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Texto de G. B. Marian. Traduzido por Caio Ferreira Peres.
Discutindo o tema de mensagens “ao contrário” em músicas de heavy metal durante o Pânico Satânico, como explorado no filme terror comédia de 1986, Trick or Treat.
Um dos meus filmes favoritos de todos os tempos é um filme que quase ninguém parece conhecer. É preciso ser um verdadeiro nerd do terror dos anos 1980 para ter assistido a Trick or Treat [N. T.: Doces ou Travessuras. No Brasil é conhecido pelos títulos Heavy Metal do Horror e O Rock do Dia das Bruxas] (1986) de Charles Martin Smith, e provavelmente também ajuda se você for um metaleiro. Nunca vi esse filme na lista dos “10 filmes favoritos” de ninguém, mas certamente você o encontrará na minha, e vou lhe dizer por quê. Até onde sei, esse é o primeiro filme já feito que apresenta um enredo inspirado inteiramente no heavy metal e no ódio que ele recebeu de políticos, televangelistas e mães de família hipócritas durante o Pânico Satânico dos anos 1980. Ele pode não ser necessariamente o melhor filme do seu subgênero; sem dúvida, muitas pessoas provavelmente votariam em Deathgasm (2015) de Jason Lei Howden, que tem um enredo muito semelhante. Mas, apesar dos valores de produção superiores de Deathgasm, Trick or Treat foi o primeiro, e causou uma grande impressão em mim enquanto eu crescia.
Eddie Weinbauer (interpretado por Marc Price, mais conhecido como “Skippy” de Caras e Caretas) é um adolescente metaleiro que vive na cidade de Lakeridge, Carolina do Norte, e que atende pelo apelido de “Ragman”. Eddie é especialmente dedicado à música de Sammi Curr (Tony Fields), um roqueiro de choque de glam metal que é obviamente inspirado por Alice Cooper. Eddie adora Sammi e é amigo de um DJ de rádio chamado “Nuke” (Gene Simmons, do KISS), de um nerd chamado Roger (Glen Morgan, um dos principais roteiristas de Arquivo X e dos filmes Premonição) e de uma garota bonita da escola chamada Leslie (Lisa Orgolini). Infelizmente, Ragman também sofre bullying em sua escola por um grupo de atletas (liderados por Doug Savant, conhecido por Desperate Housewives), que o consideram assustador e esquisito. Esses caras também são muito duros, pois aparentemente não veem nada de errado em tentar afogar o pobre Eddie em uma piscina.
Por que Ragman gosta tanto de Sammi Curr? Porque a música de Curr o ajuda a lidar com seus sentimentos de subjugação. De uma forma estranha, Curr é assustadoramente profético em relação a Marilyn Manson, que levou o rock de choque a um nível totalmente novo nos anos 1990. Não satisfeito em apenas assustar ou irritar os pais, Manson se transformou em um iconoclasta completo da guerra cultural (o “Superstar Anticristo”) e aterrorizou deliberadamente toda a direita religiosa americana. De maneira semelhante, Curr usa sua música e sua base de fãs para declarar guerra à sociedade. Ele oferece a seus fãs um futuro no qual “os guerreiros escolhidos do rock governarão o Apocalipse” e promete a todos que tentarem banir sua música que “nós os derrubaremos”. Para Eddie, Curr é mais do que apenas um ícone do rock ou um herói; ele é um messias contracultural que promete emancipação total da sociedade cristã.
Mas tudo isso parece desaparecer no ar quando Eddie liga a TV em uma manhã e fica sabendo que Sammi Curr morreu em um incêndio no hotel. O garoto fica imediatamente arrasado e entra em desespero, mas quando visita seu amigo Nuke na estação de rádio local WZLP, Nuke lhe dá um presente especial. Na verdade, Sammi Curr cresceu bem aqui na cidade natal de Eddie e Nuke era amigo dele quando eram crianças. Acontece que Nuke tem uma gravação demo de um álbum que Curr ainda estava gravando quando morreu. (O álbum se chama Songs in the Key of Death.) Nuke dá o disco para Eddie, dizendo que Sammi gostaria que ele ficasse com ele. E, ao ouvi-lo mais tarde naquela noite, Eddie descobre que o álbum contém várias mensagens ocultas. Então, ele toca o disco ao contrário para ver o que as mensagens estão dizendo, e é aí que ele recebe o maior choque de sua vida.
A voz de Sammi Curr fala com Eddie por meio de mensagens ao contrário, dizendo ao garoto para fazer certas coisas enquanto estiver na escola no dia seguinte. Quando Eddie segue o conselho que lhe foi dado, ele é mais esperto do que seus inimigos e os coloca em apuros (ao mesmo tempo em que se livra do uísque). Parece então que os dois conspiradores conseguirão concretizar sua visão compartilhada de um mundo sem valentões, afinal; mas como Curr continua a ajudar Ragman a “pegar” seus atormentadores, ele também exige a ajuda do garoto para “pegar” todos que já tentaram proibir sua música. As brincadeiras de Halloween logo se tornam mortais, e Ragman percebe que seu amado semideus é, na verdade, um demônio. No final, Eddie precisa impedir Sammi de matar todos em Lakeridge quando Nuke toca Songs in the Key of Death ao contrário em seu programa de rádio (na véspera do Dia das Bruxas, nada menos que isso).
Agora eu sei muito bem o que alguns de vocês devem estar pensando. Trick or Treat parece algo que foi feito por cristãos evangélicos, certo? Parece que o objetivo do filme é demonizar o heavy metal e todos que o ouvem. Como um metaleiro devoto, eu provavelmente não deveria gostar desse filme, não é mesmo? Mas considere o fato de que Ozzy Osbourne aparece em uma participação especial como “o Reverendo Aaron Gilstrom”, um televangelista anti-rock. Sim, você leu corretamente: Ozzy fuckin’ Osbourne interpreta um clone de Jimmy Swaggart que prega que os músicos de metal são todos satanistas que fazem lavagem cerebral em nossos filhos. (Isso é o que eu chamo de ironia!) Também devo ressaltar que Trick or Treat não termina da maneira que você esperava. Se esse fosse um filme de propaganda evangélica como Rock: It’s Your Decision (1982), Eddie abandonaria o metal para sempre depois de derrotar Sammi Curr e “se entregaria a Jesus” (como eles dizem). Mas depois de derrotar o fantasma do homem que costumava ser seu herói, o que você acha que Ragman realmente faz?
Pelos deuses, ele toca um maldito disco de Sammi Curr!
Sim, é verdade—e acho que é nesse ponto que Trick or Treat realmente se destaca. Embora o filme seja inspirado em mitos urbanos americanos sobre “mensagens ao contrário” na música heavy metal, ele obviamente não concorda com as pessoas que levam esses medos ao pé da letra. Em vez disso, o filme apresenta o metal como algo legitimamente divertido, mas que é mal interpretado—e não apenas pelos pais, pregadores ou políticos. Eddie Weinbauer acaba percebendo que Sammi Curr é um valentão muito pior do que qualquer um dos atletas que o atormentam na Lakeridge High. Mas quando Eddie derruba Sammi, ele não está dando as costas ao metal (ou mesmo à música de Curr, necessariamente). Ele está apenas aprendendo a separar a arte que ama do artista que a criou. O artista pode ser um grande idiota, mas não há problema em continuar gostando e se inspirando em sua arte.
Quando eu estava no ensino médio, costumava adorar o chão que Marilyn Manson pisava. Mas depois descobri que ele realmente não é o todo-poderoso “Superstar Anticristo” que ele se propunha a ser. No início, isso me fez sentir como se nunca mais pudesse ouvir a música de Manson; meu sentimento de decepção era muito grande. Mas, depois de um tempo, aprendi que a arte ainda pode ser profundamente significativa e mágica, mesmo que a pessoa que a criou não seja quem (ou o que) eu quero que ela seja. Passei exatamente por esse mesmo processo com Alice Cooper e Ozzy Osbourne. Especialmente no heavy metal, é fácil confundir as pessoas que criam a música com os personagens que interpretam no palco. Marilyn, Alice e Ozzy não são pessoas reais; são personas chamativas que foram criadas por Brian Warner, Vincent Furnier e John Osbourne, respectivamente. O engraçado é que, quando finalmente comecei a entender esse princípio, passei a gostar ainda mais da música deles.
Algumas fotos promocionais para o filme.
Em Trick or Treat, o problema não é com o heavy metal em si, mas com o fato de que Sammi Curr leva seu hype e sua persona de palco muito a sério. Quando Eddie briga com ele, Sammi o acusa de ser “falso metal”—mas, na verdade, Sammi é quem é falso. Parte da diversão do heavy metal é que ele é basicamente uma enorme fantasia de poder que pode ser levada a alguns extremos realmente ridículos. Além disso, isso geralmente é feito com muita ironia. É claro que existem pessoas como Sammi Curr que se levam muito a sério, mas esse gênero musical foi construído com base em caras como Coop e Ozzy, que cantam sobre estrangular pessoas ou fazer sexo com o diabo enquanto piscam para o público. É tudo de faz-de-conta, como uma festa de Halloween que nunca termina, e as pessoas que levam isso muito a sério—incluindo tanto os Pat Robertsons quanto os Varg Vikerneses deste mundo—não estão entendendo nada.
A maioria das pessoas que assistiram a Trick or Treat dirá que é um fracasso total. Para ser justo, ele é cheio de erros de gravação; você pode até ver o microfone na parte superior da tela em um determinado momento. (Fique atento quando Ragman atende à porta da frente e encontra do outro lado o namorado de sua mãe fantasiado de Rambo. Preste muita atenção no canto superior direito da tela!) O filme também não consegue decidir se quer ser um filme de terror genuíno ou uma comédia com tons de terror, algo que normalmente me irrita. Mas, mesmo com tudo isso, Trick or Treat é muito bem atuado, a música é fenomenal (com canções de Fastway e uma trilha sonora de Christopher Young), e um grande esforço criativo foi claramente colocado nele. Eles não estavam apenas tentando ganhar dinheiro rápido com este filme; na verdade, estavam tentando fazer algo espirituoso e inteligente—e, pelo menos para mim, conseguiram.
Trick or Treat também é um filme que consideramos sagrado na Tradição LV-426 (assim como Alien: O Oitavo Passageiro de 1979, e O Enigma de Outro Mundo de 1982). Ele reflete muito bem nossas próprias histórias pessoais com Set. Todos nós éramos como Eddie Weinbauer quando éramos crianças; éramos jovens alienados e lidávamos com nossos problemas ouvindo músicas raivosas e agressivas. Essa mesma música se tornou uma de nossas várias “portas de entrada” para o setianismo e, por esse motivo, tratávamos nossos heróis do rock como se fossem pilares de sabedoria e virtude. O Grande Vermelho teve que nos desiludir dessa noção com o tempo; assim como Ragman, tivemos que aprender a curtir nossos artistas favoritos sem acreditar em toda a sua propaganda, e Trick or Treat nos lembra de como foi passar por tudo isso.
Arte alternativa do poster do filme.
Link para o original: https://desertofset.com/2020/06/16/what-are-you-afraid-of-its-only-rock-roll/
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