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por Lilith Ashtart
TRECHO FOI RETIRADO DO LIVRO “LUX AETERNA”
“Aos deuses peço só que me concedam O nada lhes pedir”.
– Ricardo Reis
É de extrema importância para a compreensão do conteúdo exposto neste livro que um capítulo seja destinado a explorar os conceitos e origem destes termos, além da maneira como se encontram interrelacionados no luciferianismo. O conhecimento filosófico possui diferenças essenciais do conhecimento religioso. Sendo assim, o luciferianismo seria uma filosofia ou uma religião? Isso apenas dependerá da posição escolhida por cada um.
Enquanto o pensamento filosófico se pauta em uma forma racional e empírica de conhecimento, descartando a fé e propondo hipóteses para a solução de questionamentos através de sua lógica interna, o pensamento religioso possui sua base na fé em um dogma inquestionável a respeito da existência e ação de forças ou seres superiores, de profetas e mestres, rejeitando o empirismo como único meio de se chegar a tal verdade, já que um de seus pressupostos é não ser passível de verificação. Como bem ilustra Campos: “Só vê Deus quem acredita nele e quem acredita nele o vê, uma vez que as pessoas veem o que creem e creem no que veem”.
Afinal, como poderíamos definir religião? Religião é o termo atribuído a qualquer forma de pensamento que englobe um conteúdo metafísico (do grego μετα [meta]= além de e Φυσις [physis] = natureza ou físico), ou seja, que se ocupa em estudar e entender as causas primeiras do ser enquanto ser, abrangendo aspectos místicos que auxiliem a compreender a própria vida. A possível utilização dos termos latinos Re-ligare, religio, religere, relinquere como origem de tal palavra demonstra claramente esta ideia e desejo de se unir novamente com a causa primeva da existência, escolhida por um grupo ou determinada pessoa que se sentia afastada de tal origem e que, através de seus mitos, crenças, rituais e práticas, foi transmitida sob forma de um legado cultural dos antepassados para as gerações vindouras.
A religião em sua origem era inicialmente sentida e vivida pelos seus adeptos como uma fonte de interação com o universo e suas forças naturais, porém, com o tempo, acabou tendo sua real intenção distorcida e se convertendo em uma poderosa arma para se obter poder e controle político sobre as civilizações.
Doravante, é facilmente observado, neste contexto, que a adoração aos deuses se iniciou mais pelo temor a ele do que por sua admiração. A história do pensamento filosófico-religioso encontra sua evolução concomitante e intimamente relacionada com a das demais áreas do conhecimento humano. Embora muitas crenças vieram a tornar-se entraves para o racionalismo e o desenvolvimento científico, é importante lembrar que muitas das primeiras observações dos fenômenos naturais foram registradas e estudadas pelas civilizações antigas devido à sacralidade e culto atribuído à tais forças.
Na tentativa de explicá-las e reproduzi-las para seu próprio interesse, a crença antes aceita exclusivamente pela fé foi sendo testada e fundamentada através do desenvolvimento de um método científico de hipóteses, métodos de experimentação, comparação de resultados e conclusão. Nascia, sob sua forma pueril, a ciência, que ainda andava de mãos dadas com a religião. Astronomia e astrologia, alquimia e química, física e fenômenos invisíveis, todos ao invés de degladiar-se, como ocorre hoje em dia, andavam juntos em uma linha dificilmente delimitada entre ambos. Tais conhecimentos, contudo, não eram de domínio de todos, sendo desenvolvidos e obtidos principalmente dentro dos grandes templos e se concentrando nas mãos dos sacerdotes e líderes políticos sob sua tutela. Começou a surgir a distinção entre os homens: aqueles que eram representantes dos Deuses (ou os próprios) na Terra e os que, devido à ausência da divindade em si, deveriam obedecê-los para não contrariar a vontade de Deus e despertar sua fúria. A palavra hierarquia, dos radicais gregos hieros e arquês, reflete bem esta realidade, já que seu significado é “poder do sagrado”, deixando claro que qualquer oposição contra os graus hierárquicos superiores ao do indivíduo em questão seria contra os próprios deuses. Até hoje presenciamos o egotismo nitidamente marcado nos diferentes graus hierárquicos de uma sociedade. A ignorância da grande massa sobre tais descobertas foi decisiva para isso, e ainda é, pois tais conhecimentos e suas aplicações são vistas como virtudes superiores, divinas e mágicas daqueles que as dominam, como se fossem impossíveis de serem obtidas por qualquer um que as desejam e buscam realmente.
Infelizmente esta realidade contaminou não apenas as grandes religiões organizadas como está se evidenciando cada vez mais dentro do ocultismo moderno. Ilusão tentadora e destrutiva de supostos grandes líderes e seus “cordeiros em pele de lobo”, assim como de suas filosofias que nutrem o ego que cega a ambos. Homo homini lupus.
Desta maneira, as diversas concepções de deus foram sendo construídas de acordo com os diferentes estágios de consciência nos quais a humanidade incessantemente se desenvolve. Fundamentadas nestas diferentes concepções, as religiões se construíram e dividiram-se em ramos que continuaram ou a englobar e disseminar este medo, obediência e submissão pela perpetuação da ideia primitiva de um deus superior e externo à humanidade, ou a colocar o homem como a principal personagem de seu destino, colocando-o no patamar da própria divindade. Por fim, o advento do iluminismo, o resgate do materialismo pós-revolução industrial, a conquista do direito à livre expressão (mesmo que basicamente como uma utopia) e consequente crítica acerca da realidade das coisas perante a luz da ciência permitiram o abandono da crença cega nos desígnios divinos, contestando a existência destes seres supremos.
Se faz necessário relembrar que o termo “luciferianismo” e as denominações a ele aqui atribuídas são utilizados apenas para fins de facilitar a compreensão de suas concepções centrais, já que impor-lhe dogmas implicaria na estagnação de algo cuja característica intrínseca é a contínua transformação de si mesmo. Possuindo um profundo subjetivismo, e sendo ele mesmo o fruto de diversas influências, é comum aqueles que compartilham dos princípios luciferianos incorporarem a eles outras culturas, podendo estas tanto ser pagãs ou não. Isso se refletiria em uma infinidade de denominações caso os aspectos utilizados para designá-las fossem as egrégoras e filosofias englobadas por cada um. Por este motivo o aspecto utilizado é o modo como o praticante aceita a existência de seres metafísicos.
O enfoque primordial reside no indivíduo e sua autodeificação, a qual apenas é possível de ser alcançada pelo autoconhecimento originado das próprias experiências vivenciadas e consequente aplicação da aprendizagem obtida.
Assim, devido à preocupação quanto à existência ou não de deuses ser meramente secundária, já que a descoberta e manifestação da divindade interior é a meta principal (interpretada como o nível de consciência superior de cada ser humano, o que o torna deus de sua própria esfera de atuação), o luciferianismo é uma das raras filosofias que se permite desdobrar em denominações tanto teístas quanto ateístas sem se contradizer. Enquanto geralmente as crenças se restringem a um único enfoque irrefutável, imutável e absoluto, geralmente originário de uma revelação divina, ele permite a o atrito de ideias, liberdade de opiniões e caminhos a serem trilhados, abrindo um leque infindável de possibilidades pelas quais o indivíduo pode se encontrar refletido e efetivamente trabalhar sua real essência, sem o perigo de moldar-se inconscientemente às “verdades” de outrem, que não serão integralmente as mesmas que a dele, e desta maneira rumar à verdadeira iniciação.
Alis volat propriis.
Lilith Ashtart é psicóloga, taróloga, escritora, pesquisadora e praticante de ocultismo e LHP. Editora da publicação aperiódica Nox Arcana. Autora do livro Lux Aeterna
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