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“Memes”— quando você ouve esta palavra, ou pior, encontra-se a dizê-la, sente uma irresistível urgência em levantar suas mãos denotando medo ou rir nervosamente para esconder seu embaraço? Se for assim, você não está sozinho. A simples idéia de um meme parece desencadear medo mesmo no mais ferrenho evolucionista.
Alguns rejeitam o meme diretamente como uma “metáfora sem sentido”, ou analogia vazia. Entretanto, minha intenção hoje é argumentar que a idéia dos memes como replicadores independentes é uma idéia útil e poderosa—e que irá provar-se essencial para o entendimento da mente humana.
Devo primeiro delinear a história da idéia dos memes e então apresentar quatro exemplos de como a teoria memética pode ser usada para explicar fenômenos específicos; dois destes eu devo citar rapidamente, apenas para dar uma idéia do tipo de raciocínio envolvido. Os outros eu devo considerar mais detalhadamente. Eles são a origem do altruísmo humano e o tamanho de nossos cérebros. Devo concluir com alguns pensamentos sobre a natureza da mente e do ego.
Em 1976 Dawkins publicou seu “best seller” O Gene Egoísta. Este livro popularizou a crescente visão na biologia em afirmar que a seleção natural procede não pelo interesse das espécies ou do grupo, nem mesmo pelo indívíduo, mas pelo interesse dos genes. Os genes são os verdadeiros replicadores e é a competição dos mesmos que guia a evolução do design biológico—ou como ele diria agora, Escalando o Monte Improvável.
Freqüentemente é permitido a autores mais velhos e famosos lançarem mão de umas poucas páginas de especulação selvagem a respeito de tópicos proibidos ao final de seus grandes livros. Me lembro bem do meu instrutor avisando-me a respeito do último capítulo do livro de Eccles sobre a fisiologia do axônio da lula gigante, onde ele discorre sobre o recalcitrante assunto da consciência. Bem, Dawkins não era nem velho, nem (então) terrivelmente famoso, mas ele dedicou suas últimas poucas páginas ao tópico dos memes e tem sido muito ridicularizado por isso.
Dawkins, clara e ousadamente como sempre, sugeriu que toda vida em toda parte do universo deve desenvolver-se pela sobrevivência diferenciada de entidades auto-replicadoras levemente imprecisas. Mais além, estes replicadores automaticamente juntam-se em grupos para criarem sistemas, ou máquinas, que carregam-nos e trabalham para favorecer suas réplicas contínuas. O gene, ele declara, não é o único replicador em nosso planeta. Encarando-nos, apesar de ainda ser arrastado desajeitadamente pela corrente do caldo primordial da cultura, há um outro replicador—uma unidade de imitação. Dawkins nomeou-o “meme” e como exemplos sugeriu “canções, idéias, provérbios, moda, métodos de fazer potes ou construir arcos.”
Em apenas aquelas poucas páginas ele fundamentou as bases da compreensão da evolução dos memes. Ele declarou que sua propagação faz-se saltando de cérebro a cérebro, associa-os a parasitas infectando um hospedeiro, tratou-os como estruturas vivas e demonstrou como memes que assistem-se mutuamente irão agrupar-se. Ele criou as bases para sua última análise das religiões, como sendo meme-complexos co-adaptados e argumentou que, uma vez que um novo replicador surge, ele tenderá a estabelecer-se e começar um novo tipo de evolução. Acima de tudo ele os tratou como replicadores independentes, censurando de forma severa aqueles dentre seus colegas que tendiam sempre a irem atrás da “vantagem biológica” para responder questões referentes ao comportamento humano. Sim, ele concordou, nós obtivemos nossos cérebros através de razões biológicas (genéticas) mas agora que nós os temos, um novo replicador foi liberto e ele não precisa ser subserviente ao mais antigo.
O meme meme tem se saído muito bem. O termo foi até mesmo considerado para ser incluído no Dicionário Oxford de Inglês. Contudo, a idéia básica parece não ter sido compreendida nem mesmo muito usada e seus dois maiores proponentes, Dawkins e Dennett, parecem ambos terem voltado atrás depois de seu entusiasmo inicial.
Muitos autores preferem evitar o termo. “Meme” não aparece nem mesmo no índice de muitos dos melhores livros recentes a respeito da origem e da linguagem humanas, como “The Language Instinct [O Instinto da Linguagem]” de Pinker, ou em Grooming, Gossip and the Evolution of Language [Grunhido, Fofoca e a Evolução da Linguagem] de Dunbar, ou Prehistory of the Mind [Prehistória da Mente] de Mithen, ou The Day before Yesterday [O Dia Antes de Ontem] de Tudge, nem naqueles sobre a moralidade humana como The Origins of Virtue [As Origens da Virtude] de Ridler, ou The Moral Animal [O Animal Moral] de Wright.
Houve muitas tentativas de desenvolver teorias sobre as origens da cultura. Talvez elas tenham usado a mesma idéia mas chamaram-na de algo diferente. Teorias assim poderiam ser vistas quase que estando num continuum, desde a rejeição inequívoca da evolução cultural, passando pela maior parte da sociobiologia e da imagem de Wilson, onde os genes estão encoleirando a cultura, até os esquemas que tratam a evolução cultural como algo relativamente independente. Junto a este último conceito, apenas Durham usa a palavra “meme” e pode não ser coincidência que ele forneça bons exemplos de memes agindo contra o interesse dos genes ou forçando ao desenvolvimento dos genes numa direção ao invés de outra. Entretanto, até ele faz da aptidão adquirida o juiz final na sua teoria da co-evolução. Até onde posso compreendê-los, outros autores não tratam de fato suas unidades de troca de cultura como um replicador independente. Quando eles dizem “adaptatividade” ou “inadaptatividade” eles se referem aos genes. Em outras palavras, quando se chega ao “vamos ver” eles sempre acabam apelando à vantagem biológica, exatamente como Dawkins lamentou que seus colegas faziam vinte anos atrás.
Dawkins é claro nesse ponto quando diz que “Não há razão para que o sucesso dos memes tenha qualquer conexão com o sucesso genético.” Eu concordo.
O maior apoio direto para este ponto de vista vem de um filósofo, não de um biólogo. Dan Dennet usou a idéia dos memes nos seus dois livros mais recentes. Ele está absolutamente convencido de que o meme é um replicador à parte dos genes e descreve seu “poder replicador” nos termos do algoritmo fundamental da seleção natural. Ele também vai além, descrevendo uma pessoa como a entidade criada quando “um tipo especial de animal é devidamente preenchido—ou infestado—por memes.” A análise dele é detalhada e fascinante, mas ele não faz predições empíricas específicas e poucos parecem ter adotado suas idéias.
Há uma comunidade crescente na Internet discutindo sobre os memes, mas da mesma forma que acontece com grupos assim, a qualidade é misturada. Mais vinte anos parecem ser necessários para mim a fim de defender a idéia de que o meme é um replicador em seu próprio direito de ser, assim como para provar sua utilidade.
O Meme Como Replicador
Concorda-se de forma unânime que, para que a evolução aconteça, três coisas são necessárias: variação, hereditariedade ou replicação, e sobrevivência diferenciada das cópias produzidas. Há uma enorme variedade nos comportamentos que os humanos emitem, estes comportamentos são copiados, de forma mais ou menos precisa por outros seres humanos, e nem todas as cópias sobrevivem. O meme, portanto, encaixa-se perfeitamente.
Pense nas melodias, por exemplo. Milhões de variantes são cantadas por milhões de pessoas. Apenas algumas são passadas adiante e repetidas, e poucas destas chegam às paradas de sucesso ou às coleções de clássicos. Ensaios científicos proliferam mas apenas alguns poucos chegam a ser listados em índices de referência. Apenas alguns poucos pratos culinários repugnantes feitos em panelas chinesas chegam a ser apresentados na TV que mostram como prepará-los e só poucas das minhas idéias brilhantes chegaram alguma vez a ser apreciadas por alguém! Em outras palavras, a competição para ser copiado é feroz.
Posto de outra forma, há a necessidade de haver um replicador que faça cópias levemente imperfeitas de si mesmo num ambiente onde nem todas as cópias podem sobreviver. Qualquer que seja a forma que você o observe, o meme parece se encaixar. Contudo, há algumas objeções convincentes à noção do meme como replicador. Devo considerar três:
1: Memes não são como Genes
Infelizmente temos apenas um replicador bem conhecido com o qual podemos comparar o meme. Digo infelizmente porque isto tende a fazer com que pensemos que todos os replicadores precisam ser como os genes. De fato, os genes podem ser apenas um exemplo dentre muitos replicadores em potencial.
Então não precisamos rejeitar a idéia do meme só porque ele funciona de forma tão diferente do gene. Sugiro que deveríamos simplesmente ter em mente as similaridades e as diferenças, e esperar para descobrir quão importantes elas são.
Por definição, os genes e os memes são paralelos. O gene é uma instrução para construir proteínas, armazenado em uma célula e passado adiante pela reprodução. O meme é uma instrução para construir comportamentos, armazenado em um cérebro e passado adiante a outros cérebros pela imitação. Entretanto, há muitas diferenças na forma que a replicação acontece. Os genes utilizam-se do maquinário celular para copiar a si mesmos de forma quase que precisa. Os memes têm de ser copiados utilizando-se o próprio cérebro como um dispositivo de replicação. Uma pessoa tem que observar o comportamento de outra e encontrar de alguma forma o jeito de reproduzí-lo. Trata-se, se você preferir, de um tipo de engenharia reversa. Digamos que você estale seus dedos acima da sua cabeça. Posso copiar esta ação de forma relativamente fácil, ainda que os processos envolvidos em minha cópia sejam diabolicamente complexos e não estejamos nem perto de entendê-los. O que sabemos é que os humanos são extremamente bons em imitar uns aos outros e fazem isso desde o começo de suas vidas. É este processo diabolicamente complicado que torna a transmissão dos memes possível.
Este fato também significa que a transmissão memética é de certa forma Lamarckiana. Ou seja, eu copio as ações que você faz, não as instruções para realizarem tais ações, instruções estas que estão guardadas no seu cérebro. Mas não se esqueçam que podemos facilmente ignorar a influência das amarras ambientais sobre o comportamento. Se eu tropeço ao demonstrar minha fantástica combinação nova de mangueira e irrigador de jardim, você não vai copiar minha falta de jeito ao usar a minha invenção. Se eu te contar uma estória brilhante quando estiver com dor de garganta, você não vai usar uma voz rouca quando a transmitir aos seus amigos. De fato, a linguagem parece ser notavelmente resistente às excentricidades das vozes individuais e dos sotaques, e a linguagem deve ser um meio gigantesco para se transmitir memes.
Se vemos ou não este processo como Lamarckiano também depende em parte do que considerarmos ser o equivalente ao fenótipo. Se seguirmos alguns autores, persistindo em ver o organismo como o fenótipo, então obviamente o processo é Lamarckiano. Se seguirmos Dawkins, tratando o produto dos memes tais como palavras, música, gestos, habilidades e modas, como equivalentes ao fenótipo, então o processo ainda parece Lamarckiano pois estas são exatamente as coisas que estão sendo copiadas. Entretanto, devíamos seguir sua outra sugestão de que os memes estão ainda sendo levados pela correnteza, desajeitadamente, em seu caldo primordial. Podemos ver o cérebro como o dispositivo replicador de comportamentos que ainda não criou fenótipos claros. Neste caso, o processo não é tão obviamente Lamarckiano.
É importante que a cópia dos memes seja tão negligente quando comparada com a meiose? Um tópico para outra palestra deveria ser a forma na qual a linguagem, escrita e falada, aumenta a precisão da transmissão e aumenta a velocidade do algorítimo de evolução memética. A criação pacotes de programas e de linguagens de computador ainda mais precisos, sem mencionar o hardware, pode ser um outro passo nesta mesma direção.
Isso relaciona-se a outra diferença importante, frequentemente notada: a velocidade da replicação. Se pode-se dizer que há tempo de geração para um meme, ele pode ser tão curto quanto o tempo que se demora para copiar uma ação ou uma palavra ou duas. A maioria dos memes irá perambular grudados em vários cérebros por semanas, meses ou anos, antes de serem transmitidos adiante, mas muitos espalham-se em velocidades alarmantes. A notícia que Fergie gastou um milhão de libras em férias com a família deve ter passado à milhões de cérebros poucas horas depois que um jornalista descobriu (ou inventou).
Gosto de pensar na questão da velocidade nos termos da “Torre de Gerar e Testar” de Dennett. Criaturas Darwinianas são geradas por seleção natural mas têm que morrer durante o processo. Criaturas Skinnerianas [referente a B. F. Skinner, psicólogo americano] podem aprender por tentativa e erro, e consequentemente podem sobreviver e repetir, ou não, o comportamento que geram. Criaturas Popperianas [referente a C. Popper, filósofo] podem imaginar comportamentos e decidir entre cometê-los ou não, de acordo com uma “geração e teste” interna. E, finalmente, criaturas Gregorianas [de Gregório, o Papa – referindo-se à cultura, que é uma forma de transmitir o conhecimento aprendido de uma geração para outra], podem transmitir seus truques engenhosos a outros, então nem todos os indivíduos precisam praticar as idéias. Cada andar da torre é construído a partir do ãndar anterior e cada um acelera o processo de acumular truques mais engenhosos. Embora Dennett não tenha dito isso especificamente, o quarto andar da Torre [o que abriga a cultura] é a moradia dos memes—e eles são gerados, testados e acumulados mais rápido que qualquer coisa que tenha acontecido antes.
Teremos que esperar para ver o quão importante essas diferenças mostrarão ser. Nesse ínterim, sugiro que anotemo-os com cuidado e que tomemos extremo cuidado ao transferirmos para o mundo dos memes o uso de termos como genótipo e fenótipo, alelo e geração. Pode ser que sejamos capazes de usá-los ou talvez precisaremos inventar termos inteiramente novos.
2: Qual é a unidade do meme?
Esta pergunta é feita frequentemente e algumas pessoas parecem que não desejam falar nos termos da memética porque a unidade não pode ser especificada. Contudo, devemos lembrar que a mesma pergunta pode ser feita com relação aos genes—de fato, Dawkins exprime com riqueza de detalhes os problemas de se escolher qualquer tamanho de unidade particular. A natureza não especifica o tamanho de um gene.
Também proponho que, quando eu tiver explicado minhas quatro sugestões, você pergunte a si mesmo se realmente tem importância qual o tamanho de unidade a que estou me referindo. Tenho feito isso frequentemente e concluí que, para vários propósitos, podemos prosseguir com uma análise memética sem especificar o tamanho da unidade.
3: Não sabemos como os memes funcionam
Não, não sabemos—apesar de podermos especular nos termos da potenciação sináptica ou das variações na carga nas redes neurais. O fato é que, quando uma pessoa executa qualquer comportamento, deve haver algum tipo de instrução arquivada no cérebro, e quando outra pessoa copia e se lembra de uma ação, ela também deve criar algum tipo de alteração neural. Podemos percorrer um longo caminho sem saber como isso é feito—da mesma forma que a teoria Darwiniana percorreu um longo caminho durante as muitas décadas antes de se descobrir que os genes eram a base da hereditariedade.
Não penso que qualquer uma dessas objeções seja merecedora de preocupação. São desculpas para não se tentar—e eu quero tentar. Quero que o meme seja considerado como um replicador verdadeiro, egoisticamente copiando a si mesmo num mundo de cérebros humanos, e quero ver o que acontece.
O raciocínio básico que uso é este—imagine um mundo cheio de hospedeiros para memes (ie cérebros) e muito mais memes do que moradias possíveis para eles. Agora pergunte, quais memes estão mais aptos a encontrar uma moradia segura e serem transmitidos novamente? É simples assim. No processo devo evitar interromper-me em considerações quanto aos interesses, quer dos genes, quer dos organismos que eles criam. Estou interessada aqui na replicação egoísta dos memes e eles não se preocupam com os genes nem com as pessoas. Memes sequer podem prever! Devo também ser cuidadosa com os enunciados abreviados como “memes desejam x” , “memes tentam fazer y”, ou “z é uma boa estratégia dos memes.” Estes enunciados podem até ser legítimos mas preciso sempre estar certa de que eles podem ser traduzidos de volta à versão completa de tais enunciados, tal como “memes que tenham o efeito de produzir x são mais aptos a sobreviver que aqueles não produzem.” Tenho feito isso tão bem quanto posso e espero que você possa deleitar-se pensando sobre algumas das consequências desta forma de pensar. Algumas delas são claramente óbvias—assim que você as vê.
Vou agora delinear quatro conseqüências. Devo tratar as duas primeiras de forma breve, em parte como exercícios de pensar de forma memética.
1: Por que não podemos parar de pensar?
Imagine um mundo cheio de cérebros e muito mais memes do que moradias possíveis para eles. Quais memes são mais prováveis de encontrar morada e serem transmitidos adiante?
Agora imagine um meme que encoraja seu hospedeiro a manter-se repetindo-o mentalmente, ou uma melodia que seja tão fácil de cantarolar que fica sendo repetida inúmeras vezes na sua cabeça, ou um pensamento que o compele a continuar pensando nele.
Imagine em contraste um meme que se enterra silenciosamente na sua memória e nunca mais é repensado, ou uma melodia que é muito difícil de ser relembrada, ou um pensamento que é muito chato para ser pensado novamente.
Qual vai se sair melhor? Todo o resto sendo iguail, o primeiro grupo de memes se sairá bem melhor. Ensaiar ajuda a memorizar e você tende a expressar (ou mesmo cantar) as idéias e melodias que preenchem a sua hora de vigília. Qual é a conseqüência? A memosfera se enche de melodias atraentes e de pensamentos “pensáveis” e então todos nós pensamos muito.
O princípio aqui é familiar. Numa floresta, qualquer árvore que cresça e fique alta consegue mais luz. Então os genes para crescer mais tornam-se mais comuns e a floresta termina sendo tão alta quanto as árvores conseguem ser. Podemos aplicar o mesmo princípio novamente.
2: Por que falamos tanto?
Imagine um mundo cheio de cérebros e muito mais memes do que moradias possíveis para eles. Quais memes são mais prováveis de encontrar morada e serem transmitidos adiante?
Agora imagine qualquer meme que encoraje a conversa. Poderia ser uma idéia tipo “conversar é uma ótima idéia” ou “é amigável bater-papo.” Poderia ser algum pensamento insistente que simplesmente o compele a vocalizá-lo. Pode ser apenas alguma coisa terrivelmente fácil de se dizer.
Imagine em contraste qualquer meme que desencoraje a conversa, como o pensamento “conversar é uma perda de tempo.” Poderia ser alguma coisa que você não ousaria vocalizar alto, ou apenas alguma coisa muito difícil de ser dita.
Qual se sairá melhor? Posto desta forma a resposta é óbvia. O primeiro grupo de memes será ouvido por mais pessoas e, todo o resto sendo igual, simplesmente devem ter chances melhores de serem propagados. Qual é a conseqüência disto? A memosfera será preenchida por memes que encorajam a conversar e então todos nós iremos conversar bastante. Uma maneira alternativa de encarar isso é esta—pessoas que conversam mais irão, em média, espalhar mais memes. Então quaisquer memes que gerem tagarelas são mais prováveis de serem espalhados.
Isso me faz ver conversas sob uma nova luz. Toda essa conversa está de fato baseada nos interesses dos genes—na vantagem biológica? Conversar gasta muita energia e nós conversamos sobre muitas coisas idiotas e sem sentido! E o que dizer do ato de pensar? Qualquer um que medite irá dizer que a mente está constantemente cheia de asneiras—pensamentos que vêm, vêm e vêm e não vão embora. Esses pensamentos estúpidos e triviais têm alguma vantagem biológica escondida?
Gostaria de, pelo menos, oferecer a sugestão que eles não têm. Que todos nós conversamos e pensamos somente porque os memes que nos fazem conversar e falar são bons sobreviventes. Isso prepara o cenário para uma sugestão mais audaciosa.
3: Porque somos tão legais uns com os outros?
Claro que não somos gentis com os outros o tempo todo, mas a cooperação humana e o altruísmo são um mistério. Apesar dos tremendos avanços feitos no entendimento da seleção por parentesco e da adaptação inclusiva, do altruísmo recíproco e das estratégias evolucionárias estáveis, parece que fazemos algumas coisas estranhamente altruísticas.
Todo mundo provavelmente pode pensar em seu exemplo favorito. Richard Dawkins (1989 p230) chama a doação de sangue de “um caso genuíno de altruísmo puro e desinteressado.” Estou mais impressionada pelas doações de caridade feitas às pessoas em países distantes que provavelmente compartilham tão poucos de nossos genes quanto qualquer um sobre a Terra e que sequer chegaremos a conhecer algum dia. Por que entregamos carteiras encontradas nas ruas, limpamos o lixo nos piqueniques, apoiamos companhias ecologicamente corretas ou reciclamos nossas garrafas? Por que tantas pessoas desejam ser enfermeiros e orientadores mal pagos, agentes sociais e psicoterapeutas? Muitos acreditam que tudo isso deva ser explicado, por fim, nos termos da vantagem biológica mas quero oferecer uma alternativa a ser considerada. Por ora, podemos usar nossa tática familiar:
Imagine um mundo cheio de cérebros e muito mais memes do que moradias possíveis para eles. Quais memes são mais prováveis de encontrar morada e serem transmitidos adiante?
Imagine o tipo de meme que encoraja seus hospedeiros a serem amistosos e gentis. Poderiam ser memes para dar festas incríveis, para ser generoso com a marmelada caseira, ou para estar preparado para gastar horas ouvindo as vicissitudes de um amigo. Agora compare isso com memes para sermos avarentos e não sermos amistosos—nunca promovendo jantares ou pagando bebidas, ou recusando a gastar tempo ouvindo os outros. Qual irá espalhar-se mais rapidamente?
O primeiro tipo. As pessoas gostam de estar com pessoas legais. Então, aqueles que acolhem muitos memes de amistosidade, gastarão mais tempo com as outras pessoas e terão mais chances de disseminar os seus memes. É, portanto, de interesse dos memes infectar pessoas gentis. Consequentemente muitos de nós acabarão acolhendo muitos memes para ser gentil com os outros. Você pode querer desafiar qualquer item proposto acima. É, portanto, animador aprender, a partir de muitos experimentos em psicologia social, que as pessoas estão mais inclinadas a adotar idéias daqueles que elas percebem serem mais amistosos ou atraentes. Se isto é causa ou conseqüência dos argumentos acima, é algo debatível. Seria mais interessante se fatos psicológicos como este, ou outros tais como a dissonância cognitiva ou a necessidade de auto-estima, pudessem ser derivados de simples princípios meméticos—mas esse é um assunto para outra ocasião!
Por enquanto, deveríamos considerar se a idéia é testável. Ela prediz que pessoas deveriam agir de forma a beneficiar a disseminação dos seus memes mesmo com algum custo a si mesmas. Estamos acostumados a comprar informação e a pagar por meios de acesso à mente das pessoas com o propósito de vender produtos, mas esta teoria prediz que as pessoas pagarão simplesmente para disseminar os memes que carregam—porque os memes forçam-nas a fazê-lo. Muitos aspectos da persuasão e da conversão a causas podem acabar mostrando ter o envolvimento deste mecanismo. O altruísmo pode acabar mostrando ser outro tipo de truques de memes que as religiões (os mais poderosos dentre os meme-complexos) têm sequestrado. Quase a maioria delas têm sucesso ao fazer seus membros acreditarem que estão fazendo o bem.
Claro, ser generoso é caro. Sempre haverá pressão para não ser generoso e se os memes puderem encontrar estratégias alternativas de disseminação, eles o farão. Por exemplo: pessoas poderosas podem ser capazes de disseminar memes da mesma forma sem serem altruístas! Entretanto, isso não muda o argumento básico—que o altruísmo é uma boa maneira de se disseminar memes. Se os memes têm poder de replicarem-se devemos esperar que eles pressionem seus portadores a fazer o serviço.
Vocês deve ter notado que a idéia embutida em todos esses argumentos é que os memes podem agir em oposição aos interesses dos genes. Pensar todo tempo pode não ser muito desgastante em termos de energia—o cérebro está gastando energia mesmo quando não está pensando. Contudo, deve ter algum preço. Conversar é certamente dispendioso, como qualquer um que já esteve seriamente doente pode atestar. E, claro, qualquer ato altruístico é, por definição, custoso ao autor do mesmo.
Eu diria que isso justamente o que deveríamos esperar se os memes forem realmente replicadores independentes. Eles não se importam, nem com os genes, nem com as criaturas que os genes criaram. O único interesse deles é a auto-propagação. A conseqüência é que, se eles puderem se propagarem roubando recursos dos genes, eles o farão. E, claro, esta não é uma receita para a felicidade humana.
Quero dar apenas mais um passo através desse caminho. Meu exemplo final mostra os memes forçando sua mão nos genes de uma forma mais física.
4: Por que nossos cérebros são tão grandes?
Sim, eu sei que esta é uma velha pergunta e que há diversas respostas boas a ela. Mas será que são boas o suficiente? Não esqueçamos o quão misterioso esse assunto é realmente. Os cérebros são notoriamente caros, tanto para serem feitos quanto para serem conduzidos. Eles detém aproximadamente 2% do peso corporal mas utilizam-se de 20% da energia disponível no corpo. Nossos cérebros são três vezes maiores que os cérebros dos macacos de tamanho de corpo equivalente ao nosso. Comparado ao de outros mamíferos, nosso quociente de encefalização é ainda maior, por volta de 25. Usando várias medidas diferentes de capacidade cerebral, os humanos sobressaem=se sozinhos. Os cérebros também são órgãos que tornam o ato de dar dar à luz algo perigoso. O fato de que tal inteligência tenha surgido em um animal que fica em pé pode ou não ser uma coincidência, mas certamente aumenta o problema. Nossa pélve não está preparada de forma ideal para dar à luz a cérebros imensos—mesmo assim o fazemos. Por que?
O mistério tornou-se aprofundado para mim ao pensar a respeito do tamanho da vantagem biológica necessária para a sobrevivência. Fiquei fascinada ao ler sobre um estudo que versava a questão do destino dos Neandertais. Zubrow usou simulações de computador a fim de determinar o efeito de uma tênue margem de competição e concluiu que 2% de vantagem poderia eliminar uma população competidora em menos que um milênio. Se precisamos apenas de uma vantagem tão pequena, por que temos uma tão grande?
Várias respostas novas têm sido propostas. Por exemplo, Robin Dunbar argumenta que necessitamos de cérebros grandes a fim de fofocar e precisamos fofocar como uma forma de relação social verbal para mantermos unidos grupos muito grandes de indivíduos. Christopher Wills argumenta que a evolução desenfreada do cérebro humano resulta de uma guinada cada vez mais rápida de retroalimentação da relação gené-ambiente. Miller propõe que nossos cérebros imensos foram criados pela seleção natural; Richerson e Boyd afirmam que tais cérebros são utilizados para o aprendizado social e individual, favorecidos por taxas de crescentes de variação ambiental. O que todos esses autores têm em comum é que o alvo final são os genes. Assim como os deploráveis colegas de Dawkins, eles sempre voltam à pauta da vantagem biológica. Proponho uma alternativa baseada na vantagem memética.
Imagine os hominídeos primitivos que, por boas razões biológicas, adquiriram a habilidade de imitar uns aos outros e a desenvolver uma linguagem simples. Uma vez que esse passo tenha ocorrido, os memes puderam começar a se disseminar. E também—uma vez que esse passo tenha ocorrido, os genes não seriam mais capazes de impedir tal disseminação! Presumivelmente os memes primitivos seriam aqueles úteis, como maneiras de fazer potes ou facas, modos de carregar ou desmembrar as presas, e nomes para as pessoas, eventos e ferramentas. Vamos supor que alguns indivíduos tenham cérebros um pouco maiores e que esses cérebros maiores são melhores imitadores. Conforme mais pessoas começarem a serem infectadas por esses memes primitivos, o ambiente mudaria de tal forma que seria cada vez mais necessário ter essas habilidades para se sobreviver. Então essas pessoas com cérebros um pouco maiores teriam uma vantagem. Assim, eu proponho, foi como obtivemos nossos cérebros grandes.
O processo está relacionado ao Efeito Baldwin. Gostaria de utilizar novamente a “Torre de Gerar e Testar” de Dennett.
No andar térreo de tal Torre estão as criaturas Darwinianas. Conforme elas desenvolvem-se, mudam o ambiente no qual vivem, criando novas pressões seletivas que conduzem a novos aperfeiçoamentos de design. Um resultado são cérebros maiores capazes de aprender e a chegada das criaturas Skinnerianas. Estas criaturas, novamente, modificam seu próprio ambiente, dando vantagem aos aprendizes mais rápidos. Um aspecto da aprendizagem mais rápida é a internalização—pensar antes de agir. Então, as criaturas Popperianas nascem e novamente modificam o seu ambiente daí aqueles que pensam melhor estão em vantagem. Finalmente a habilidade de copiar ações aparece, fazendo surgir as criaturas Gregorianas e o nascimento dos novos replicadores—os memes. Criaturas deste tipo novamente modificam seu ambiente ao ponto daqueles mais aptos a adotar os memes estarem em vantagem.
Apesar desse processo ser similar a todos os anteriores, este último passo é gigantesco. Note, principalmente, que ele não depende do aprendizado nem da inteligência per se mas da habilidade de imitar. Surgiu agora um segundo replicador, que dissemina-se a uma velocidade fantástica e modifica o ambiente enquanto caminha.
Um hominídeo primitivo que fosse incapaz de controlar qualquer uma dessas técnicas novas de confecção de ferramentas, de falar ou de caçar, estaria em desvantagem e a importância desta desvantagem cresceria conforme os memes fossem disseminados. Numa população com poucos memes disponíveis, o tamanho do cérebro não seria muito importante, numa população com muitos memes, o tamanho seria. Parece-me que essa mudança fundamental nas pressões seletivas, disseminando-se à mesma velocidade de propagação dos memes, fornece, pela primeira vez, uma razão plausível ao porquê de nossos cérebros estarem totalmente fora do padrão com relação a todos os outros cérebros do planeta. Eles têm sido guiados pelos memes. Um replicador forçou os movimentos do outro.
Mentes, Memes e Egos
Podemos agora ver a mente humana como a criação de dois replicadores, um usando a maquinária criada pelo outro para sua própria replicação. Como Dennett apontou, as pessoas são animais infestados com memes. Nossas personalidades, habilidades e qualidades únicas derivam da complexa interação entre esses replicadores. O que dizer a respeito do nosso ego mais íntimo—o “eu real”, a pessoa que vive a ‘minha’ vida?
Eu diria que egos são meme-complexos co-adaptados—apesar de serem apenas um tipo dentre os muitos possíveis para qualquer cérebro em particular. Assim como as religiões, os sistemas de crenças políticas e os cultos, eles são conjuntos de memes que têm sucesso na companhia uns dos outros. Da mesma forma que as religiões, os sistemas de crenças políticas e os cultos, eles são portos seguros para toda sorte de memes viajantes e estão protegidos da destruição pelo uso de vários truques-meméticos. Eles não precisam ser verdadeiros. De fato, sabemos, lógico, que egos são um mito. Olhe dentro do cérebro e você irá encontrar apenas neurônios. Você não encontrará a pessoinha puxando as cordas nem o homúnculo assistindo o show numa tela interior. Você não encontra o lugar onde são feitas as decisões da ‘minha’ consciência. Você não acha a coisa que carrega amavelmente todas aquelas crenças e opiniões. A maioria de nós ainda persiste em pensar a respeito de nós mesmos desta forma. Mas a verdade é—não tem ninguém lá dentro!
Temos agora uma resposta radicalmente nova à pergunta “Quem eu sou?”, e ela é apavorante. ‘Eu’ sou um dos muitos meme-complexos co-adaptados vivendo dentro deste cérebro. Não é surpresa que pessoas defrontadas com esta idéia desejem levantar suas mãos apavoradas e riam nervosamente em face à idéia dos “memes.”
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LSE, quinta-feira, 28 de novembro de 1996
Seminário da série “About Biology” [Sobre Biologia]
Os comentários da tradutora estão entre colchetes. O sentido da palavra “ego” na tradução não é o mesmo usado na psicanálise. “Ego” (do inglês self) aqui foi usado como “o eu de qualquer indivíduo”.
Lígia Amorese Revisado por: Leo Vines
Por: Susan Blackmore
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