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Mindscape – A Paisagem Mental de Alan Moore

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Em meu trabalho como narrador, eu me movo na ficção, eu não me movo nas mentiras. Embora reconheça que essa distinção é atraente e talvez não seja fácil de percebe-la para alguém de fora os quadrinhos … Como a narrativa, como arte, como escrita; é importante que, ainda que você esteja trabalhando com áreas de fantasia completamente diferentes, haja ali uma ressonância emocional. É importante que a história soe real ao nível humano, embora nunca tenha acontecido.

Nasci em Northampton, em 1953, comecei minha vida em uma área conhecida como Os Burros. 

É a área mais antiga de Northampton, e também mais pobre. Era onde acabavam as famílias rurais que eram contratadas nas cidades para trabalhar com correrias de transmissão na revolução industrial.

Originalmente um sistema fossos e fortalezas em torno do castelo de Northampton antes da sua demolição. Por isso que todas as ruas tinham nomes como “o lugar do poço” ou “Rua Forte”, “Beco masmorra” ou algo assim. E essa é uma área sem cor, monocromático, triste. Havia um grande número de famílias, que … vendo em uma perspectiva histórica eram familias incestuosas. Nas quais até mesmo os cães podiam ter um lábio leporino.

Eu estava cercado por um mundo monocromática com oportunidades limitadas. A única janela que me permitiu olhar fora daquele mundo tão limitado eram as histórias de mitologia que eu lia ou as histórias de sucesso de super-heróis em quatro cores. Aventuras de pessoas que não tinham restrições, pessoas que podiam voar sobre os telhados, pessoas que podiam se tornar invisíveis. Esta foi uma chave muito importante para uma porta importante, que abriu as perspectivas para a imaginação com as quais eu finalmente fui capaz de transcender e escapar da restrições das minhas origens.

Então os quadrinhos são algo que tenho lido desde que eu me lembre de ser capaz de ler. Eles eram praticamente a única parte estável da existência da classe trabalhadora, eles eram algo como o raquitismo, eles eram algo que você tinha. Inicialmente eu lia a maioria dos quadrinhos britânicos, os quais eram feitos especialmente para crianças da classe trabalhadora em ambientes de trabalho, geralmente sendo espancadas pelos seus pais e professores, coisa que parecia ser uma fixação peculiar dos quadrinhos britânicos da minha infância. E quase sempre elas apresentavam um mundo que era quase indistinguível do mundo no qual eu vivia. De modo que eu não tinha como achá-lo o mais exótico dos mundos para o qual eu poderia escapar.

Então, quando eu tinha sete anos, eu consegui o meu primeiro gibi americano. Aquelas coisas extravagantes em quatro cores, que em vez de se situar em algum desconhecido cenário britânico, tinham lugar em cidades como Nova York, que para mim era tão exótico como Marte. A idéia da edifícios daquele tamanho, a idéia dessa modernidade parecia penetrar tudo … Era um mundo futurista de ficção científica. Então, com aquele cenário você tinha esses personagens extremamente coloridos, que tinham poderes incríveis e podiam transcender seus limites humanos. Eu já havia sido atraído pela mitologia, contos de fadas, e qualquer coisa com as pessoas que pudesse voar ou tornar-se invisível ou pudesse levantar enormes montanhas ou fazer qualquer um desses atos heróicos pelos deuses e os heróis ficaram muito famosos. E assim, tendo descoberto os quadrinhos de super-heróis americanos, a transição foi bastante natural.

Aqui havia algo onde eu não tinha que reler os mesmos mitos outra e mais outra vez, e sim onde todo mês eu podia ler algo novo sobre o Super-Homem ou o Flash. Isso se tornou uma preocupação. No começo eu estava mais preocupado pelos próprios personagens. Queria saber o que Batman faria no próximo mês.

No tempo que eu tinha a idade de … digamos, 12, ou talvez um pouco mais cedo, tornei-me mais interessado no que os artistas e escritores faziam naquele mês. Finalmente cheguei à conclusão de que essas histórias não se desenhavam sozinhas. Havia alguém as desenhando, alguém as escrevendo. E eu aprendi muito sobre estilos de diferentes artistas e me tornei capaz de distinguir criticamente entre uma boa história e uma má história. E as histórias em quadrinhos se transformaram numa boa parte da minha vida que, do ponto de vista físico, estava mudando rapidamente, como acontece a qualquer um nessa idade.

Me mudei de minha escola primária na área de trabalho na qual eu havia nascido, para uma escola secundária. Agora, me chame de “inocente”, mas entrar no segundo grau me permitiu descobrir pela primeira vez que existia gente de classe média. Antes disso, acreditava que só existia minha família e gente como ela e a Rainha. Eu realmente não sabia que existia toda uma variedade de estratos de humanidade entre estas duas posições. Quando entrei no segundo grau, me dei conta que eu era um dos poucos alunos da classe trabalhadora ali, por causa do “Sistema 11+” (preliminar antes de entrar na escola) que era muito rigoroso e que muitos dos outros meninos lá tinham a vantagem de terem provavelmente recebido uma educação melhor, da qual eu fora privado.

Desse modo, deixei de ser um aluno-estrela da minha escola primária; estar na frente da classe em cada ano e ser um “prefeito” (funções de estudante disciplinar) com uma placa verde de identificação; e de repente, me precipitei para posto de 19 º na classe, coisa que foi um golpe muito forte no meu insuportável e grande ego. Não creio ter conseguido superar isso. O certo é no trimestre seguinte, tornei-me o número 25 na classe. E creio que pelos próximos dois anos mantive-me no penúltimo lugar. Finalmente cheguei à conclusão de que não tinha o o necessário para estar nesse mundo acadêmico que se estendia diante de mim. E então, tomei uma decisão tipicamente minha: decidi que se não podia vencer, então não iria jogar. Eu era um garoto caprichoso que não suportava perder no ‘Banco Imobiliário, no ‘Detetive’, em nada. Por isso decidi que não queria ter mais nada a ver com a luta pela supremacia acadêmica ou qualquer coisa dessa natureza.

Logo depois de ser expulso da escola aos 17 anos, vi meus horizontes se estreitarem rapidamente. O diretor que havia se encarregado de me expulsar tornou a questão, penso eu, em algo quase pessoal. Tinha escrito para todos os colégios e escolas que ele pôde e lhes disse que sob circunstância alguma deveriam me aceitar como aluno, porque eu poderia ser uma má influência sobre a moral dos outros alunos. Acho que em alguma parte da carta se referiu a mim como um “sociopata”, coisa que me parece um pouco severa. O mesmo aconteceu com os empregos. Qualquer emprego ao qual estivesse concorrendo implicava na necessidade de uma referência da escola. E essas referências que eu tinha da escola eram mais ou menos como o contrário de uma referência. Assim os únicos trabalhos que eu poderia conseguir eram aqueles que não se importavam com quem contratavam. Acabei trabalhando no lugar onde os animais são abatidos e em curtumes no final de Bedford Road, Northampton, que é provavelmente um dos lugares mais deprimente em que já estive, onde você entrava às 7h30 e tirava pesadas e gotejantes peles de ovelhas de tanques de sangue coagulado, água, urina e fezes. Lá, o único alívio para tudo isso era o humor tipo campo de concentração, que surgia de atirar testículos recém-cortados entre nós para quebrar a monotonia.

E aquilo era algo certamente monótono. Depois de algumas semanas fui demitido por fumar maconha no meu local de trabalho, coisa que não contribuiu com minha carreira nem um pouco. O próximo trabalho que consegui arrumar foi como limpador de banheiros em um hotel, e prossegui mais ou menos assim até que finalmente terminei como um escritor de quadrinhos.

Deixar meu trabalho e começar a minha vida como escritor foi um grande risco. 

Foi como pular de um abismo ou atirar no escuro. Mas qualquer coisa que tenha valor em nossas vidas – seja uma carreira, uma obra de arte, um relacionamento –  começará sempre com um salto desses. E para ser capaz de dá-lo você tem que colocar de lado o medo da queda e o desejo do sucesso. Você tem que fazer essas coisas puras sem medo, sem desejo. Porque as coisas que fazemos sem desejo ou ambição, são as mais puras ações que podemos fazer.

Originialmente, com a ilusão de ser apropriado para me tornar um artista, me encarregei de desenhar e escrever algumas tiras para uma revista de música e um jornal local. Depois de uns dois anos percebi não poderia desenhar bem e rápido o suficiente para ter uma carreira real como esta, e assim passei a estudar a possibilidade de escrever as tiras de cartoon para que outros a desenhassem. Isto me garantiu alguns dos meus primeiros trabalhos em lugares como a 2000 AD e ‘Doctor Who’ britânico mensal e semanal, que foram publicados por um tempo. Eu aprendi minha profissão fazendo contos de 3 ou 4 páginas cada, algo que é uma ótima maneira de aprender a escrever qualquer coisa, e eu melhorei  fazendo um par de séries nas quais pude me meter, por assim dizer, na natureza do material e pude ter mais chances de ser um pouco mais experimental.

Com isso comecei a ganhar prêmios na Grã-Bretanha, o que impressionou os americanos. Os americanos tendem a pensar que todo prêmio é um Oscar, e não percebem que prêmios da indústria dos quadrinhos são votados por 30 pessoas que usam anoraques e têm vidas sociais terríveis. Mas, pelo que eles sabiam, eu era um ganhador de prêmios, portanto deveria ser um gênio Inglês. E então eles importaram meu talento criativo para a América e fui trabalhar no título  Swamp Thing (O Monstro do Pantano) da DC Comics, o que causou um certo agito e fez com que a DC confiasse em mim o suficiente para me dar outros projetos, e novamente me dando a oportunidade de escrever o que eu quisesse.

Isso me levou a Watchmen em meados dos anos 80, e este foi um dos livros responsável pela ridícula tempestade publicitária que as revistas em quadrinhos ou as ‘graphic novels’, como alguém no departamento de marketing decidiu que elas deveriam ser chamadas, se tornarem populares.

Entrei no ritmo da minha carreira de escritor no início dos anos 80, um período politicamente muito sobrecarrgado. A maior parte do mundo liberal assistia horrorizada a ascensão inexorável da merda de coligação de direita entre Reagan e Thatcher. Ao mesmo tempo, tínhamos elementos de fascismo começando a se fazer ouvir ruas da Grã-Bretanha com a ascensão da Frente Nacional e mais e mais as coisas pareciam bastante sombrias. Eu decidi que, se eu queria escrever sobre esse triste presente, a melhor maneira de fazê-lo era com uma história ambientada no futuro, o que não é, de forma alguma, um novo recurso. A maior parte da ficção científica distópica não é realmente sobre o futuro, mas sobre o tempo em que foi escrita. E o roteiro que eu fiz para V de Vingança não foi exceção. Ele se ambientava no que, naquela época, parecia um ponto inatingível no futuro – 1997. No qual a Grã-Bretanha tinha sido dominada por uma coalizão de grupos fascistas e com um aventureiro anarquista muito romântico que se opõe a tudo. Para comunicar a idéia do fascismo, precisava de um símbolo para persuadir os leitores de que estavam diante de estado policial fascista. A coisa que eu finalmente decidi foi a de câmeras de segurança instaladas em cada esquina,  vigiando a todos os movimentos. Eu imaginei que isso realmente se parecia com “Fascismo em Ação”, e os leitores ficaram igualmente impressionados e, aparentemente, também as figuras do governo, que devem ter lido aquilo na época e decidiram que aquelas câmeras segurança em cada esquina era exatamente o que precisávamos para o final dos anos 90.

Watchmen também surgiru do cenário político sombrio dos anos 80, enquanto a Guerra Fria estava no seu ponto mais quente em 20 ou 30 anos e quando parecia que a destruição nuclear, de repente, era uma possibilidade real. Watchmen usou clichês do formato de super-heróis para testar e discutir as noções de poder e responsabilidade em um mundo cada vez mais complexo. Tratamos desses personagens realmente super-humanos, verdadeiramente ridículos mais como “humano” do que como “super”. Nós usamo-los como símbolos de diferentes tipos de seres humanos normais em lugar de diferentes superseres. Acho que houve algumas coisas sobre Watchmen que sintonizava bem com esses tempos ainda que para mim, talvez, como importante foi a narrativa, onde o mundo que nós apresentávamos não tinha coerência, em termos lineares de causa e efeito. Pelo contrário, era visto como um evento simultâneo e massivamente complexo, com conexões feitas a partir de coincidências, sincronicidade. E eu acho que foi essa visão global, que repercutiu junto ao público, que percebeu que sua visão do mundo não se adequava às complexidades deste mundo sombrio e aterrorizante onde estávamos entrando .Eu acho que Watchmen tinha algo a oferecer, abrindo novas possibilidades de maneiras para percebermos o ambiente que nos rodeia e as interações e relações entre as pessoas que estão nele.

Toda vez que alguém fala sobre histórias em quadrinhos, geralmente se torna um grande problema as semelhanças entre as histórias em quadrinhos e filmes. Concordo que um autor de histórias em quadrinhos que entenda de técnicas cinematográficas será provavelmente melhor que outro que não as conheça. Sinto que, se a gente só vê os quadrinhos em relação ao cinema, então quanto melhor eles se tornam, mais parecidos serão com filmes que não se movem.

Em meados dos anos 80 preferi tentar e me concentrar naquelas coisas que somente os quadrinhos podem fazer. A maneira pela qual um grande quantidade de informação pode ser incluída visualmente em cada painel, a justaposição entre o que a personagem diz e o que poderia ser a imagem que o leitor estivesse olhando. Então, num certo sentido, eu acho que você pode dizer a maioria dos meus trabalhos a partir dos anos 80 era mais ou menos projetado para ser infilmável. Isto é o que eu tive de explicar a Terry Gilliam, quando ele foi selecionado como diretor do muito discutido filme Watchmen.

Eu percebi então que estava me tornando uma celebridade

Coisa que nunca havia esperado, levando em conta que ser escritor de quadrinhos era a mais obscura profissão no mundo quando eu vim para este trabalho. A coisa com a fama é que a fama, na forma como a conhecemos hoje, não existia antes do século XX. Em épocas anteriores, mesmo quando você era muito conhecido, significava ser conhecido por cerca de 100 pessoas no máximo, no caso se você fosse um papa ou algo assim. No século XX, com esses meios de comunicação de massa, de repente tornou-se possível uma outra forma de fama. Costumo pensar que o que a fama tem feito é substituir o mar como a escolha de base para a aventura para a juventude.

Se você fosse um homem corajoso e jovem no século XIX provavelmente iria escolher navegar pelos mares, exatamente como no século XX pode decidir que você quer escapar e montar uma banda pop. A diferença é que, no século XIX, antes de fugir para o mar, o jovem teria pelo menos algum conhecimento sobre o que era e com que estava lidando e, provavelmente, digamos, teria aprendido a nadar. A questão é que não há um manual sobre como lidar com a fama. Então você irá se converter em outro admirável jovem que fez uma boa história em quadrinhos, um bom filme, uma boa música, a quem se vai de repente dizer que é um gênio; e quem acredita nisso é quem vai se consumir rindo e mergulhando nas ondas da celebridade e cujo cadáver encharcado de heroína será arrastado semanas depois nas capas dos jornais. Eu nunca me candidatei a me tornar uma celebridade e eu percebi que a fama não era algo com que eu me sentisse muito confortável. Notei que as celebridades são um tipo de indústria, uma espécie de produção. Os magnatas da mídia, como Rupert Murdoch ou as pessoas que administram grandes redes requerem um fluxo constante de celebridades e colunas para preencher lacunas em seus diários, para preencher o tempo em seus programas, e como celebridades tendem a queimar rapidamente eles tem que criar novas constantemente. Eu realmente não queria fazer parte deste processo por isso retirei-me para a relativa obscuridade de Northampton.

No meu quadragésimo aniversário, ao invés de aborrecer meus amigos com algo tão simples como uma crise da meia-idade, decidi que seria muito mais interessante aterrorizá-los ficando totalmente louco e autoproclamando-me um mago. Isto era algo que vinha se formando há algum tempo, e parecia ser um passo lógico final na minha carreira de escritor. O problema é que a magia é, em muitos aspectos, uma ciência da linguagem, tem que se ser muito cuidadoso com o que você diz. Porque se de repente se você se proclama um mago, sem ter idéia do que isso implica, é muito provável que um dia você acorde e descobra que é exatamente isso que você é.

Existe alguma confusão sobre o que é realmente mágico. Acho que isso pode ser esclarecido olhando para as descrições mais antigas de magia. A magia em suas formas mais primitivas é normalmente designada como “arte”. Acho que isso é bastante literal. Eu acredito que a magia é arte e que a arte, quer por escrito, música, escultura ou qualquer outro meio é literalmente mágica.

A arte é, como mágica, a ciência de manipular símbolos, palavras ou imagens para realizar mudanças na consciência. A verdadeira linguagem da magia trata tanto da escrita como de arte e também sobre o sobrenatural. Um grimório, por exemplo, um livro de feitiços, é uma forma elegante de falar sobre a gramática. Conjurar um encantamento é somente encantar, manipular palavras para mudar a consciência das pessoas. Então eu acho que um artista ou escritor é a coisa mais próxima que você vai  ter  de um xamã no mundo contemporâneo.

Acredito que cada cultura deve ter vindo de um culto. Originalmente, todas as facetas da nossa cultura, sejam as ciências ou das artes territórios eram territórios dos xamãs. O fato de que agora esse poder mágico degenerou ao nível de entretenimento barato e manipulação é uma tragédia. Atualmente, aqueles que utilizam Xamanismo e Magia para moldar a nossa cultura são os anunciantes. Ao invés de acordar as pessoas, Xamanismo se tornou a droga usada para tranquilizar as pessoas, para torná-las mais maleáveis. A sua caixa mágica, a televisão, com suas palavras mágicas, seus slogans, pode fazer com que todos no país pensem nas mesmas palavras e tenham os mesmos pensamentos banais exatamente ao mesmo tempo. Em toda a magia há um componente linguístico incrivelmente grande. A tradição mágica dos bardos os colocava em um lugar mais alto e mais temível do que o de um mago. Um mago pode amaldiçoar, o que pode fazer com que suas mãos movam-se graciosamente ou com que você tenha um filho com uma perna de madeira. Um bardo não te amaldiçoaria, faria uma sátira, coisa que poderia destruí-lo. Se fosse uma sátira brilhante, não apenas te destruiria aos olhos de seus parceiros, mas te destruiria também aos olhos de sua família e te destruiria para seus próprios olhos. E se fosse uma sátira finamente trabalhada, inteligente o suficiente para sobreviver e ser lembrado por décadas, até séculos, então anos depois de sua morte, as pessoas ainda a leriam e ririam de ti, de tua ruína e do teu absurdo. Os escritores e pessoas que podiam comandar palavras eram respeitados e temidos como pessoas que manipulavam a magia.

Nos últimos tempos, acho que os artistas e escritores têm permissão para serem vendidos ao longo do rio. Aceitaram a crença predominante que a arte e a escrita são apenas formas de entretenimento. Não são vistas como forças transformadoras que podem mudar uma pessoa e uma sociedade. São vistas simplesmente como entretenimento, coisas com as quais podemos preencher 20 minutos ou meia hora de nosso tempo enquanto esperamos morrer. Não é o trabalho de um artista dar ao público o que o público quer. Se o público soubesse o que o público quer, deixariam de ser público, seria o artista. É o trabalho de um artista dar ao público o que ele precisa.

Minha carreira como mago continua a evoluir. A partir do momento em que eu acredito que até certo ponto arte e magia são intercambiáveis parecia natural que a arte fosse o meio pelo qual eu expresso minhas idéias mágicas. Estas tem sido expressas na prosa que escrevo, em trabalhos como A Voz do Fogo e provavelmente com mais visibilidade tem sido introduzido nas peças performáticas que eu tenho feito em vários lugares desde 1995. Belos dispositivos psicodélicos pela sua própria natureza, que realmente capturam o tipo de viagem narrativa, em que induzimos os leitores a tomar parte dessas performances para acabar com a sensibilidade da platéia, para induzi-la a um determinado estado psicodélico com o qual, espero, podemos alterar o seu estado de consciência e direcioná-lo aos diferentes lugares e aos diferentes níveis, ao novo e a espaços mágicos. Ao fazer a vontade de nosso verdadeiro Eu inevitavelmente estamos fazendo a vontade do universo. Na magia estas duas coisas são indistinguíveis. Cada alma humana é, de fato, é a alma do universo inteiro. E enquanto você cumprir a vontade do universo, é impossível algo dar errado.

Assassinato é algo intrinsecamente ligado à sociedade, de várias maneiras.

Com Do Inferno o que não queríamos era criar um “Quem fez isso?”, e sim criar algo onde perguntar “O que aconteceu?”, onde poderíamos traçar todas essas complexas linhas a partir do coração do assassino e ver ali em que tipos de lugares elas nos permitiram entrar. Áreas de história, de ocultismo, mitologia, arquitetura, as questões sociais. Todas essas áreas tinham o seu papel para moldar o mundo em que crimes ocorreram e me pareceu importante investigar todas essas possibilidades, para tentar criar um mapa deste evento para incluir todas estas áreas estranhas que geralmente não são incluídas quando se estuda um homicídio. Eu não estava preocupado com o “Quem fez isso?”. Eu estava interessado no que aconteceu e também nas causas de tudo isso.

O único lugar em que os deuses e demônios existem, sem dúvida, é a mente humana, onde são reais em toda a sua grandeza e monstruosidade. Muitos magos como eu entendem que a tradição mágica ocidental é uma busca do Eu com ‘E’ maiúsculo. Isto é o que é entendido como Grande Obra, como o ouro que os alquimistas procuravam, como Vontade da Alma, o que está dentro de nós e que está por trás do corpo, mente e sonhos. Nosso dínamo interno, se você preferir. Agora esta é a coisa mais importante podemos ter: conhecimento de nosso verdadeiro Eu. No entanto, parece haver uma quantidade assustadora de pessoas que não apenas têm a necessidade de ignorar seu Eu, como também tem a urgência de boicotarem a si próprias. Isto é horrível, mas você quase pode entender o desejo de simplesmente desaparecer com essa consciência, porque é muita responsabilidade possuir tal coisa como uma alma, algo tão precioso. E se você quebrar? E se você perder? Não deve ser melhor anestesiá-la, entorpecê-la, destruí-la para não viver com a dor de lutar por ela e tentar mantê-la pura? Eu acho que a maneira como as pessoas mergulham no álcool, nas drogas, na televisão, em qualquer um dos vícios que nos joga nossa cultura, pode ser visto como uma tentativa deliberada para destruir qualquer ligação entre nós e a responsabilidade de aceitar e possuir maior autonomia e depois ter que mantê-la.

No tempo em que escrevi o Monstro do Pântano, que era obviamente uma história de terror, descobri que não era muito eficaz simplesmente atolar os leitores no terror a cada edição.

Necessitava fazer outras coisas para aliviar as características repetitivas do terror

…ou apenas conseguiria atuar em um nível medíocre. Decidi que poderia ser útil conectar os elementos do terror, da imaginação fantástica, como lobisomens, vampiros, zumbis e outras coisas, com os horrores da vida real: racismo, sexismo, poluição, o colapso ambiental. E assim, essas questões sociais introduziram parte do peso que a ficção fantástica pode oferecer. A maioria de nós têm pouco a temer de vampiros. E, no entanto, vivemos em culturas que são igualmente perigosas, apesar da ausência terrível de forças sobrenaturais. Uma coisa que eu fiz foi uma revista onde exploramos as possibilidades eróticas do Monstro do Pântano. Pensei que se você pode encher uma história em quadrinhos após a outra, a cada mês, com combates, provavelmente poderia preencher pelo menos uma história com um ato sexual. Certamente que foi tão interessante quanto uma luta. A revista foi bem recebida e levou-me a pensar seriamente sobre as possibilidades de erotismo, ou como prefiro chamar: pornografia. Porque a diferença entre as duas palavras pode ser grande, dependendo da bagagem intelectual do leitor.

Na década de 1990 encontrei Melinda Gebbie e decidimos que queríamos trabalhar juntos em uma grande obra de ficção erótica resultando no livro Lost Girls. O drama deste livro vai contra o plano de fundo Europa e, em especial na Áustria em 1913 quando tudo estava pronto para a exata antítese do sexo. Tudo é dirigido, à época, no que os humanos fazem quando eles não colocam suas energias no sexo: matar uns aos outros. Porque o desejo sexual saudável que regula muitos jovens durante a adolescência é pervertido por homens mais velhos que podem ter perdido parte do seu impulso sexual. Toda essa energia sexual é enviad diretamente a algum lugar como Flandres e pervertida para provocar a morte de outros jovens. Energia que deveria fazer algo honesto como o sexo é desviada para algo tão atroz como o assassinato.

Existe uma relação entre o sangue do pênis e do cérebro que tende a meter-se no caminho na hora de escrever pornografia inteligente. Caso se torne muito inteligente todo o sangue corre para o cérebro, e você perde a ereção. Se ele se torna muito emocionante sexualmente, você já não estará em condições de apreciar seu valor estético. É um equilíbrio difícil. Meus pensamentos sobre pornografia tendem a transformar-se no fato de que enquanto alguns de nós são zumbis, detetives, cowboys e astronautas, há um número infinito de gibis que recontam as histórias sobre esses modos de vida. De qualquer maneira, todos nós temos sentimentos e opiniões sobre o sexo. A única forma de arte que está apta a discutir sexo, ou representar o sexo, é esta manuseada e depreciada, esta subestimada forma de arte que não tem padrão.

Lost Girls foi pensado como um remédio para isso. Porque não há nenhuma razão para que um pedaço excitante de literatura, que é puramente sexual, não pode ser tão bela e significativa ou ter personagens instigantes como qualquer outra obra de ficção. Tenho estudado a escola da história do pensamento mágico e o ponto em que começou a dar errado.

E na minha opinião, o ponto em que começa o erro é o monoteísmo.

Quer dizer, se você olhar para a história da magia, vê suas origens nas cavernas. Vê suas origens no xamanismo, no animismo, na crença de que tudo ao seu redor, cada árvore, cada pedra, cada animal, era habitado por uma espécie de essência, uma espécie de espírito com o qual talvez você possa se comunicar. Tinha um xamã no meio, ou um visionário que seria responsável por canalizar ideias úteis para a sobrevivência. No momento em que se encontra as civilizações clássicas verá que tudo isso foi formalizado em algum grau. O xamã agia apenas como intermediários entre espíritos e pessoas. Sua posição na aldeia ou comunidade, eu imagino, era a de um canalizador espiritual. Cada pessoa do grupo devia ter seu próprio papel. A melhor pessoa para a caça era escolhido caçador, a pessoa que era melhor para falar com os espíritos, talvez porque ele ou ela estivesse um pouco louco e ligeiramente separado nosso mundo material normal, tornavam-se xamãs. Eles não eram professores de uma arte secreta, mas sim os que simplesmente espalhavam informações pela comunidade porque se acreditava que isso era útil para todo o grupo. Quando vemos o surgimento das culturas clássicas, tudo isto foi formalizado para que houvessem panteões de deuses. E cada um desses deuses tinha uma casta de sacerdotes como intermediários para instruir na adoração ao deus. Então, a relação entre os homens e os deuses, dos quais até certo ponto atuariam como intermediários, era a de instruirem na adoração a estes deuses. E então, a relação entre os homens e seus deuses, que pode ser vista como a relação entre os seres humanos e seus Eus superiores, não era mais feita de uma maneira direta.

Quando chega o cristianismo, quando chega o monoteísmo, de repente se cria uma casta sacerdotal que se desloca entre o adorador e o objeto de adoração. Existe uma casta sacerdotal tornando-se uma espécie de gestão intermediária entre a humanidade e a divindade. Desde então você não tem nenhuma relação direta com os deuses. Os sacerdotes não têm necessariamente um relacionamento com Deus. Eles só têm um livro sobre pessoas que viveram há muito tempo, em que existe uma correlação direta com o divino. E assim está bem. Você não precisa visões milagrosas, não precisa de Deus falando contigo. Na verdade, se você tiver algumas dessas experiências, provavelmente você está louco. No mundo moderno, essas coisas não acontecem. As únicas pessoas que são permitidas conversar com os deuses, e de maneira unilateral, são os padres.

Monoteísmo é, para mim, uma banalização. A Cabala tem uma grande variedade de deuses, mas acima da escala, a Árvore da Vida tem uma área que é o Deus absoluto. A mônada. Algo que é indivisível. E todos os outros deuses, e tudo o mais no universo é como um tipo de emanação daquele Deus. Isso é bom. Mas quando você sugere que lá existe somente este Deus único, a uma altura inalcançável acima da humanidade, e que não há nada no meio, você está limitando e simplificando o assunto. Eu costumo pensar no paganismo como uma espécie de alfabeto, de linguagem. É como se todos os deuses fosses letras dessa língua. Eles expressam nuances, sombras de uma espécie de significado ou certas sutileza das idéias. Enquanto o monoteísmo é uma vogal, algo como: “ooooh”. É um som simiesco. Quase que podemos imaginar os deuses frustrados, desdenhosos. E toda essa riqueza de conceitos espirituais está disponível, porque os reduzimos a um nota plana e simples que nem sequer compreende quem fala sobre o assunto?

Os alquimistas tinham dois componentes para sua filosofia. 

Eram os princípios da Solve et Coagula. Solve era basicamente equivalente a análise, separar as coisas para ver como elas funcionavam. Coagula era basicamente síntese, ou tentar colocar todas as peças desmontadas juntas novamente para trabalhar de forma mais eficaz. Estes são dois princípios muito importantes que podem ser aplicados a quase tudo na cultura. Recentemente, na literatura, por exemplo, houve um fluxo de pós-modernismo, desconstrucionismo. Esta é Solve. Talvez seja tempo nas artes para um pouco mais do que Coagula. Tendo desconstruído tudo, talvez seja hora de começar a pensar em colocar todas as peças no lugar.

O animismo era o estado natural do pensamento humano desde o Renascimento, e a Idade da Razão subseqüente que saiu de daí. Nossa forma original de ver o mundo era como um lugar totalmente habitada por espíritos, onde tudo tinha sua essência interior, onde tudo era, de certo modo, sagrado, inclusive nós mesmos.

A idade da razão, mudou tudo isso.

Se por um lado é indiscutível que a razão trouxe muitos grandes benefícios e que foi um passo necessário para o nosso desenvolvimento, infelizmente trouxe também o materialismo, onde o mundo físico e material eram vistos como o começo e o fim absolutos da existência, onde erámos vistos como criaturas sem dimensão espiritual, sem almas, vivendo em um universo sem alma feito de matéria morta.

Em meados dos anos 80, uma instituição legal americana conhecida como o Instituto Crístico me pediu que compilasse uma revista em quadrinhos sobre os aspectos sombrios da história da CIA, do final da II Guerra Mundial até agora. Tratando de assuntos como o contrabando de heroína durante a Guerra do Vietnã, o tráfico de cocaína nas guerras da América Central, o assassinato de Kennedy e outros pontos altos. O que eu aprendi durante essa pesquisa realmente horrorosa foi que devia me mover com cautela para completar o trabalho, e que sim, há uma conspiração. De fato, há uma série de conspirações que tropeçam umas nas outras. E todas essas conspirações são executadas por fascistas paranóicos e palhaços desajeitados. Se você tiver seu nome marcado em uma lista da CIA, realmente não tem nada com o que se preocupar. Se todavia, tiver um nome parecido com o de alguém que está marcado em uma lista da CIA, você está morto. A principal coisa que aprendi sobre teorias da conspiração é que os teóricos da conspiração acreditam em uma conspiração realmente porque isso é confortável. A verdade é que este mundo é caótico. A verdade é que não há uma conspiração de banqueiros judeus nem de aliens cinza – os grays ou reptilianos de 12 metros de outra dimensão que controlam tudo. A verdade é muito mais aterradora, ninguém está no controle. O mundo está à deriva.

A substância que tem o maior efeito sobre a nossa cultura e em nossas vidas é completamente invisível. Nós só podemos ver seus efeitos. Este material é a informação. A ciência começou como um derivado da magia. As duas divergiram, completamente divorciadas, e se tornaram amargas inimigas. Embora eu tenda a pensar que agora os dois estão crescendo juntos novamente. Eu li recentemente que as pessoas que encabeçam a física quântica acreditam que uma informação é uma “substância super-estranha,” para citar a expressão usada, e que essa substância subjaz através do universo e algo ainda mais fundamental que a gravidade ou o eletromagnetismo ou as duas forças nucleares. Isso sugere que todo o nosso universo físico é o subproduto informação primária. Ou, para colocar em termos mágicos mais que aceitáveis: “No começo era a verbo”.

Tal como eu entendo a teoria da duplicação periódica da informação, esta indica que se tomarmos um período de informação humana, como poderia ser o tempo entre a invenção da primeira machadinha de mão, digamos que entre 50,000 A.C., e 1 D.C.; então esse é um período de informação humana que podemos medir levando em conta a quantidade de invenções humanas efetuadas durante esse tempo. Então nós vemos quanto tempo leva para nós termos duas vezes ou mais invenções. Isso significa que nesse período as informações humanas duplicaram. Assim, após esse primeiro período de 50 mil anos, o segundo período, passa a ter 1500 anos, digamos, o período do Renascimento. Nele tivemos o dobro de informação. Para duplicar-se novamente, a informação humana levou um par de séculos. O período se acelera. Entre 1960 e 1970, a informação humana duplica-se mais uma vez. Pelo que entendi, na última contagem, informação humana vem dobrando a cada 18 meses. Além disso, haverá um momento, em algum ponto mais ou menos em 2015, em que a informação humana estará dobrando a cada milésimo de segundo. Isto significa que para cada milissegundo vamos ter acumulado mais informações do que há em toda história anterior do mundo inteiro. Nesse ponto, eu acredito, é que terminam todas as apostas. Eu não posso imaginar que tipo de cultura pode existir após tal ponto de ignição do conhecimento. Eu acho que provavelmente nossa cultura vai passar para um estado totalmente diferente, se moverá além do ponto de ebulição de uma cultura fluida para uma cultura de vapor.

Originalmente havia só uma única ciência da existência. 

Toda a nossa cosmovisão era mágica. Tudo o que fazíamos, tudo o que acontecia no mundo tinha uma espécie de significado xamânico, mágico. Se você olhar as culturas arcaicas, algumas das quais ainda estão no planeta nas culturas indígenas, muitas de suas linguagens só tem um tempo. Tudo está submetido ao presente.

Podem falar de coisas que ocorreram e de coisas que ainda não ocorreram mas o que vão acontecer no futuro, e sempre dirão no tempo presente. Parece que não apenas temos dividido nossa existência, nosso estudo da existência, nessas diferentes áreas, como também temos subdividido nossa noção de tempo em diferentes áreas. Então este é um grande e eterno presente, que eu admito ser o tipo de “Agora” constante, em que vivem os animais, por exemplo. Mas nós, como indivíduos conscientes temos nos adaptado a esta espécie de noção diferente de tempo, na qual vempos o tempo como uma pérola num fio. O “agora” é este insignificante momento, em constante movimento, em que nos encontramos e que está inexoravelmente deslizando do passado para o futuro. Se você olhar para alguns dos modelos que gente como Stephen Hawking tem sugerido, encontrará algo que está muito mais próximo daquela idéia original sobre como o tempo é estruturado, do que de nossa ideia bastante simplista e fatalista do passado, presente e futuro. Eu acredito que o que Hawking fala sobre o espaço-tempo como uma espécie de gigantesca de bola do futebol estelar, ou uma bola de rugby, se desejar. Em um extremo voce tem o Big Bang e no outro exremo, tudo volta a se unir no Big Crunch. Mas a bola de futebol está lá o tempo todo; ou seja, é este gigante hiper-momento onde tudo está acontecendo, pode significar que era apenas a nossa mente consciente que ordena as coisas em passadas, presentes e futuras.

A idéia de discos voadores do sistema estelar Alpha Centauri que vêm nos visitar agora ou que vieram no passado, não é uma idéia racional. Porque envolvem máquinas muito avançadas motores de dobra, ou conceitos pseudo-científicos como esses, então nós, no Ocidente prestaremos seriamente atenção nelas como fizemos com os livros de von Danicken (Eram os Deuses Astronautas). Ao contrário, as idéias espirituais de outras culturas, nós as consideramos como … bem, não fazem qualquer sentido, não são científicas. Este é um exemplo dos limites do pensamento ocidental, no qual acreditamos que entendemos todo o cosmos, mas na realidade entendemos apenas o interior de nossas cabeças. E, mesmo assim, de forma bastante pobre. Foi Niels Bohr, o físico, que, em sua interpretação em Copenhague da física quântica, disse que, quando falamos ou descrever eventos remotos, ainda que estes ocorram nas estrelas mais distantes ou na menor e na mais remota das partículas, tudo que você realmente pode fazer é falar de nós mesmos e dos nossos processos. Tudo que vemos são as nossas percepções, e as confundimos com a realidade. Em conseqüencia, tendemos a ser muito machistas sobre a nossa imagem da realidade, como se ela fosse única. Assim, a única forma através da qual podemos olhar para outras culturas é imaginar que eles se enganaram, que são primitivos ou ainda não tenham entendido tudo. Essa é a maneira que nós, em termos de informação, isolamos a nós mesmo terrivelmente. E é a nossa cultura, insistindo em nossos próprios valores, que se cega ao que poderiam ser idéias e conceitos úteis, pertencentes a outras culturas profundamente ligadas às suas raízes. Elas podem oferecer talvez leituras mais ricas do mundo do que a ciência empírica fria poderia dar. A ciência não pode falar sobre a consciência porque a ciência é algo que trabalha apenas com a evidência empírica e com coisas que podem ser repetidas em laboratório. Os pensamentos não se enquadram nesta categoria. Assim, a ciência em geral tende a rejeitar a existência da consciência. Eles dirão que a consciência é um acidente biológico, que por sua vez é baseado em química, que por sua vez é baseado na física e totalmente explicado dentro de uma estrutura científica racional e normal. Rupert Sheldrake, que é uma espécie de herege científico, propôs a teoria de um campo morfogenético para provar e entender alguns dos masi assustadores efeitos da consciência. É provável que eu esteja simplificando horrivelmente aqui, mas acho que o conceito básico era que, uma vez que uma forma se manifestou, tanto uma forma física ou uma forma-idéia, então se torna mais provável e possível que ela se manifeste novamente. Sheldrake diz que isto acontece porque existe um campo morfogenético, como ele diz, “que conecta tudo”. E uma vez que a idéia existiu é porque de alguma maneira ela já existia nesse campo morfogenético. Fiquei surpreso porque isso poderia explicar muitas coisas sobre como funciona a mente humana. Mesmo coisas como, por exemplo, o fato de que a máquina a vapor parece ter sido inventada por cinco ou seis pessoas diferentes, aproximadamente no mesmo período. Depois de centenas e milhares de anos durante o qual o motor a vapor não existia de repente, em questão uma quinzena … você sabe, veio a era da máquina a vapor. Todos vêm com uma idéia da propulsão a vapor. Isto é muito semelhante com a idéia que propus sobre o espaço-idéia. Um espaço em que os eventos mentais possam ocorrer em conjunto, em que a idéia-espaço seja universal. Nossa consciência individual tem acesso a este vasto espaço universal. Tal como temos casas individuais, mas a rua do lado de fora da porta pertence a todos. É quase como se as idéias fossem pré-existentes dentro desse espaço.

Como seres humanos, habitamos dois mundos distintos e separados, duas paisagens. 

Habitamos no mundo físico, mas ao mesmo tempo, sendo que nós só podemos experimentar verdadeiramente nossa percepção desse mundo, parece que na realidade nós também vivemos em um mundo de pura consciência e idéias. E me surpreende que os territórios existentes neste espaço mental sejam compostos apenas de idéias e conceitos. Em vez de ilhas e continentes existem sistemas de crenças e filosofias. O marxismo pode ser uma ilha. As religiões judaico-cristãs podem constituir outras terras ou continentes. As mentes humanas interagem, embora debilmente, de forma limitada, com cada espaço-ideia a cada momento do dia apenas para conduzir nossas vidas diárias. Se você quer idéias realmente originais, se você é um artista ou um inventor ou alguém que trabalha com idéias originais e novas, deve mergulhar em linha reta na base, na noosfera profunda para encontrar as idéias que nunca foram pensadas antes. Se assumirmos que o espaço-idéia, ou algo assim existe, então podemos decidir que queremos explorar esse espaço; sejam por razões artísticas, ou talvez por razões científicas, ou talvez como magos, como ocultistas. Agora, se estamos por nos aventurar neste território hipotético e mais ou menos desconhecido, parece sensato testar e implementar mapas com as rotas feitas pelos exploradores anteriores. Quando se fala do território da mente e, talvez do espírito, os único mapas disponíveis são os sistemas mágicos dos antigos. Você está falando de sistemas como a Cabala, com seu mapa de qualquer estado humano concebível. Você fala de sistemas como o Tarot, um panteão de imagens arquetípicas oferecendo uma cartografia para obter um mapa da condição humana.

A maioria das pessoas acha que a palavra ‘apocalipse’ é aterrorizante. Verificando o dicionário, seu significado é “revelação”. Obviamente, isso também significa ‘Fim do Mundo’. Até onde o significado do fim do mundo vai, depende da nossa idéia de “mundo”. Eu não acho que esta palavra se refere ao planeta ou até mesmo a vida no planeta. Acho que o mundo é puramente uma construção de idéias, e não apenas as estruturas físicas, mas também as estruturas mentais, as ideologias que têm surgido. Isso é o que eu chamo de “o mundo”. As nossas estruturas políticas, nossas estruturas filosóficas, marcos ideológicos, as economias – essas são, de fato, coisas imaginárias, e ainda, proporcionam o enquadramento em que nós construímos o mundo. Me ocorre que uma onda de informações suficientemente forte poderia levar abaixo e destruir tudo isso. A súbita revelação poderia mudar a nossa perspectiva completamente sobre quem somos e como nós existimos.

A história é um fogo, é o fogo da consciência acumulada e de uma complexidade acumulada. A medida que nossa cultura progride, vemos que reunimos mais e mais informações e que começamos a nos mover lentamente quase de uma forma fluida a um estado vaporoso, a medida que nos aproximamos a complexidade definitiva do ponto de ebulição social. Eu acredito que nossa cultura está se convertendo em vapor.

Transcrição completa do documentário.


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