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por Lilith Ashtart
O Conflito e as fronteiras da Integridade Humana
Escrever sobre a liberdade é tentar expressar o inexpressável. Antes de ser reproduzida em um contexto único, é um sentimento que deve ser encontrado no âmago de cada um.
Ela sempre foi a empírea Musa inspiradora dos grandes poetas, e a habitante dos sonhos mais rebeldes do ser humano. Mesmo os anjos a ela exaltaram, e acima de qualquer preço sua conquista foi bradada em cantos:
“Que importa onde eu esteja, se eu o mesmo sempre serei, – e quanto posso, tudo? (…) Nós ao menos aqui seremos livres. (…) Reinar no Inferno preferir nos cumpre à vileza de ser no Céu escravos”. – Milton
O conceito de liberdade encontrado nos dicionários remete ao “poder de exercer livremente sua vontade”. Liberdade, na prática, é a tomada de consciência por um indivíduo de uma realidade e sua opção por vivenciá-la ou não. É um processo racional, no qual a pessoa converte uma ação antes condicionada em uma ação livre, através do conhecimento adquirido. As necessidades, interesses, motivações e capacidade de discernimento é que encaminharão seu livre-arbítrio a ser um agente positivo ou negativo. Segundo Vigotski, se a natureza determina a conduta, é a criação dos meios de “domínio” da natureza que tornam o homem livre. E é isso que justamente o diferencia dos demais animais: sua capacidade de autodomínio.
O autodomínio apenas pode ser adquirido pelo conhecimento de si mesmo, o que engloba também a exploração do inconsciente. Contudo, ao contrário do que muitos acreditam, o inconsciente não é apenas uma sombra: ele também possui autonomia criadora. É através dele que podemos entrar em contato com nossos primitivos instintos animais, sendo necessária extrema cautela para que consigamos os integrar de forma harmoniosa ao todo. Da mesma maneira que é prejudicial a repressão destes instintos, também é a entrega total aos mesmos. Onde há a dominação pelo consciente ou inconsciente, devido à negação do outro, a não-liberdade será encontrada sob a forma de obsessão.
A resposta fatalista a este viés é facilmente observada em uma notável alienação embutida naqueles que se resumem na satisfação de suas necessidades instintivas básicas, na aceitação sem questionamento da cultura e da moral que lhes é transmitida e nos que se fecham em suas verdades únicas e sagradas, com todos seus valores e comportamentos direcionados, ditados por outro que não ele mesmo. Estas aparentes opções únicas e imutáveis que se desvelam a sua frente os sujeitam ao domínio dos demais: acreditando não poder modificá-las, deixam de se perceber como um agente de mudanças e acabam por se tornarem simples marionetes nas mãos de um ego maior. Mesmo em algumas destas situações podemos encontrar o aspecto negativo da liberdade: há quem se sinta “livre” na submissão voluntária a uma mente alheia ou aos acasos do destino. Afinal, é muito mais cômodo receber as regras feitas do que as construir, tendo que se submeter a erros e acertos. O ser humano possui a tendência de se esquivar das situações que lhe exija responsabilidade pelas consequências de seus atos, colocando-o frente ao espelho.
Assim, a liberdade, que deveria conduzir os homens rumo as suas realizações, nem sempre é utilizada de modo positivo, entregando-o ao amarume da existência. Para muitos ainda reina a concepção de que ser livre é fazer o que bem se entende em qualquer situação. A liberdade nas mãos de um tolo apenas servirá para que ele a perca em definitivo pelos seus abusos e excessos. É preciso sabedoria para possuí-la sempre. Nada nos é proibido, mas devemos saber discernir o que usar a nosso favor e como usar, para não cairmos nas garras da falsa ilusão de poder, e nos tornarmos escravos novamente. Liberdade, antes de tudo, é possuir disciplina e responsabilidade consigo mesmo.
Devemos estar preparados, durante nossas vidas, para nos depararmos com situações em que será impossível conciliar o que desejamos e o que é melhor para nós. Estes momentos ocorrerão com maior frequência à medida do aumento de nosso conhecimento e compreensão do eu interior, já que teremos que nos
que nos desapegar de muitas concepções aceitas até o momento, mas incompatíveis com nossa evolução. É neste momento que devemos utilizar nossa liberdade de escolha com sabedoria para analisarmos qual será a opção que nos trará maiores benefícios, mesmo que não momentâneos. O que para muitos olhos alheios poderá ser visto como um “sacrifício”, uma “fraqueza” ou uma “privação”, nada mais será que uma sábia decisão tomada em virtude de uma busca maior: a retirada dos falsos véus e lapidar da própria essência. As colheitas da vida serão as únicas provas deste sucesso.
Sendo assim, embora a liberdade possa ser utilizada e sentida de diversas maneiras, inclusive de forma ilusória, há situações que são incompatíveis com aqueles que realmente desejam se libertar da escravidão das ideias.
A principal delas é seguir um dogma ou “profeta” cegamente, se entregando a um destino ou vontade divina. Cada ser humano é um microcosmo único, e como tal, deve perceber em si e a sua volta o universo de uma maneira singular. Os estudos e conhecimentos devem ser perseguidos e adquiridos de várias fontes para servirem de ponto inicial para questionamentos, experiências e referências comparativas. Assim, cada um poderá escrever seu próprio livro de valores, metas, prioridades, e vivenciá-lo será conquistar a liberdade plena. São nossas escolhas que determinam o sentido de nossas vidas. “Quando, alguma vez, a liberdade irrompe numa alma humana , os deuses deixam de poder seja o que for contra esse homem.” – Sartre
Todos possuímos asas. A opção entre aprender a voar ou continuar sob os urdumes de outrem é apenas nossa. Podemos permanecer no cárcere ou buscar sermos livres. Porém, devemos ter em mente que muitos tombos farão parte deste percurso até nos aperfeiçoarmos. A importância não se encontra no não errar, mas sim, nas lições aprendidas com os erros. O homem nasce livre… aprisiona-se, e esquece de como se libertar das próprias prisões. Por isso, a conquista da chave de nossa libertação deve ser encontrada no dia-a-dia, em cada ação nossa. É um tesouro precioso demais para ser obtido sem esforços ou doado por alguém.
Que não se clame mais por uma liberdade estéril em si mesma! Que os grilhões quebrados não se tornem os elos de uma nova corrente! Que todas as odes sejam cantadas à verdadeira LIBERDADE, aquela que liberta o homem de sua própria ignorância!
Lilith Ashtart é psicóloga, taróloga, escritora, pesquisadora e praticante de ocultismo e LHP. Editora da publicação aperiódica Nox Arcana. Autora do livro Lux Aeterna
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