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Santiago Bovisio.
Não se pode falar da vida de Pascal sem antes descrever Port-Royal, que foi tão estreitamente vinculada à alma e à missão deste grande iniciado.
Quando, em 1602, a nova abadessa Angélica Arnaud, de 11 anos de idade, entrou no antigo mosteiro de Cister, ninguém suspeitava que uma nova era estava começando para a Igreja da França e para o desenvolvimento espiritual do cristianismo.
Port-Royal era um dos muitos mosteiros da França onde as freiras, senhoritas distintas, passavam seu tempo entre conversas elegantes, vaidades mundanas e festas.
Ser abadessa desse mosteiro equivalia a representar uma família abastada e distinta, que havia conseguido essa dignidade para sua filha, a fim de lhe proporcionar honrarias, riqueza e linhagem.
No entanto, a pequena Angélica não se sentia feliz entre tantas delicadezas. Uma tristeza desconhecida consumia seu suave rosto. Inutilmente, as treze irmãs que compunham a comunidade tentavam distraí-la. Ela se sentia só e com sua vida vazia.
Aos quinze anos, a prédica de um franciscano sobre a Paixão de Cristo despertou nela um desejo irresistível de perfeição e de reforma de vida. Pouco a pouco, ela conseguiu fazer com que as demais religiosas sentissem o domínio irresistível de sua personalidade, que ela exerceria depois, durante toda a sua vida. Assim, conseguiu reformar paulatinamente o mosteiro.
Naquela época, era admirável a vida exemplar num convento de freiras. Até o pai da jovem e toda a sua família se viram envolvidos no misticismo da adolescente abadessa que, incorruptível, impôs a clausura, o silêncio e a vida pobre e recolhida em seu convento.
Port-Royal foi se transformando, gradualmente, no farol da Igreja da França. Todos os olhos devotos olhavam para lá como um porto de paz e salvação.
Em 1619, subitamente, a fama da madre Angélica subiu até as nuvens. Em Maubuisson, a abadessa Angélica D’Estrées, com sua vida dissipada, escandalizava seu convento e seus amigos, até que o clero, indignado, a destituiu, recluindo-a entre as penitentes de Paris. A madre Angélica Arnaud foi designada para dirigir e reformar essa nova comunidade. Foi recebida ali friamente e, quando lhe ofereceram o luxuoso quarto da abadessa, recusou-o, instalando-se no aposento mais humilde, próximo às cloacas. Pouco a pouco, atraiu as religiosas, impôs as regras e reformou o mosteiro.
Mas, uma noite, Angélica D’Estrées, que havia fugido do convento das penitentes, acompanhada de um exército de cavalheiros amigos, apresentou-se à porta do convento, reclamando seus direitos. A jovem Angélica não se intimidou, nem quis abandonar seu posto. Mas, quando o claustro foi invadido à mão armada e ela foi duramente golpeada, abandonou a abadia com toda a dignidade, acompanhada por trinta religiosas.
Seu pai, Arnaud, correu para o convento, seguido pelos arqueiros do rei. D’Estrées fugiu com seus acompanhantes e, nessa mesma noite, a madre Angélica pôde regressar a Maubuisson com suas religiosas.
De todos os conventos de Cister a chamavam para que impusesse as regras e a vida exemplar; mas era sempre a Port-Royal que ela ansiava voltar, onde encontrava paz, sossego e verdadeira irmandade.
Uma alma assim, nas mãos de um diretor suave, teria dedicado sua vida à contemplação passiva. Essa parecia ser sua orientação quando conheceu São Francisco de Sales e se colocou sob sua direção.
Mas uma alma assim, em outras mãos, poderia se converter numa grande batalhadora. E foi exatamente o que aconteceu com essa fundadora e mestra do jansenismo quando, após a morte de São Francisco de Sales, conheceu Saint-Cyran e se colocou sob sua direção.
Este venerável sacerdote havia sido amigo íntimo de Jansênio, bispo de Ypres, que havia escrito o comentário sobre a doutrina de Santo Agostinho, “O Augustinus”, em visível contradição com a doutrina tomista.
Não se imaginava que este bispo, ao morrer, deixaria com seu livro uma arma que levantaria um fogo terrível dentro da Igreja Católica. Ao promulgar a supremacia da graça, contrariava o livre-arbítrio; daí, a grande luta que os jansenistas, filhos da austeridade e da divindade em seu conceito abstrato, sustentariam contra os jesuítas, pioneiros da forte e inquebrantável vontade e do livre-arbítrio.
Em poucas palavras e em sentido esotérico: os jansenistas fazem tudo por intuição e pela lei da predestinação, enquanto os jesuítas fazem tudo pela análise racional ou pela lei das possibilidades.
Nem uns nem outros estão exatamente no meio ou na razão, porque as duas leis são indispensáveis e coexistem no Universo.
Evidentemente, periodicamente, nos grandes movimentos religiosos e éticos, predomina ora uma tendência, ora outra, como aconteceu no cristianismo com o advento de Lutero e sua fé na predestinação.
Apesar da Contra-Reforma, os católicos não podiam deixar de ver os resultados benéficos que tomavam proporções fantásticas naqueles a quem eles, pejorativamente, chamavam de protestantes. A severidade do culto, o puritanismo moral, a obediência cega à lei de Deus e o ascetismo, que saltando incondicionalmente por sobre a razão se apoiava unicamente na fé, não deixavam de causar admiração aos invejosos romanos. Com paixão e afinco, eram retirados dos arquivos antigos textos de Santo Agostinho, fundador da primitiva Igreja, que haviam sido abandonados depois pelas normas aristotélicas e escolásticas.
O jansenismo era um pouco de tudo isso: uma volta à fé cega, ao conceito de predestinação, à severidade dos costumes e dos princípios cristãos, baseando-se exclusivamente na doutrina de Santo Agostinho, como se quisesse implantar, dentro do credo romano, uma reação similar à luterana, mas com fins completamente opostos e ortodoxos.
Nesses anos, aparece no drama do mundo Blaise Pascal. Ele nasce em Clermont em 1623. Sua família, de severos católicos, o educa no mais estrito sentido religioso. Mas um impulso natural e interior demonstra, desde os primeiros anos deste iniciado, como ele estava destinado a descobrir grandes mistérios físicos.
Aos nove anos, um cálculo algébrico resolvido por ele deixa seu pai atônito, que lhe concede plena liberdade para se dedicar a seus estudos favoritos. Desde então, começa uma busca incansável, que permitirá a Pascal demonstrar cientificamente as teorias de Galileu e Torricelli.
Sucessivamente: evidenciará, com o experimento chamado da bexiga, a existência do vácuo; dará a fórmula para demonstrar o peso do ar e o equilíbrio dos líquidos, base fundamental da hidrostática.
Em 1643, entra na corrente jansenista, após ouvir um sermão do padre Singlin, discípulo de Saint-Cyran.
Parece uma contradição que um homem tão positivista em suas descobertas se filiasse a esse cristianismo abstrato. No entanto, essa espiritualidade é muito clara e coerente. A razão dogmática dos jesuítas não poderia preencher nem compartilhar a racionalidade prática deste homem que, se bem raciocinasse sobre as coisas positivas, necessitava de amplos campos de liberdade, para além da razão, para voar pelos espaços espirituais.
Sua irmã Gilberta, a mais velha, e sua doce e bem-amada irmã mais nova, Giacomette, também são atraídas por essa novidade religiosa, tão em voga e tão discutida nos salões e nas aulas de Paris. Giacomette decide conhecer a madre Angélica e expressa veementes anseios de se tornar religiosa. Essa ideia espanta Pascal, que se opõe ferrenhamente e a afasta momentaneamente de seus novos amigos espirituais. Mas Giacomette vence todos os obstáculos e, após a morte do pai, toma o véu em Port-Royal, transformando-se na irmã Santa Eufêmia.
Começa aqui o período da vida mundana de Pascal. Ele é o homem do momento, procurado por todos; seu aspecto etéreo, seu rosto lânguido e seu porte distinto atraem para ele a simpatia e o amor das mulheres. A amizade do duque de Roannez lhe abre as portas de toda a aristocracia parisiense, e parece que, com seus estudos, suas cátedras e suas amizades, esqueceu completamente sua orientação espiritual; mas súbitas tristezas e descontentamentos o assolam. Uma rara doença, que o afetava de vez em quando e o deixava dolorido e paralisado, começa a se repetir com frequência.
Na noite de 23 de novembro de 1654, estando em seu quarto na casa do duque de Roannez, onde morava, uma luz repentina invade sua mente. Ele cai em êxtase. Seres maravilhosos se revelam a ele. Nunca conseguirá explicar o que sente e sabe; mas, desde esse momento – que ele chamou de sua conversão – sua vida já não perderá sua verdadeira orientação.
No umbral da nova vida, o aguarda, alegremente, a alma de sua irmã religiosa, que o aconselha a compartilhar a vida dos eremitas dos campos, os jansenistas, que se isolavam perto de Port-Royal. Entre esses senhores, sua alma busca refúgio, confiando sua direção espiritual a De Saci.
Mas começam para os jansenistas os maus tempos e a perseguição. Os jesuítas os acossam por toda parte, até que conseguem que o Papa os condene, em 1661. Segue-se uma debandada geral.
A madre Angélica havia morrido nesse período, contente – como dizia – de fugir daquele mundo de iniquidades. Três meses depois, morre também, vítima da dor, a suave irmã Santa Eufêmia. Com os demais jansenistas, Pascal tem de fugir de casa em casa, sendo perseguido por toda parte.
A obra espiritual fracassa, ele já não sente desejo de viver, nem quer assinar a renúncia ao seu credo. Cada vez mais, a doença o acomete e atormenta, até que, em 17 de agosto de 1662, na casa de sua irmã Gilberta, rompe os laços físicos e alcança a tão ansiada liberdade.
Belo deve ter sido, para ele, esse instante, quando contemplou que sua obra não havia fracassado, pois ele havia firmado sobre a terra duas verdades que conquistariam o mundo: o predomínio da intuição e da fé sobre a razão, e a necessidade da demonstração prática de toda descoberta teórica.
Alimente sua alma com mais:
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