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Por Lilith Ashtart
originalmente publicado no Nox Arcana volume 5
“Nada posso lhe oferecer que não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo além daquele que há em sua própria alma. Nada posso lhe dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo.”
(Herman Hesse)
Ao almejarmos nossa iniciação, devemos ter em mente que há etapas a serem cumpridas sucessivamente para alcançarmos de modo efetivo nossa meta. Jamais devemos desejar ou procurar pular estas etapas, pois serão cobradas posteriormente e, uma vez não transpostas em um grau anterior, se tornarão obstáculos capazes de arruinar todo o processo.
Sendo assim, não há etapas maiores ou mais importantes para desejarmos uma em detrimento de outra. Cada prova será equivalente e essencial ao grau de evolução em que nos encontrarmos, e por isso todas são iguais em intensidade no momento em que ocorrem. Não há chances de vitória ao entrarmos em uma guerra antes de termos aprendido a conhecer e utilizar nossas armas. É certo, porém, que quanto mais avançarmos no domínio de seu manejo, maiores serão os inimigos a serem enfrentados, e mais fatais os nossos erros.
Toda etapa é única. Apenas a total compreensão, controle e consequente superação dos ordálios encontrados nela nos fornecerão subsídios suficientes para a próxima, uma vez que estas virtudes serão constantemente exigidas. É nisto que reside seu caráter naturalmente seletivo: um conjunto formado por etapas interligadas e interdependentes em relação ao todo, porém ao mesmo tempo individuais e completas em suas particularidades. Desta forma, a superação de uma não significa a conquista do conjunto, e sim de uma parte imprescindível dele. Como consequência, a qualquer momento um indivíduo poderá cair perante uma etapa, mesmo que tenha tido sucesso nas anteriores, mostrando que sua natureza e o caminho escolhido não são compatíveis.
Isso ocorre pois os elementos que fornecem subsídios para se realizar tais superações apenas serão válidos se, no indivíduo em que se encontram, estiverem presentes como reflexo de sua essência. Os elementos em si mesmo nada significam se forem adquiridos de forma externa e artificial. Se faltar a base que os conduz corretamente e fornece suporte para sua execução, o que restará? É como possuir uma carruagem e um cavalo. Qualquer um pode se locomover utilizando este conjunto, porém para se conseguir chegar ao destino esperado é necessário, além de um prévio conhecimento de como manejá-lo, possuir força para comandar as rédeas. Qualquer destes fatores que falte, resultará no fracasso da intenção.
A onisciência, chave de tudo, somente desta maneira pode ser adquirida. Devemos nos conhecer, para que possamos viver e refletir nossa essência em sua plenitude, nos tornando quem realmente somos, não o que queremos ou querem que sejamos. Quando nos referimos à essência, estamos nos referindo a algo fixo, imutável, uma herança de nossa origem primordial que trazemos em nosso interior, mas que, embora não possamos modificá-la, podemos ou não aceitar vivenciá-la plenamente. Ao a descobrirmos e iniciarmos a refleti-la em nossas vidas nos aproximamos cada vez mais da reunião com nosso princípio criador; pois, assim como o ar que está preso na molécula de água tenciona voltar a seu estado gasoso original quando esta se romper através de um processo de transformação, a evaporação, assim nossa essência tenciona voltar ao seu lugar de origem, o que também apenas pode ser conseguido através de um processo de transformação nosso, já que, contida em nós, necessita deste meio para ser liberta ao nos tornarmos, no fim do processo, a ela própria.
A natureza, ao contrário da essência, é neutra: possui ambos os princípios criativos em si, e por isso não tenciona a nenhum deles em particular. Possuindo a ambos e não sendo nenhum, para ela não há distinção ou preferência no que refletirá, já que é imparcial, e o reflexo será puramente a essência do que está diante do espelho. Não possuindo intenção, ele reflete cada um exatamente da forma que é, independentemente do que deseje ou tente aparentar ser, revelando nossa essência através das provas que encontramos em nossa jornada e que surgem de nossos próprios atos. Por isso não adianta tentarmos nos fantasiar de reis se somos escravos que não sabem comandar… as provas exigidas para confirmar tal direito revelariam nossa máscara. É como se a cada batalha perdida tivéssemos que retirar uma parte de nossa fantasia, que ilusoriamente tentava enganar o espelho, e com isso fôssemos mostrando aos poucos nossas marcas e traços de escravos, até que nos revelaríamos como sendo um… mesmo ao vestir uma fantasia diante do espelho, este jamais deixa de refletir o ser que há por detrás dela. Necessitamos ousar: quebrar nossas barreiras, transcender nossas limitações, se libertar das amarras que nos resumem e restringem a um ser humano comum, ao invés de nos permitir viver como deuses que somos, caso a divindade realmente se encontre intrínseca a nós.
A compreensão do Universo e consequente controle sobre o mesmo apenas pode se tornar possível após esta verdadeira iniciação, onde o profano dá lugar ao sagrado. O profano sempre estará presente de forma convidativa em nossa jornada, e o humano comum acaba por se entregar facilmente a ele, pois procura por prazeres e recompensas imediatas. Viver o que não faz parte de nossa essência gera conflitos internos que, por não serem compreendidos e sanados, acabam por sua vez gerando sofrimento e dor. É através do início da percepção destes conflitos que iniciamos nosso caminho, rumo a sua compreensão e superação. Os ordálios que se encontram nas diferentes etapas têm justamente esta função de nos testar, nos aprimorando sempre a um nível mais elevado. O que devemos ter sempre em mente é a meta almejada, o que nos auxilia a evitar nos desviarmos do caminho, e a consciência de que não poderemos medir esforços durante o percurso para superar as pedras que nele se encontram, tentando impedir a passagem e nos derrubar, nos machucando por muitas vezes. Devemos matar o que nos tornaram, para então termos o direito de renascermos e sermos conhecedores da verdadeira Vida.
Não podemos nos deixar escravizar e influenciar por nosso redor; nós é que devemos dominá-lo, para usufruirmos dele da maneira que nos for conveniente, quando desejarmos. A vida nos é dada como um veículo para nossa evolução e consecução da Grande Obra. Consequentemente, devemos direcionar todos nossos atos rumo a estes objetivos, sempre focalizando neles. A Vida é nossa própria iniciação. Acúmulos estéreis de conhecimento para nada servem se não forem aplicados, a não ser para sobrecarregar ainda mais a máscara de quem os adquiriu. Toda teoria deve ser sentida, vivenciada na prática; é aí que sua veracidade se revelará.
Sendo assim, a cada um cabe sua escolha: somos os únicos responsáveis por nossos atos, e colheremos exatamente o que plantarmos.
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