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por Tamosauskas
“Caráter” vem do grego kharaktēr, que significa “marca gravada”. Era visto na antiguidade como um carimbo que define boa parte das nossas escolhas e atitudes. Antigamente, associava-se o caráter ao conceito filosófico de destino; e mesmo hoje não é muito diferente ainda vemos as escolhas morais como o resultado de predisposições genéticas, experiências da primeira infância e ambiente cultural, três elementos que são anteriores à formação da consciência e, portanto, normalmente fora do alcance do livre-arbítrio. Dessa forma, o caráter pode ser comparado a um carro que inadvertidamente seguirá a direção definida a não ser que uma força mais inteligente – o motorista – (como a terapia, espiritualidade ou a opinião pública), o redirecione para um novo caminho.
Mas se não houver eventos importantes ou esforços conscientes de autodesenvolvimento então ainda somos obrigados a concordar com Heráclito que “O caráter de uma pessoa é o seu destino“. Ainda que traços de personalidade como o Big Five (ou Cinco Grandes Traços de Personalidade) e o MBTI (Myers-Briggs Type Indicator) apresentem alta estabilidade ao longo do tempo, as pessoas podem mascarar essas características conforme seus interesses ou o público com que interagem. A maioria nem esta encenando e realmente acreditam que são a máscara.. até que não são. É dessa “couraça caracterológica” que Wilhelm Reich trata em “Character Analysis”, uma casca psicológica, formada por padrões rígidos de comportamento mas que escapa por meio do tom de voz, expressão facial, postura, tensão corporal, etc..
Porém, independente da couraça ou máscara que apresentam, as pessoas tenderão a tomar decisões parecidas em ocasiões parecidas, a cometer sempre os mesmos erros e cair nas mesmas armadilhas. E, considerando que essas decisões frequentemente afetam outras pessoas, desenvolver a habilidade de reconhecer o caráter dos outros (e o seu próprio) pode ser a diferença entre viver tranquilo ou em constante estado de alerta. Não se trata de moralismo, ou de dividir a humanidade entre pessoas boas e pessoas más, mas sim de algo com claro valor prático. Apesar do título propositalmente chamativo desse texto o objetivo da análise de caráter não é saber se a pessoa é boa ou ruim, mas sim saber quem ela realmente é. O que consideramos traços negativos podem ser fruto de traumas, transtornos mentais ou dificuldades emocionais momentâneas. Mas independente disso, conviver com pessoas desonestas, traiçoeiras e sem empatia é algo que ninguém quer. No final das contas, uma boa analise do caráter é o que separa uma vida harmoniosa de uma receita para o desastre. Então, como identificar essas marcas tão determinantes — seja em nós mesmos ou nos outros? E principalmente, como identificar o mau-caráter antes que ele tenha a chance de nos prejudicar? Vejamos alguns indícios valiosos para se ter em conta:
1. Intuição
Para começar, algo que deve ser levado em conta ao tentar enxergar o caráter de alguém são as impressões intuitivas que temos. A capacidade de ler a natureza das outras pessoas foi e continua sendo uma ferramenta importante para animais sociais coletores-caçadores como o homo sapiens. Por milhares de anos desenvolvemos esta habilidade, mas raramente lhe damos a atenção que merece. Muitos dos cursos e literatura sobre linguagem corporal, microexpressões e detecção de mentiras são simplesmente métodos para trazer ao nível da consciência uma leitura animal que já fazemos naturalmente.
O perigo aqui é confundir Intuição com Primeira Impressão (que pode ser influenciada por preconceitos pessoais e culturais). A Intuição está frequentemente certa, mas a primeira impressão é um caminho rápido para o engano. Para conseguir diferenciar as duas pergunte a si mesmo: “que imagem essa pessoa está se esforçando para passar?” Essa é a primeira impressão. E em seguida: “Que imagem ela realmente me passa?”. Essa é sua intuição.
2. Ações sobre palavras
Ao fazer uma análise de caráter, não se prenda ao que a pessoa diz sobre si mesma, mas sim ao que ela realmente faz. Palavras podem ser fáceis de manipular, mas as ações são mais difíceis de disfarçar. Uma pessoa pode se mostrar como uma grande realizadora… mas o que ela realizou? Outra pode falar pouco sobre si mesma, mas sua obra pregressa grita sua grandiosidades. Outra pode se mostrar generosa e solidária em conversas, mas desaparece quando alguém precisa de apoio prático para dar lugar ao amigo de verdade que prefere fazer do que falar. Observe a consistência entre palavras e atitudes. Pessoas de caráter íntegro alinham o que dizem com o que fazem. Já as de mau-caráter frequentemente usam discursos elaborados para mascarar suas reais intenções.
3. Padrões Repetitivos
O histórico é o melhor indicador do caráter de alguém. Em “As Leis da Natureza Humana”, Robert Greene dá uma valiosa lição sobre leitura de caráter: as pessoas quase nunca fazem algo pela primeira vez.” Assim a forma mais óbvia de saber como às pessoas agirão no futuro é ver como elas agiram no passado. Quem já mentiu, traiu ou fugiu de responsabilidades, geralmente repete o comportamento em situações parecidas. Não se engane achando se se trata de má sorte ou coincidências: as pessoas são criaturas de hábitos. Adoramos repetir padrões automatizados, mesmo que isso custe caro para nós e para as outras pessoas.
O problema é que, muitas vezes, nos recusamos a enxergar esses padrões — seja por apego emocional, cegueira seletiva ou otimismo ingênuo. Não acredite em coisas como “Ele está tentando mudar”, “ela é outra pessoa agora” ou “dessa vez será diferente”. Como vimos acima, em última analise há sempre espaço para mudanças significativas nos indivíduos que recorrem a terapia, autoconhecimento e técnicas de expansão da consciência. Mas quantas pessoas estão realmente atrás disso? [para uma discussão sobre o livre-arbítio confira estes texto, e esse tambem.]
4. Escolhas de Relacionamento
Um desdobramento da ideia anterior é às escolhas que fazemos para nossos relacionamentos. Aqui entra não apenas o nosso “tipo” de escolhas românticas, mas também nossos amigos, contatos profissionais e familiares (sim, também é uma escolha). Jim Rohn, autor de ‘As Estações da Vida’, cunhou a famosa frase de que “você é a média das cinco pessoas com quem mais convive”. Relacionamentos são espelhos. Por um lado buscamos nos outros aquilo que nos falta. Observe seus próprios relacionamentos amorosos anteriores e seus melhores amigos ao longo dos anos: o que eles têm em comum? Um chefe de departamento pode parecer mandão e autoritário porque o cargo assim exige, mas em casa recebe com submissão (e uma certa alegria) as ordens da esposa.
Por outro lado somos influenciados por essa convivência. Viva com pessoas violentas e você se tornará mais violento. Tenha amigos intelectuais e você lerá mais livros. Nossas escolhas de relacionamento revelam nossas forças, nossas fraquezas e o caminho que estamos seguindo. ? Quando alguém busca, de forma consciente ou inconsciente, parcerias que reforçam inseguranças ou que reproduzem traumas antigos, isso diz muito sobre como essa pessoa se enxerga e sobre o que de fato procura na vida. Avaliar com quem alguém escolhe se associar é uma forma valiosa de entender melhor seu caráter.
5. Ações Cotidianas
Os padrões de repetições não estão presentes apenas nas grande decisões. É no dia a dia, no cotidiano, nas quartas-feiras, que elas se tornam mais evidentes. Pequenos gestos revelam grandes verdades. A forma como alguém trata um garçom, reage a atrasos ou responde a um e-mail aparentemente trivial são pistas do que está por trás da fachada. Embora o caráter possa ser mascarado em situações importantes, as pequenas ações acabam denunciando as rachaduras na máscara. A ideia aqui é simples: A essência se reflete em todas as esferas. Quem se atrasa em tarefas simples, se atrasará nas importantes. Quem se irrita por bobagem perde o prumo nas batalhas reais. Quem é honesto nas pequenas coisas é honesto nas coisas grandes. A agressão verbal é um primeiro passo para a agressão física. “O que está acima é como o que está abaixo.”, diria Hermes Trimegistro. Pequenas atitudes são reflexos de valores internos, mesmo que a pessoa tente escondê-los.
6. Reação ao Estresse
Crises revelam o verdadeiro caráter. Sob pressão, pessoas de caráter forte se mantêm equilibradas e buscam soluções, enquanto as de caráter fraco colapsam — ou procuram culpados. Um dos testes mais simples para avaliar o caráter de alguém é observar como reage a críticas. Quem tem caráter sólido encara feedback como oportunidade de aprendizado: reflete, ajusta e segue em frente. Já os que têm caráter duvidoso reagem com raiva, negação ou justificativas. Isso não significa que aceitar críticas seja fácil. É comum que a primeira reação seja defensiva ou emocional. Mas o que diferencia os maduros é a disposição para reconsiderar, aprender e melhorar. Essa flexibilidade é um sinal claro de integridade. Quem reage mal a um comentário construtivo dificilmente terá força para lidar com as grandes pressões da vida sem se desequilibrar.
7. Exercício de Poder
Existe uma frase atribuída a Abraham Lincoln: “Se quer testar o caráter de um homem, dê-lhe poder”. A ideia é simples: o poder amplifica traços já existentes. Quem é ético em situações de autoridade demonstra uma estrutura moral sólida. Por outro lado, o poder pode ser como um holofote, expondo intenções ocultas: quem abusa da liderança, age com arrogância ou se aproveita da impunidade revela um caráter fragilmente disfarçado. A verdadeira natureza de alguém se manifesta quando ele tem liberdade para agir sem medo de consequências. Líderes que tratam subordinados com respeito, mesmo quando têm autoridade absoluta, dão uma aula prática de integridade.
8. Efeito Sombra
Na Guerra Fria, quando Estados Unidos e União Soviética competiam pela hegemonia, ambos os lados acusavam o outro de imperialismo, corrupção, espionagem e manipulação das massas. Ambos estavam certos. É comum entidades políticas acusarem outras de seus próprios defeitos e o mesmo acontece com seres humanos. Quer saber qual o principal defeito de uma pessoa? Observe para quem ela dirige suas críticas e irritações. Postulado por Carl Jung, a projeção nos outros daquilo que não aceitamos em nós mesmos é um dos mecanismos de defesa mais comuns.
Os exemplos são muitos e vão desde empresários que acusam funcionários não darem tudo de si até falsos celibatários que não podem ver ninguém se divertindo. Há trabalhos acadêmicos demonstrando a relação entre ciúme excessivo e infidelidade e a homofobia internalizada entre homossexuais enrustidos. De forma prática, se alguém se mostra estranhamente incomodado ou critica frequentemente um mesmo tipo de pessoa ou uma mesma característica em pessoas diferentes ela provavelmente estar projetando nos outros sua própria luta interna.
Bingo!
Há sempre perigo em um julgamento precipitado e até mesmo um verdadeiro amigo pode errar em momentos específicos. Para que sua análise não seja alvo fácil de falácias, vieses cognitivos e manipulações, pense nela como uma espécie de bingo. Um único desses oito indícios acima deve colocar você em alerta, mas as pessoas cometem erros sem serem, necessariamente, “mau-caráter”. Podem haver falhas de interpretação sua, perda de contexto ou talvez a pessoa esteja apenas em um dia ruim. Por outro lado, se você a pessoa apresentar três ou quatro dessas características acima, Bingo! Afaste-se dela o quanto antes.
A chave é a constância. Mentir o tempo todo gasta energia demais, então é esperado que sua real natureza surja de tempos em tempos. O peso maior deve ser na repetição. Se a pessoa pisa no seu pé uma vez, talvez ela seja um mal dançarino. Mas, se ela frequentemente pisa no pé das pessoas, procure um par melhor para dançar.
Pense nisso: quando a máscara de alguém começa a escorregar, ela não cai de uma vez. Em vez disso, pequenos deslizes vão revelando o que está por trás dela. Tendência a culpar os outros por tudo. Um comentário maldoso. Promessas não compridas. Mal tratos à prestadores de serviços. As pessoas se mostram à conta-gotas. Prestar atenção, esses detalhes podem ser tudo o que precisa para evitar uma grande decepção — e uma enorme dor de cabeça.
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