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As diversas visões de Lúcifer

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Gregos e Romanos

Lúcifer vêm do latim (lux + ferre) e é denominado muitas vezes como sendo a Estrela da Manhã. Sua primeira representação adotando este nome pode ser encontrada na Roma Antiga, onde originalmente era utilizado para denominar o planeta Vênus quando este anunciava o nascimento do Sol. Porém esta idéia de um Deus da Luz associado com a Estrela da Manhã ao invés da Aurora data de uma época muito mais remota, sendo utilizada por Sócrates e Platão. Segundo a Edith Hamilton’s Mythology, encontramos nesta idéia um Deus da Luz que estava justaposto com Hélios (o Sol) e Hermes.

Como um arquétipo, Lúcifer era considerado na Mitologia Romana como sendo o filho de Astraeus e Aurora, ou de Cephalus e Aurora. Para os gregos o planeta é simbolizado por dois irmãos: Eósforo e Héspero. Ele é o pai de Ceyx, Daedalion e das Hésperides. Ceyx era um rei justo cuja beleza dizia-se ser quase equivalente a de seu próprio pai. As Hésperides eram as guardiãs das maçãs-de-ouro que Juno ganhou de presente de casamento, sendo auxiliadas pelo Dragão. Lúcifer é “o belo gênio dos cachos dourados, cantado e glorificado em todo antigo epitalâmio; é ele que, ao cair da noite, conduz o cortège nupcial e entrega a noiva nos braços do noivo” (Carmen Nuptiale; ver Mythol. de 1a Grèce Antique, Decharme) como citado na primeira edição da revista Lucifer. Os epitalâmios são antigos cantos nupciais, utilizados originalmente não apenas pelos gregos pagãos, mas também pelos primeiros cristãos, mais um fato que comprova que originalmente Lúcifer não era considerado o inimigo do deus do cristianismo e dos homens.

Eósforo (ou Phosphoros) é a brilhante Estrela da Manhã, enquanto Héspero (ou Vesper, Nocturnus, Noctifer) é o nome dado a Vênus quando este surge lançando sua luz no anoitecer. Na Ilíada encontramos passagens se referindo a estes dois irmãos, nas quais Phosphoros, quando surge das águas do Oceano, anuncia a aproximação da luz divina, enquanto Héspero é considerado durante o anoitecer a mais esplêndida de todas as estrelas que brilham no céu.

A visão sobre Lúcifer ser o libertador da humanidade, um rebelde corajoso que traz aos homens a sabedoria dos Deuses, e por isso sofre os tormentos provocados pela ira de Deus (preferindo agüentá-los a se submeter a uma regra despótica) possui muitas influências do mito grego de Prometeu.

Prometeu era um dos Titãs. Ele e seu irmão Epimeteu se tornaram os responsáveis pela criação do homem não apenas em sua forma física, mas também em suas habilidades. Tendo Epimeteu gasto todos seus recursos nos outros animais, ao chegar no homem não sabia o que lhe dar de especial, pois o homem deveria ser superior a todos os outros animais. Ao recorrer a Prometeu este com a ajuda de Minerva, por quem era protegido, subiu aos céus de onde trouxe aos homens o fogo em uma tocha acesa no carro do sol. Júpiter se irou por Prometeu ter furtado o fogo do céu, e como castigo, mandou acorrentá-lo em um rochedo do Cáucaso, sendo seu fígado todo dia devorado por um abutre. Thomas Bulfinch escreve em “O Livro de Ouro da Mitologia” : ” Esta tortura poderia terminar a qualquer momento, se Prometeu se resignasse, a submeter-se ao seu opressor, pois era senhor de um segredo do qual dependia a estabilidade do trono de Jove e, se o tivesse revelado, imediatamente teria obtido a graça. Não se rebaixou a fazê-lo, porém. Tornou-se, assim, símbolo da abnegada resistência a um sofrimento imerecido e da força de vontade de resistir à opressão.” O fogo roubado por Prometeu não é o fogo físico; muito mais que isso, creio que o mito se refere ao “fogo da mente”, que permitiu ao homem se libertar e conduzir sua vida por si mesmo; o “fogo dos deuses” que possuímos para tornar-nos o próprio deus.

Pode-se traçar também uma semelhança com Apolo, o Deus-Sol. Esta teoria se baseia em seu título de Portador da Luz, tradução literal de seu nome, o que pode associá-lo na cabala a Tiphareth, a Sephirah do Sol, enquanto que sendo a Estrela da Manhã ele é associado a Netzach, a Sephirah de Vênus. Em Tiphareth ocorre a primeira das grandes iniciações ao significado do Ser superior. Tiphareth se localiza no centro da Árvore da Vida, e em sua direção fluem os poderes das demais Sephiroth. Outro ponto que o relaciona a Tiphareth é o vício desta Sephirah, o orgulho. Como será discutido mais adiante, este é o pecado de Lúcifer na visão de algumas religiões, o que teria afastado-o da graça de Deus.

Outro ponto que a vêm reforçar é o mito de Aradia. Aradia é considerada filha de Diana e Lúcifer, gerada através de um ato de incesto. Na mitologia grega, o irmão de Diana é Apolo, que dentre outros atributos, possui como característica marcante sua beleza, assim como Vênus, deixando bem clara a associação entre ambos.

Cristianismo & Judaísmo 

Este será um tópico extenso, por se tratar de uma filosofia mais presente e atuante nos dias de hoje, o cristianismo, o qual incorpora diretamente o nome de Lúcifer em seus dogmas.

Os cristãos corromperam a imagem do Lúcifer romano, tornando-o líder dos anjos caídos. O nome Lúcifer não é encontrado em nenhum livro da bíblia cristã. Esta relação surgiu mais tarde, vindo com a invasão de povos europeus e miscigenação de raças. Mais que uma tradução errada, é uma invenção dizer-se que ele encontra-se na bíblia original. A própria menção a um ser que pode até se transformar em um “anjo de luz” (2 Corintios 11:14), ou de um leão que ruge e devora (1 Pedro 5:8) é apresentada apenas a partir do novo testamento. Como será visto, na Torah (bíblia hebraica que nada mais é do que os cinco primeiros livros de qualquer bíblia cristã) não há o conceito de Lúcifer como mal personificado, e sim de acusador.

Não há como não se lembrar o que dois respeitáveis ocultistas comentam sobre esta corrupção. Segundo Blavatsky: “De fato, todo o mundo sideral, os planetas e seus regentes — os deuses antigos do paganismo poético — o sol, a lua, os elementos e toda a hoste de mundos incalculáveis — pelo menos os que eram conhecidos pelos Pais da Igreja — compartilharam a mesma sorte. Todos foram difamados e endemoniados pelo insaciável desejo de provar um insignificante sistema teológico — construído a partir de antigos materiais pagãos — como sendo o único correto e sagrado, estando todos os que o precederam ou seguiram completamente errados. Nos pedem para acreditar que o sol, as estrelas e o próprio ar tornaram-se puros e “redimidos” do pecado original e do elemento satânico do paganismo somente após o ano I d.C.” [Lucifer, Vol. I, No 1, Setembro, 1887] . Kenneth Grant complementa esta visão: “O enlameamento e a destruição literais dos símbolos antigos nas Catacumbas em nada é comparado com o iconoclasmo sistemático que esteve operante durante séculos nos santuários secretos do Judaísmo e da Cristandade, onde documentos eram destruídos, textos mutilados e deliberadamente distorcidos para abrir caminho para o Culto desta suprema anomalia na história das religiões – um “Salvador” histórico que morreu e ressuscitou na carne” [The revival of Magick, 1969].

Realmente não há como negar que a igreja para combater as antigas religiões pagãs, distorceu os deuses antigos, convertendo-os em inimigos, em demônios que atentavam contra a felicidade humana. Que maneira seria mais simples para a solidificação de uma idéia do que a imposição pelo medo? Que maneira mais fácil de se acabar com as festividades pagãs do que torná-las pecaminosas? Todos que iam contra as idéias da Igreja eram considerados hereges. As pessoas começaram a temer pensar, questionar idéias, e por incrível que pareça, centenas de anos depois, ainda por medo, só que agora do inferno ou por pura acomodação, fecham seus olhos para sua realidade, descartando sua auto-realização neste plano. Alguns demônios cristãos foram criados nada mais sendo do que reflexos do nosso lado animal, que muitos tentam ocultar, lutar contra ele, sem perceberem e aceitarem que este faz parte de todos nós. A ira, a luxúria, a ambição entre tantos sentimentos que pertencem a este lado, são tão necessários aos homens quanto o amor e a compreensão. Somos senhores de nossa própria Vontade, e por isso, aqui e agora, somos nós quem devemos nos utilizar dela para atingir nossos objetivos. Como? Através do desenvolvimento de nosso potencial interior, que apenas se encontra adormecido.

O diabo foi uma invenção cristã construída a partir de antigos mitos pagãos, em especial Babilônicos e Caanitas já distorcidos anteriormente pelos judeus. A palavra grega diabolos, usada como nome e adjetivo, veio do grego diaballein que significa “caluniador”, e é usada como tradução do termo hebraico hassatan (o acusador ou adversário) no Antigo Testamento. No Novo Testamento a mesma palavra grega é utilizada como sinônimo do termo menos freqüente satan ou satanas. Não podemos nos esquecer que o Antigo Testamento foi escrito em hebraico e o Novo Testamento em grego, por isso o uso destas duas palavras equivalentes. Citarei apenas alguns destes deuses utilizados para construir o diabo cristão entre tantos outros existentes:

· Abaddon, ou o Destruidor era governador do Sheol, um local destinado a ser a morada dos mortos. Ao contrário do inferno cristão, porém, este não era um local onde eram aplicadas penas aos mortos pelo que fizeram de errado em vida, e muito menos um local de tortura e sofrimento.

· Ashtart, deidade Fenícia, equivalente a Ishtar babilônica, deusa da guerra e do amor, e das colheitas. Associada também a Estrela da Manhã. Tornou-se um demônio cristão, Astaroth, sendo também citado pelos judeus com o sentido de legião em seus escritos.

· Belzebu (Mateus 12:24) ou o Senhor das Moscas é a corrupção de Baal-Zebul, originalmente uma deidade fenícia, que significa “Príncipe Baal”. Os Baals, que significa Mestres ou Senhores, eram adorados pelos Caanitas e por isso foram transformados em demônios.

Mais tarde, com a influência de novas culturas, os demônios foram aumentando em número, e a representação de sua imagem também. A clássica imagem do diabo como um ser que possui chifres e pés de bode é nitidamente uma referência ao deus Pã, cujo culto era amplamente disseminado e deveria por isso ser exterminado para a aceitação do novo dogma a ser imposto. O mesmo aconteceu com outros deuses pagãos, mas nenhum nome foi tão difamado como o de Lúcifer e Shaitan. Uma citação importante sobre a formação da concepção do diabo cristão pode ser encontrado no “The Devil’s Biography”: “O Novo Testamento clama que Deus é a origem de tudo que é bom, e que o Céu é a recompensa por seguir as suas leis. Mas aquilo não era suficiente para trazer as pessoas para a igreja e fazê-las retornar. Os primeiros cristãos procuravam uma força opositora, um demônio que poderia ser a origem do pecado que resultaria em condenação eterna nos tormentos do inferno e de onde apenas eles (os cristãos) poderiam nos salvar. O problema era, não existia nenhum para que eles pudessem proclamar sua autenticidade bíblica. Se eles quisessem um demônio assustador, dotado de grande poder, real, que poderia governar o inferno eternamente punindo aqueles que desafiaram Deus e seus sacerdotes, eles teriam que criá-lo e fazê-lo de uma forma que ele poderia finalmente parecer ter algum tipo de validade bíblica. E isto era um problema, pois os judeus do Antigo Testamento não acreditavam em eterna vingança ou punição depois da morte.”

Os cristãos alegam que Lúcifer é citado em Isaías 14:12-14:

“Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como fostes lançado por terra, tu que debilitavas as nações! Tu dizias em teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte; subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo.”

Lúcifer é uma palavra latina, e jamais poderia aparecer em um escrito hebraico datado de uma época em que o Latim não existia ainda como linguagem. No original hebraico desta passagem encontramos “heleyl, ben shahar”, que quer dizer “brilhante, filho da manhã”, e se referia ao rei da Babilônia Nabucodonosor, embora alguns autores afirmem que também poderia se referir ao rei Tiglath-pilneser. Este termo, ao ser traduzido para o latim vulgar foi traduzido como Lúcifer, a antiga representação romana da Estrela da Manhã. O fato é que o contexto da passagem completa deste texto deixa bem claro que ele não se refere a nenhum demônio, ou anjo caído da graça de Deus, mas sim a um rei humano como pode ser visto em Isaías 14:4-5 e 14: 16-20:

“…então proferirás este motejo contra o rei da Babilônia e dirás: Como cessou o opressor! Como terminou a tirania! Quebrou o Senhor a vara dos perversos e o cetro dos dominadores”. “Os que te virem te contemplarão, hão de fitar-te e dizer-te: É este o homem que fazia estremecer a terra e tremer os reinos? Que punha o mundo como um deserto e assolava as suas cidades? Que a seus cativos não deixava ir para casa? Todos os reis das nações, sim, todos eles jazem com honra, cada um no seu túmulo. Mas tu és lançado fora de tua sepultura, como um renovo bastardo, coberto de mortos transpassados à espada, cujo cadáver desce a cova e é pisado de pedras.”

Esta passagem mostra claramente a queda deste rei, ou seja, sua morte, e o desprezo com que ele seria recebido pelos mortos no Sheol. Como dito anteriormente não encontramos em nenhum livro do antigo testamento a idéia de demônios como sendo seres que governam sobre o inferno ou que eram dotados da função de punir os infiéis após a morte. Eles são vistos no misticismo hebraico como sendo descendentes de Lilith, primeira mulher de Adão, e como capazes de causar doenças e possuir corpos, mas nunca como seres capazes de fazer com que o homem seja tentado a cometer o mal. Podemos encontrar a idéia de anjos se rebelando contra Deus e sendo precipitados no apócrifo judeu “O livro de Enoch”, utilizado mais tarde pelos sacerdotes para sua concepção de demônio. Outra evidência de que o nome Lúcifer não era originalmente associado ao demônio é a existência de um bispo cristão de Cagliari no século IV ou V que se chamava Lúcifer. A partir apenas do século XIII os hereges foram chamados de Luciferianos.

A própria criação de Satã como um acusador, e por isso inimigo do homem, veio da necessidade do povo judeu de um ser que explicaria as coisas de mal que aconteciam com seu povo, já que acreditavam em um Deus todo-amor. Assim, Satã é aquele que testa o homem, na maioria das vezes a fidelidade do homem a Deus, porém com o consentimento e por pedido deste último. Os primeiros dois capítulos do livro de Jó exibem claramente esta função designada por Satã. Nele Satã expõe para Deus sua idéia a respeito dos homens, dizendo que estes seriam tementes ao Senhor até o momento em que calamidades ocorressem com eles, quando então passariam a blasfemar contra Deus. Deus, tendo opinião contrária, coloca tudo que Jó possuía nas mãos de Satã, para que este pudesse prová-lo em sua fé. Está claro que Satã é um agente de Deus, não um rival e inimigo deste no Antigo Testamento. Por esta permissão dada por Deus, Jó sofreu terríveis tormentos e muitos inocentes foram mortos, apenas para que Deus provasse seu ponto de vista, demonstrando sua natureza egocêntrica, curiosamente um sentimento tão combatido pelos cristãos.

Perante estes fatos volta a velha indagação a respeito da idéia de Lúcifer como um anjo caído: Se no Antigo Testamento Deus destruiu a humanidade por esta decepcionar-lhe, por que não destruiu o anjo responsável pela revolta que mudou seus planos para o destino do homem, já que faria tudo para afastá-los de Deus? Afinal, ambos possuíam livre arbítrio…. e Deus deveria aplicar o mesmo castigo a ambos.

Características bíblicas de Lúcifer 

Segundo os cristãos, as representações bíblicas do diabo são três: a de uma serpente (Apocalipse 12:9), a de um Dragão (Apocalipse 12:3) e a de um Anjo de Luz (2 Coríntios 11:14). Curiosamente as duas primeiras, que são equivalentes, são a representação da sabedoria e da vida eterna, presente e adorada inicialmente em todas as regiões do mundo, como será melhor comentado na seção “Influências Luciferianas”. Lúcifer antes de sua queda pertencia à ordem angelical dos querubins (Ezequiel 28:14) e era a mais exaltada das criaturas angelicais (Ezequiel 28:12). Porém, ao deixar sua grandeza e beleza tomarem conta de seu coração, quis se igualar a Deus, o que foi seu grande pecado. Seus privilégios anteriores à queda podem ser encontrados em Ezequiel 28:11-15 e “dados” sobre sua suposta queda em Ezequiel 28:16-18 e Isaias 14:12-20 (já citado anteriormente).

Para aqueles que desconhecem a Angelologia, convém esclarecer que os anjos se dividem em três grandes classes, ou ordens, que são subdivididas novamente em três partes cada. Os querubins pertencem à Primeira Ordem e ao segundo coro desta. A primeira ordem é aquela que estaria mais próxima de Deus, e é se utilizando desta afirmação que os cristãos justificam a condenação eterna à qual Lúcifer foi submetido. Segundo eles, por Lúcifer viver anteriormente na presença de Deus, Ele o conhecia o suficiente para jamais poder ter se rebelado contra seu criador, ao contrário dos homens, que por isso tiveram a oportunidade de novamente voltarem à comunhão com Deus após o pecado original, através de sua submissão total à vontade de Deus e através do sacrifício de Cristo. Estranho fato este do livre arbítrio, no qual há apenas dois caminhos: o da submissão e conseqüente salvação, e o da independência e livre Vontade, e conseqüente danação. Seria realmente um livre arbítrio? Qual homem em sua sanidade escolheria o pior para si, se realmente acreditasse nisso? Parece mais que o “Deus” da cristandade não conseguiu mais controlar sua própria criação, quando esta descobriu através dos ensinamentos da serpente que podia alcançá-lo, e até mesmo, transcendê-lo. Esta não é uma idéia difícil de ser ilustrada se consultarmos a cabala. Na cabala podemos encontrar o demiurgo na Sephirah Chesed, a quarta esfera da Árvore da Vida. Sendo assim, ao se passar por Chesed, ainda há outra Sephiroth para se alcançar: Binah, Chockmah e Kether, ou seja, é possível de transcendê-lo, e em larga escala. A própria serpente, considerada derrotada, encontra-se acima do Demiurgo, em Chockmah. Como pôde ser visto, é um mito que guarda oculto em si mesmo a chave de sua própria contradição e destruição, conseqüência de uma invenção sórdida e sem nenhum fundamento. Está mais claro do que nunca nos dias de hoje a verdadeira função e propósito da crença cristã, não sendo necessário comentá-lo mais aqui: quem possui olhos para enxergar, que veja por si mesmo.

Um dado interessante que encontramos na Bíblia e que também nos remete ao simbolismo de Lúcifer no ocultismo se encontra em Efésios 2:2. Neste versículo encontramos Lúcifer sendo considerado como o Príncipe da potestade do ar. Quem conhece as associações dos quatro príncipes no satanismo não sentirá dificuldade de lembrar-se que Lúcifer correspondendo ao Leste é associado ao elemento ar.

Outro tópico que nos interessa, mas que será discutido separadamente a seguir é a demonologia, e os diferentes papéis e representações que Lúcifer possui nela.

Islamismo & Yezidismo

Segundo o Qur’na, base da fé islâmica, Iblis ou Shaitan não é um anjo caído (como aceito no cristianismo), nem um agente de Deus (como aceito no judaísmo). No islamismo Iblis é um dos Jinni, o qual através de seu livre arbítrio preferiu desobedecer à ordem de Allah (Deus) do que se prostar diante de Adão (os homens), um ser inferior criado do barro enquanto ele fora criado do fogo. Mais uma vez o pecado aqui retratado é o orgulho de Iblis, como pode ser confirmado nos seguintes versos:

Surah Araf (7: 11-18)

“Fomos nós quem criamos você. E te demos forma: Então nós ordenamos aos anjos, Prostem-se diante de Adão e eles se prostaram, com exceção de Iblis; Ele se recusou a pertencer àqueles que se prostaram”.

(Allah) disse: “O que te impediu de se prostar quando eu te ordenei?”. Ele disse: “Eu sou melhor do que ele: Tu me criaste do fogo, e ele do barro.”

(Allah) disse: “Que você se rebaixe por isto: não é para você ser arrogante aqui: saia”.

Ele (Iblis) disse: “Me dê o tempo até que eles sejam elevados”.

(Allah) disse: “Esteja você entre aqueles que tem este tempo”.

Ele (Iblis) disse: “Porque tu me tiraste (do caminho), Oh! Eu irei esperar por eles em Teu estreito caminho”:

“Então Eu irei abordá-los por frente e por trás, à sua direita e à sua esquerda: Tu não irás achar, na maioria deles, reconhecimento (por Tua piedade).”

Iblis, ao se rebelar contra a vontade de Allah, se tornou merecedor do nome Al-Shaitaan e foi expulso da corte de Deus. Ele teria recebido uma punição imediatamente, mas pediu um adiamento até o Dia do Juízo. Embora Iblis jure vingança ao homem (por este ter sido o responsável pela sua expulsão), se tornado seu inimigo e prometido dividir seu destino com eles, ele não possui nenhuma autoridade sobre os homens, ao contrário do demônio cristão, dotado de extremo poder sobre a humanidade, com exceção dos cristãos (Mateus 4:24).

Sendo um Jinn Iblis tem o poder de criar ilusões para desviar os homens do caminho do sucesso eterno. Allah adverte a Iblis que isso irá causar sua precipitação ao inferno, junto com todos aqueles que forem desviados. Para proteger seus fiéis, porém, Allah manda anjos guardarem-nos. Sendo assim, Iblis apenas pode sugerir o mal aos homens, mas sendo estes dotados da escolha entre o bem e o mal, são os únicos responsáveis pelo caminho que seguirão. Nenhum ser pode forçá-los a fazer a escolha errada.

Shaitan e Iblis também são nomes utilizados por outra cultura: a dos Yezidi.

Os Yezidi (Yazidi, Yasdâni, Izadi) atualmente habitam regiões no norte do Iraque, nos arredores da cidade de Mosul, e pequenas comunidades localizadas na Síria, no sudeste da Turquia e no Irã.

A origem da palavra “Yezidi” ainda é muito discutida. Algumas hipóteses seriam que a palavra Yezidi se originou da palavra persa “îzed” que significa “anjo”, ou que é derivada de “yezad”, um termo da antiga linguagem iraniana que possui o mesmo significado, demonstrando a grande importância que a figura dos anjos ocupa na religião Yezidi, em especial Malak Ta’us.

Os Yezidi possuem duas escrituras sagradas, o Mes’haf i Resh (Livro Negro) e o Kitab el-Jelwa (Livro das Revelações). Em ambas Malak Ta’us (também chamado Shaitan, Melek Tawus, Azazil, Iblis e Ta’usi-Melek) se revela como um ser divino que rege sobre todos os outros seres divinos e sobre todas as criaturas do mundo, inclusive os seres humanos, o que pode ser constatado nos seguintes trechos: “No início Deus criou a Pérola Branca de sua mais preciosa essência; e Ele criou um pássaro chamado Anfar. E Ele colocou a pérola em suas costas, e lá habitou quatrocentos mil anos. No primeiro dia (da Criação), Domingo, Ele criou um anjo chamado Azâzil, que é Malak Tâwus (anjo pavão), o chefe de tudo…”; “Eu (Malak Tâwus) era, e sou agora, e continuarei a ser pela eternidade, governando sobre todas as criaturas…”.

Na crença Yezidi, Malak Ta’us foi o primeiro dos sete anjos emanados de Yazdan (o Deus Supremo), sendo os nomes dos outros seis: Dardâ´îl, Ishrâfâ´îl, Mikail, ‘Izrâ´îl, Samnâ´îl e Nûrâ´îl. Os Yezidi adoram Malak Ta’us ao invés do Ser Supremo por acreditarem que este não é mais uma força ativa: ele é o Senhor do Céu, o criador, que após criar a Terra não se importou mais com ela, deixando-a para Malak Ta’us governar. Sendo assim, Malak Ta’us é a representação da força ativa que age na Terra, é o Senhor do Mundo, e é a ele que devem se dirigir orações.

Por esta adoração ao anjo pavão, que também é chamado de Shaitan, os Yezidi são considerados por muitos como “Adoradores do Demônio”. Esta associação foi ajudada pelo fato de Malak Ta’us ter sido um anjo que caiu da graça de Deus por se recusar a se rebaixar perante Adão, como Deus havia pedido, mas ao contrário da mitologia cristã de Lúcifer e da mitologia islâmica de Iblis, ele foi perdoado através de seu arrependimento e recobrou sua posição original. Por isso os Yezidi afirmam que deve haver uma restauração assim como uma queda.

O Yezidismo não acredita em inferno. Em sua visão Malak Ta’us encheu sete jarros de lágrimas durante sua queda, que durou sete mil anos, e estas lágrimas extinguiram o fogo do inferno, ou serão usadas para extinguí-lo no final dos tempos. Malak Ta’us é um representante de Deus e não um Deus perverso. Malak Ta’us possui características duais dentro de si. Ele pode ser tanto o fogo que aquece como o que incendeia. Simultaneamente, todos nós humanos temos uma mistura destas duas forças: o bem e o mal. Todos possuímos Malak Ta’us dentro de nós.

Malak Ta’us é adorado na forma de uma escultura de bronze de pavão, denominado Anzal, “O Antigo”. Esta escultura é trazida para os adoradores na celebração anual mais importante da religião, que tem duração de sete dias, celebrada de 6 a 13 de outubro em Lâlish, ao norte de Mosul. Ela coincide com a antiga festa de Mithrâkân, que comemorava a criação do mundo por Mithra, o deus-sol.

A segunda festa mais importante é a comemoração do nascimento de Yezid, o suposto fundador do Yezidismo, podendo ser até mesmo o segundo maior Avatar do Deus Supremo, logo após Malak Ta’us. É uma festa de três dias, comemorada perto do solstício de verão (hemisfério sul)/inverno (hemisfério norte). Curiosamente esta data também pode ser comparada com o nascimento mítico de Mithra, celebrada no dia 25 de dezembro.

Egípcios 

No Livro dos Mortos encontramos o seguinte capítulo: “E Osiris Ani, do qual a palavra é a verdade, disse: Eu sou a serpente Sata cujos anos são infinitos. Eu descanso morto. Eu estou renascendo todos os dias. Eu sou a serpente Sa-en-ta, a habitante das extremas partes da Terra. Eu descanso na morte. Eu sou nascido, eu me torno novo, eu rejuvenesço todos os dias”.

Não vai ser difícil para o atento leitor perceber o porque da correspondência entre a serpente egípcia Sata com Lúcifer. Pudemos analisar na mitologia greco-romana um equivalente perfeito com a menção acima: Vênus em seu percurso, “renascendo” a cada anoitecer, e “morrendo” a cada amanhecer. Sata é o deus egípcio consorte de Sati (também chamada Setet). Barbara G. Walker possui em sua obra, The Women’s Encyclopedia of Myths and Secrets, uma passagem muito interessante a este respeito: “Os primeiros egípcios chamavam-no de a Grande Serpente Sata, Filho da Terra, imortal porque se regenerava todos os dias no útero da deusa. Um homem poderia se tornar imortal, como Sata, repetindo orações que o identificassem com o deus…”. Podemos encontrar aqui a nítida idéia de que para o homem se tornar um deus, deve contemplá-lo em si mesmo.

Sata também é considerado por alguns autores como um outro nome para o deus Set. Um ponto de equivalência entre ambos está no seguinte tópico: devemos lembrar que o correspondente de Set na Terra é o Falo, e a própria serpente, imagem de Sata, é um símbolo nitidamente fálico. Set é considerado como o arquétipo da consciência de si isolada, e talvez justamente por este motivo os períodos de maior popularidade do deus Set coincidiram com as épocas de maior desenvolvimento do Egito em todas as áreas. Set, porém, é representado celestialmente por Sírius ou Sóthis, a Estrela-Cão, ao contrário de Sata, representado por Vênus.

Representação do deus Seth

Set, por sua vez, foi transformado em Shaitan por seus adoradores que o levaram até a Suméria. Como citado por Grant, a invocação a Shaitan é realizada direcionada para o norte geográfico, pois embora ele seja considerado o Deus do Sul, no equinócio de inverno o Sol se volta em direção ao norte ao entrar na Constelação de Capricórnio, o que coincidentemente ocorre na religião Yezidi, sendo Shaitan adorado ao norte. Este fato nos mostra a influência da fonte original nesta filosofia, apesar de aparentemente ambas serem muito diferentes.

Mais uma vez, como todos os chamados demônios, os judeus e cristãos mudaram seu nome para Satã, e foi através destes que Shaitan se tornou um ser existente rival dos humanos. Porém, as origens e os propósitos deste nome nos é suficiente para entender o seu verdadeiro significado.

Espíritas 

A filosofia espírita está baseada na idéia da evolução como necessária para o alcance da sublimação. Esta evolução apenas pode ser alcançada através da conquista pessoal de cada um, e para isso existe um ciclo de reencarnações sucessivas que permitem aos espíritos se aprimorarem, corrigindo erros passados e conquistando novos méritos para serem somados à sua trajetória. Sendo assim, existem diversos graus de evolução nos quais os espíritos se encontram, sendo que mesmo o mais evoluído alguma vez já teve que passar por diversos níveis inferiores, os quais superou por suas ações.

Sob esta ótica é impossível pensar na existência de demônios como seres eternamente condenados à maldade e à perdição. Os espíritas acreditam na existência de espíritos “demoníacos”, cujas características são conseqüências de seu livre arbítrio e atual grau evolutivo, que porém não é eterno. A evolução pode demorar mais para alguns do que para outros (justamente pela existência do livre-arbítrio), mas é inevitável para todos. Tudo que vivemos e aprendemos não pode ser perdido. Desde a criação então até alcançarmos o grau máximo de evolução, sempre voltamos com alguma característica mais aprimorada adquirida durante nossa experiência anterior, o que nos auxilia na conquista de novas.

Qual seria então a visão sobre Lúcifer desta filosofia? Os espíritas não aceitam a visão cristã de Lúcifer por vários motivos, todos diretamente envolvidos com o que já foi dito acima. Milled Assed, em seu livro “Ovo de Colombo”, nos explica com maiores detalhes: “Pelo exposto acima, dá para sentir que a luz com que Lúcifer fora dotado graciosamente pelo Senhor de nada valera. Certamente porque não se tratava de uma conquista pessoal.

Sem o resguardo do esforço próprio em obediência a Lei dos méritos conferidos pela Evolução somos obrigados , sem outra alternativa admitir que a luz concedida por Deus a Lúcifer era falsa. Sendo falsa a luz de Lúcifer e seus asseclas (anjos) , daí perguntarmos se os anjos, arcanjos, querubins e serafins, teriam sido agraciados, também, com o mesmo tipo de luz que o Senhor dotara Lúcifer . Se assim for, é bem provável que o “Reino dos Céus” esteja sujeito a uma nova debandada ou revolta . Admitindo a hipótese que Deus houvera dotado de Luz a qualquer entidade, esta Luz , jamais permitiria ao seu portador qualquer espécie de sentimento inferior e muito menos apagar-se-ia como o acionar de um interruptor qualquer. O agraciamento de Deus , jamais seria provisório.”

A permissão da existência de um reinado oposto ao de deus, segundo o mesmo autor, só foi possível através da criação da mente humana, ainda imperfeita e muitas vezes infantil e maldosa. Realmente podemos ver nesta idéia a criação de um deus mais a semelhança do homem do que um homem criado a semelhança de deus, talvez para que a humanidade pudesse se sentir mais próxima e íntima dele. O fato é que, como comentado anteriormente, não haveria problema algum nesta idéia de deuses com características humanas, utilizada em larga escala pelas antigas religiões pagãs, se não fosse o mau uso dado a ela pelas grandes religiões monoteístas.

Escrito por Lilith Ashtart – For my Fallen Angel HP


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