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A Sombra Branca: Como o diabo engana os satanistas

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“Oh no! I am all the things they said I was.” – Wormboy, Marilyn Manson

O arquétipo da Sombra é por definição um arquétipo traiçoeiro. Não porque não podemos confiar nele, muito pelo contrário, se há alguém em quem você pode confiar é no lado sombrio dos seres humanos. Mas a Sombra é traiçoeira porque muitas vezes, quando você acha que já a entendeu completamente é porque na verdade está brincando em uma casa de espelhos e confundiu a porta da saída com um espelho ainda maior. O Satanismo advoga a ambivalência, ou seja a consideração de todos os aspectos da vida ao invés de cair na armadilha do dualismo apregoado pelas religiões dominantes. Nele a Sombra é simbolizada pela figura de Satã, tradicionalmente conhecido como a personificação de tudo o que deve ser evitado pelo homem santo.

O dualismo das doutrinhas das antigas religiões ensina que apenas uma parte do ser humano é aceitável. Alimentando o sentimento de culpa e alicerçado em alguma moral dogmática os livros sagrados ensinam que uma boa parcela da sua essência é pecaminosa e que portanto deve ser extirpada. Este mecanismos tem uma grande importância no controle das massas e remonta ao Zoroastrismo, religião fundada na Pérsia por Zoroastro que pregava um mundo dividido por duas divindades: uma boa, chamada Ahura Mazda e outra má, de nome Ahriman. A idéia evoluiu nas religiões seguintes, no judaismo a divisão entre o que é lícito e o que é ilícito foi muito bem detalhada e chegou ao ápice no cristianismo com seus eunucos e enclausuradas.  O trecho abaixo, retirado no Evangelho é emblemático:

“Se vossa mão ou vosso pé é  motivo de escândalo, cortai-os e atirai-os longe de vós; é bem melhor para vós que entreis na vida não tendo senão um pé ou uma só mão, do que terdes dois e serdes lançados no fogo eterno. E se vosso olho vos é motivo de escândalo, arrancai-o e lançai-o longe de vós; é melhor para vós que entreis na vida não tendo senão um olho, que terdes os dois e serdes precipitados no fogo do inferno”. (Mateus 5:29-30)

Mesmo que seja uma figura de linguagem, cortar os pés e mãos e arrancar os próprios olhos é um jeito de dizer que você deve odiar a si mesmo. Quando o indivíduo aceita os padrões idealizados que a sociedade e a religião lhe impõe, passa a rejeitar todos os traços de personalidade, tendências, memórias, desejos e experiências que classifica como errados. De fato, esta pessoa está se mutilando. Agir desta forma é reprimir a própria consciência e trancar no porão um membro indesejável. Mas é no porão que crescem os monstros.

Este monstro aparece em sonhos como seres fortes e perversos ou animais fora de controle. Ele urra e enfia os dedos pelas frestas do chão que dá acesso ao porão. E quanto mais ignoramos seus gritos, mais perigoso e forte ele se torna. Nestes casos é comum que as pessoas projetem estas mesmas qualidades indesejáveis nos outros sem se dar conta do que estão fazendo. Note que na maior parte das vezes as pessoas criticam aspectos que se olharem com atenção estão claramente presente em si mesmos. Quer conhecer verdadeiramente uma pessoa? Pergunte o que ela odeia nos outros.

Por outro lado quanto mais o Monstro é aceito e convidado a se juntar a família, menos ele pode dominá-la. Em geral o satanista tem sucesso ao usar a alquimia negra para não ser ludibriado por valores alienígenas e com a aceitação de seu lado sombrio consegue um equilíbrio sadio. Neste processo o ponto mais importante a entender é que aceitar a Sombra significa entender que ela nunca será eliminada. O Monstro sempre será uma parte integral de nossa personalidade. Uma pessoa que não aceita a própria Sombra é um ser doente, mas se fosse possível um indivíduo existir sem qualquer Sombra, ele dificilmente seria reconhecido como um ser humano. Seria uma pessoa incompleta, um rascunho sem profundidade que soaria altamente artificial.

Quando imaginamos ter compreendido a Sombra, é neste momento que estamos sendo enganados por ela. O Monstro mudará de forma assim que for iluminado simplesmente porque esta é sua natureza. Lidar com ele não é só uma questão apenas de abrir a porta do porão, mas é um processo diário que dura a vida toda. A figura se assemelha a da lendária Hidra de Lerna do imaginário grego.

A Hidra é um dragão fantástico filho de Tifão e Equidna, que por sua vez também são dois monstros. Ela habitava um pântano, como é de se esperar de um ser mitológico afinado ao lado sombrio. Possuía nove cabeças de serpente. (9 o número do ego!) e o mais interessante é que cada uma desta cabeças se regenerava ao ser decepada, tornando a HIdra um inimigo poderoso no combate. Segundo algumas versões da história a cabeça não apenas se regenerava, mas cresciam duas cabeças novas no lugar da primeira. Da mesma forma assim trabalha a Sombra, sempre que você imagina a ter vencido, é porque ela está mais forte do que nunca.

É neste ponto que eu queria chegar. Tenho convivido com muitos satanistas e posso dizer que entre eles é comum a ilusão de que o Monstro foi aceita e que portanto este é um problema superado. O que tende a acontecer na verdade é que a Sombra tende a assumir formas mais sutis e refinadas e portanto passa ignorada por aqueles que acreditam tê-la dominado quando na verdade o cavaleiro está de novo sendo cavalgado. Acontece que os satanistas, principalmente os iniciantes podem cair na velha armadilha do dualismo e ao invez de aprender a conviver com seu lado sombrio, acabam apenas renegando seu lado luminoso.

Nós, os adeptos do caminho da mão esquerda também temos nossos valores. Louvamos a força, a pro-atividade e a independência. Assim, é fácil entender que corremos o risco de fazer a fragilidade, a indolência e o instinto gregário se convertam naquilo que eu chamo de Sombra Branca.

Em sonhos, a Sombra Branca, que no fundo é ainda a mesma Sombra não tem mais seu aspecto agressivo e combativo, mas ainda se manifesta, frequentemente como um anão, vermes, mendigos ou qualquer outra figura que a pessoa considere de categoria mais baixa. E alguns casos a pessoa começa a viver uma forçosa pose “maligna”, como bem vemos em alguns casos de fãs de bandas de death metal e passa então ser uma mera inversão de papéis. Outro sintoma claro de sua presença é quando o Satanista, iludido pelo dualismo sente um ódio irracional por pessoas que se comportam segundo aquilo que ele despreza, em especial os adeptos fiéis de outras religiões.

A alquimia negra é mais complexa do que parece num primeiro momento. Muitas vezes pensamos que estamos em um contato íntimo com a Sombra, mas estamos em contato apenas com uma projeção da personalidade. Uma pista que me foi ensinada por meu irmão em Satã, Lord Ahriman é que a Sombra, no início é dolorosa. Não consiste em simploriamente aceitar aquilo que a sociedade condena. Esta é apenas outra maneira de ser explorado. Em vez disso o progresso real acontece apenas pelo trabalho constante de autoconhecimento e observação interior. Exige um olhar para dentro de nós mesmos e uma reflexão honesta sobre aquilo que enxergamos. Ser amigo do Diabo é acostumar-se com a traição.

Morbitvs Vividvs

Morbitvs Vividvs é autor de Lex Satanicus: O Manual do Satanista e outros livros sobre satanismo.


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