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por Morbitvs Vividvs
O Satanismo é sobre amar a si mesmo acima de todas as coisas, certo? Certo. Então seria justo dizer que ele é uma espécie de narcisismo elevado à categoria de filosofia? Errado. Redondamente errado. Pensar assim é não entender nem a essência do Satanismo Moderno, nem o que está por trás do comportamento narcisista. Mas ela levanta uma questão importante: qual o espaço da empatia dentro do satanismo?
Antes de seguirmos, é preciso dizer: o Satanismo é, sim, uma filosofia que celebra o ego. Como Anton LaVey cravou em sua Bíblia Satânica: “Eu sou meu próprio redentor”. Nada de deuses ou demônios para adorar. No Satanismo, o indivíduo é o centro do seu próprio universo. Mas o buraco é mais embaixo. Quando LaVey formulou a doutrina do Satanismo moderno, ele não estava fundando um clube de egomaníacos. Ele estava desenhando uma filosofia para quem queria viver com autenticidade, para quem estava disposto a enfrentar o mundo a si mesmo, encarar seus desejos de frente e, mais importante, reconhecê-los sem culpa. A chave está aí: o Satanismo celebra o amor próprio, sim, mas não promove o narcisismo. A diferença? O narcisismo não ama a si mesmo, ama a atenção que recebe.
Não é por acaso, portanto que o satanismo por vezes atraia narcisistas, às imagens que usamos são fortes e falam com porções antigas e poderosas da nossa natureza e fortalecidas por séculos de marketing agressivo. Mas via de regra, os satanistas não usam essas imagens para aparecer, mas para si mesmos, especialmente dentro da câmara ritual onde a magia acontece. Já os narcisistas usarão essa mesma imagética para causar polêmica e atrair a atenção dos desavisados. Estes contudo duram pouco, não são satanistas por muito tempo, pois há algo de autodestrutivo no comportamento narcisista. Se não há um rosto por baixo para apoiar, não há máscara que dure muito tempo.
O ponto é que a palavra “narcisista” é mal compreendida hoje em dia. Usamos ela para falar de quem “ama muito a si mesmo”. Só que as coisas não são bem assim. O narcisista verdadeiro, ou melhor a pessoa com Transtorno de Personalidade Narcisista é alguém que não consegue amar a si próprio – porque, nunca desenvolveu um eu forte o suficiente para amar. Seja por abandono ou por excesso de atenção na infância, não desenvolveram um ego saudável, um núcleo interno sólido que possa sobreviver por si só. Então o que ele faz? Ele se alimenta da adoração externa e projeta uma imagem para o mundo que seja grandiosa o suficiente para merecer a atenção dos outros. Só que essa imagem não passa de um castelo de ilusões. Uma ilusão que começa a ruir assim que as pessoas desviam o olhar.
Pense em Narciso, o personagem mitológico que dá nome ao transtorno. Ele não amava a si mesmo. Ele amava seu reflexo, sua imagem projetada. E, quando o reflexo sumiu, morreu. É por isso que o narcisista vive em função dos olhares alheios. Ele é escravo da validação externa. Uma vez fora do palco, a máscara cai, o vazio aparece, e o sofrimento começa.
Agora compare isso com os satanistas de verdade. Amor-próprio não tem nada a ver com aplausos, não precisamos de plateia. Para o satanistas, seu ego é autossuficiente. Ele não grita suas vitórias ao mundo nem dramatiza suas derrotas para atrair compaixão. Vive para ser autêntico, não para impressionar. A Segunda Regra Satânica da Terra deixa isso claro: “Não conte seus problemas aos outros, a menos que esteja certo de que eles queiram ouvir.” O narcisista grita suas misérias e dramas para todos; o Satanista, ao contrário, escolhe seus interlocutores e, frequentemente prefere o silêncio.
No Satanismo, o egoísmo é racional. Colocamos nossas necessidades em primeiro lugar, sim, mas sempre conscientes das consequências dos nossos atos. Sabemos e aceitamos que somos animais, mas também que somos animais sociais. Isso significa que nossa liberdade individual tem limites. Reconhecer esses limites – os próprios e os dos outros – é o que separa o egoísmo racional da egolatria descontrolada típicos do transtorno narcisista.
O narcisista, ao contrário, é prisioneiro de sua própria fachada. Como apontou Lord Ahriman em Egolatria: A Síndrome da Peneira Furada, ele é um egomaníaco cego, descontrolado e frequentemente autodestrutivo. Incapaz de ser fiel a si mesmo, ele troca de identidade como quem troca de roupa, em busca da validação perdida. E, no fundo, ele vive numa narrativa de vítima. É sempre “ele contra o mundo”, o coitado incompreendido. Essa postura é justamente o que LaVey condena na Bíblia Satânica, no capítulo “Nem todos os vampiros sugam sangue”. Ali, ele destrói a ideia do coitadismo. Mas Satanistas preferem cortar o mal pela raiz: identificar quem ou o que te atrapalha e eliminar isso da sua vida. Sem dramas, sem choradeira.
A diferença fundamental entre o Satanista e o narcisista pode ser vista também no Quinto Pecado Satânico: “Falta de perspectiva”. O narcisista é míope. Ele só enxerga a casca de ovo que são seus personagens. Não há profundeza porque ele nunca aprendeu a olhar para dentro. Já o Satanista sabe que o ego é apenas o ponto de partida. Ele entende que existem outras pessoas no mundo, cada uma com seus próprios desejos, limites e vontades. Isso não significa que o Satanista é altruísta. Significa apenas que ele é inteligente o suficiente para equilibrar o ego com a realidade.
Lidando com Narcisistas na Prática
Então surge a pergunta. Como lidar com os Narcisistas sem se fechar para o mundo. A Teoria dos Jogos, tem algumas ideias a esse respeito que podem ser aproveitadas. Pegue a estratégia Tit for Tat, por exemplo, que significa literalmente “Tapa por Tapa”). Ela foi amplamente estudada pelo matemático Anatol Rapoport nos anos 80. A ideia é simples: frente a uma nova pessoa você inicialmente começa cooperando e depois replica o comportamento do oponente (cooperando ou retaliando). Essa estratégia se destacou como eficaz no Dilema do Prisioneiro Iterado, porque equilibra reciprocidade e colaboração. Para o narcisista, que está sempre em busca de controle e validação, isso funciona como um espelho incômodo: ele tenta te manipular, e você reflete o comportamento de volta, sem rancor, mas com firmeza. Tit for Tat é uma estratégia se revelou estatisticamente vencedora para Anatol Rapoport, mas os satanistas a conhecem com outro nome. É a famosa Lei de Talião “olho por olho, dente por dente.” Como está no Livro de Satan:
Ame teus inimigos e faça o bem a eles, que te odeiam e te usam – não é esta a filosofia do covarde que rola e esconde a cabeça quando é chutado?
Odeie seus inimigos com todo o seu coração e se um homem lhe bater em uma das faces ESMURRE ele na outra!; acerte ele com força e sem piedade pois a auto preservação é a maior das leis!
Aquele que oferece a outra face é um cão covarde!
Outra estratégia menos conhecida que a Teoria dos Jogos apresenta é a Grim Trigger, ou Gatilho Sombrio. Ela foi estudada por John Nash, famoso por formular o Equilíbrio de Nash. Novamente você começa colaborando, abrindo-se para potenciais amizades até que o oponente traia uma vez; a partir daí, pune perpetuamente, nunca retornando à cooperação. A ideia aqui é que, depois de uma traição do outro jogador, você simplesmente corta todos os laços. Sem drama, sem chororô. No Grim Trigger você se recusa a continuar jogando com o inimigo. O narcisista, que vive para manter sua fachada, não suporta essa desconexão total. Corte todo contato e faça um bom ritual de destruição para matar qualquer resquício dele em seu universo interior.
Essas estratégias parecem cruéis em um mundo que estimula as pessoas a perdoarem tudo e aguentarem todo tipo de maltrato, mas são elas que tornam o jogo justo. Jogar o jogo com inteligência, sempre consciente de que a confiança, nesse tabuleiro, é o recurso mais valioso que você pode oferecer – e também o mais caro para recuperar.
Dito tudo isso, precisamos evitar cair na armadilha da demonização. Narcisistas não são um tipo de monstro e estão longe de ser super-vilões. São na verdade pessoas doentes. Pessoas que por um histórico infeliz foram engolidas por um transtorno mental. A melhor forma de superar este engano é entender que o narcisismo é no fundo um espectro. Todos nós temos traços narcisistas, e alguns desses traços são, na verdade, bem saudáveis. Projetar uma imagem de autoconfiança, por exemplo, não é ruim. Querer reconhecimento pelos seus feitos também não é. Essas coisas nos motivam a viver em sociedade, buscar realizações e a estabelecer limites pessoais. O problema aparece quando atravessamos a linha entre o narcisismo funcional e o patológico.
A chave para evitar essa armadilha está na empatia. Não uma empatia universal e ingênua que nos faz esquecer de nós mesmos, mas também não uma apatia ao outro que nos isole do mundo e das pessoas. Busquemos alguma coisa no centro, no meio caminho entre a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal: Uma empatia inteligente que possa nos manter conectados com os outros e com a realidade.
E, se você acha que empatia não combina com a imagem de Satã, é porque talvez nunca tenha lido Paraíso Perdido, de John Milton. Logo no início, Satã, recém expulso do Céu, demonstra uma profunda preocupação com os anjos caídos. Ele os chama de “companheiros na perdição” e reconhece a dor coletiva da queda. Satã, na obra de Milton, não é um psicopata insensível. Ele tem empatia pelos outros, entende a gravidade de suas decisões e promete liderar seus seguidores com lealdade. Essa leitura de Satã é poderosa. É uma lição de que o verdadeiro autoconhecimento exige equilíbrio entre o ego e a empatia. E, no fundo, é isso que diferencia o Satanista do narcisista: o primeiro é senhor de si; o segundo é escravo dos outros.
Então aqui vão algumas lições inspiradas no Satã de Milton que valem tanto para Satanistas quanto para quem quer escapar das armadilhas do narcisismo:
1. Aceite a si mesmo
A empatia começa consigo mesmo. Não adianta tentar fugir do monstro que vive dentro de você, porque, quanto mais você corre, mais ele cresce. Negá-lo é o mesmo que deixá-lo agindo nos bastidores, projetando sua sombra sobre os outros. Sabe aquela pessoa que você odeia com todas as forças, que desperta em você um desprezo quase visceral? Se olhar com atenção para ela é bem provável que encontre algo sobre si mesmo. Odiamos nos outros o que odiamos em nós. Reconheça isso. Aceitar suas imperfeições não é fraqueza; é o primeiro passo para lidar com elas.
2. Atenção ao segundo ato
A vida é um palco e é normal que as pessoas criem personagens. Mas se o diabo está nos detalhes, como dizem, então é no segundo ato que eles aparecem. Só que, muitas vezes, não queremos ver. Decidimos as coisas no calor do momento e bloqueamos qualquer sinal de que talvez tenhamos julgado mal. O problema disso? Perder a chance de ser surpreendido.
3. Entenda o contexto das pessoas
Quando você pisa no pé de alguém, a explicação é automática: “Foi um acidente, eu estava distraído.” Mas, quando alguém pisa no SEU pé, a conclusão é imediata: “Que canalha! Que monstro insensível!” Isso é o famoso erro de atribuição fundamental: a tendência de atribuir os erros alheios a falhas de caráter e os nossos próprios às circunstâncias. É uma armadilha mental universal e extremamente perigosa.
4. Olhe além dos rótulos
Rótulos são atalhos para simplificar o mundo. Eles são úteis quando você precisa falar com o médico e não com o advogado, mas são perigosos se usados indiscriminadamente. Quando reduzimos pessoas com etiquetas cobrir nossa visão com uma única característica ou o nome de um grupo que pertencem. E aqui está a ironia: quanto mais desumanizamos os outros, menos humanos nos tornamos.
5. Seja seletivo na empatia
Ser empático não significa que você precisa ser mártir. É perfeitamente aceitável – e necessário – ser seletivo. Se você vê alguém em um buraco, é louvável estender a mão. Mas, se essa pessoa tenta te puxar para dentro, solte a mão imediatamente. Isso não é crueldade; é autopreservação. Lembre-se sempre das estratégias Tit fot Tat e Grim Trigguer mencionada acima. Em especial nunca tente esclarecer, consertar ou “curar” um narcisista profundo. Esse é o trabalho de um terapeuta, não o seu.
Por fim, esqueça a ideia romântica de “compreender completamente o outro”, a verdade é que isso é impossível. Você nunca saberá, de fato, como é ser outra pessoa. Nunca verá o mundo pelos olhos dela, nem sentirá suas dores do jeito que ela sente. Substitua essa ingenuidade pela ideia de que todo ser humano é complexo e misterioso. Reconhecer o abismo de profundidade das outras pessoas é também reconhecer a profundidade de si mesmo.
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