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Sitra Achra

Intróito diabólico – Satanomicon

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Há uma certa dificuldade em definir o Satanismo.

Primeiro, um religioso fundamentalista sempre dirá que uma outra religião é satânica, independentemente de possuir um ícone diabólico ou não. Assim, esse fundamentalista poderia classificar o Budismo, a Wicca, o Espiritismo e o Paganismo como Satanismo, ainda que seus seguidores contestem o absurdo da referida classificação. O problema é que fé, não lógica ou razão, que governa as doutrinas religiosas. Muitas pessoas consideram qualquer outra religião, que não a própria, satânica. Saddam Hussein chama os EUA de O Grande Satan. Alguns líderes protestantes referem-se ao Papa como o Anticristo. Até assuntos, como um simples horóscopo, são mencionados como artes diabólicas, inclusive por pessoas cultas.

Segundo, pelo motivo inverso, nem todos que se dizem satanistas podem ser considerados representativos do Satanismo. Será que um adolescente rebelde, portando um pentagrama invertido, ou um conjunto de rock, com música tipo black metal, será realmente satanista? Bem, se o interesse do primeiro é apenas aparecer perante os amigos e o objetivo do segundo se promover na mídia, a resposta é um contundente “não”. Falta, em ambos os casos, o vínculo de religiosidade com Satan.

Satanismo estrutura-se como religião própria, organizada, a partir do momento em que um indivíduo ou grupo adora Satan ou um precursor ou um análogo, literalmente ou de forma figurativa, dentro de um conjunto de dogmas e práticas próprias. Desta definição, conclui-se que há dois tipos de Satanismo.

No Satanismo Ateístico, os satanistas não adoram nenhuma deidade, mas sim os ideais de Satan, como liberdade, independência, antinomia, inconformismo e rebeldia, e o representam como um signo, símbolo, arquétipo ou, ainda, a energia negra da natureza. O maior representante desta escola é a Igreja de Satan, nos EUA.

No Satanismo Teístico, os satanistas acreditam na existência literal de Satan ou um equivalente, sendo esta deidade o principal foco de adoração. O maior representante desta escola é o Templo de Set, uma dissidência da Igreja de Satan.

Grande parte dos princípios são comuns a ambas as escolas, existe mesmo uma tendência em estudá-las conjuntamente. Independentemente da visão de Satan, seja como uma deidade, seja como um símbolo da psique, nunca deixará de ser um arquétipo, ou seja, uma estrutura complexa do inconsciente coletivo. Esta abordagem comum será feita, na medida do possível, nesta obra. O livre pensamento traz unidade ao Satanismo.

Assim, entenda a pessoa Satan como um ente ou não, o importante é o vínculo que possua com ele: esta é a chave da magia e da realização pessoal.

O Satanismo possui como qualidades básicas a antinomia, a apoteose e o humanismo.

A palavra antinomia é originária dos gregos anti, significando “contra” ou “oposição”, e nomos, “norma” ou “lei”. Isto é mal interpretado pelo ignorante, que acha que os satanistas envolvem-se em atividades criminais. O sentido real é a negação da velha ortodoxia e a rejeição da mentalidade de rebanho. A oposição ou rebeldia é ao controle exercido por circunstâncias externas, como a política e a religiosa. O guru indiano Rajneesh explica que enquanto o clérigo cuidou dos assuntos internos do homem, o político cuidou dos externos – acabou-se a liberdade. O próprio homem deve assumir o controle, pois quem não controla é controlado.

O termo apoteose também é originado do grego e significa “exaltação ao estado divino”. Trata-se da autodeificação. O homem é o seu próprio deus. Esta é a mais alta fórmula do Satanismo, independentemente de se acreditar ou não na existência literal de Satan. Psicologicamente, é usada a palavra Self, para relacionar a essência divina inerente ao ser humano, relacionada com o fator transpessoal, bem diferente do ego, que é um software, uma interface necessária para interagir com as experiências do plano físico. A apoteose traz, em si, a autoconfiança, a individualidade e o amor-próprio, e não se confunde com o ego exacerbado, que caracteriza a egolatria.

Segundo a Grande Enciclopédia Delta Larousse, “O humanismo, como movimento intelectual, surgiu na Itália, no século IV, como tendência filosófica e filológica. Colocando-se o homem no centro de todas as preocupações, aspirava-se ao pleno desenvolvimento da personalidade humana”. O Satanismo endossa completamente o humanismo, buscando eliminar todos os entraves que submetem e inferiorizam o ser humano, ainda que sob a capa do manto sagrado.

Neste sentido, a própria crença no Céu e no Inferno são absurdas, pois ambos são simples alegorias. Céu foi criado para desviar a cobiça para o futuro, tirando-a do presente, em que realmente o homem poderia lutar para melhorar o seu padrão de vida. O Inferno é o medo projetado, de forma a impedir que o homem assuma o controle total da sua vida e atinja os estados mais elevados da sua consciência.

Na verdade, Satan evoca na pessoa luta, poder e oposição a tudo que vai contra a natureza humana, de forma direta, sem hipocrisia, sem futilidade. O homem deixa de ser um animal pastando no jardim do Éden, para assumir a sua própria vida, sem que outros tomem conta dela no seu lugar. Assim, quando o satanista usa os signos de Satan, Lúcifer ou outro demônio, busca expressar magicamente a sua natureza negra[1], a Sombra, o lado reprimido, escondido na sacola do inconsciente, de forma a integrar o Self, a essência ou estado divino inerente a si. O satanista é o seu próprio deus. Este estado é conhecido no Budismo como nirvana; no Yoga, como samadhi; nas ordens thelemicas, como o contato com o sagrado anjo/demônio guardião; e, em Psicologia, como o fator transpessoal.

O satanista busca a sua máxima realização neste plano, aqui e agora, celebra a vida com alegria, busca conhecimento e poder, é sempre um vencedor, pois, mesmo nos fracassos aparentes, sabe usá-los para colher uma vitória ainda maior. Não perde o tempo na esperança de ver sonhos espirituais serem concretizados num futuro incerto. Ele aproveita o máximo a vida com consciência e responsabilidade.

Do mesmo modo, o satanista não tenta converter ninguém, nem ser convertido. Pela constante agressão ao caminho dos outros, o mundo tem atravessado inúmeras guerras, com uma infinidade de mortos desde as épocas antigas. Quem está perfeitamente adaptado à sua doutrina, não sente a necessidade de converter ninguém. O Catolicismo, por exemplo, impõe o catecismo às crianças na mais tenra idade, sem que tenham discernimento algum, infundindo o terror do Inferno, em caso de desobediência aos seus dogmas. Além disso, o próprio texto religioso deveria ensinar a respeitar a doutrina dos outros. Neste sentido, a liberdade religiosa está plenamente assegurada no artigo 5o., inciso VI, da Constituição Federal: É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre   exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.  Significa que não importa o quão ofensivo seja o Satanismo para os seus adversos, simplesmente vão ter de tolerar o seu estabelecimento no País. Todavia, não endossamos nenhuma guerra religiosa, aos moldes que sempre existiu; responderemos dentro das leis, se provocados. É também o nosso direito de crítica exercido e estamos prontos a responder a qualquer uma também, se for o caso.

Quem se interessa pelo Satanismo precisa de algumas considerações iniciais. Em primeiro lugar, o Satanismo é uma via de risco, não é para qualquer um. . A árvore mais alta é aquela que mais aprofunda as suas raízes na terra. Para se trabalhar com o seu lado negro, é necessário livrar-se de inúmeros condicionamentos impostos desde a infância, aceitando-se, a si mesmo, por completo, sem julgamento de espécie alguma.  É importante a plena indulgência consigo mesmo. O homem só pode evoluir através de riscos. Se você perscrutar o seu passado, verá que os momentos de maior vitória, aqueles que realmente tiveram grandeza, envolveram um certo risco. O risco estava presente. Não aconselho ninguém a fazer nenhuma estupidez, a sair por aí a cata de aventuras insensatas. Aconselho, sim, a enfrentar o cotidiano como deve ser enfrentado, sempre com a meta da realização máxima de si, em todos os sentidos. Após a pessoa correr alguns riscos, começa a perceber que, independentemente do resultado obtido, ela passa a se sentir bem consigo mesma – e as oportunidades só chegam para quem se arrisca. Segundo Sharyn Wolf, A vida é um banquete e a maioria dos idiotas está morrendo de fome.

 

Claro que a noção de bem e mal é conceito humano. É muito cômodo delegar a responsabilidade por tudo o que acontece a Deus, ao Demônio, à Natureza, pois isto dá uma sensação de conforto ao ego. A natureza tem aspecto perigoso? Claro que tem! A própria vida é perigosa. Não adianta você ficar trancado dentro de casa, porque, a qualquer momento, a morte vai lhe fazer uma visita. Energias como o ódio, a tristeza etc. são perfeitamente naturais. Nada é inútil na natureza. Se você emprega o ódio de forma correta, defende-se de um ataque sem a hipocrisia de virar a outra face, ou o utiliza na arrumação da sua casa dada a imensa energia de vontade que é. Quem o reprime corre o risco de ter doenças psicossomáticas e explodir a qualquer momento contra quem não tem nada a ver com o seu problema. Fatos como doença, fome, guerra, morte são vistas de forma terrível, só que a vida foi feita para haver risco. Daí o próprio caráter efêmero da vida. Quem imagina a vida perfeita no sentido de se sentar no sofá para ver a novela das oito, já se tornou um robô controlado pela televisão. Já dizia Erich Fromm: O perigo do passado era que os homens se tornassem escravos. O perigo do presente é que os homens se tornem robôs. Ninguém consegue as melhores coisas da vida sem pensar por si mesmo, sem lutar para obter o que deseja. É o risco que põe o ser humano realmente vivo, diante de si mesmo, diante da vida e da morte.

O Autor não aconselha a ninguém a sair por aí cometendo tolices para se auto-afirmar, pois tal atitude não passa de egolatria ou de auto-ilusão, ambas manifestações doentias do ego.  Existe uma diferença entre audácia e temeridade. Audácia é a coragem baseada na inteligência; temeridade é a coragem fundada na estupidez. E fácil de concluir, então, que a primeira é a sensata. Pode haver uma linha tênue entre ambas, mas não pode haver confusão entre elas. O limite é como o fio da navalha.

Em segundo lugar, é necessário ter plena consciência do que está fazendo. Mera curiosidade ou afã de diversão devem ser descartados.  Um dos motivos é o uso da magia, que, malgrado seja inúmeras vezes empregadas em aspectos mundanos do cotidiano, o seu maior objetivo ainda é a transformação do mago. Mexer levianamente com o que não conhece costuma ser muito perigoso.

Em terceiro, demanda plena maturidade. Crianças e adolescentes nunca deveriam ser influenciados a adotarem uma religião, e sim optarem de livre e espontânea vontade por uma, se quiserem, quando adultos.  Existem, com certeza, jovens que alcançam o discernimento mais cedo, contudo a idade legal deve prevalecer de forma a evitar problemas jurídicos para uma irmandade satânica.

Há muitas pessoas que se utilizam do rótulo de satanista, com o único fito de agredir parentes e amigos. Isto é altamente contraproducente, não só para a pessoa, mas também para a família e o grupo satânico. Que maior perda de tempo do que ficar alimentando a auto-ilusão de terceiros? De qualquer modo, a escolha é sempre pessoal. Se alguém sair por aí com um ataque esquizofrênico, dizendo-se incorporado por Satan, o problema é exclusivamente seu. O aviso está dado.

 


1.        Qualquer menção a termos duais, como negro (branco), evolução (involução), criação (destruição) devem ser focalizados como ilusórios, apesar da necessidade de serem empregados, já que estamos dentro do véu de Maya. O Autor, sempre que possível, evitará tais termos.

 


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