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PSICO

Neurodivergência e Magia

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Edu Berlim.

Este texto não tem caráter médico ou de análise psicológica. Nada neste texto constitui conselho médico ou medicamentoso, não é destinado a diagnosticar ou tratar doenças, assim como não constitui qualquer tipo de conselho profissional de caráter psicológico, neuropsicológico, terapêutico ou psicoterapêutico. Ele não foi escrito por um médico licenciado ou profissional da área de saúde ou de tratamentos de saúde mental. Caso deseje mais informações sobre os temas pertinentes à área médica abordados no texto, procure um profissional licenciado da área correspondente.

Já faz algum tempo que observo as crescentes manifestações de pessoas com transtornos de personalidade ou neurodivergências. O conhecido transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é o mais comum nos grupos, e fico extremamente feliz de ver que os portadores foram diagnosticados por neuropsicólogos e psiquiatras competentes — ao invés de buscar o autodiagnóstico irresponsável que vemos costumeiramente na internet.

Também não são poucos aqueles que começam a identificar em si mesmos traços de TEA (transtorno do espectro autista) ou transtornos de personalidade, como o esquizoide, o evitativo, entre outros. Não é à toa que um episódio inteiro do podcast Lupus in Fabula foi gravado com o tema “Ocultismo e Saúde Mental”: há de se perceber que as neurodivergências fazem parte do meio ocultista, assim como fazem parte de qualquer outra área.

Mas há algo pior no nosso caso… Ou, pelo menos, pior do que em vários outros lugares.

Vejam bem, o meio ocultista possui ótimos motivos para atrair alguns tipos bastante específicos de neurodivergentes. Para os hiperfocados, como os TEA e os TDAH, há uma gama infinita de assuntos que podem ser estudados até a exaustão. Caso seja uma área de interesse do indivíduo, ele se tornará um dos curiosos “heavy studies” do meio ocultista; uma daquelas pessoas que lê pelo menos quarenta livros por ano, assiste a uma infinidade de cursos e consegue a façanha de realmente ler as esquecidas bibliotecas de PDFs que colecionam. Não é incomum que eles ganhem notoriedade por seus estudos e esforços, na mesma medida em que podem angariar antipatia de certos grupos por algum tipo de trato social ausente ou algo que o valha.

Também é bastante comum vermos os transtornos de atenção, como o narcisista e o borderline, se entremeando por sendas ocultistas. Muitas vezes disputando atenção nos grupos de internet, mas, em muitas outras, se vendendo como gurus de muitas tradições, iniciados em nove mil ordens, e os “que receberam a grande verdade durante um bate-papo de boteco com Zeus, Odin e Jesus Krishna”. O inflado mercado de subcelebridades de nicho já alcançou a senda ocultista há muito tempo, e não me espanta ver os blogueiros goeteiros surgirem aos montes por aí.

Em meio a esquizofrênicos que acham que são médiuns e paranoides que lutam uma guerra santa em nome de Buda Sheran nos umbrais do prisma multicolorido, escrevo este texto aos neurodivergentes que buscam ajuda e soluções dentro da nossa senda. Tanto para os que estão passando pelo processo medicamentoso de forma responsável, quanto para os que desistiram e até mesmo para os que tentam encontrar uma outra maneira. Eu entendo que o processo pode ser bastante complicado e que alguns vão se sentir como ratos de laboratório, constantemente testados, e que os períodos de desatenção são bastante drásticos e incômodos.

Entendam que o primeiro passo é sempre trabalhar junto ao seu médico. E, se o médico for ruim, busque outro. Existem profissionais terrivelmente ruins nas áreas médicas, é verdade; mas o que te faz achar que na área da magia estamos abarrotados de excelência? Os magos que estão te passando Nomes de D’us e rituais planetários para curar TDAH ou TEA não são melhores que o médico que, sem nem te auscultar na emergência, já declara o famoso “é virose”. Não confie em fórmulas mágicas e sempre se lembre de que magia requer via de manifestação.

Também compreendo que muitos estão buscando fórmulas alquímicas, ervas, pedras, alguma alimentação védica ou algo semelhante. E vejam bem, eu não sou desfavorável aos testes de nada disso. Mas você precisa saber o que diabos está fazendo! Pretende descobrir se chá de hortelã benzido pode dar uma ajudinha na medicação? Tudo bem, meu nobre! Pretende meditar com uma pedra-do-sol para ajudar nas crises? Está magnífico, meu bacharel! Quer fazer um amuleto com letras hebraicas para lhe ajudar a retomar o foco nos momentos de dispersão? Está perfeito, meu abençoado! Quer encher o rabo de ópio com uma fórmula esquisita que encontrou na internet enquanto toma o teu remédio que termina com “-ina”? Pô, aí você está de sacanagem, né?

Existe uma série de aromas, alimentos, ervas e banhos que podem ajudar. De novo: ajudar. Ajudar não é curar ou resolver; ajudar significa que há outras coisas envolvidas, e eu espero mesmo que uma dessas coisas seja o seu médico responsável. E, novamente: se o médico for ruim, faça magia para encontrar um bom. É para isso que a magia serve: para te dar um caminho, para abrir portas, para resolver problemas. Não é para fazer milagres. Até porque você não é nenhum tipo de santo, que eu sei muito bem!

Eu entendo que o período de dispersão pode ser bastante desafiador e que, ao observar o coleguinha do lado que está hiperfocado, você pode se desesperar e buscar uma solução mirabolante. É bem chato quando você passa a semana igual uma batata olhando para o teto e o seu colega naquele grupo de estudos secreto que você montou acabou de zerar o Morte Súbita… Eu sei que é. Mas o mais provável é que ele também passe duas semanas vendo anime repetido e viciado em assistir a alguém jogando Super Mario Maker na Twitch. Além disso, isso aqui não é uma corrida, mas um estudo para a vida toda. É um caminho que nós buscamos para completar algo em nosso interior. Completar não é resolver. Entende?

Você não é um carro quebrado que precisa de conserto. Mas talvez seja um carro que acelera muito rápido, alcança altíssima velocidade e depois precisa reabastecer. Ou um caminhão que consegue andar continuamente por longos períodos, mas sem trocar de estrada — sempre em uma mesma rota. Entende?

É claro que entende. Afinal, eu provavelmente estou falando na tua língua. Não é? Bem… Creio que sim. No fim das contas, se este texto é para você, isso significa que nós dois não somos tão diferentes assim.

Então, se cuida. Não invente tratamento maluco. Trabalhe junto ao seu médico. E, se quer uma solução maluca, use aroma de capim-limão num difusor. Certamente me ajuda. Vai que te ajuda também, não é? Isso e lo-fi do Mario Bros. Mas aí já é magia avançada, e eu deixo para depois.


Eduardo Berlim é músico, tarólogo e estudante de hermetismo com vasta curiosidade. Tem apetite por uma série de correntes diferentes de magia e se considera um eterno principiante. Assumidamente fanboy dos projetos da Daemon e das matérias do Morte Súbita inc.

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