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por Edu Berlim.
“Os homens são bons de um modo apenas, porém são maus de muitos modos”
(Aristóteles, Ética a Nicômaco)
Não é de hoje que a temática do livre-arbítrio é debatida dentro da comunidade ocultista, mas sinto que as argumentações tendem a certo empobrecimento. Simplesmente atestar contra ou a favor da existência de uma liberdade arbitral que ronda nossa própria alma sem que se tenha em perspectiva de que a resposta é dúbia me parece mera vaidade inglória. Ora! Se estamos a debater o livre-arbítrio dos seres, estamos a conversar com o gene egoísta de Richard Dawkins e com a Cidade de Deus de Agostinho de Hipona, não é mesmo? E qualquer simples resposta seria insensata!
Pensando nisso, eu me uni ao Rafael Ferreira (a quem tenho a honra de chamar de amigo) para trazermos um debate: eu defenderei o arbítrio dos seres e ele o atacará. Neste ponto, digamos que ele leva Dawkins ao seu lado e eu levo Agostinho (e cada leitor poderá julgar por si só qual de nós está com a vantagem).
E se foi da Vontade de Deus que pudéssemos desobedecer suas próprias regras, “que seja feita a Tua Vontade!”
Arbitrar é tido como uma espécie de capacidade de opinar, do latim opinare; modo de pensar. Me parece bastante evidente que esta é uma capacidade inerentemente humana, pois a nós é dada parte da chamada Inteligência Divina que é, por si só, capaz de tomar decisões em prol de algo. E certamente somos capazes de opiniões, mas nossas opiniões são capazes de gerar verdadeiras mudanças?
Há todo um debate a respeito das Inteligências, nome dado aos Anjos nas tradições, e sua capacidade de arbitrar livremente a respeito de qualquer tema. Pessoalmente, concordo com as tradições ao entender que estes seres de natureza espiritual não são capazes de decidir, mas de realizar. A inteligência absoluta carrega em si uma natureza de perfeição decisória e isso é facilmente percebido ao se ter contato com pessoas cuja inteligência ultrapassa as fronteiras normais: elas tendem a ser rígidas em posicionamentos específicos, mesmo que estejam infestadas de dúvidas quanto à maior parte das questões.
Essa característica da certeza é compatível com o extremo oposto e a teoria do efeito Dunning-Krugger nos aponta isso: quanto mais ignorante é um indivíduo (no sentido legítimo da palavra), mais certezas ele possui. Essas certezas se dão em acordo com sua baixa quantidade de informações disponíveis para uma decisão e certamente esta é uma desculpa bastante adequada para a Queda no Jardim do Éden.
Como poderiam as polaridades recém separadas tomar qualquer decisão sem que tivessem o conhecimento do mal? É bastante natural que nossas decisões sejam pautadas nas eternas disputas de “bem e mal” ou de “nem tão bom, nem tão mau” – e o que nos torna discordante é a percepção de que mal é tudo que é feito contra nossa própria vontade e bem é o que vai em direção à ela. Nosso egoísmo natural, nossa incapacidade de percebermos fora do eixo-central de todo o cosmos vigente, nos torna naturalmente intolerantes àquilo que é feito contra nossa própria direção. E é aqui que encontramos a principal diferença nos pontos de inteligência: altos níveis de inteligência faz com que pessoas tomem decisões que vão contra seu próprio bem, desde que sejam decisões corretas.
Ao exemplo de Sócrates e a aceitação de um julgamento injusto, temos o sacrifício de um homem que era incapaz de voltar atrás de seus próprios acertos. Dificilmente uma pessoa ignorante seria capaz de tal ato e com isto o daimon do “pai da filosofia” provou-se certo: ele era o homem mais inteligente da Grécia antiga – mesmo “sem qualquer habilidade altamente específica” como os demais. Esta natureza implacável caracteriza a ausência do livre-arbítrio das inteligências e é por isto que os seres angelicais são completamente incapazes de desobedecer ao Divino: isso seria uma completa insanidade.
Mas nós podemos, não é mesmo?
É curioso pensar que muitas religiões entendem que o primeiro ato do ser humano foi uma desobediência severa a uma proibição divina. Não é à toa que tantas tradições carregam a ideia de um dilúvio: das lágrimas de um Ser Celeste que chora por nossos pecados eliminando nossas vidas mortais no processo. Seja Nóe, seja Gilgamesh, restam àqueles tão inteligentemente capazes da obediência que sacrificam parte importante de seu livre-arbítrio no processo de salvação da humanidade.
Há ainda outra definição a ser “posta na mesa” quando compreendemos que arbitrar é um ato de decidir com base no que foi disponibilizado. Árbitros de futebol não podem criar novas regras, trocar o uniforme dos jogadores sem motivos ou mesmo decidir que a bola de futebol será substituída por uma de boliche, mas frente ao que lhes é apresentado dentro de campo podem tomar decisões que alteram o rumo da partida. E desta forma nosso livre-arbítrio aparece novamente apontado: arbitrar com o sentido de ‘julgar’ é literalmente o que fazemos a cada momento único do nosso tempo.
Vivemos sobre as regras de uma divina criação, nos moldes de um universo manifesto com regras que tendem a uma dureza impressionante, mas ainda assim passamos nossas vidas decidindo por qual dos caminhos disponíveis iremos seguir (mesmo que todos rumem ao mesmo lugar). Nós certamente não podemos optar pela imortalidade e sequer somos capazes de lidar com nossas bexigas cheias, mas sempre podemos escolher uma morte estúpida que nos faça concorrer a um ‘Darwin Awards’ ou a urinar em nossas próprias calças no meio de um shopping lotado da zona sul paulistana.
Mais ainda! A cada pequeno passo do nosso caminho somos capazes de decidir com a verdade, com a mentira, com a hipocrisia ou com o ‘foda-se’! Um livre-arbítrio não tão repleto de opções quanto alguns gostariam, mas certamente muito mais que as Inteligências Celestes são capazes de optar por fazer! A nossa natural desobediência nos permite negar a verdade e criar “falácias absolutas” – e até brigar por elas no jantar de Natal da família! O erro nos torna humanos e a ignorância é uma benção extremamente favorável ao livre-arbítrio, pois quando encontramos o caminho que nos é destinado toda esta liberdade é substituída pela Graça e o Trabalho para o qual fomos feitos!
Somos seres em desordem capazes de optar por aquilo que queremos e somente nossa falta de discernimento nos torna tão livres! Nós “comemos a maçã” uma vez e podemos fazer uma torta dela na próxima! Temos liberdade até de seguir o diabo e nem mesmo o diabo parece possuir essa liberdade toda em seu emprego CLT no CNPJ da criação!
Mas se tudo está escrito pela Luz divina desde o começo, é compreensível que a desobediência seja parte de todo o plano e o livre-arbítrio seja uma decisão sabiamente tomada por um Deus que se diverte através de nossa confusão. Talvez o espetáculo da liberdade seja apenas um panem et circenses que diverte um Altíssimo que ama nos assistir comendo pipoca sabor camarão… E como todo ator, você talvez só esteja seguindo um roteiro…
E se essa é a tua opinião, então ‘Que não seja feita a Tua Vontade’
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