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Ao longo de sua evolução, o cérebro humano adquiriu três componentes que foram surgindo e se superpondo, tal qual em um sítio arqueológico: a parte inferior, a mais primitiva, correspondendo ao cérebro dos répteis, é onde se encontram algumas estruturas como as do tronco cerebral, responsáveis pela ações involuntárias e o controle de certas funções víscerais (cardíaca, pulmonar, intestinal, etc), indispensáveis à preservação da vida. A porção intermediária corresponde ao cérebro dos mamíferos antigos, e é formada pelas estruturas que regem as nossas emoções, ou seja, as estruturas do sistema límbico. E a porção mais externa de nosso cérebro é conhecida como cérebro superior ou racional, compreendendo a maior parte dos hemisférios cerebrais (formado por um tipo de córtex mais recente, denominado neocórtex) e alguns grupos neuronais subcorticais. Este é o cérebro dos mamíferos superiores, aí incluídos os primatas e, consequentemente, o homem, onde se constitui o cérebro “racional”, responsável por ações voluntárias, percepção, consciência, aprendizado e linguagem.
Nossa mente é resultado da ação combinada e integrada de todas estas partes. É na porção primitiva do cérebro que são gerados os atos e comportamentos mais básicos para a sobrevivência e preservação da espécie (os mecanismos de agressão, de defesa, as posições hierárquicas no grupo e a delimitação de território. Apesar da impressionante dominância do neocórtex, até hoje conduzimos muitos de nossos atos com base em nosso cérebro primitivo, como os nossos antepassados, há milhares de anos: possuímos comportamentos ritualísticos, matamos para comer, tendemos a discriminar pessoas fora do nosso grupo imediato (família, aldeia, raça, etc.), defendemos nosso espaço (domínio territorial). Sobre esse pano de fundo biológico, desenvolveram-se as múltiplas culturas humanas, tão diversas entre si, mas todas tendo muitas coisas em comum, como a chamada “mente tribal”. Alguns autores, como Edward Wilson da obra “Sociobiologia” (1), opinam, inclusive, que o tribalismo foi fundamental para a evolução acelerada do cérebro humano, ao promover competição acirrada e genocídio entre tribos. A cultura, entretanto, é o resultado da interação de genes com o ambientes, incluindo aprendizagem social, e é capaz de evoluir também. Nem os genes e nem o ambiente sozinho podem ser responsáveis por nosso comportamento: ambos são importantes, em quantidades variáveis, dependendo do tipo de comportamento.
Portanto, conceitos que denotam o “meu” como o centro de tudo, como “minha” religião, “minha” raça, “meu espaço”, “meu” país, são conceitos primitivos para a sociedade moderna. Há muito tempo esse tipo de coisa era útil, porque o homem vivia rodeado de animais ferozes e precisava ficar em grupo para defender a tribo. Mas hoje vivemos em uma nova era. Como civilização, teremos que transcender a mente tribal. Na verdade, o homem tem se esforçado por isso e conseguido significativo progresso ao longo de sua história. Há 10.000 anos, nós passamos de caçadores e coletores e de uma vida nômade, para plantadores e cultivadores (revolução agrícola), e então as cidades tomaram o lugar das cavernas, bem como o comércio, a escrita e a matemática; no século XIX, a força humana e animal foi substituída pelas máquinas – barcos a vapor, trens, escavadeiras, automóveis, avião, ferramentas poderosas (a revolução industrial). E hoje, passamos por uma terceira revolução cultural: a revolução da informação. O progresso humano tem exigido máxima atualização da informação, uma vez que a velocidade de acumulação do conhecimento tem aumentando de forma vertiginosa em quase todas as atividades humanas. A tecnologia, ao tentar transmitir e facilitar a informação, criou meios de aproximação entre os povos. O telegrama, o rádio e a televisão foram os predecessores desta aproximação; a telefonia e as redes internacionais de computadores foram mais além: permitiram a comunicação e a interação instantânea e bidirecional entre indivíduos, onde qualquer ser humano do planeta poderá entrar em contato e dialogar facilmente com qualquer um dos seus semelhantes, esteja ele onde estiver.
Desta forma, evoluímos de tribos estreitas e restritas, para uma aldeia global. Nossa tecnologia de informação está reduzindo todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia, ou seja, à possibilidade de nos intercomunicarmos diretamente com qualquer pessoa que nele vive. Isto representa uma grande mudança na maneira como se processa a comunicação humana. Esta via começou historicamente quando nossas espécies emergiram milhões de anos atrás, primeiro com o aprendizado e comunicação por gestos e imitação, e então por um passo poderoso representado pela aquisição da linguagem, e finalmente, pela invenção da escrita. A aldeia global levará a um rompimento de barreiras culturais, permitindo uma fusão de diálogos, conhecimentos e entendimentos, e certamente poderá sobrepujar os ditames do cérebro primitivo. Precisamos nos libertar do tribalismo. Mas como?
Nos últimos cem mil anos o nosso cérebro tem permanecido biologicamente exatamente igual, ou seja, ele não está mais sujeito às forças da evolução pela seleção natural. Portanto, a única esperança que temos de mudá-lo significativamente será através da quarta e próxima revolução: a da biotecnologia. Poderemos, quem sabe, descobrir os genes que controlam nosso comportamento agressivo e que fazem a nossa mente ser tribal; e desativá-los. Mas como poderíamos fazer isso ainda permanece uma discussão aberta, pois existem muitos problemas morais, éticos e políticos a serem solucionados, mas nos parece inevitável que isso venha a ocorrer. As neurociências terão um papel fundamental nessa “evolução artificial” .
Silvia Helena Cardoso, PhD. Psicobióloga. Mestre e doutora
em Ciências. Fundadora e editora-chefe da revista Cérebro &
Mente. Universidade Estadual de Campinas
Silvia Helena Cardoso, PhD
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