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O Confronto Final de Ishtar com “O Homem”

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Texto de G. B. Marian. Traduzido por Caio Ferreira Peres.

Como A Profecia III: O Conflito Final pode ser lido como uma alegoria da deusa Ishtar e Sua rivalidade com o espírito da tirania humana.

A Profecia III: o Conflito Final (1981)[1] é a segunda sequência da obra-prima de 1976 de Richard Donner, A Profecia. Eu gosto da trilogia original de A Profecia em sua totalidade, mas O Conflito Final é a única parte que me impressionou mais. Esse filme também me faz pensar na deusa acadiana Ishtar, que é uma das muitas parceiras românticas de Set e a segunda divindade mais importante para mim pessoalmente.

Caso você nunca tenha assistido a A Profecia ou sua sequência inicial, Damien: A Profecia II (1978), aqui está uma breve recapitulação de seus eventos. O original de 1976 é sobre um político americano chamado Robert Thorn (interpretado por Gregory Peck) que descobre que seu filho morreu enquanto sua esposa Katherine (Lee Remick) estava dando à luz. Um padre católico convence Thorn a adotar um órfão que nasceu ao mesmo tempo, no mesmo hospital. Robert concorda, e os Thorns partem com o bebê recém-nascido (e sem que Katherine saiba de sua verdadeira ascendência). Mas à medida que a criança, Damien, cresce, coisas estranhas começam a acontecer. Uma das babás se enforca na frente de toda a sua festa de aniversário. Uma nova e assustadora babá aparece para tomar o lugar da anterior. Um padre maluco persegue e assedia Robert. Um grande cachorro preto começa a rondar a casa dos Thorn. Um fotógrafo (David Warner) tira fotos proféticas da morte de pessoas. E a pobre Katherine fica aterrorizada com a criança que supostamente é seu filho. Tudo isso leva Robert a visitar Roma, um monastério em Subiaco e uma escavação arqueológica no vale de Megido, onde ele descobre que Damien é realmente o filho de Satã e só pode ser morto com esses artefatos místicos chamados de Sete Adagas de Megido.

O que se segue é a representação mais perturbadoramente simpática de uma tentativa de infanticídio que já foi filmada. Infelizmente, Robert só consegue ser morto quando tenta impedir o apocalipse (spoilers!), e Damien é então adotado por seu tio Richard (William Holden) em Damien: A Profecia II. Agora um adolescente, Damien (Jonathan Scott-Taylor) não se lembra de nada do que aconteceu com ele ou com seus pais no primeiro filme. Ele também é o melhor amigo de seu primo Mark, que é mais como um irmão para ele. Damien e Mark frequentam uma escola militar, onde o sargento (Lance Henriksen) ensina Damien sobre sua verdadeira identidade. Enquanto isso, um repórter intrometido tenta convencer o tio Richard da verdade, o que leva a uma série de mortes cada vez mais exageradas. (Minha favorita é a do cara que é serrado ao meio por um cabo de elevador. Verdadeiramente clássico). Por fim, Damien assume seu papel predestinado e elimina tudo o que resta de sua árvore genealógica para que possa ser o único herdeiro da fortuna da família Thorn.

A Profecia é um show de terror perfeito do início ao fim, e é tão assustador quanto as pessoas dizem. O roteiro não perde tempo e vai direto ao assunto, e as atuações de cada um dos atores são dignas de um Oscar. Mas também é o meu filme menos favorito da trilogia, pois Damien é apenas um personagem periférico na história. É verdade que isso é exatamente o que torna o filme tão assustador; Damien permanece completamente estranho tanto para seus pais quanto para o público até o fim, e é sempre mais fácil ter medo de algo quando isso faz parte do desconhecido. Mas acho Damien: A Profecia II muito mais interessante, porque é o primeiro filme já feito que realmente nos coloca dentro da cabeça do Anticristo. Quando Damien descobre que é a Grande Besta, ele fica tão horrorizado quanto todo mundo; mas o momento mais poderoso é quando seu primo Mark descobre e confronta Damien sobre sua verdadeira identidade. Mark ameaça contar a todos, e Damien relutantemente usa seus poderes para provocar um aneurisma cerebral em Mark. Quando Mark cai morto, Damien dá o grito de desespero mais convincente que já ouvi de um personagem em qualquer filme. Essa cena sempre me faz chorar um pouco quando a vejo, porque Jonathan Scott-Taylor realmente a interpreta muito bem. Damien: A Profecia II é bastante derivado do primeiro filme, mas merece crédito pelo menos por uma coisa: o personagem Damien foi escrito com perfeição.

Um cartão de entrada para o filme.

Em A Profecia III: O Conflito Final, Damien já é um adulto de 30 anos e é interpretado por Sam Neill. Ele agora é o proprietário da Thorn Industries, uma empresa multibilionária que revolucionou o setor de alimentos e que está trabalhando para resolver a crise mundial da fome para sempre. Damien também é a primeira escolha do presidente dos EUA para embaixador na Grã-Bretanha (depois que o atual é possuído por um cão negro demoníaco e explode seus miolos). Damien é o favorito da Grã-Bretanha porque ele tem um texto apócrifo totalmente fictício chamado “Livro de Hebron”, que profetiza que Jesus reencarnará na velha e alegre Inglaterra a qualquer momento. (Talvez eles não tivessem o orçamento para fazer uma Segunda Vinda adequada, com Jesus Cristo voando do céu?) Mas depois de se estabelecer do outro lado do lago, Damien se apaixona por uma repórter chamada Kate Reynolds (Lisa Harrow); em seguida, esses monges católicos em um mosteiro em Subiaco, na Itália, encontram as Sete Adagas de Megido e tentam assassiná-lo. Isso leva a uma série de tentativas de assassinato hilariantes e incompetentes que farão você balançar a cabeça em descrença. Enquanto isso, Jesus nasce de novo em algum lugar (você viu o que acabei de fazer?), mas ninguém sabe onde. Para sua sorte, Damien sabe que o nascimento coincidiu com uma estranha convergência astronômica que ocorreu algumas noites atrás, então ele envia seus adoradores para assassinar todos os bebês do sexo masculino da Inglaterra que nasceram nesse período. Então, Kate Reynolds descobre o que todos nós já sabemos sobre Damien, e o Conflito Final começa de fato.

A atração número um desse filme, e a razão mais importante para alguém assisti-lo, é Sam Neill; ele é literalmente o melhor Anticristo que já vi em qualquer filme. Esqueça Michael York, Nick Mancuso, Gordon Currie ou qualquer outro que tenha interpretado a Besta nos filmes exibidos na Trinity Broadcast Network; o desempenho de Sam Neill aqui é o padrão ouro. Em vez de interpretar Damien como um vilão bidimensional de desenho animado, ele o interpreta como se fosse o herói do filme. Ele traz tanto carisma e charme ao papel que consegue fazer com que Damien seja extremamente simpático, mesmo quando está ordenando a morte de centenas de recém-nascidos. Todos que conheço que assistiram a A Profecia III: O Conflito Final acabam torcendo por Damien de alguma forma (mesmo sabendo que não deveriam) e não conseguem evitar a decepção com o final. (Mais sobre isso em um minuto.) A única outra atuação comparável a essa é a de Sir Anthony Hopkins como Dr. Hannibal “o Canibal” Lecter em O Silêncio dos Inocentes (1991). Se houver um Anticristo e ele tentar dominar o mundo, é melhor rezarmos para que ele não seja como Sam Neill nesse filme – caso contrário, poderemos realmente querer que ele assuma o controle.

A novelização do filme de 1981, A Profecia III: O Conflito Final, por Gordon McGill.

Em uma cena, Damien e Kate caminham por um parque e veem um dos monges, que está em uma soapbox[2], pregando. Damien percebe que o monge está olhando diretamente para ele e imediatamente sabe que o cara está aqui para matá-lo. Então, ele começa a examinar a área como um falcão – sem dizer uma palavra sobre suas preocupações a Kate – e parece realmente preocupado. Ele está preocupado com ele mesmo ou com a segurança de Kate, caso haja uma emboscada? Depois, há outra cena em que Damien vai trabalhar logo após o nascimento do menino Jesus. Ele ficou acordado a noite toda porque pressentiu o nascimento, e Kate o encontra no elevador, perguntando se pode tentar entrevistá-lo novamente. (Sua última tentativa foi frustrada por outro assassino.) Damien sorri e concorda, e ela vai embora; em seguida, ele entra no elevador, suspira e deixa os ombros caídos. Gostaria de lembrá-lo de que esse personagem deveria ser o Übermensch de Friedrich Nietzsche, com uma vasta gama de poderes sobrenaturais; no entanto, Neill dá um jeitinho de introduzir todos esses breves toques humanos – um olhar de preocupação genuína, um suspiro cansado – e realmente nos faz nos importar com esse bastardo maligno e podre…

Detesto estragar o final desse filme para quem ainda não o viu, mas, acredite, você provavelmente vai querer saber sobre isso ao entrar no filme. Por alguma razão, pensei que o filme terminaria com um grande confronto entre Damien e Jesus; certamente, esse seria o “Conflito Final” que todos estavam esperando, certo? Eu sabia que as coisas não terminariam bem para a Besta, mas imaginei que pelo menos haveria algum tipo de extravagância de efeitos especiais. O filme termina com Damien sendo conduzido a uma armadilha por Kate, que o apunhala pelas costas com um daqueles punhais Megido. Então Damien sai mancando, amaldiçoa Jesus e morre imediatamente. Música de fundo, créditos finais. Quando vi isso pela primeira vez, fiquei muito irritado. O filme tinha feito um excelente trabalho para me manter na ponta da cadeira nos primeiros 90 minutos, mais ou menos; mas começou a perder o fôlego rapidamente nos últimos 20 minutos, e aquele final não parecia justo. Eles tiveram todo aquele trabalho árduo para construir esse personagem magnífico e essa enorme batalha final que ele terá, e o que eles nos dão? Sam Neill sendo apunhalado pelas costas (literalmente) pela mulher que ele ama. Quer dizer, o que diabos eles estavam pensando? Eu queria ver Damien e Jesus fazendo “Hell in a Cell”[3] com essa merda!

Um cartão de entrada adicional para o filme, com Lisa Harrow como “Kate Reynolds” no centro.

Mas assisti a A Profecia III: O Conflito Final inúmeras vezes desde a primeira vez, em 1999, e acho que descobri o que eles realmente queriam. Vamos considerar que esse filme não foi feito por cristãos evangélicos uma conta a acertar com a religião; se tivesse sido, eles teriam mantido as coisas o mais próximo possível de suas escrituras.[4] Consideremos também o fato de que nenhum dos homens cristãos declarados nesse filme pode deter Damien; diabos, nem mesmo o próprio Jesus pode detê-lo! O único personagem que de fato representa uma ameaça real e substancial ao Anticristo é (1) uma mulher, (2) uma cética, (3) uma feminista e (4) uma mãe solteira. Em outras palavras, ela é exatamente o tipo de pessoa que o cristianismo conservador sempre procurou desempoderar. O verdadeiro “Conflito Final” aqui não é entre Cristo e Satã; é entre a violência religiosa masculina (perpetuada por cristãos e satanistas) e uma mulher secularista que só quer que a violência acabe. Observe que, embora Kate zombe do cristianismo em vários momentos do filme, ela respeita seu direito de existir; e embora ela acabe mandando Damien de volta para o inferno, fica claro que ela preferiria resolver as coisas e compartilhar uma vida com ele de alguma forma. Kate também é a única personagem que comete um ato de violência por motivos puramente pessoais. Os monges querem matar Damien porque ele é a Besta, e Damien quer matar o menino Jesus porque ele é Jesus; ambos os lados são motivados por preocupações puramente ideológicas. Mas quando Kate esfaqueia Damien, é porque ele acabou de assassinar o filho dela. (Peter é morto acidentalmente por um dos monges quando Damien o usa como escudo humano; o pobre garoto está literalmente preso entre dois fanáticos religiosos). Com tudo isso em mente, agora acho que o clímax desse filme é muito mais ousado do que eu pensava originalmente.

Eu costumava pensar que a conclusão desse filme era apenas um exemplo de roteiro preguiçoso, mas, com o passar dos anos, percebi que A Profecia III: O Conflito Final nos dá várias dicas de como ele terminará. Em uma cena, um dos “Discípulos da Patrulha” de Damien o aconselha a ficar longe de Kate. “Eu decido quem é perigoso e quem não é!” grita Damien com raiva, revelando o fato de que ele mesmo se sente inseguro em relação a Kate. Mais tarde, Kate cai em um rio e quase se afoga na casa de Damien. Ele hesita antes de resgatá-la (como se sentisse que não deveria), mas sua preocupação com ela o domina. Enquanto Kate se seca junto à lareira na casa, ela diz a Damien que se sente como uma mariposa que voou perto demais da chama; ela sabe que ele é perigoso, mas não consegue ficar longe. A resposta de Damien a ela é talvez a frase mais bonita de todo o filme: “Sim, mas quem é a mariposa e quem é a chama?” Finalmente, quando Kate apunhala Damien no final com a lâmina de Megido, ele sorri para si mesmo de forma sutil, como se sempre soubesse que ela seria sua ruína. Kate Reynolds foi claramente planejada para ser a salvadora da humanidade nesse filme desde a sua concepção; e, ao escolhê-la como tal, A Profecia III: O Conflito Final nos oferece uma soteriologia inesperada.

“[Damien] é o filho humano de Satã, totalmente comprometido com seu Pai. Mas assim como Maria Madalena representou a tentação para Jesus, Kate representa a tentação para Damien. Ela desperta sentimentos humanos dentro dele que poderiam facilmente desviá-lo de sua missão insidiosa, seu destino inglório.”

—Sam Neill em uma entrevista de 1981 no lançamento do filme

A heroína desse filme é uma mulher independente, poderosa e bem-sucedida. Ela não é propriedade nem é controlada por nenhum homem ou divinação masculina. Ela chega muito perto de se perder em Damien, especialmente quando passa uma noite escura da alma com ele na cama. Mas ela se levanta novamente desse poço proverbial, mais forte do que antes e equipada com o poder de mandar seu amante de duas caras de volta para o Submundo. Será que tudo isso está começando a lhe parecer familiar? Pelos deuses, deveria, pois o arco de Kate é basicamente a Descida de Ishtar novamente. Damien é como uma corrupção realmente desagradável de Tammuz, uma versão que se tornou completamente podre. Todo o seu poder e riqueza estão ligados à indústria alimentícia, assim como Tamuz é o deus da comida e da vegetação. Mas enquanto esse “anti-Tamuz” e seus inimigos estão presos em sua guerra santa cada vez mais fútil, Ishtar se infiltra e escolhe seu próprio “messias” para salvar o dia. Os cineastas tentam dar a Jesus todo o crédito por isso, colocando uma citação bíblica obrigatória na tela pouco antes de os títulos finais rolarem; mas, na minha opinião, não é o Leão de Judá que mata a Grande Besta aqui. É o Leão da Babilônia!

Ishtar seja louvada!

Ao contrário da sabedoria popular, há uma distinção entre “o Anticristo” e “a Grande Besta 666” de Apocalipse 13. Os primeiros cristãos usavam a palavra antichristos para descrever qualquer pessoa que (1) recusasse Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador, (2) propagasse uma versão “herética” do cristianismo ou (3) afirmasse ser cristão, mas não se comportasse como tal. A primeira dessas definições é praticamente inútil, pois parece incluir todos os não cristãos. A segunda é igualmente problemática, pois exige a demonização de todas as denominações cristãs, exceto a sua própria. A terceira, no entanto, faz muito sentido, pois que outro nome se pode dar a alguém que afirma amar Jesus, mas não trata as pessoas de maneira cristã? O verdadeiro Anticristo não tem nada a ver com o satanismo, mas é, na verdade, o próprio espírito da hipocrisia cristã. Ligue sua rede de TV televangelista local e você encontrará os verdadeiros discípulos do Anticristo em ação, promovendo suas agendas políticas insanas e extorquindo milhões de seus infelizes seguidores em nome de Jesus.

A Grande Besta (ou Therion, em grego) é baseada em vários reis antigos que perseguiram os monoteístas. Pessoas como o Faraó em Êxodo e o imperador romano Nero tinham três coisas em comum: (1) governavam nações politeístas, (2) consideravam-se divinos e (3) consideravam os hebreus e os primeiros cristãos uma ameaça. Depois de serem alimentados aos leões por tanto tempo, os cristãos se convenceram de que esses governantes eram, na verdade, possuídos pelo próprio Satã, e textos proféticos como o livro do Apocalipse foram construídos com base nesse conceito central. Enquanto o Anticristo representa o mal que se esconde dentro do cristianismo, a Grande Besta representa o arquétipo do “rei maligno” – um governante que tiraniza seu povo e cujas ações trarão destruição e desgraça. Ao contrário do Anticristo, a Besta não tenta perverter o cristianismo por dentro; em vez disso, ela busca destruí-lo por fora. Portanto, se quisermos ser mais técnicos, Damien Thorn não é realmente o Anticristo em si, mas o espírito de Therion em forma humana.

Lembre-se de que os monoteístas também não foram exatamente “gentis” com os pagãos ao longo da história. Isso foi especialmente ruim para as civilizações que viviam bem ao lado do antigo Israel. Os deuses e deusas dessas culturas são especificamente chamados de “demônios” no Antigo Testamento (por exemplo, Ba’al, Asherah, etc.) e são comumente invocados como tal na mídia contemporânea. Senhora Ishtar é apenas uma dessas divinações, e é triste pensar que sempre que se fala Dela no mundo atual, quase sempre é em termos de profecia bíblica. Ela está até mesmo ligada a Therion no livro do Apocalipse:

“Então o anjo também me disse: — As águas que você viu, onde a prostituta está sentada, são nações, povos, raças e línguas. Os dez chifres que você viu e o monstro odiarão a prostituta. Eles tirarão tudo o que ela tem e a deixarão nua. Devorarão a sua carne e queimarão o resto no fogo. Os dez reis farão isso porque [Javé] colocou no coração deles o desejo de fazerem o que ele quer. Assim entre si concordarão em entregar ao monstro a autoridade que eles têm para governar. Isso acontecerá até que se cumpram as palavras de [Javé]. — A mulher que você viu é a grande cidade que domina os reis do mundo inteiro.”

—Apocalipse 17:15–18

Como já discuti anteriormente, a Prostituta da Babilônia é claramente inspirada em Ishtar, mesmo que seu propósito simbólico seja diferente. Mas o que considero especialmente interessante aqui é o contraste entre uma entidade feminina que “domina os reis do mundo inteiro” e um rei maligno que se voltou contra ela. Ishtar preside o conceito de “realeza sagrada”, que exigia que o rei babilônico se “casasse” com a deusa e servisse ao povo como seu sacerdote. Ele tinha de garantir que as colheitas de sua nação não fracassassem, que suas fronteiras permanecessem protegidas de invasores estrangeiros e que seu povo fosse atendido em tempos de desastre. Ele também tinha de realizar rituais religiosos o tempo todo para garantir que os deuses de seu povo fossem devidamente apaziguados. Um péssimo governante que levasse seu povo à ruína seria considerado “infiel” a Ishtar, e alguns reis eram até mesmo sacrificados para expiar esse pecado. Isso só reforça minha opinião de que, ao matar Damien em A Profecia III: O Conflito Final, Kate Reynolds está, na verdade, sacrificando-o a Ishtar como penitência por sua liderança desastrosa. (É reconfortante pensar que, com a Rainha do Céu, até mesmo os monarcas podem ser responsabilizados e levados a julgamento).

Sam Neill e Lisa Harrow posando para uma foto nos bastidores.

Não me entenda mal; A Profecia III: O Conflito Final não é um filme perfeito. Há momentos em que ele se sabota ao tentar copiar demais A Profecia original. Por que ainda estamos perdendo tempo com indivíduos solitários sendo massacrados em lugares isolados? Por que Damien já não é o presidente quando o filme começa, enviando tropas para invadir o Oriente Médio e iniciar a Terceira Guerra Mundial? Eles perderam a oportunidade de ampliar a escala e os riscos da história aqui; e ao restringir toda a ação à Grã-Bretanha, eles cometem uma grande injustiça com a premissa. A única exceção a isso é a sequência da conspiração de assassinato de bebês, que é uma das coisas mais arrepiantes que já vi. Os assassinatos em si nunca são mostrados, mas são apenas sugeridos por meio de cortes rápidos, trilhas musicais e reações horrorizadas dos atores. Esse é um exemplo perfeito de como o poder da sugestão pode deixar uma impressão muito mais profunda na mente do que apenas pintar a tela com sangue. Isso também ajuda a manter a violência com o máximo de bom gosto possível (o que não é pouca coisa, considerando o assunto), ao mesmo tempo em que torna o filme mais perturbador. Se você acha que os jump scares em Invocação do Mal (2013) são assustadores, tente assistir à cena em que um dos discípulos de Damien – um padre anglicano – dá a um recém-nascido sua própria versão de um “ritual de batismo”. Só de pensar nisso, minha pele fica arrepiada.

NOTAS DO TRADUTOR

[1] N. T.: Originalmente o filme se chamava apenas de The Final Conflict, e no texto original consta que “que foi rebatizado de Omen III: The Final Conflict para seu lançamento em DVD no início dos anos 2000”. Essa parte foi omitida desta tradução pois, até onde minhas pesquisas levaram, esse tipo de coisa não ocorreu com o título do filme aqui no Brasil.

[2] N. T.: Do site inFlux: “A palavra “soapbox” ou “soap box” significa literalmente “caixa de sabão“, ou seja, eram caixas usadas para a embalagem de sabão anos atrás. Estas caixas eram reutilizadas para diversos fins, mas um específico era servir de banco para que as pessoas pudessem subir, e, destacados da multidão, falar e serem ouvidos.” A prática se tornou comum e subir em uma “soapbox” para dar um discurso se tornou um símbolo da democracia. Então, a palavra ganhou um novo sentido com o tempo, relacionado a “fazer um discurso”.”

[3] N. T.: Da Wikipédia: “O Hell in a Cell é um tipo de combate de wrestling profissional, no qual o ringue e a área à sua volta ficam rodeado por uma jaula de aço totalmente coberta.”

[3] N.T.: No original, “evangelical Christians with a religious axe to grind”. A expressão “have an axe to grind” significa segundo o Cambridge Dictionary “ter uma forte opinião sobre algo a qual você quer que as pessoas aceitem e é o motivo para você fazer algo”.

Link para o original: https://desertofset.com/2020/07/02/finalconflict/


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