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Paulo Jacobina
É comum, no cenário esotérico/espiritualista lato senso, a ideia de que existem lugares sagrados e outros profanos. Tal ideia costuma estar associada a uma visão de que cada lugar está vinculado a um tipo específico de prática. Assim, enquanto no templo se atua de maneira elevada, em lugares como bares e botequins, a conduta é mais baixa, completamente afastada de ideias espiritualistas.
De fato, esse modelo de pensamento parece fazer sentido e até possui um encadeamento lógico para reforçá-lo. Contudo, ele apresenta uma série de armadilhas para aquele que busca trilhar o caminho espiritual.
A primeira armadilha que se faz presente é a confusão entre a aparência e a essência.
O estímulo visual, associado a necessidade inata de se economizar energia, costuma seduzir os menos atentos e convidá-los a julgarem alguma coisa pela sua aparência. Uma capa chamativa atrai mais do que um bom conteúdo literário. Numa briga de rua, pela aparência, a pessoa prefere enfrentar o Bruce Lee do que o ator que interpretou o Montanha no seriado Game of Thrones. Um âncora de jornal vestindo terno e gravata passa mais credibilidade do que um de regata segurando um copo de cachaça.
Por mais que exista a busca pela individuação e por se tornar uno em todos os níveis, nem sempre a aparência é uma projeção do que se existe no interior. Em alguns casos, a aparência pode estar associada a um embuste, a um ganho secundário que, naquele momento, para a pessoa é mais importante do que ser aquilo o que ela aparenta ser. E isso conduz a segunda armadilha.
Como mecanismo de construção de autoimagem, algumas pessoas assumem a postura do leão contido na obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Elas ultrapassaram a fase do asno que apenas diz sim (ja em alemão) para o que lhe é imposto, e agora se tornaram o leão, aquele que diz não.
Elas não sabem quem são. E negar as coisas, ser transgressor, rebelde, parece ser um caminho para se passar uma mensagem. A mensagem daquilo o que elas são, ou, pelo menos, daquilo o que elas gostariam de ser.
Contudo, ser apenas contrário ao que está instituído, ao “velho Aeon”, não faz de ninguém um ser de um novo cenário, de um “novo Aeon”. Faz com que a pessoa viva em função desse antigo paradigma, posto que todas as suas ações são formas de se negá-lo e, consequentemente, a servidão continua, pois a sua vida gira em torno daquilo o que se busca negar.
É claro que a conduta do leão é importante, pois é necessário derrubar as construções desarmônicas para que, a partir do deserto do real, o novo possa de fato florescer. Mas, apenas a negação não tem a capacidade de construir algo. E a ideia de construção conduz à quarta armadilha.
Toda a manifestação é construída do sutil para o denso, de Kether para Malkuth, e, portanto, tudo o que existe no extrato mais denso possui contrapartes em porções mais sutis. Alegações como as de que uma planta não possui o “mental concreto” são falsas. Ela pode não ter a capacidade estrutural em seu veículo denso para “interpretar” com clareza aquilo que é irradiado do mental concreto, mas isso não significa que ela não tenha uma porção atuando naquele plano de existência.
Esclarecido esse ponto, verifica-se que todo local possui “contrapartes” mais sutis e, portanto, qualquer pessoa pode se conectar com tais planos em qualquer lugar no mundo, seja num templo, seja num botequim. A questão é que, de fato, em um templo, em decorrência das práticas que ali são realizadas, ao longo dos anos, as suas camadas existenciais tendem a ser mais harmonizadas com o sutil. Ao passo que, em um botequim, pelo mesmo motivo, as suas camadas existenciais tendem a ser mais “densas”.
Compreender essa diferenciação entre os lugares é importante para fazer uso do ambiente como mecanismo de facilitação do que se busca. Realizar uma prática de contato com o “Sagrado Anjo Guardião” é mais fácil em um templo, mas isso não significa que ela não possa ser realizada em um botequim. E essa compreensão conduz a quinta armadilha.
Da mesma forma que alguém bem vestido não necessariamente é alguém que possui grandes recursos financeiros, uma pessoa que se encontra fisicamente em um templo, não necessariamente está nesse templo. Seu corpo físico pode estar lá, mas a sua mente pode se encontrar no “botequim”, alimentando o desejo e não praticando a Vontade.
Por isso é importante para aquele que trilha o caminho espiritual saber que, para além da localização do seu corpo físico denso, os seus demais veículos existenciais sempre devem se encontrar no Templo. Só assim, o botequim físico pode se transformar num espaço sagrado e o templo não se revelar um botequim espiritual.
~ Paulo Jacobina mantêm o canal Pedra de Afiar, voltado a filosofia e espiritualidade de uma forma prática e universalista.
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