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PSICO

Psicoses

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A psicose, de acordo com alguns autores, é uma doença mental caracterizada pela distorção do senso de realidade, uma inadequação e falta de harmonia entre o pensamento e a afetividade. Não deve passar despercebido a qualquer psiquiatra, conforme diz Uchoa, a importância de fatores como a constituição, temperamento, caráter, peculiaridades de ordem tipológica, experiências anteriormente vividas e ambiente familiar e/ou social na formação e estruturação das psicoses. A articulação desta causalidade múltipla nas psicoses tem sido objeto de atenção constante dos pesquisadores em psicopatologia e tem resultado em discussões intermináveis entre as mais diversas escolas do pensamento psicológico.

Se alguma conclusão dessa polêmica acirrada entre as várias tendências sobre o adoecer mental pode ser aproveitada, esta se resume na constatação da incompatibilidade entre as duas maneiras principais de abordar o problema da loucura: a visão clínica e a visão cultural. O enfoque clínico da Doença Mental será sempre diferente da abordagem cultural e filosófica.

Classificação

As várias tendências de reflexão sobre a Doença Mental, notadamente sobre as Psicoses, embora provenientes de diversos momentos históricos do pensamento psicológico, estimulam a tônica das discussões acerca do tema. Entre os autores encontramos defensores do modelo Sociogênico, no qual a sociedade complexa e exigente é a responsável exclusiva pelo enlouquecimento humano, defensores do modelo Organogênico, diametralmente oposto ao anterior e onde os elementos orgânicos da função cerebral seriam os responsáveis absolutos pela Doença Mental e do modelo Psicogênico, onde a dinâmica psíquica é responsável exclusiva pela doença e as disposições constitucionais pessoais pouco importam. Finalmente há o modelo Organodinâmico, o qual compatibiliza os três anteriores num enfoque bio-psico-social.

Tem sido quase unanimemente aceito na psiquiatria clínica a associação de determinadas configurações de personalidade predispostas e a eclosão de psicoses. Estas personalidades são as chamadas Personalidades Pré-mórbidas, cujo conceito é abordado no capítulo sobre os Transtornos da Personalidade, tanto pela CID (Classificação Internacional das Doenças) quanto pela DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais). Trata-se de constituições de personalidades problemáticas que, por si só, acabam transtornando a vida do indivíduo, incapacitando um desenvolvimento pleno e, ainda, em certas circunstâncias, encerrando uma maior aptidão para o desenvolvimento de determinadas doenças psíquicas.

A Constituição (Personalidade) Pré-mórbida é considerada pela psicopatologia como uma variação do existir humano e traduz uma possibilidade mais acentuada para o desenvolvimento de certa vulnerabilidade psíquica. Aqui o termo “possibilidade” deve ser considerado em toda sua plenitude, ou seja, trata-se de um caráter não-obrigatório mas que deve ser levado muito a sério.

Sintomas e Processos

Clinicamente e a grosso modo, podemos dizer que as neuroses diferenciam-se das psicoses pelo grau de envolvimento da personalidade, sendo sua desorganização e desagregação muito mais pronunciadas nas psicoses. O vínculo com a realidade é muito mais tênue e frágil nas psicoses que nas neuroses. Nestas últimas, a realidade não é negada, mas é vivenciada de maneira mais sofrível, é valorizada e percebida de acordo com as lentes de uma afetividade problemática e é representada de acordo com as exigências conflituais. Já nas psicoses, alguns aspectos da realidade são negados totalmente e substituídos por concepções particulares e peculiares que atendem unicamente às características da doença.

A sintomatologia psicótica se caracteriza, principalmente, pelas alterações a nível do pensamento e da afetividade e, conseqüentemente, todo comportamento e toda performance existencial do indivíduo serão comprometidos. Enquanto nas neuroses o pensamento, os sentimentos e a afetividade se encontram quantitativamente alterados, na psicose esses atributos psíquicos se apresentam qualitativamente doentes, tal como uma novidade patológica cronologicamente localizada na história de vida do paciente e que passa, desse momento em diante, a atuar morbidamente em toda sua performance psíquica.

O processo psicótico impõe ao paciente uma maneira patológica de representar a realidade, de elaborar conceitos e de relacionar-se com o mundo objectual. Não contam tanto aqui as variações quantitativas de apercepção do real, como pode ocorrer na depressão, por exemplo, mas um algo novo e qualitativamente diferente de todas as variações normalmente permitidas entre as pessoas normais, um algo essencialmente patológico, mórbido e sofrível.

A Esquizofrenia

A Esquizofrenia, representante mais característica das psicoses, é uma doença da Personalidade total que afeta a zona central do eu e altera toda estrutura vivencial. Culturalmente o esquizofrênico representa o estereotipo do “louco”, um indivíduo que produz grande estranheza social devido ao seu desprezo para com a realidade reconhecida. Agindo como alguém que rompeu as amarras da concordância cultural, o esquizofrênico menospreza a razão e perde a liberdade de escapar às suas fantasias.

Segundo Kaplan, aproximadamente 1% da população é acometido pela doença, geralmente iniciada antes dos 25 anos e sem predileção por qualquer camada sócio-cultural. O diagnóstico da doença ainda se baseia exclusivamente na história psiquiátrica e no exame do estado mental, muito embora os meios de investigação por imagens funcionais esteja avançando a passos largos no sentido de estabelecer-se um diagnóstico mais preciso. É extremamente raro o aparecimento de esquizofrenia antes dos 10 ou depois dos 50 anos de idade e parece não haver nenhuma diferença na prevalência entre homens e mulheres.

Esquirol (1772-1840) considerava a loucura como sendo a somatória de dois elementos: uma causa predisponente, atrelada à personalidade, e uma causa excitante, fornecida pelo ambiente. Hoje em dia, depois de muitos anos de reflexão e pesquisas, a psiquiatria moderna reafirma a mesma coisa com palavras atualizadas. O principal modelo para a integração dos fatores etiológicos da esquizofrenia é o modelo estresse-diátese, o qual supõe o indivíduo possuidor de certa vulnerabilidade específica, vulnerabilidade esta colocada sob a influência de fatores ambientais estressantes (causa excitante). Em determinadas circunstâncias o binômio diátese-estresse proporcionaria condições para o desenvolvimento da esquizofrenia. Até que um fator etiológico para a doença seja identificado, este modelo parece satisfazer as teorias mais aceitas sobre o assunto.

Atualmente, através da CID-10, foi incluída na classificação das esquizofrenias o Transtorno Esquizotípico. Na realidade não acreditamos tratar-se de mais um tipo da doença mas, talvez, se trate apenas de um outros estágio da mesma doença. Tomando-se por base os sintomas gerais e de primeira ordem das esquizofrenias, podemos entender o Transtorno Esquizotípico como sendo uma fase pré-mórbida da psicose. Seria um estadiamento da doença mais sério que o Transtorno Esquizóide de Personalidade e menos mórbido que a Esquizofrenia franca. Tanto está certa esta visão que o próprio CID-10 considera este transtorno como sinônimo de Esquizofrenia Prodrômica (Inicial), Borderline (limítrofe), ou Pré-Psicótica.

Alguns sintomas, embora não sejam específicos da Esquizofrenia, são de grande valor para o diagnóstico. Seriam:

1- audição dos próprios pensamentos (sob a forma de vozes)

2- alucinações auditivas que comentam o comportamento do paciente

3- alucinações somáticas

4- sensação de ter os próprios pensamentos controlados

5- irradiação destes pensamentos

6- sensação de ter as ações controladas e influenciadas por alguma coisa do exterior.

Tentando agrupar a sintomatologia da esquizofrenia para sintetizar os principais tratadistas, teremos destacados três atributos da atividade psíquica morbidamente envolvidos: o comportamento, a afetividade e o pensamento. Os Delírios surgem como alterações do conteúdo do pensamento esquizofrênico e as alucinações como pertencentes à sensopercepção. Ambos acabam sendo causa e/ou conseqüência das alterações nas 3 áreas acometidas pela doença (comportamento, afetividade e pensamento).

Delírios

Os Delírios na Esquizofrenia podem sugerir uma interpretação falsa da realidade percebida. É o caso por exemplo, do paciente que sente algo sendo tramado contra ele pelo fato de ver duas pessoas simplesmente conversando. Trata-se, neste caso, de uma Percepção Delirante. Desta forma, a Percepção Delirante necessita de algum estímulo para ser delirantemente interpretado (no caso, duas pessoas conversando).

Outras vezes não há necessidade de nenhum estímulo à ser interpretado, como por exemplo, julgar-se deus. Neste caso trata-se de uma Ocorrência Delirante. O Delírio mais freqüentemente encontrado na Esquizofrenia é do tipo Paranóide ou de Referência, ou seja, com temática de perseguição ou prejuízo no primeiro caso e de que todos se referem ao paciente (rádios, vizinhos, televisão, etc) no segundo caso.

Na Esquizofrenia os Delírios surgem paulatinamente, sendo percebidos aos poucos pelas pessoas íntimas aos pacientes. Em relação ao Delírio de Referência, inicialmente os familiares começam à perceber uma certa aversão à televisão, aos vizinhos, etc.

Alucinações

As Alucinações mais comuns na Esquizofrenia são do tipo auditivas, em primeiro lugar e, em seguida, visuais. Conforme diz Schneider, “de valor diagnóstico extraordinário para o diagnóstico de uma Esquizofrenia são determinadas formas de ouvir vozes: ouvir os próprios pensamentos (pensar alto), vozes na forma de fala e respostas e vozes que acompanham com observações a ação do doente”. Esta Sonorização do Pensamento, juntamente com alguns outros sintomas que envolvem alucinações auditivas e sensações de ter os próprios pensamentos influenciados por elementos externos, compõem a sintomatologia que Schneider considerou como sendo de Primeira Ordem.

Um esquizofrênico pode estar ouvindo sua própria voz, dia e noite, sob a forma de comentários e antecipações daquilo que ele faz ou pretende fazer , como por exemplo: “ele vai comer” ou ainda, “o que ele está fazendo agora ? Está trocando de roupas”. Outro sintoma importante no diagnóstico da esquizofrenia é a sensação de que o pensamento está sendo irradiado para o exterior ou mesmo sendo subtraído ou “chupado” por algo do exterior: Subtração e Irradiação do pensamento, também considerados de Primeira Ordem. Igualmente podemos encontrar a sensação de que os atos estão sendo controlados por forças ou influências exteriores.

SINTOMAS DE PRIMEIRA ORDEM
(De acordo com Schneider)

  • Sonorização do pensamento

  • Subtração do pensamento

  • Irradiação do pensamento (ou difusão)

  • Sensação de ações controladas

  • Todas as demais alucinações, auditivas, visuais, tácteis, olfatórias, gustativas, cenestésicas e cinestésicas, embora sejam consideradas sintomas acessórios por Bleuler, aparecem na esquizofrenia com freqüência bastante significativa. Normalmente as alucinações auditivas são as primeiras a aparecer e as últimas a sumir.

O Autor

Geraldo J. Ballone, Coordenador do site PsiqWeb – Psiquiatria Clínica didática para pesquisas e consultas.

Copyright 2000 Universidade Estadual de Campinas

Geraldo José Ballone


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