolados, só serviram para complicar o problema. O que se passava no cérebro de pessoas como Himmler e seus semelhantes, quando davam ordens de extermínio, ninguém o sabe.” Situando-nos ao nível daquilo a que chamamos o realismo fantástico, supomos que começamos a sabê-lo.
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Denis de Rougemont dizia a respeito de Hitler: “Certas pessoas crêem, por o terem sentido na sua presença, por uma espécie de sagrado arrepio de horror, que ele é o alicerce de uma Dominação, de um Trono ou de uma Potência, tal como São Paulo designa os espíritos de segunda categoria, que podem igualmente caber num corpo de homem vulgar e ocupá-lo como uma guarnição. Ouvi-o pronunciar um dos seus grandes discursos. De onde lhe vem o poder sobre-humano que desenvolve? Semelhante energia, sente-se muito bem que não é do indivíduo, e até que se não poderia manifestar, excepto no caso em que o indivíduo não conte; é apenas o suporte de uma potência que escapa à nossa psicologia. O que aqui digo seria romantismo da mais baixa categoria se a obra realizada por esse homem – e creio que por essa potência através dele – não fosse uma realidade que provoca o espanto do século”.
Ora, durante a subida ao poder, Hitler, que recebeu os ensinamentos de Eckardt e de Haushoffer, parece ter pretendido servir-se das Potências postas à sua disposição, ou que antes passavam através dele, no sentido de uma ambição política e nacionalista no fim de contas bastante limitada. É na origem um homenzinho agitado por uma intensa paixão patriótica e social. Dedica-se mas num grau inferior: o seu sonho tem fronteiras. Milagrosamente, ei-lo arrastado para a frente, e tudo lhe corre bem. Mas o médium através do qual circulam energias não compreende necessariamente a sua amplitude e direcção. Ele dança ao som de uma música que não lhe pertence. Até 1934 julga que os passos que executa são os que devem ser. Ora não está bem dentro do ritmo. Supõe que não tem mais que fazer do que servir-se das Potências. Mas não nos servimos das Potências: servimo-las. Tal é o significado (ou um dos significados) da alteração fundamental que surgiu durante e imediatamente após a expurgação de Junho de 1934. O movimento que o próprio Hitler supôs que devia ser nacional e socialista transforma-se no que devia ser, segue mais intimamente a doutrina secreta. Hitler jamais ousará pedir contas a respeito do “suicídio” de Strasser, e mandam-no assinar a ordem que eleva a S.S. à categoria de organização autónoma, superior ao partido. Joachim Gunthe escreve numa revista alemã, após a derrota: “A ideia vital que animava a S.A. foi vencida a 30 de Junho de 1934 por uma ideia puramente satânica, a da S.S.” “É difícil precisar o dia em que Hitler concebeu o sonho da mutação biológica,” disse o doutor Delmas. A ideia da mutação biológica é apenas um dos aspectos do aparelho esotérico ao qual o movimento nazi melhor se adapta a partir dessa época em que o médium se torna, não um louco total, como o supõe Rauschning, mas um instrumento mais dócil e o tambor de uma marcha infinitamente mais ambiciosa do que a marcha para o poder de um partido, de uma nação e mesmo de uma raça.
Foi Himmler o encarregado da organização da S.S., não como uma companhia policial, mas como uma verdadeira ordem religiosa, hierarquizada, dos irmãos leigos aos superiores. Nas altas esferas encontram-se os responsáveis conscientes de uma Ordem Negra, cuja existência aliás nunca foi oficialmente reconhecida pelo governo nacional-socialista. Mesmo no centro do partido falava-se daqueles que “sabiam do círculo interior,” mas nunca foi dada uma designação oficial. Parece certo que a doutrina, jamais completamente explicada, se baseava na crença absoluta em poderes que ultrapassam os poderes humanos vulgares. Nas religiões distingue-se a teologia, considerada uma ciência, da mística, intuitiva e incomunicável. Os trabalhos da sociedade Ahnenerbe, a que nos referiremos mais adiante, representam o aspecto teológico, a Ordem Negra o aspecto místico da religião dos Senhores de Tule.
O que é necessário compreender é que a partir do momento em que toda a obra de reunião e excitação do partido hitleriano muda de direcção, ou antes, é mais severamente orientada no sentido da doutrina secreta (mais ou menos bem compreendida e aplicada, até aqui, pelo médium colocado nos postos de propaganda), já não estamos em presença de um movimento nacional e político. Na prática, os temas serão os mesmos, mas tratar-se-á apenas, da linguagem exotérica dirigida às multidões, de uma descrição dos objectivos imediatos, atrás dos quais há outros objectivos. “Nada mais contou excepto a perseguição infatigável de um sonho pavoroso. Dali em diante, se Hitler tivesse tido à sua disposição um povo que pudesse, melhor do que o povo alemão, servir a exaltação do seu pensamento supremo, não teria hesitado em sacrificar o povo alemão”. Não “o seu pensamento supremo”, mas o supremo pensamento de um grupo mágico agindo através dele. Brasillach reconhece “que ele sacrificaria toda a felicidade humana, a sua e ainda por cima a do seu povo se o misterioso dever ao qual obedecia lho ordenasse”.
“Vou confiar-lhe um segredo, disse Hitler a Rauschning: estou a fundar uma ordem.” Evoca os Burgs onde se realizará uma primeira iniciação. E acrescenta: “É de lá que sairá a segunda categoria, a do homem medida e centro do mundo, do homem-deus. O homem-deus, a figura esplêndida do Ser, será como uma imagem do culto… Mas existem outras categorias de que me não é permitido falar…”
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Central de energia edificada em redor da central principal, a Ordem Negra isola do mundo todos os seus membros, seja qual for o grau iniciático a que pertençam. “Bem entendido, escreve Poetel, não era mais do que um pequeno círculo de altos graduados e de grandes chefes S.S. que estavam ao corrente das teorias e das reivindicações essenciais. Os membros das diversas formações “preparatórias” só foram informados quando lhes foi imposto, antes de contraírem matrimónio, que pedissem autorização aos seus chefes, ou quando os colocaram sob uma jurisdição própria da Ordem, extremamente rigorosa aliás, mas cujo efeito era de os subtrair à competência da autoridade civil. Verificaram então que fora das leis da Ordem não tinham qualquer outro dever e que já não havia para eles existência privada”.
Os monges[2] combatentes, os S.S. com o emblema da caveira (que é preciso não confundir com outras organizações como a Waffen S.S., compostas por irmãos leigos ou por terciários da Ordem, ou ainda por mecânicas humanas construídas à semelhança o verdadeiro S.S como reproduções côncavas do modelo) receberão a primeira iniciação em Burgs. Mas primeiro terão passado pelo seminário, a Napola. Ao inaugurar uma dessas Napola, ou escolas preparatórias Himmler reduz a doutrina ao seu mais pequeno denominador comum: “Crer, obedecer, combater e é tudo.”
São escolas onde, como diz o Schwarze Korps de 26 de Novembro de 1942, “se aprende a dar e a receber a morte”
Mais tarde, se disso são dignos, os cadetes recebidos nos Burgs compreenderão que “receber a morte” pode ser interpretado no sentido de “matar o seu eu”. Mas se não são dignos, é a morte física que receberão sobre os campos de batalha. “A tragédia da grandeza é ter de pisar cadáveres.” E que importa? Nem todos os homens têm existência verdadeira e há uma hierarquia da existência, do homem-fingido ao grande mago. Mal sai do nada o cadete volta para lá, depois de vislumbrar, para a sua salvação, o caminho que conduz à figura esplêndida do Ser… Era nos Burgs que se pronunciavam os votos, e que se entrava num “destino sobre-humano irreversível”. A Ordem Negra traduz em actos as ameaças do doutor Ley: “Aquele a quem o partido retirar o direito à camisa negra – é preciso que cada um de nós o saiba -, não só perderá as suas funções como ainda será aniquilado, na sua pessoa, nas pessoas da sua família, de sua mulher e de seus filhos. Tais são as duras leis, as leis implacáveis da nossa Ordem.”
Eis-nos fora do mundo. Já não se trata da Alemanha eterna ou do Estado nacional-socialista, mas da preparação mágica, para a vinda do homem-deus, do homem-após-o-homem que as Potências enviarão sobre a Terra, quando tivermos modificado o equilíbrio das forças espirituais. A cerimónia em que se recebia a runa S.S. devia assemelhar-se bastante ao que descreve Reinhold Schneider quando evoca os membros da Ordem Teutónica na grande sala do Remter de Marienburg, inclinando-se sob os votos que dali para o futuro fariam deles a Igreja Militante: “Eles vinham de países de aspectos diversos, vinham de uma vida agitada. Entravam na austeridade limitada deste castelo e abandonavam os seus brasões pessoais cujas armas tinham sido usadas pelo menos por quatro antepassados. Agora, o seu brasão seria a cruz que impõe o combate mais grave deste mundo e assegura a vida eterna.” Aquele que sabe não fala: não existe qualquer descrição da cerimónia iniciática nos Burgs, mas sabe-se que tal cerimónia se realizava. Chamavam-lhe “a cerimónia da Atmosfera Densa”, em alusão à atmosfera extraordinariamente tensa que reinava e não se dissipava senão depois de os votos terem sido pronunciados. Alguns ocultistas como Lewis Spence pretenderam ver nela uma missa negra na pura tradição satânica. Pelo contrário, Willi Frieschauer, no seu trabalho sobre Himmler interpreta “a Atmosfera Densa” como o momento de embrutecimento absoluto dos participantes. Entre estas duas teses há lugar para uma interpretação mais realista e portanto mais fantástica.
Destino irrevogável: foram concebidos planos para isolar o S.S. do mundo dos “homens-fingidos” durante toda a sua vida. Projectaram a criação de cidades, de vilas de veteranos repartidas através do Mundo e que dependessem unicamente da administração e da autoridade da Ordem. Mas Himmler e os seus “irmãos” conceberam um sonho mais grandioso ainda. O mundo teria por modelo um Estado S.S. soberano. “Na conferência da paz, diz Himmler, em Março de 1943, o mundo ficará a saber que a velha Borgonha vai ressuscitar, esse país que outrora foi a terra das ciências e das artes e que a França relegou para a categoria de apêndice conservado em vinho fraco, O Estado soberano de Borgonha, com o seu exército, as suas leis, a sua moeda, os seus correios, será o Estado S.S. modelo. Compreenderá a Suíça francesa, a Picardia, a Champanha, o Franco-Condado, o Hainaut[3] e o Luxemburgo. A língua oficial será o alemão, bem entendido. O Partido Nacional-Socialista não terá ali qualquer autoridade. Só a S.S. governará, e o mundo ficará ao mesmo tempo assombrado e maravilhado com esse Estado onde as concepções do mundo S.S. serão aplicadas”.
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O verdadeiro S.S. de formação “iniciática” situa-se, a seus próprios olhos, para além do bem e do mal. “A organização de Himmler não conta com o auxílio fanático de sádicos que procuram a voluptuosidade do assassínio: conta com homens novos.” Fora do “círculo interior”, que inclui os S.S. com o emblema da caveira, isto é, os chefes mais próximos da doutrina secreta, segundo a sua categoria, e cujo centro é Tule, o santuário, há o S.S. de tipo médio, que não passa de uma máquina sem alma, um autómato de serviço. É obtido com um fabrico “standard”, a partir de “qualidades negativas”. A sua produção não depende da doutrina, mas de simples métodos de preparação. “Não se trata de suprimir a desigualdade entre os homens, mas pelo contrário de a ampliar e dela fazer uma lei protegida por barreiras intransponíveis, diz Hitler… Que aspecto terá a futura ordem social? Meus camaradas, vou dizer-lhes: haverá uma classe de senhores, haverá a multidão dos diversos membros do partido classificados hierarquicamente, haverá a grande massa dos anónimos, a colectividade dos servidores, dos perpetuamente menores e, mais abaixo ainda, a classe dos estrangeiros conquistados, os modernos escravos. E, acima de tudo isto, uma nova alta nobreza de que não posso falar. . . Mas estes planos devem ser ignorados pelos simples militantes…”
O mundo é uma matéria a transformar para que dela emane uma certa energia, concentrada por magos, uma energia psíquica susceptível de atrair as Potências do Exterior, os Superiores Desconhecidos, os Mestres do Cosmos. A actividade da Ordem Negra não corresponde a nenhuma necessidade política ou militar: corresponde a uma necessidade mágica. Os campos de concentração provêm da magia de iniciação: são um acto simbólico, uma maqueta. Todos os povos serão arrancados às suas raízes, transformados numa imensa população nómada, numa matéria bruta sobre a qual será lícito agir, da maneira que se quiser, e da qual brotará a flor: o homem em contacto com os deuses. É o modelo côncavo (como dizia Barbey d’Aurevilly: o inferno é o céu em côncavo) do planeta tornado o campo dos labores mágicos da Ordem Negra.
No ensinamento dos Burgs, uma parte da doutrina secreta é transmitida pela seguinte fórmula: “Não existe senão o Cosmos, ou o Universo, ser vivo. todas as coisas, todos os seres incluindo o homem, não passam de formas diversas ampliando-se no decorrer das eras do universal vivo”. Nós próprios não estaremos vivos enquanto não tomarmos consciência desse Ser que nos cerca, nos engloba e prepara através de nós outras formas. A criação não está terminada, o Espírito do Cosmos não encontrou o repouso, estejamos atentos às suas ordens, que nos serão transmitidas por deuses, a nós, magos bárbaros, padeiros da sangrenta e cega massa humana! Os fornos de Auschwitz: ritual.
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O coronel S.S. Wolfram Sievers, que se limitara a uma defesa puramente racional, pediu, antes de entrar para a sala de enforcamento, que o deixassem celebrar, uma última vez o seu culto, murmurar misteriosas orações. Depois entregou o pescoço ao carrasco, Impassível.
Ele fora o administrador-geral da Ahnenerbe e como tal foi condenado à morte em Nuremberga. A sociedade de estudo para a herança dos antepassados, a Áhnenerbe, fora fundada a título privado pelo mestre espiritual de Sievers, Frederico Hielscher, místico amigo do explorador sueco Sven Hedin, o qual mantinha relações estreitas com Haushoffer. Sven Hedin, especialista do Extremo-Oriente, vivera muito tempo no Tibete e fora um intermediário importante na criação das doutrinas esotéricas nazis. Frederico Hielscher nunca foi nazi e chegou mesmo a manter relações com o filósofo judeu Martin Buber. Mas as suas teses profundas lembravam as posições “mágicas” dos grandes mestres do nacional-socialismo. Himmler, em 1935, dois anos depois da fundação, fez da Ahnenerbe uma organização oficial, ligada à Ordem Negra. Os objectivos declarados eram: “Investigar a localização, o espírito, os actos, a herança da raça indo-germânica e comunicar ao povo, sob uma forma interessante, os resultados dessas investigações. A execução dessa missão deve fazer-se empregando métodos de precisão científica”. Toda a organização racional alemã posta ao serviço do irracional. Em Janeiro de 1939, a Ahnenerbe estava pura e simplesmente incorporada à S.S. e os seus chefes integrados no estado-maior de Himmler. Nessa altura, ela dispunha de cinquenta institutos dirigidos pelo professor Wurst, especialista dos antigos textos sagrados e que ensinara o sânscrito na Universidade de Munique.
Parece que a Alemanha gastou mais dinheiro com as investigações da Ahnenerbe do que a América com o fabrico da primeira bomba atómica. Essas investigações iam da actividade científica propriamente dita até ao estudo das práticas ocultas, da vivissecção praticada nos prisioneiros até à espionagem das sociedades secretas. Fizeram-se conferências com Skorzeny para organizar uma expedição cujo objectivo era roubar o Santo Graal, e Himmler criou uma secção especial, um serviço de informações encarregado “dos domínios do sobrenatural”.
A lista dos relatórios dispendiosamente estabelecidos pela Ahnenerbe confunde a imaginação: presença da confraria Rosa-Cruz, simbolismo da abolição da harpa no Ulster, significado oculto das torres góticas e dos chapéus altos de Eton, etc. Quando as tropas se preparam para evacuar Nápoles, Himmler multiplica as ordens para que não se esqueçam de levar a grande pedra tumular do último imperador Hohenstoffen. Em 1943, após a queda de Mussolini, o Reichsführer reúne numa vivenda dos arredores de Berlim os seis maiores ocultistas da Alemanha para descobrir o local onde o Duce está prisioneiro. As conferências de estado-maior principiam com uma sessão de concentração lógica. No Tibete, por ordem de Sievers, o doutor Scheffer estabelece múltiplos contactos com os lamas. Leva para Munique, para os estudos “científicos,” cavalos “arianos” e abelhas “arianas” cujo mel tem virtudes particulares.
Durante a guerra, Sievers organiza, nos campos de deportados, as horríveis experiências que desde então serviram de tema a vários livros negros. A Ahnenerbe “enriqueceu-se” com um “instituto de investigações científicas de defesa nacional” que dispunha “de todas as possibilidades concedidas em Dachau”. O professor Hirt, que dirige esses institutos, arranja uma colecção de esqueletos tipicamente israelitas. Sievers encomenda ao exército invasor na Rússia uma colecção de crânios de comissários judeus. Quando, em Nuremberga, se evocam esses crimes, Sievers mantém-se alheio a qualquer sentimento humano normal, estranho a qualquer piedade. Está distante. Escuta outras vozes.
Hielscher representou sem dúvida um papel importante na elaboração da doutrina secreta. Fora dessa doutrina, a atitude de Sievers, tal como a dos outros grandes responsáveis, mantém-se incompreensível. Os termos “monstruosidade moral”, “crueldade mental”, loucura, nada explicam. A respeito do mestre espiritual de Sievers, quase nada se sabe. Mas Ernst Jünger refere-se-lhe no diário que manteve durante os seus anos de ocupação em Paris. O tradutor francês não reparou numa nota, a nossos olhos capital. É que de facto o sentido da mesma só se torna evidente dentro da explicação “realista-fantástica” do fenómeno nazi. A 14 de Outubro de 1943, Jünger escreve:
“À noite, visita de Bogo. (Por prudência, Jünger dissimula as altas personalidades sob pseudónimos. Bogo é Hielscher, assim como Kniebolo é Hitler). Numa época tão pobre em forças originais, ele surge-me como uma das pessoas das minhas relações a respeito das quais mais reflecti sem conseguir formar uma opinião. Supus outrora que ele entraria na história da nossa época como uma dessas personagens pouco conhecidas, mas de extraordinária subtileza de espírito. Agora penso que terá um papel mais importante. Muitos, se não a maior parte dos jovens intelectuais da geração que se tornou adulta após a grande guerra, sofreram a sua influência e muitas vezes passaram pela sua escola… Ele confirmou uma suspeita que há muito tempo alimento, a de que fundou uma igreja. Situa-se actualmente para lá da dogmática e já avançou muito na liturgia. Mostrou-me uma série de cantos e um ciclo de festas, “o ano pagão”, que engloba uma ordenança completa de deuses, de cores, animais, iguarias, pedras e plantas. Vi ali que a consagração da luz se celebra a 2 de Fevereiro. . . ”
E Jünger acrescenta, confirmando a nossa tese:
“Pude constatar em Bogo uma modificação fundamental que me parece característica de todo o nosso escol: arremessa-se impetuosamente para os domínios metafísicos, com todo o entusiasmo de um pensamento formado pelo racionalismo. Isto já me tinha impressionado em Spengler e está entre os presságios favoráveis. Poderia dizer-se que o século xIx foi um século racional e que o século XX é o dos cultos. O próprio Kniebolo (Hitler) vive deles, daí a total incapacidade dos espíritos liberais em conceberem nem que seja uma pequena ideia do seu universo.”
Hielscher, que não fora incomodado, depôs a favor de Sievers no processo de Nuremberga. Limitou-se, perante os juízes, a diversões políticas, expôs opiniões voluntariamente absurdas sobre as raças e as tribos ancestrais. Pediu licença para acompanhar Sievers ao patíbulo, e foi com ele que o condenado fez as orações particulares de um culto a que este nunca se referiu durante os interrogatórios. Depois voltou à sombra.
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Eles pretendiam modificar a vida e misturá-la com a morte de uma forma diferente. Preparavam a vinda do Supremo desconhecido. Tinham uma concepção mágica do mundo e do homem. A isso sacrificaram toda a juventude do seu país e ofereceram aos deuses um oceano de sangue humano. Tinham feito tudo para se porem de acordo com a vontade das Potências. Odiavam a moderna civilização ocidental, quer fosse burguesa ou operária, aqui o seu humanismo insípido e além o seu materialismo limitado. Tinham de vencer, pois eram portadores de uma chama que os seus inimigos, capitalistas ou marxistas, há muito tinham deixado extinguir-se dentro deles, repousando sonolentos sobre uma concepção do destino inexpressiva e limitada. Seriam os mestres durante um milenário, porque estavam do lado dos magos, dos grandes sacerdotes, dos demiurgos… E ei-los vencidos, espezinhados, julgados, humilhados por pessoas ordinárias que mastigam “chewing-gum” ou bebem vodka; pessoas sem qualquer espécie de inspiração sagrada, de crenças limitadas e com objectivos sem grandeza. Pessoas do mundo da superfície, positivas, racionais, morais, homens simplesmente humanos. Milhões de homenzinhos de boa vontade punham em posição crítica a vontade dos cavaleiros das trevas resplandecentes. A Leste, esses papalvos mecanizados, a Oeste, esses puritanos de esqueleto mole tinham construído em quantidades superiores tanques, aviões, canhões. E possuíam a bomba atómica, eles que não sabiam nada a respeito das grandes energias ocultas! E agora, como os caracóis depois da tempestade, saídos da chuva de ferro, juízes de óculos, professores de direito humanitário, de virtude horizontal, doutores em mediocridade barítonos do Exército de Salvação, carregadores da Cruz Vermelha, ingénuos porta-vozes dos “amanhãs que cantam”[4] iam a Nuremberga dar lições de moral primária aos Senhores, aos monges combatentes que tinham assinado um pacto com as Potências, aos Sacrificadores que liam no espelho negro, aos aliados de Schamballah, aos herdeiros do Graal! E enviavam-nos para a forca acusando-os de criminosos e loucos enraivecidos!
O que não podiam compreender os acusados de Nuremberga e os seus chefes que se haviam suicidado, é que a civilização que acabava de triunfar era, também ela e com maior certeza, uma civilização espiritual, um formidável movimento que, de Chicago a Tachkent, arrasta a humanidade para um destino mais alto. Eles tinham posto em dúvida a Razão e substituíram-lhe a magia. É que de facto a Razão cartesiana não engloba o todo do homem, o todo do seu conhecimento. Tinham-na posto a dormir. Ora o sono da razão gera os monstros. O que se passava no partido adversário é que a razão, de forma nenhuma adormecida, mas pelo contrário exaltada ao máximo, alcançava por um caminho mais alto os mistérios do espírito, os segredos da energia, as harmonias universais. À força de racionalidade exigente, o fantástico aparece e os monstros gerados pelo sono da razão não passam da sua negra caricatura. Mas os juízes de Nuremberga, mas os porta-vozes da civilização vitoriosa não sabiam que aquela guerra fora uma guerra espiritual. Não tinham uma visão suficientemente elevada do seu próprio mundo. Apenas acreditavam que o Bem vencera o Mal, sem ter visto a profundidade do mal vencido e a grandeza do bem triunfante. Os místicos guerreiros alemães e japoneses julgavam-se mais mágicos do que na realidade eram. Os civilizados que os tinham vencido não tomaram consciência do superior sentido mágico que o seu próprio mundo adquiria. Eles falavam da Razão, da Justiça, da Liberdade, do Respeito pela Vida, etc., num plano que já não era o dessa segunda metade do século XX na qual o conhecimento se transformou, onde a passagem para outro estado da consciência humana se tornou perceptível.
É verdade que os nazis deviam ganhar, se o mundo moderno não passasse do que ainda é aos olhos da maior parte de nós: a herança pura e simples do século xIx, materialista e cientista, e do pensamento burguês que considera a Terra um local onde devemos desfrutar o maior prazer possível. Existem dois diabos. Aquele que transforma a ordem divina em desordem, e o que transforma a ordem noutra ordem não divina. A Ordem Negra devia vencer uma civilização que ela supunha caída ao nível dos apetites apenas materiais, dissimulados sob uma moral hipócrita. Mas ela não era apenas isso. Um rosto novo surgia durante o martírio que os nazis lhe infligiam, como o Rosto sobre o Santo Sudário. Do aumento da inteligência nas massas à física nuclear, da psicologia dos vértices da consciência aos foguetões interplanetários, uma alquimia se operava, esboçava-se a promessa de uma transmutação da humanidade, de uma ascensão do ser vivo. Talvez isso não se constatasse de forma evidente, e alguns espíritos medianamente profundos lamentavam os tempos muito antigos da tradição espiritual, mantendo desta forma um certo pacto com o inimigo no mais ardente de si próprios, devido à sua revolta contra este mundo no qual só viam uma mecanicidade cada vez mais invasora. Mas, ao mesmo tempo, homens como Teilhard de Chardin, por exemplo, tinham os olhos mais abertos. Os olhos da inteligência superior e os olhos do amor descobrem a mesma coisa sobre planos diferentes. O impulso dos povos a caminho da liberdade, o canto de confiança dos mártires continham em gérmen essa grande esperança arcangélica. Essa civilização, tão mal interpretada do exterior pelos místicos adeptos do passado como do interior pelos progressistas primários, devia ser salva. O diamante risca o vidro. Mas o “borazon”, cristal sintético, risca o diamante. A estrutura do diamante é mais ordenada que a do vidro. Os nazis podiam vencer. Mas a inteligência alerta pode ter uma acção criadora, edificando figuras da ordem mais puras do que as que brilham nas trevas.
“Quando me esbofeteiam não apresento a outra face e também não dou um murro: atiro um raio”. Era necessário que essa batalha entre os Senhores das camadas inferiores e os homenzinhos da superfície, entre as Potências obscuras e a humanidade em progresso, terminasse em Hiroshima com o sinal evidente da Potência sem discussão.
1 Cf. Memórias de Kersten e o livro de Joseph Kessel: Les Mains du Miracle, Gallimard, editor.
2 Monge = grego monos = só
3 Antigos nomes de províncias francesas. (N. da T.)
4 Alusão à célebre fórmula do Partido Socialista. (N. da Z)
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