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Socialismo de estado e anarquismo: até onde concordam e em que diferem

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Benjamin R. Tucker*

Publicado originalmente em no jornal Liberty 5.16, no. 120 (10 de março de 1888), pp.2-3, 6, sob o título “State Socialism and Anarchism: How Far They Agree, and Wherein They Differ”.

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Provavelmente nenhuma agitação já tenha alcançado a magnitude, tanto em número de adeptos quanto em área de influência, que foi conseguida pelo Moderno Socialismo, e ao mesmo tempo tenha sido tão pouco entendida e tão mal compreendida, não apenas pelos hostis e indiferentes, mas pelos amigáveis e até mesmo pela grande massa de seus próprios defensores. Esse infeliz e altamente perigoso estado de coisas se deve em parte ao fato de que os relacionamentos humanos que este movimento — se algo tão caótico pode-se chamar de movimento — pretende transformar não envolvem nenhuma classe ou classes especiais, mas literalmente toda a humanidade; parte se deve ao fato de que esses relacionamentos são infinitamente mais variados e complexos em suas naturezas do que aqueles aos quais qualquer reforma especial tenha sido chamada para lidar; e parte se deve ao fato de que as grandes forças transformadoras da sociedade, os canais de informação e luzes, estão quase que exclusivamente sob o controle daqueles cujos imediatos interesses pecuniários são antagônicos à reivindicação central do Socialismo de que o trabalho deve ter a posse do que lhe é devido.

Quase que as únicas pessoas que se pode dizer que compreendem mesmo aproximadamente a significação, os princípios e os propósitos do Socialismo são os líderes das alas extremas das forças Socialistas, e talvez uma minoria dos próprios reis do dinheiro. Essa é uma matéria de que ultimamente se tornou moda para o pastor, para o professor e para o jornalista tratar, e, na maior parte das vezes, um trabalho lastimável foi feito, excitando o escárnio e a piedade daqueles competentes para julgar. Que aqueles proeminentes nas divisões intermediárias do Socialismo não compreendam o que defendem é evidente pelas posições que ocupam. Se compreendessem, se fossem pensadores consistentes, lógicos, se fossem o que os franceses chamam de homem conseqüente, suas faculdades analíticas já os teriam levado a um extremo ou outro.

Pois é um fato curioso de que os dois extremos do vasto exército agora sob consideração, embora unidos, como se insinuou anteriormente, pela reivindicação comum de que o trabalho deve possuir o que lhe é de direito, estão mais diametricamente opostos um ao outro em seus princípios fundamentais de ação social e em seus métodos de alcançar os fins almejados do que mesmo o inimigo comum entre eles, a sociedade existente. Eles se baseiam em dois princípios, a historia de cujo conflito é quase equivalente à história do mundo desde que o homem passou a habitá-lo; e todos os partidos intermediários, incluindo aquele dos que apóiam a sociedade existente, são baseados num compromisso entre eles. Está claro, portanto, que qualquer oposição inteligente, enraizada, à ordem de coisas que prevalece precisa vir de um desses extremos, pois qualquer outra coisa advinda de outra fonte, longe de ser revolucionária em caráter, só poderia ser uma modificação superficial, que em última análise seria incapaz de concentrar sobre si o grau de atenção e de interesse agora dispensado ao Moderno Socialismo.

Os dois princípios referidos são a Autoridade e a Liberdade, e os nomes das duas escolas de pensamento Socialista que totalmente e sem reservas representam uma ou outra delas são, respectivamente, o Socialismo de Estado e o Anarquismo. Qualquer pessoa que saiba o que essas duas escolas querem e quais os meios que defendem entende o movimento Socialista. Pois, como acabou de ser dito que não há meio termo entre Roma e a Razão, então deve-se dizer que não há meio termo entre o Socialismo de Estado e o Anarquismo. Há, na verdade, duas correntes rapidamente fluindo do centro das forças Socialistas as quais se estão concentrando na esquerda e na direita; e, se o Socialismo vier a prevalecer, é uma das possibilidades que,após esse movimento de separação tenha sido completado e a ordem existente tenha sido destruída entre os dois campos, o conflito final mais amargo ainda virá. Nesse caso, todos os homens de oito horas, todos os sindicalistas, todos Cavaleiros do Trabalho, todos os defensores da nacionalização das terras, todos os greenbackers1 e, em suma, todos os membros dos diferentes batalhões pertencentes ao grande exército do Trabalho, terão deserdado de seus antigos postos e, alguns sendo dispostos de um lado e outros do outro, a grande batalha começará. O que uma vitória final para os Socialistas de Estado representará e o que uma vitória final para os Anarquistas representará é o propósito deste paper tentar explicar brevemente.

Para fazer isso inteligentemente, contudo, eu preciso primeiro descrever a base comum dos dois, as características que fazem ambos serem Socialistas.

Os princípios econômicos do Moderno Socialismo são uma dedução lógica do princípio apresentado por Adam Smith em seu “A Riqueza das Nações” — a saber, que o trabalho é a verdadeira medida do preço. Mas Adam Smith, após afirmar esse princípio mais clara e concisamente, imediatamente abandonou toda posterior consideração a ele para devotar-se a si mesmo a mostrar o que realmente mede o preço e como, portanto, a riqueza é distribuída no presente. Desde seus dias quase todos os economistas políticos seguiram seu exemplo ao se confinarem a suas funções de descrever a sociedade como ela é, em suas fases industrial e comercial. O Socialismo, pelo contrário, estende sua função à descrição da sociedade como ela deveria ser e à descoberta dos meios de fazê-la o que ela deveria ser. Meio século ou mais após Smith ter enunciado o princípio supracitado, o Socialismo o pegou onde ele foi abandonado e, seguindo-o até suas conclusões lógicas, o fez a base de uma nova filosofia econômica.

Isto parece ter sido feito independentemente por três homens diferentes, de três diferentes nacionalidades, em três diferentes idiomas: Josiah Warren, um americano; Pierre J. Proudhon, um francês; e Karl Marx, um judeu alemão. Que Warren e Proudhon tenham chegado a suas conclusões sozinhos e sem auxílio é certo; mas se Marx não deveu a Proudhon suas idéias econômicas é questionável. À parte dessas questões, a apresentação de Marx das idéias foi em tantos aspectos peculiar dele próprio que ele justamente deve receber o crédito da originalidade. Que o trabalho desse interessante trio tenha sido feito quase que simultaneamente pareceria indicar que o Socialismo estava no ar e que o tempo era propício e as condições favoráveis ao aparecimento dessa nova escola de pensamento. No que se refere à prioridade do tempo, o crédito parece pertencer a Warren, o americano — um fato que deveria ser notado por aqueles estúpidos oradores que se aprazem em declamar contra o Socialismo como um artigo importado. Do mais puro sangue revolucionário, também, este Warren, pois descendia do Warren que caiu no Bunker Hill.2

Do princípio de Smith de que o trabalho é a verdadeira medida do preço — ou, como Warren colocou, que o custo é o limite apropriado do preço — esses três homens fizeram as seguintes deduções: que a remuneração natural do trabalho é o seu produto; que essa remuneração, ou produto, é a única fonte justa de renda (deixando de lado, é claro, presentes, heranças, etc); que todos aqueles que derivam suas rendas de qualquer outra fonte abstraem-na direta ou indiretamente da remuneração justa e natural do trabalho; que esse processo de abstração geralmente toma três formas — juro, aluguel e lucro;que esses três constituem a trindade da usura e são simplesmente diferentes métodos de arrecadar tributos pelo uso do capital; que o capital, sendo apenas trabalho armazenado que já foi remunerado em sua totalidade, deve ser de uso gratuito, sob o princípio de que o trabalho é a única base do preço; que o credor de capital tem direito ao seu retorno intacto e nada mais; que a única razão pela qual o banqueiro, o acionista, o senhorio, o manufatureiro e o mercador são capazes de extrair usura do trabalho se deve ao fato de que são sustentados por privilégios legais, ou monopólios; e que a única forma de assegurar que o trabalho usufrua de seu total produto, ou de sua remuneração natural, é acabar com o monopólio.

Não se deve inferir que Warren, Proudhon ou Marx usaram estas exatas palavras, ou que seguiram exatamente essa linha de pensamento, mas isso indica definitivamente o fundamento comum tomado pelos três, e seus pensamentos substanciais até o limite em que estão de acordo. E, a não ser que eu seja acusado de reproduzir as posições e argumentos desses homens incorretamente, deve-se dizer em antecipação que eu os citei ao largo e que, para o propósito de uma aguda, vívida e enfática comparação e contraste, eu tomei considerável liberdade com seus pensamentos ao rearranjá-los numa ordem e num fraseamento meus próprios, mas eu estou satisfeito em fazer isso sem contudo os representar incorretamente em qualquer particular essencial.

Foi neste ponto — na necessidade de acabar com o monopólio — que difeririam seus caminhos. Aqui a estrada se dividiu. Eles perceberam que precisavam ou virar à direita ou à esquerda — seguir o caminho da Autoridade ou o caminho da Liberdade. Marx foi por um lado; Warren e Proudhon, por outro. Assim nasciam o Socialismo de Estado e o Anarquismo.

Primeiro, então, o Socialismo de Estado, o qual pode ser descrito como a doutrina de que todas as relações dos homens deveriam ser gerenciadas pelo governo, não levando em consideração a escolha individual. Marx, seu fundador, concluiu que a única forma de abolir os monopólios de classe era centralizar e consolidar todos os interesses comerciais e industriais, todas as agências produtivas e distributivas, em um vasto monopólio nas mãos do Estado. O governo precisa se tornar banqueiro, manufatureiro, fazendeiro, carregador e mercador, e nessas capacidades ele não deve sofrer competição. A terra, as ferramentas e todos os instrumentos de produção devem ser retirados das mãos individuais e tornarem-se propriedade da coletividade. O indivíduo só pode possuir os produtos a serem consumidos, não os meios de produzi-los. Um homem só pode ter propriedade de suas roupas e de sua comida, mas não a máquina de costura que faz suas camisas, ou a pá com a qual ele colhe suas batatas. O produto e o capital são coisas essencialmente diferentes; o primeiro pertence ao indivíduo, o último à sociedade. A sociedade deve se apoderar do capital que lhe pertence, pela urna se puder, pela revolução se precisar. Uma vez em possessão dele, ela precisa administrá-lo sob o princípio da maioria, através de seu órgão, o Estado, utilizá-lo na produção e na distribuição, fixar todos os preços pela quantidade de trabalho envolvida e empregar todas as pessoas em suas oficinas, fazendas, armazéns, etc. A nação precisa ser transformada numa vasta burocracia, e todo indivíduo num Oficial do Estado. Tudo precisa ser feito no princípio do custo, as pessoas não tendo motivo para auferir lucros elas mesmas. Os indivíduos, não podendo possuir capital, ninguém pode empregar outros, nem ele mesmo. Todo homem precisa ser um assalariado e o Estado o único empregador. Aquele que não trabalha para o estado deve morrer de fome ou, mais provavelmente, ir para a prisão. Toda a liberdade de comércio precisa desaparecer. A competição precisa desaparecer totalmente. Toda atividade industrial e comercial precisa ser centrada num vaso, enorme, totalizante monopólio. O remédio para os monopólios é o monopólio

Esse é o programa do Socialismo de Estado, como adotado por Karl Marx. A história de seu crescimento e progresso não pode ser contada aqui. Neste país, os partidos que o defendem são conhecidos como Partido Socialista Trabalhista, que pretende seguir Karl Marx; Nacionalistas, que seguem Karl Marx filtrado através de Edward Bellamy; e os Socialistas Cristãos, que seguem Karl Marx filtrado através de Jesus Cristo.

Que outras aplicações este princípio da Autoridade, uma vez adotado na esfera econômica, se desenvolverão é evidente. Significa o absoluto controle da maioria de todas as condutas individuais. O direito de tal controle é admitido pelos Socialistas de Estado, embora eles mantenham que, na verdade, ao indivíduo seria permitida uma liberdade muito maior do que atualmente. Mas a ele seria apenas permitida a liberdade; ele não poderia reclamá-la para si. Não haveria um fundamento de uma sociedade sobre uma garantida igualdade da maior liberdade possível. Essa liberdade, como pode existir, existiria por sofrimento e poderia ser tomada a qualquer momento. Garantias constitucionais não teriam nenhuma serventia. Não haveria nenhum artigo na constituição de um país Socialista de Estado: “O direito da maioria é absoluto”.

O argumento dos Socialistas de Estado, contudo, de que esse direito não seria exercido em matérias concernentes ao indivíduo nas relações mais íntimas e privadas de sua vida não é sustentada pela história dos governo. Sempre foi uma tendência do poder de adicionar a si mesmo, de aumentar sua esfera, de se encrustar além dos limites estabelecidos para ele; e onde o hábito de resistir tal tendência não é incentivado, e onde ao individuo não é ensinado a ser zeloso de seus direitos, a individualidade gradualmente desaparece e o governo ou o Estado se torna tudo em tudo. O controle naturalmente acompanha responsabilidade. Sob o sistema do Socialismo de Estado, portanto, o qual toma a comunidade como responsável pela saúde, riqueza e sabedoria do indivíduo, é evidente que a comunidade, através da expressão de sua maioria, insistirá mais e mais em prescrever as condições de saúde, riqueza e sabedoria, e assim debilitaria e finalmente destruiria a independência individual e com ela todo o senso de responsabilidade individual.

O que for que os Socialistas de Estado disserem ou não, então, o sistema deles, se adotado, está fadado a acabar numa religião do Estado, ao qual todos devem contribuir e no altar do qual todos devem se ajoelhar; uma escola estatal de medicina, pelos praticantes da qual os doentes devem invariavelmente ser tratados; um sistema estatal de higiene, prescrevendo o que todos podem ou não comer, beber, vestir e fazer; um código estatal de moral, que não se contentará em punir crimes, mas proibirá o que a maioria decidir ser um vício; um sistema estatal de instrução, o qual acabará com todas as escolas, academias e faculdades privadas; um berçário estatal, no qual todas as crianças precisam crescer juntas às expensas do público; e, finalmente, uma família estatal, com uma tentativa de estirpicultura, ou procriação científica, na qual nenhum homem ou mulher poderá ter filhos se o Estado os proibir e nenhum homem ou mulher pode se recusar a ter filhos se o Estado assim ordenar. Assim a Autoridade chegará ao seu apogeu e o Monopólio chegará ao seu máximo poder.

Tal é o Estado Socialista lógico ideal, tal é o objetivo que está no fim do caminho que Karl Marx escolheu. Deixe-nos agora seguir as fortunas de Warren e Proudhon, que tomaram o outro caminho — o caminho da Liberdade.

Isso nos traz ao Anarquismo, que pode ser descrito como a doutrina de que todas as relações humanas devem ser gerenciadas pelos indivíduos ou por associações voluntárias, e de que o Estado deve ser abolido.

Quando Warren e Proudhon, ao perseguir suas buscas por justiça ao trabalho, vieram a se deparar com o obstáculo dos monopólios de classe, eles viram esses monopólios como sustentados pela Autoridade e concluíram que a coisa a ser feita não era fortalecer essa Autoridade e assim tornar o monopólio universal, mas extirpá-lo totalmente e assim fazer brandir o princípio oposto, a Liberdade, ao fazer a competição, a antítese do monopólio, universal. Eles viam na competição o grande nivelador de preços ao custo de produção do trabalho. Nisto eles concordaram com os economistas políticos. A pergunta então que se apresentou era por que os preços não caíam ao custo do trabalho; onde há qualquer espaço para rendas adquiridas de outra forma além do trabalho; em suma, por que o usuário, o recebedor de juro, aluguel e lucro, existe. A resposta era encontrada na presente competição unilateral. Foi descoberto que o capital tinha manipulado a legislação de fora que a competição ilimitada só era permitida na oferta de trabalho produtivo, assim mantendo os salários abaixo do ponto da fome, ou tão perto dele quanto possível; que uma grande porção de competição é permitida na oferta de trabalho distributivo, ou no trabalho das classes mercantis, assim mantendo, não os preços dos bens, mas os lucros dos mercadores sobre eles abaixo do ponto em que salários eqüitativos se aproximam do trabalho dos mercadores; mas que quase nenhuma competição é permitida na oferta de capital, da ajuda do qual tanto o trabalho produtivo quanto o distributivo dependem para seus completar suas realizações, assim mantendo a taxa de juros sobre o direito e sobre os aluguéis de residências e de terras num ponto tão alto quanto as necessidades das pessoas podem suportar.

Descobrindo isso, Warren e Proudhon acusaram os economistas políticos de terem medo das próprias doutrinas. O homem de Manchester foi acusado de inconsistência. Eles acreditavam na liberdade de competir com o trabalhador para reduzir os salários, mas não na liberdade de competir com o capitalista para reduzir sua usura. Laissez faire era um ótimo tempero para a gansa, o trabalho, mas era um tempero ruim para o ganso, o capital. Mas como corrigir essa inconsistência, como servir esse ganso com tempero, como colocar o capital a serviço dos empresários e trabalhadores ao custo ou livre da usura, esse era o problema.

Marx, como nós vimos, o resolveu declarando o capital uma coisa diferente do produto, e mantendo que ele pertencia à sociedade e deveria ser tomado por ela e empregado para o benefício de todos igualmente. Proudhon escarneceu dessa distinção entre capital e produto. Ele manteve que o capital e o produto não eram diferentes tipos de riqueza, mas simplesmente condições alternadas ou funções da mesma riqueza; que toda riqueza passa por uma incessante transformação do capital até o produto e do produto de volta para o capital, o processo se repetindo interminavelmente; que o capital e o produto são termos meramente sociais; que o que é produto para um pode imediatamente tornar-se capital para outro, e vice versa; que se houver só uma pessoa no mundo, toda a riqueza seria para ele simultaneamente capital e produto; que o fruto do labor de A é seu produto, o qual, então, quando vendido para B, se torna o capital de B (a não ser que B seja um consumidor improdutivo, em qual caso é meramente riqueza desperdiçada, fora do escopo da economia social); que uma máquina a vapor é um produto tanto quanto o é um casaco, e que um casaco é um capital tanto quanto uma máquina a vapor; e que as mesmas leis de eqüidade que governam a possessão de um governam a possessão do outro.

Por essas e outras razões, Proudhon e Warren se encontraram incapazes de sancionar qualquer plano de tomada do capital pela sociedade. Mas, embora se opusessem à socialização da propriedade do capital, eles objetivavam socializar seus efeitos fazendo seu uso benéfico para todos ao invés de um meio de empobrecer os muitos para enriquecer os poucos. E quando a luz se acendeu sobre eles, eles viram que isso poderia ser feito sujeitando-se o capital à lei natural da competição, assim fazendo com que o preço de seu uso caísse ao custo — isto é, a nada além dos gastos incidentais de manejo e transferência deles. Então eles levantaram o estandarte do Absoluto Livre Comércio; livre comércio em casa e livre comércio com os outros países; o resultado lógico da doutrina de Manchester; laissez faire, a regra universal. Sob esse estandarte eles começaram suas lutas contra os monopólios, sejam eles os monopólios totais dos Socialistas de Estado ou os vários monopólios de classe que agora prevalecem.

Dos últimos, eles distinguiram quatro de principal importância: o monopólio da moeda, da terra, das tarifas e das patentes.

O primeiro em importância de sua influência nefasta eles consideravam o monopólio da moeda, que consiste num privilégio dado pelo governo a certos indivíduos, ou a indivíduos possuidores de certos tipos de propriedade, de emitir meios circulantes, um privilégio que agora é aplicado neste país por um imposto nacional de dez por cento sobre todas as outras pessoas que tentem fornecer meios circulantes e por leis estatais que tornam uma ofensa criminal emitir notas como moeda. Diz-se que os detentores desse privilégio controlam a taxa de juros, a taxa de aluguéis das casas e prédios e os preços dos bens — os primeiros diretamente e os segundos e terceiros indiretamente. Pois, dizem Proudhon e Warren, se o ramo bancário se tornasse livre para a entrada de todos, mais e mais pessoas entrariam nele até que a competição se tornasse tão aguda até reduzir o preço de emprestar dinheiro ao seu custo de trabalho, o qual as estatísticas mostram ser menos de três quartos de um por cento. Nesse caso, as milhares de pessoas que são agora proibidas de entrar no mercado pelas taxas ruinosamente altas que precisam pagar pelo capital com o qual começar e manter seus negócios encontrarão suas dificuldades removidas. Se elas têm propriedades que não sejam converter em dinheiro por meio da venda, um banco as tomará como garantias para um empréstimo de uma certa proporção de seus valores de mercado com um desconto de menos de um por cento. Se elas não têm propriedades mas são industriosas, honestas e capazes, em geral serão capazes de conseguir suas notas individuais endossadas por um número suficiente de partes conhecidas e solventes; e em tal papel de empresários, elas serão capazes de conseguir empréstimos num banco a termos similarmente favoráveis. Assim os juros cairão com uma explosão. Os bancos realmente não estarão emprestando capital, mas estarão fazendo negócios com o capital de seus clientes, o negócio consistindo numa troca de créditos conhecidos e largamente disponíveis dos bancos pelos desconhecidos e indisponíveis, mas igualmente bons, créditos dos clientes e um gasto portanto de menos de um por cento, não como juro pelo uso do capital, mas como pagamento pelo trabalho de se ir aos bancos. Essa facilidade de se adquirir capital dará um ímpeto jamais visto aos negócios e, conseqüentemente, criará uma demanda sem precedentes por trabalho — uma demanda que sempre será maior que a oferta, ao contrário da presente condição do mercado de trabalho. Então será vista uma exemplificação das palavras de Richard Cobden, segundo as quais quando dois trabalhadores buscam um empregador, os salários descem, mas quando dois empregadores buscam um trabalhador, os salários sobem. O trabalho estará então numa posição de ditar seus salários e assim assegurar sua remuneração natural, seu produto completo. Assim, a mesma explosão que abaixa os juros fará os salários subirem. Mas isto não é tudo. Os lucros também cairão. Pois os mercadores, em vez de comprarem com altos preços no crédito, pegarão emprestado dinheiro dos bancos a menos que um por cento, comprar a preços baixos por dinheiro e, assim, reduzir os preços de seus bens para os consumidores. E com o resto irá os aluguéis das casas. Pois ninguém que pode pedir emprestado capital a um por cento, com o qual construir uma casa de sua própria vontade, consentirá em pagar um senhorio a uma taxa maior que essa. É isso que dizem Proudhon e Warren quanto aos resultados da simples abolição do monopólio da moeda.

Em segundo lugar em importância vem o monopólio das terras, os efeitos maléficos do qual são vistos principalmente nos países agrários como a Irlanda. Esse monopólio consiste na proteção do governo de títulos de terra que não se baseiam na ocupação pessoal e no cultivo. Era óbvio para Warren e Proudhon que, tão logo que os individualistas não fossem mais protegidos por seus companheiros em nada além da ocupação pessoal e o cultivo da terra, o aluguel das terras desapareceria, e assim a usura teria uma perna a menos com a qual se sustentar. Seus seguidores de hoje em dia estão dispostos a modificar essa reclamação a ponto de admitir que a pequena fração do aluguel das terras que se baseia não no monopólio mas na superioridade do local ou do solo continuará a existir por um tempo e talvez para sempre, embora tendendo constantemente ao mínimo em condições de liberdade. Mas a desigualdade dos solos que faz com que surja o aluguel econômico da terra, como a igualdade de habilidades humanas que dá origem ao aluguel econômico das habilidades, não é uma causa para sério alarme mesmo para o mais empedernido oponente da usura, já que sua natureza não é daquela de um germe do qual se podem surgir outras e mais graves desigualdades, mas daquela de um galho decadente que pode finalmente secar e cair.

Em terceiro lugar, o monopólio de tarifas, que consiste em incentivar a produção a altos preços e sob condições desfavoráveis infligindo a pena de taxação sobre aqueles que produzem a preços baixos e sob condições favoráveis. O mal ao qual esse monopólio dá origem pode ser mais apropriadamente chamado de desusura em vez de usura, porque ele compele o trabalho a pagar não exatamente pelo uso de capital, mas pelo uso incorreto do capital. A abolição desse monopólio resultaria numa grande redução de preços de todos os artigos taxados e essa poupança aos trabalhadores que consomem esses artigos seria um outro passo rumo à garantia do trabalhador de sua remuneração natural, de seu produto completo. Proudhon admitiu, contudo, que abolir esse monopólio antes de abolir o da moeda seria uma política cruel e desastrosa, primeiro porque da maligna escassez de dinheiro, criada pelo monopólio de moeda, seria intensificada pelo fluxo de dinheiro para fora do país, o qual estaria envolvido num excesso de importações sobre as exportações, e, segundo, porque aquela fração dos trabalhadores do país que agora estão empregadas nas indústrias protegidas seriam então deixados sem rumo, para se depararem com a fome sem o benefício de uma insaciável demanda por trabalho a qual um sistema competitivo de moeda traria. Proudhon insistia que o livre comércio de moeda em casa, tornando o dinheiro e o trabalho abundantes, era uma condição anterior ao livre comércio de bens com países estrangeiros.

Em quarto lugar, o monopólio de patentes, que consiste em proteger os inventores e os autores contra a competição por um período longo o suficiente que os permita extorquir das pessoas um prêmio enorme além da medida de trabalho de seus serviços — em outras palavras, em dar a certas pessoas o direito de propriedade por um período de anos sobre as leis e os fatos da Natureza e o poder de extrair tributos dos outros pelo uso de suas riqueza naturais, que deveriam ser abertas para todos. A abolição deste monopólio instigaria em seus beneficiários um grande medo da competição que os faria ficar satisfeitos com o pagamento por seus serviços igual ao que os outros trabalhadores conseguem pelos seus, e colocariam seus produtos e trabalhos no mercado desde o princípio a preços tão baixos que suas linhas de negócios não seriam atrativas para os competidores quanto quaisquer outras.

O desenvolvimento do programa econômico que consiste na destruição desses monopólios e na substituição deles pela competição mais livre levou seus autores à percepção do fato de que todos os seus pensamentos se baseavam num princípio fundamental, a liberdade do indivíduo, seu direito de soberania sobre si mesmo, seus produtos e suas relações, e de rebelião contra a ditadura de uma autoridade externa. Assim como a idéia de tirar capital dos indivíduos e dá-los para o governo levou Marx a um caminho que termina por fazer do governo tudo e do indivíduo nada, a idéia de tirar o capital dos monopólios protegidos pelo governo e colocá-los ao fácil alcance de todos os indivíduos colocou Warren e Proudhon num caminho que termina em fazer do indivíduo tudo e do governo nada. Se o indivíduo tem o direito de governar a si mesmo, toda autoridade externa é tirania. Portanto a necessidade de se abolir o Estado. Esta era a conclusão lógica à qual Warren e Proudhon foram forçados a admitir, e se tornou o artigo fundamental de suas filosofias políticas. É a doutrina que Proudhon chamou de Anarquismo, uma palavra derivada do grego, que significa não necessariamente a ausência de ordem, como se supõe, mas uma ausência de domínio. Os anarquistas são simplesmente Democratas jeffersonianos sem medo. Eles acreditam que “o melhor governo é aquele que menos governa”, e que aquele que menos governa é nenhum governo. Mesmo a simples função policial de proteção da pessoa e da propriedade eles negam aos governos sustentados por taxação coercitiva. Eles vêem a proteção como algo a ser provido, tanto quanto necessária, por associações voluntárias e por cooperações de auto-defesa, ou como uma mercadoria para ser comprada, como qualquer outra, daqueles que desejam oferecer o melhor artigo pelo menor preço. Na visão deles, é em si mesma uma invasão do indivíduo compeli-lo a pagar por ou sujeitar-se a uma proteção contra invasão que ele não tenha pedido e que não deseja. E eles ainda argumentam que a proteção se tornará um remédio no mercado, após a pobreza e o conseqüente crime terem desaparecido através da realização de seus programas econômicos. A taxação compulsória é, para eles, o princípio da vida de todos os monopólios, e eles contemplam a resistência passiva, mas organizada, quando a hora apropriada chegar, aos coletores de impostos como um dos métodos mais efetivos de alcance de seus objetivos.

A atitude deles quanto a isso é a chave para a atitude deles quanto a todas as outras questões de natureza política ou social. Na religião eles são ateus até onde corcernem suas próprias opiniões, pois eles olham para a autoridade divina e para a sanção religiosa da moralidade como os maiores pretextos avançados pelas classes privilegiados para o exercício da autoridade humana. “Se Deus existe”, disse Proudhon, “ele é o inimigo do homem”. E em contraste ao famoso epigrama de Voltaire “Se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo”, o grande Niilista russo Mikhail Bakunin colocou esta antitética proposição: “Se Deus existisse, seria necessário aboli-lo.” Mas embora não acreditassem nele, vendo a hierarquia divina como a contradição da Anarquia, os Anarquistas entretanto firmemente acreditam na liberdade de acreditar nele. Qualquer negação da liberdade religiosa é oposta por eles.

Sustentando assim o direito de todo indivíduo de ser ou selecionar seu próprio pastor, eles igualmente defendiam o direito de ser ou selecionar seu próprio médico. Nenhum monopólio na teologia, nenhum monopólio na medicina. Competição em todos os lugares e sempre; conselhos espirituais e conselhos médicos tem que igualmente permanecer ou desaparecer por seus próprios méritos. E não apenas na medicina, mas na higiene, este princípio da liberdade deve ser seguido. O indivíduo pode decidir por ele mesmo não só o que fazer para estar bem, mas o que fazer para manter-se bem. Nenhum poder externo precisa ditar para ele o que ele deve ou não comer, beber, vestir ou fazer.

O esquema Anarquista também não fornece nenhum código de morais a ser imposto sobre o indivíduo. “Preocupe-se com seus próprios negócios” é a única lei moral. Interferência nos negócios alheios é um crime e o único crime, e como tal pode ser devidamente resistida. De acordo com essa visão os Anarquistas vêem as tentativas de suprimir arbitrariamente os vícios como crimes em si mesmos. Eles acreditam que liberdade e o resultante bem-estar social são uma cura certa para todos os vícios. Mas eles reconhecem o direito do bêbado, do jogador, do libertino e da prostituta de viverem suas vidas até que eles livremente escolham abandoná-las.

Sobre a questão do sustento e da criação das crianças, os Anarquistas não instituiriam nem os berçários comunistas que os Socialistas de Estado favorecem nem manter o sistema escolar comunista que ora existe. Os mentores e professores, assim como os médicos e pastores, precisam ser selecionados voluntariamente, e seus serviços precisam ser pagos por aqueles que os apadrinham. Os direitos dos pais não devem ser tirados e as responsabilidades dos pais não devem ser impostas sobre os outros.

Mesmo numa questão tão delicada como aquela das relações dos sexos, os Anarquistas não diminuem a aplicação de seu princípio. Eles reconhecem e defendem o direito de qualquer homem e mulher, ou de quaisquer homens e mulheres, de amarem-se por quanto tempo suportarem, quiserem ou puderem. Para eles, o casamento legal e o divórcio legal são igualmente absurdos. Eles esperam por um tempo no qual todo indivíduo, homem ou mulher, seja auto-suficiente, e quando cada um tenha um lar próprio independente, seja ela uma casa separada ou quartos numa casa com outras pessoas; no qual as relações amorosas entre esses indivíduos independentes sejam tão variadas quanto são as inclinações e atrações individuais; e no qual as crianças nascidas dessas relações pertençam exclusivamente às mães até terem idade suficiente para pertencerem-se a si próprios.

Tais são as características principais do ideal social Anarquista. Há uma grande diferença de opiniões entre aqueles que o defendem quanto ao melhor método de se chegar a ele. O tempo proíbe o tratamento dessa parte do assunto aqui. Eu simplesmente chamarei atenção para o fato de que é um ideal totalmente inconsistente o daqueles Comunistas que falsamente se chamam de Anarquistas ao passo que defendem um regime de Arquismo tão despótico quanto aquele dos Socialistas de Estado. E é um ideal que pode ser tão pouco avançado pelo Príncipe Kropotkin quanto retardado pelas vassouras daquelas senhoras Partingtons que os sentenciam à prisão; um ideal o qual os mártires de Chicago fizeram muito mais para ajudar com suas gloriosas mortes na forca para a causa comum do Socialismo que por suas infelizes defesas durante suas vidas, no nome do Anarquismo, da força como uma agente revolucionária e a autoridade como uma garantia da nova ordem social. Os Anarquistas acreditam na liberdade tanto como um fim quanto como um meio, e são hostis a qualquer coisa que se antagonize a isso.

Eu não me encarregaria de sumarizar totalmente uma exposição do Socialismo do ponto de vista do Anarquismo se a tarefa já não houvesse sido completada para mim por um brilhante jornalista e historiador francês, Ernest Lesigne, na forma de uma rápida série de antíteses, das quais a leitura para você como uma conclusão desta exposição eu espero aprofundar a impressão que foi meu objetivo causar.

“Existem dois Socialismos.
Um é comunista, o outro solidarista.
Um é ditatorial, o outro libertário.
Um é metafísico, o outro positivo.
Um é dogmático, o outro científico.
Um é emocional, o outro reflexivo.
Um é destrutivo, o outro construtivo.
Ambos estão em busca do maior bem estar possível para todos.
Um tenta estabelecer a felicidade para todos, o outro possibilitar que cada um seja feliz da sua própria maneira.
O primeiro considera o Estado como uma sociedade sui generis, de uma essência especial, produto de um tipo de direito divino fora e sobre toda a sociedade, com direitos especiais e capaz de exigir obediências especiais; o segundo considera o Estado como uma associação como qualquer outra, geralmente manejada pior que as outras.
O primeiro proclama a soberania do Estado, o segundo não reconhece nenhum tipo de soberano.
Um deseja que todos os monopólios sejam mantidos pelo Estado; o outro deseja a abolição de todos os monopólios.
Um deseja que a classe governada se torne a classe governante; o outro deseja o desaparecimento das classes.
Ambos declaram que o estado de coisas existente não pode durar.
O primeiro considera revoluções como agentes indispensáveis de evoluções; o segundo ensina que a repressão sozinha transforma evoluções em revoluções.
O primeiro tem fé num cataclismo.
O segundo sabe que o progresso social resultará do livre jogo dos esforços individuais.
Ambos entendem que nós estamos entrando num período histórico.
Um deseja que não houvesse nada além de proletários.
O outro deseja que não houvessem mais proletários.
O primeiro deseja tirar tudo de todos.
O segundo deseja deixar cada um com a posse do que é seu.
Um deseja expropriar a todos.
Outro deseja que todos sejam proprietários.
O primeiro diz: “Faça como deseja o governo.”
O segundo diz: “Faça como você deseja.”
O primeiro ameaça com o despotismo.
O último promete liberdade.
O primeiro torna o cidadão um sujeito do Estado.
O último torna o Estado o empregado do cidadão.
Um proclama que as dores do trabalho serão necessárias para o nascimento de um novo mundo.
O outro declara que o real progresso não causará sofrimento para ninguém.
O primeiro tem confiança numa guerra social.
O outro acredita somente nos trabalhos da paz.
Um aspira comandar, regular, legislar.
O outro deseja conseguir o mínimo de comando, de regulação, de legislação.
Um seria seguido pelas mais atrozes reações.
O outro abre ilimitados horizontes ao progresso.
O primeiro fracassará; o outro sucederá.
Ambos desejam a igualdade.
Um abaixando as cabeças que estão altas demais.
O outro levantando as cabeças que estão muito baixas.
Um vê a igualdade sob um jugo comum.
O outro assegurará a igualdade em completa liberdade.
Um é intolerante, o outro tolerante.
Um assusta, o outro tranqüiliza.
O primeiro deseja instruir a todos.
O segundo deseja habilitar todos para instruírem a si mesmos.
O primeiro deseja sustentar a todos.
O segundo deseja habilitar todos para sustentarem-se.
Um diz:
A terra para o Estado.
A mina para o Estado.
A ferramenta para o Estado.
O produto para o Estado.
O outro diz:
A terra para o cultivador.
A mina para o mineiro.
A ferramenta para o trabalhador.
O produto para o produtor.
Há somente esses dois Socialismos.
Um é a infância do Socialismo; o outro é sua idade adulta.
Um já está no passado; o outro é o futuro.
Um dará lugar ao outro.

Hoje cada um de nós precisa escolher um ou outro desses dois Socialismos, ou então confessar que não é Socialista.”



Postscript

Quarenta anos atrás, quando o ensaio acima foi escrito, a negação da competição ainda não havia efetivado a enorme concentração de riqueza que agora tão gravemente ameaça a ordem social. Ainda não era tarde demais para parar a corrente de acumulação por uma reversão da política de monopólio. O remédio Anarquista ainda era aplicável.

Hoje o caminho não é tão claro. Os quatro monopólios, desimpedidos, têm tornado possível o moderno desenvolvimento do truste, e o truste é agora um monstro que eu temo que nem mesmo o mais livre sistema bancário pudesse ser instituído ele seria capaz de destruí-lo. Enquanto o grupo da Standard Oil só controlava cinqüenta milhões de dólares, a instituição da livre competição o teria mutilado sem piedade; ele precisava do monopólio de moeda para sua sustentação e seu crescimento. Agora que ele controla, direta e indiretamente, talvez dez bilhões, ele vê no monopólio de moeda uma conveniência, para ser claro, mas não mais uma necessidade. Ele pode se sustentar sem isso. Se todas as restrições bancárias fossem removidas, o capital concentrado lidaria com sucesso com a nova situação sacrificando anualmente uma soma que removeria todo competidor do mercado.

Se isso for verdade, então o monopólio, que pode ser controlado permanentemente só por forças econômicas, passou do ponto além do alcance e precisa ser combatido por um tempo somente por forças políticas ou revolucionárias. Até que medidas de confisco forçado, através do Estado ou em desafio a ele, tenham abolido as concentrações que o monopólio criou, a solução econômica proposta pelo Anarquismo e delineada nas páginas anteriores — e não há outra solução — permanecerão algo para se ensinar à nascente geração, que as condições podem ser favoráveis à sua aplicação após um grande nivelamento. Mas educação é um processo lento e pode não chegar rapidamente. Anarquistas que pretendam acelerá-lo juntando-se à propaganda do Socialismo de Estado ou da revolução cometem um triste erro. Eles ajudam assim a forçar a marcha de eventos que as pessoas não terão tempo de descobrir, pelo estudo de suas experiências, que seus problemas são devidos à rejeição da competição. Se essa lição não for aprendida numa temporada, o passado se repetirá no futuro, caso em que teremos que procurar consolação na doutrina de Nietzsche segundo a qual isso devia acontecer de qualquer forma, ou na reflexão de Renan de que, do ponto de vista de Sirius, todas essas questões são apenas um pequeno momento.

B.R.T., 11 de agosto de 1926.



Notas:

1 De 1874 a 1888 nos EUA os greenbackers formavam um movimento que defendia uma união entre a indústria e a agricultura e advogavam uma inflação de papel-moeda (“greenbacks”). [N.T.]

2 A batalha de Bunker Hill (1775) foi uma das mais sangrentas da Guerra Revolucionária Americana. Terminou com a vitória dos britânicos, mas eles tantas baixas que a batalha é considerada uma vitória pírrica, isto é, uma vitória que impõe um custo devastador ao vencedor. [N.T.]

*Benjamin R. Tucker (1854-1939) foi um dos maiores defensores do anarquismo individualista americano no século XIX e grande expositor e tradutor das obras de Pierre-Joseph Proudhon nos Estados Unidos. Foi editor da revista radical Liberty durante quase 30 anos.

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