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PATRICK MILLER, para The SUN
Uma entrevista com John A. Sanford
Sobre John A. Sanford:
John A. Sanford (1929-2005) foi um psicólogo e escritor americano conhecido por suas contribuições no campo da psicologia analítica. Foi um grande defensor do trabalho de Carl Jung e desenvolveu abordagens terapêuticas que integravam a psicologia e a religião. A entrevista que segue se deu por ocasião da publicação de seu livro “Mal: o Lado Sombrio da Realidade” no qual explorou o tema do mal e da sombra no âmbito individual e coletivo.
THE SUN:
Jung disse certa vez; “Prefiro ser íntegro a ser bom.” Essa afirmação certamente confunde ou perturba muita gente. Por que a maioria das pessoas não consegue reconhecer a relação que existe entre a maldade e o excesso de “bondade”?
SANFORD;
Na verdade, é esse o problema do ego e da sombra, um problema que fica bem claro na tradição cristã. Na Bíblia, as diferenças entre o bem e o mal estão traçadas com muita nitidez: existe Deus, que é bom, e existe o Diabo, que é mau. Deus quer que o ser humano seja bom e Deus castiga o mal. De acordo com o Novo Testamento, se uma pessoa se entrega ao mal e pratica más ações, sua alma se corrompe e é destruída; ou seja, instala-se um processo psicológico negativo. Assim, diante do cristão está sempre o objetivo ou o modelo de “ser bom”, e isso é algo que tem valor.
No entanto, a tradição crista original reconhecia que o homem traz, dentro de si, o seu oposto. São Paulo disse; “Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero” (Romanos 7;19). Estas são palavras de um profundo psicólogo; ele sabia que tinha uma sombra e acreditava que só Deus poderia salvá-lo dessa condição. Porém, o fato de conhecer sua condição mantinha a sua integridade.
Mais tarde, essa perspectiva profunda perdeu-se e as pessoas se sentiam obrigadas a se identificar com o bem ou, pelo menos, a fingir que eram boas. Quando faz isso, você depressa perde contato com a sombra. E em algum ponto do percurso — isso fica evidente na Idade Média — a Igreja cometeu um grave erro: além das ações, também as fantasias passaram a ser más. Você era mau simplesmente por entreter fantasias sobre o mal; adultério era pecado, mas pensar em adultério também era pecado. Ambos precisavam ser confessados e perdoados.
E com isso as pessoas começaram a negar e a reprimir suas fantasias, e a sombra foi empurrada ainda mais para o fundo. A divisão ampliou-se.
THE SUN:
Esse processo ocorreu em paralelo com a perda do elemento feminino?
SANFORD:
Sim, eu diria que sim. Na realidade feminina, os contrastes não são tão marcados. O elemento masculino vê as coisas à brilhante luz do dia: isto é isto e aquilo é aquilo. O elemento feminino equivale a ver as coisas à luz da lua: elas ficam difusas, não são tão distintas umas das outras. Toda essa questão da sombra é muito sutil e complexa; não é tão simples quanto parece ser a do bem e do mal.
O elemento feminino teria atenuado essa completa cisão entre a sombra e o ego. No início, a Igreja liderava uma espécie de movimento feminino, mas depois tornou-se bastante patriarcal. O ego e a sombra se apartaram cada vez mais, preparando o palco para fenômenos do tipo Jekyll e Hyde. Se você estudar a história do cristianismo, vai ver esse desenvolvimento com toda a clareza. Pessoas que professavam fazer o bem, por exemplo, estavam liderando a Inquisição.
Os cristãos não detêm a posse exclusiva da sombra, é claro. Todo mundo faz coisas terríveis. Mas na tradição cristã, essa cisão é absoluta. Uma coisa boa que surgiu disso tudo foi a volta das psicologias de profundidade. Embora a Igreja tentasse banir as fantasias, é evidente que ela tinha consciência da vida interior e sempre deu valor à introspecção.
THE SUN:
Eu cresci nas vizinhanças dos fundamentalistas religiosos e sempre notei uma espécie de tensão neles — como se eles tentassem impedir que certas coisas entrassem em suas mentes e muito menos de se expressar abertamente. Parece que é preciso uma quantidade imensa de energia para manter a cisão interior.
SANFORD:
Certo. E o resultado não é uma pessoa realmente boa. Os esforços para alcançar a bondade pura resultam numa pose ou numa auto-ilusão sobre a bondade. Isso desenvolve uma persona — uma máscara de bondade vestida sobre o ego. O Dr. Jekyll tinha uma persona imensa e acreditava nela por completo, mas nunca chegou a ser um homem realmente bom. A conexão entre Jekyll e Hyde era o anseio secreto de Jekyll em tornar-se Hyde — mas Jekyll se recusava a despir a máscara que tinha vestido para a sociedade e para si mesmo. Quando descobriu a droga que podia transformá-lo na sua sombra, Jekyll pensou ter encontrado a resposta ideal. Mas então foi dominado pelo seu próprio anseio de ser Hyde.
Aqui é importante compreender a diferença crucial entre a sombra e o mal genuíno. Como disse Fritz Kunkel certa vez, o segredo é que o ego — não a sombra — é o diabo, Kunkel acreditava que o mal existe além do ego — um mal arquetípico — mas, para a maioria das pessoas, o ego é que é o verdadeiro problema.
A definição junguiana da sombra foi muito bem colocada por Edward C. Whit-mont, analista de Nova York, ao dizer que a sombra é “tudo aquilo que foi reprimido durante o desenvolvimento da personalidade, por não se adequar ao ideal do ego”. Se você teve uma educação crista, com o ideal do ego de ser benevolente, moralmente reto, gentil e generoso, então certamente você precisou reprimir todas as suas qualidades que fossem a antítese desse ideal: raiva, egoísmo, loucas fantasias sexuais e assim por diante. Todas essas qualidades que você seccionou formariam a personalidade secundária chamada “sombra”. E se essa personalidade secundária se isolasse bastante, você passaria a ser aquilo que chamamos “personalidade múltipla”.
Em todos os casos de personalidade múltipla, sempre podemos identificar claramente a sombra. Ela nem sempre é má — só é diferente do ego. Jung estava certo quando disse que noventa por cento da sombra é ouro puro. Tudo o que foi reprimido (seja lá o que for) contém uma quantidade tremenda de energia, com um grande potencial positivo. Por isso a sombra, não importa quão perturbadora ela possa ser, não é intrinsecamente má. O ego, com sua recusa de introvisão e com sua recusa de aceitar o todo da personalidade, contribui muito mais para o mal do que a própria sombra,
THE SUN:
O que o senhor está dizendo é que a sombra tem má fama porque o ego projeta sua própria maldade sobre ela.
SANFORD:
Exatamente. Se você consultar aquele manual de psicologia a que damos o nome de Novo Testamento, vai encontrar essa frase: o diabo é “o pai de todas as mentiras”, Agora, a sombra nunca mente; é o ego que mente a respeito de seus motivos reais. É por isso que o sucesso de qualquer psicoterapia e qualquer conversão religiosa genuína exigem absoluta honestidade sobre nós mesmos.
THE SUN:
A analista junguiana Marie-Louise von Franz escreveu: “A sombra arrasta o homem ao imediatismo das situações do tipo aqui e agora, e assim cria a biografia real do ser humano, que está sempre inclinado a assumir que é apenas aquilo que pensa ser. A biografia criada pela sombra é que importa.” Essa afirmação me faz pensar na tendência da nossa sociedade de se desiludir com os nossos políticos — porque a biografia que eles exibem durante a campanha nunca é “a biografia que importa”.
SANFORD:
A biografia que o político quer nos passar — e que geralmente é criada pelo pessoal de relações públicas — é a persona, a máscara, Ela esconde a verdadeira realidade do político. Mas eu acho que é possível conviver razoavelmente bem com essa realidade. A longo prazo, admitir a sombra é bem menos pernicioso do que negá-la. O que arruinou o candidato Gary Hart, por exemplo, não foi ele ter casos mas, sim, ter continuado a mentir sobre seus casos depois que a verdade veio à tona. Pessoalmente, isso só me fez pensar que ele não era lá muito brilhante.
Está claro que vivemos numa época em que as eleições são vencidas ou perdidas pela força da persona. Ronald Reagan é o exemplo par excellence, porque sabemos que ele nunca fez ou disse coisa alguma que não fosse representação. Sinto-me muito mais à vontade com o presidente George Bush, independentemente de aprovar ou não o que ele diz, porque pelo menos tenho a sensação de que é ele que está ali — é o homem de verdade que está falando.
Talvez as pessoas estivessem um pouco mais em contato com os políticos — o político pessoa de verdade — nos velhos tempos das campanhas ao vivo, com caravanas percorrendo o país. A maneira como a mídia eletrônica amplifica a persona mostra um lado monstruoso da nossa tecnologia… é uma coisa muito perigosa.
THE SUN:
A sombra, certamente, parece estar muito presente na nossa atual mídia de entretenimento — desde as histórias de Stephen King e Clive Barker até os filmes de terror e o satanismo declarado de algumas bandas heavy-metal. Eu me pergunto se tudo isso não quer dizer que estamos caminhando para o reconhecimento — e integração — da sombra ou se estamos apenas indo esgoto abaixo, como parecem pensar alguns críticos sociais e censores.
SAN FORD:
A questão é: em que momento cruzamos a linha divisória da sombra — que é um elemento difícil, mas ainda assim humano — e ingressamos no campo do realmente demoníaco. Isso nos leva à questão do mal arquetípico: existiria um diabo que está além do ego humano? Por falar nisso, os cristãos não foram os únicos que se preocuparam com o diabo. Os antigos persas acreditavam numa força divina que produzia o mal.
O holocausto na Alemanha nazista e os expurgos de Stalin não foram resultados da sombra humana individual. Ali, acho que estamos vendo na psique coletiva uma força maligna, que é realmente sinistra e que precisamos recear. Muitas pessoas negam que esse mal existe, afirmando que todos os assassinos são vítimas de uma infância infeliz e de maus-tratos pelos pais. Mas eu sinto que existe ali uma força maligna arquetípica.
Alguns daqueles que censuram as letras do rock e coisas semelhantes talvez estejam parcialmente certos a respeito do mal que elas contêm, Sou franco em confessar que às vezes bato os olhos nesse tipo de coisa e sinto uma forte repugnância. Algumas delas me parecem sinistras. Mas não podemos, de modo algum, afirmar que as pessoas que moralizam sobre o mal arquetípico estão livres dele. Na verdade, moralizar sobre o mal é uma boa maneira de sucumbir ao mal. Essa é uma questão sutil. Se você ataca o mal para se defender de um mergulho em si mesmo, você está cometendo o mesmo erro do Dr. Jekyll.
THE SUN:
Mas como podemos ver a diferença entre uma coisa que parece sinistra e uma coisa que é sinistra?
SAN FORD:
Essa é uma boa pergunta, e nem sempre fácil de responder. Depende muito da psicologia da pessoa envolvida. Quanto mais rígido for seu referencial psicológico, maior o número de coisas que lhe parecerão sinistras. Tudo o que posso dizer é que, quando o nível arquetípico do mal finalmente encontra expressão, todo mundo fica chocado. Mas nem sempre em tempo, é claro. O mundo demorou bastante para reconhecer o mal da Alemanha nazista.
O que nos ajuda a ver a diferença é aquilo que Jung chamou de “função sentimento” — nossos meios interiores de avaliar o valor das coisas. A função sentimento nos diz o que é desejável e o que não é desejável, mas não se trata de um julgamento feito pelo ego. O ego determina o que é bom ou mau a partir do ponto de vista de suas próprias preocupações: o ego considera bom tudo aquilo que apóia o seu sistema egocêntrico de defesa; e considera mau o que está em antítese com esse sistema. Por exemplo, os puritanos contaminaram os índios americanos com doenças que os dizimaram; viram isso como uma coisa boa e fizeram sermões dizendo que Deus lhes abria o caminho para colonizar aquelas terras. É claro que o índio, morrendo de varíola, tinha uma opinião bem diferente sobre o bem e o mal dessa situação.
A função sentimento está livre de contaminação egocêntrica, Ela é uma pura avaliação emocional, mas nem sempre lhe damos ouvido. Quando o povo americano, finalmente, opôs-se à Guerra do Vietnã, foi porque a função sentimento acabou por emergir: um número cada vez maior de pessoas chegou ao julgamento emocional de que aquela era uma guerra errada e terrível, mesmo que supostamente servisse aos nossos objetivos políticos. E é claro que essas pessoas estavam certas, O julgamento de valor da função sentimento é um determinante confiável do bem e do mal numa situação — desde que a função sentimento tenha as informações corretas. Se ela não tem todas as informações ou se vê apenas uma parte do problema, então é possível que chegue a uma conclusão errada.
THE SUN:
Na sua experiência e observação, qual é o processo de integração da sombra?
SANFORD:
A primeira vez que uma pessoa vê a sombra com clareza, ela fica mais ou menos horrorizada. Alguns dos nossos sistemas egocêntricos de defesa necessariamente se rompem ou se diluem, O resultado pode ser uma depressão temporária ou um enevoamento da consciência. Jung comparou o processo de integração — que ele chamou de individuação — ao processo da alquimia. Um dos estágios da alquimia é a mela-nose, quando tudo enegrece dentro do vaso que contém os elementos alquímicos. Mas esse estágio de enegrecimento é absolutamente essencial. Jung disse que ele representa o primeiro contato com o inconsciente, que é sempre o contato com a sombra. O ego encara isso como uma espécie de derrota.
THE SUN:
É possível ficar aprisionado nesse estágio? Podemos estar fadados a ter um encontro após outro com a sombra, sem que ocorra a integração?
SAN FORD:
Acho que não, porque uma visão genuína da sombra também põe em ação aquilo que Jung chamou de Self, o centro criativo. E então as coisas começam a mover-se, para que a depressão não se torne permanente. Depois disso, mil e uma mudanças podem ocorrer; é diferente, para cada pessoa. Aquilo que Kunkel chamou o “centro real” da personalidade começa a emergir e, gradualmente, o ego é reorientado para uma relação mais íntima com esse centro real. Então é bem menos provável que a pessoa se associe ao mal genuíno, porque a integração da sombra sempre coincide com a dissolução da falsa persona. A pessoa torna-se muito mais realista a respeito de si mesma; ver a verdade sobre a nossa própria natureza sempre tem efeitos muito salutares. A honestidade é a grande defesa contra o mal genuíno. Parar de mentir para nós mesmos a respeito de nós mesmos, essa é a maior proteção que podemos ter contra o mal.
THE SUN:
Se o ego não é o “centro real” de nós mesmos, então ele é o centro do quê?
SANFORD:
O que distingue a psicologia junguiana de praticamente todas as outras psicologias é a idéia de que existem dois centros da personalidade. O ego é o centro da consciência; o Self é o centro da personalidade como um todo que inclui a consciência, o inconsciente e o ego. O Self é, ao mesmo tempo, o todo e o centro. O ego é um pequeno círculo, completo em si mesmo, formado a partir do centro mas contido no todo. Assim, o ego poderia ser mais bem descrito como o centro menor da personalidade; o Self, como o centro maior,
Podemos ver melhor esse relacionamento nos nossos sonhos. Na nossa vida em estado de vigília, o ego é como o Sol — ele ilumina tudo, mas também impede que vejamos as estrelas. O que não percebemos é que os conteúdos da consciência do ego não são coisas criadas por nós; eles nos são dados, eles vêm de algum outro lugar. Somos constantemente influenciados pelo inconsciente, mas em geral não percebemos isso. O ego prefere acreditar que cria todos os seus próprios pensamentos. Nos nossos sonhos tudo muda com o aparecimento do ego onírico. Quando nos lembramos do sonho, automaticamente nos identificamos com o ego onírico; referimo-nos a ele como “eu”, dizendo “eu encontrei um urso e aí nós lutamos e depois apareceu a dançarina” e assim por diante. Mas a diferença é que, durante o sonho, o ego onírico conhece coisas que o ego desperto não conhece. Por exemplo, você lembra que sonhou que corria muito depressa e não lembra por quê. Mas, no sonho, você sabia,
O importante é que o ego onírico nunca é mais significativo do que qualquer outra figura do sonho. Talvez até o encontremos vencido ou enevoado. Quando o Sol se põe, as estrelas aparecem — e então você descobre que é apenas uma das estrelas de um céu todo estrelado. Essa é a paisagem da alma, invisível na nossa vida em estado de vigília.
THE SUN:
O que eu percebo é que me sinto mais ou menos à vontade com a idéia da sombra na vida em estado de vigília. Porém, a idéia da sombra nos sonhos é muito mais do que uma simples idéia — ela é completamente real e muito poderosa. Às vezes eu me torno a sombra, como se ela se integrasse a mim.
SANFORD:
No sonho, a sombra é um sistema energético que é, pelo menos, tão poderoso quanto você mesmo. Na arena psíquica do sonho, todos os elementos da psique são menos distintos uns dos outros e o ego onírico pode observá-los ou transformar-se neles ou qualquer coisa intermediária.
A sombra tem sempre um aspecto do próprio eu. as qualidades da sombra poderiam tornar- se parte da estrutura do ego. Até se pode dizer que a sombra é como o irmão ou a irmã do ego e não necessariamente uma figura sinistra. E é importante lembrar que a sombra sempre tem uma razão para tudo o que faz. uma razão que está relacionada com as qualidades que foram excluídas do ego. É bastante incomum que nos tornemos a sombra num sonho; o mais provável é que o ego onírico observe a sombra mudando de forma durante o sonho.
THE SUN:
Acho que é mais seguro transformar-se na sombra num sonho do que em estado de vigília.
SAN FORD:
Bom, então encontramos mais uma vez as sutilezas da sombra. Minhas idéias nesse assunto seguem mais as de Kunkel que as de Jung, A idéia é que o ego está, originalmente, muito próximo do centro do Eu. A medida que vai se afastando, ele desenvolve uma postura egocêntrica, que geralmente é exacerbada por influências desfavoráveis na infância. A natureza dessas influências irá determinar a natureza das defesas egocêntricas da pessoa e, logo, a natureza da sombra.
Digamos que uma pessoa vê a si mesma como fraca e inoperante diante do seu ambiente, porém encontra um outro caminho para seguir pela vida: torna-se uma espécie de “parasita”. Ela não desenvolve a sua força; ela depende de outros que são fortes mas precisa habilitar-se a ganhar esse apoio. Assim ela assume uma postura de necessitada e de merecedora de apoio. Essa é a sua postura egocêntrica diante da vida; ela é o tipo de pessoa que sempre vai precisar da sua ajuda e que será capaz de citar uma infinidade de razões pelas quais você deve ajudá-la. Se você não a ajudar, então você será uma pessoa má.
Uma característica dessa pessoa é que ela é muito chata. Os outros deixam de ajudá-la quando ela os aborrece demais e, então, ela se sente ameaçada e ansiosa. Agora, o que ela reprimiu para manter sua postura egocêntrica parasitária foram as qualidades da coragem e da honestidade — qualidades altamente desejáveis. Mas a personalidade parasitária vê essas qualidades como más e se apavora diante delas. E, na verdade, as qualidades reprimidas podem tornar-se perigosas.
Tomemos o exemplo do adolescente que tem a defesa egocêntrica da tartaruga; tudo o que ele quer é ser deixado em paz. Ele torna-se o alvo de um bando de “durões” cuja propensão egocêntrica é atormentá-lo, exatamente porque ele é um solitário. O bando o persegue e importuna até o dia em que sua couraça egocêntrica de “recolher-se na casca” explode e bum!… a sombra pula para fora. Talvez ele apenas se envolva numa pancadaria e então, mesmo que apanhe um pouco, saiu-se bem — e provavelmente mais integrado. Por outro lado, se ele pegar o revólver do pai e atirar nos seus atormentadores, então uma coisa terrível aconteceu. Quando a energia é reprimida por um tempo por demais longo e em excessiva profundidade, algo de conseqüências lamentáveis pode ocorrer.
THE SUN:
O senhor acha que esse rapaz estava “pedindo” para ser atormentado?
SANFORD:
Sem dúvida. Ao nível inconsciente, ele estava enviando uma mensagem sobre aquilo de que precisava para se integrar. Falando sobre esse tipo de situação, Kunkel costumava dizer que os “arcanjos” são enviados para completar o plano divino.
THE SUN:
Mas os arcanjos não vão necessariamente cuidar de nós.
SANFORD:
Certo. Eles só armam o cenário. Tudo o que sabemos é que quando os arcanjos se envolvem, as coisas nunca mais serão as mesmas. Ninguém pode predizer o que vai acontecer em seguida. A liberação da sombra não deve ser encarada com leviandade. Por isso seria muito melhor se aquele rapaz descobrisse sua hostilidade numa terapia ou em alguma outra situação sob controle, onde sua sombra pudesse emergir gradualmente.
Kunkel fez uma observação misteriosa: “Na batalha decisiva, Deus está sempre do lado da sombra, não do lado do ego.” Com todas as suas dificuldades, a sombra está mais próxima da fonte da criação.
Agora, um assunto bem diferente é o ego que não está num estado egocêntrico. Esse ego tem um relacionamento saudável tanto com a sombra quanto com o Eu. Na verdade, o ego não é diminuído no processo de integração; as suas fronteiras é que se tornam menos rígidas. Existe uma enorme diferença entre um ego forte e um ego egocêntrico; esse último é sempre fraco. A individuação, a obtenção do nosso potencial real, não pode ocorrer sem um ego forte.
THE SUN:
Isso quer dizer que é impossível ser apenas o “Eu”?
SANFORD:
Certo. O ego é o veículo necessário para a expressão do Self, mas você precisa querer pôr o ego na linha. E como Moisés confrontando-se com a voz de Deus na sarça ardente e depois descendo para conduzir o povo de Israel para fora do Egito. Essa é a ação do ego forte.
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