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Apresentação do tradutor anônimo – A Experiência Psicodélica

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“A evolução biológica é, em grande parte, uma história das fugas pelos corredores cegos da superespecialização; a evolução das idéias, uma série de fugas da tirania dos hábitos mentais e das rotinas estagnantes. Na evolução biológica, a fuga é realizada por um refúgio do adulto num estágio juvenil como ponto de partida para uma nova vereda; na evolução mental, por uma regressão temporária a modos mais primitivos e desreprimidos de ideação, seguido pelo salto criativo para adiante.”

Arthur Koestler

Apresentação do tradutor anônimo

Leitor, como eu sei que é terrivelmente maçante ler prólogos ou “notas iniciais” ou esse tipo de coisa, vou ser o mais conciso e o mais direto possível.

Nem me lembro mais como ou quando foi que comecei a me interessar pela psicodelia do final dos anos 60, interesse que me levou a conhecer o psicólogo americano Timothy Leary, conhecido como “papa do LSD” nos anos 60. Em vez de contar a sua história aqui, eu recomendo a leitura de “Flashbacks”, sua autobiografia. Eis alguns trechos:

“Eu ri novamente da minha pompa diária, da arrogância tacanha dos acadêmicos, da presunção do racionalismo, da impotência asseada das palavras em contraposição à riqueza bruta e dinâmica dos panoramas que inundavam meu cérebro.

(…)

Visto que as drogas psicodélicas expõe-nos a níveis diferentes de percepção e experiência, usá-las significa entrar em uma aventura filosófica, obrigando-nos a confrontar a natureza da realidade com os nossos frágeis sistemas subjetivos de crenças. A diferença é a causa do riso, do terror. Nós descobrimos abruptamente que fomos programados todos esses anos, que tudo que aceitamos como sendo realidade é apenas uma construção social.

(…)

Em quatro horas (…) aprendi mais sobre a mente, o cérebro e suas estruturas do que nos quinze anos anteriores como psicólogo dedicado.

Aprendi que o cérebro é um biocomputador subutilizado, que contém bilhões de neurônios não utilizados. Aprendi que a consciência normal é uma gota um oceano de inteligência, que consciência e inteligência podem ser sistematicamente expandidas, que o cérebro pode ser reprogramado, que o conhecimento de como o cérebro opera é a questão científica mais urgente de nosso tempo.”

“O medo irracional é o maior impedimento à evolução humana, seja pessoal ou como espécie: diminui a inteligência, seu contágio é virulento e leva a uma rejeição não apropriada ao engajamento em novas coisas das quais depende o crescimento dos indivíduos.”

A Experiência Psicodélica é um dos principais livros de Leary, que se dedicou à pesquisa da expansão da consciência e à divulgação em prol da libertação das mentes desde o início dos anos 60 até os anos 90, quando faleceu vítima de câncer. Contribuíram neste trabalho os seus amigos e colegas de Harvard Ralph Metzner e Rick Alpert.

Leary e seus colegas foram duramente perseguidos pelas autoridades governamentais norte-americanas, cujo primeiro passo foi tornar ilegal o LSD, que ironicamente vinha sendo utilizado secretamente pela CIA num projeto de controle da mente, vários anos antes do início da pesquisa psicodélica de Timothy Leary, que passou boa parte de sua vida preso ou no exílio, por defender a libertação do ser humano de suas prisões psicológicas.

Uma conseqüência dessa perseguição reacionária foi que tornou-se dificílimo obter material para estudos a partir das pesquisas de Timothy Leary, dificuldade ainda maior se você não vive nos Estados Unidos, e se não sabe inglês então fica mais difícil ainda. Procurando na internet por este livro, fui encontrá-lo após muito custo num site finlandês, e escrito em inglês. Não sei da existência de uma tradução portuguesa de The Psychedelic Experience – A Manual Based on the Tibetan Book of the Dead. Então decidi eu mesmo traduzi-la e distribui-la gratuitamente através da internet. Que se fodam os direitos autorais ou da editora, pois a Experiência Psicodélica deve, segundo o próprio Timothy Leary, “ser anunciada a todas as pessoas vivas”.

Notas sobre a tradução:

Já vou começar dizendo que nunca fiz curso de inglês nem nada do tipo e que aprendi este idioma sozinho, com um dicionário e discos dos Beatles, acompanhando das letras das músicas. Então, caro leitor, saiba desde já que esta tradução “não é uma coisa que se diga: minha nossa! Mas que bom trabalho!… Mas é melhor que nada…”

Para ajudar no entendimento, vou esclarecer alguns pontos que possam causar dúvidas:

–        foi utilizada em certos trechos do livro o que se pode chamar de “linguagem psicodélica”. Vocês vão ver que não é muito fácil de entender, mas isso acontece porque as descrições de viagens psicodélicas são prejudicadas pelo fato de as palavras não terem grande utilidade em níveis mais profundos de consciência. Mesmo no nível superficial de consciência, que é o que normalmente usamos, as palavras não são muito eficientes… Nada comparado à experiência direta.

–        A palavra “game” foi traduzida em alguns casos como “jogo” e em outros como “script”, que me pareceu mais apropriado para facilitar a compreensão.

–        Distinção importante: extático (relativo a êxtase) não é o mesmo que estático (que se acha em repouso, sem movimento).

–        Distinção importante: exotérico é o ensinamento que pode ser transmitido ao público sem restrição, dado o interesse generalizado que suscita e a forma acessível em que pode ser exposto, enquanto que esotérico é o ensinamento hermético, obscuro, compreensível apenas por poucos, passível de ensinar-se a um círculo mais restrito.

Ao longo do livro, adicionei algumas notas (no rodapé, em vermelho) para explicar melhor alguns pontos e para os termos sem tradução direta para o português.

[1] Scripts podem ser definidos, a grosso modo, como um conjunto ordenado de jogos, embora inconscientemente, uma estrutura com um início e que prevê um determinado final. O termo script faz alusão a um “roteiro” que a pessoa segue durante sua vida, como se atuasse num filme ou peça de teatro. Este termo foi cunhado pelo psicólogo americano Eric Berne, um dos pioneiros na análise transacional, que tem foco nas transações (jogos) entre as pessoas. Em seu livro Transational Analysis in Psychotherapy, de 1961, Berne diz que “Os jogos parecem ser segmentos de estruturas mais amplas e complexas de transações, chamadas scripts… Um script é uma estrutura complexa de transações, repetitivas por natureza, mas não necessariamente repetidas, uma vez que uma atuação completa pode exigir uma vida inteira… O objetivo da análise de scripts é ‘acabar com o espetáculo e colocar alguém melhor a caminho’.”

[2] “(…) o lamaísmo, assim como a doutrina cristã, confere uma decisiva importância à hora da agonia. Chegada esta hora, ou ainda depois da morte, um sacerdote lê ao moribundo ou ao cadáver o livro que se chama Barde-Thödol ou Libertação pelo Ouvido (transmissão oral), que consta de uma série de instruções para o viajante no reino da morte. uma vez enterrado o cadáver, a cerimônia continua; sua duração é de quarenta e nove dias e se executa diante de uma efígie que representa a morte. a efígie, finalmente, é queimada.

Depois da morte física, a primeira etapa ou primeiro bardo é de sono profundo e dura quatro dias; brilha em seguida uma luz resplandecente que deslumbra a alma que somente neste momento sabe que morreu. se alcançou a salvação, esta luminosa etapa é a última e o sacerdote o exorta da seguinte maneira: ‘Tua própria inteligência, que agora é o vazio, mas que não deves considerar como o vazio do nada, mas sim como a inteligência mesma, sem trava, resplandecente, estremecida e venturosa, é a consciência, o Buda perfeito’. Em seguida o aconselha a meditar sobre sua divindade tutelar, como se fora o reflexo de uma lua na água, visível porém inexistente.

Se é indigna dessa luz, a alma se retrai e entra no segundo bardo. O morto vê que o despem, que varrem a casa e ouve o lamento de seus parentes, mas não pode responder-lhes. Neste estado, experimenta visões: primeiramente aparecem divindades benéficas, e logo em seguida divindades iracundas, cuja forma é monstruosa. O sacerdote lhe adverte que tais formas são emanações de sua própria consciência e não têm realidade objetiva.

Durante sete dias verá sete divindades pacíficas, que irradiam cada qual uma luz de distinta cor; paralelamente vê outras luzes que correspondem aos mundos em que a alma pode reencarnar, inclusive no dos homens. o monge o aconselha a eleger a luz de cada divindade e rejeitar as outras que o tentam a prosseguir o Samsara; entenda-se bem que a divindade e as luzes procedem do indivíduo e do carma acumulado por ele. A partir do oitavo dia se apresentam as divindades iracundas, que são as anteriores sob outro aspecto. A primeira tem três cabeças, seis mãos, quatro pés. Está envolta em chamas, adornada de crânios humanos e  de serpentes negras, e suas mãos direitas brandem uma espada, uma tocha e uma roda, enquanto que as esquerdas empunham uma campainha, um arado e uma caveira da qual bebe sangue.

No décimo quarto dia aparecem as quatro guardiãs dos quatro pontos cardeais, com cabeças de tigre, de porco, de serpente e de leão; o Norte, o Sul, o Leste e o Oeste emitirão depois ouras divindades zoomórficas. Todas estas formas são gigantescas.

Perante o Senhor da Morte, ocorre finalmente o julgamento da alma. Com cada homem nasceram um anjo tutelar e um gênio malvado; o primeiro conta suas boas ações com pedras brancas, e o segundo as más, com pedras negras. Em vão a alma trata de mentir, pois o Juiz consulta o Espelho do carma, que reflete nitidamente todo o processo de sua vida. O Senhor da Morte é a consciência, e o Espelho do carma a memória.

Reconhecido o caráter alucinatório do extenso processo, o morto sabe qual será sua reencarnação ulterior. Os que logram o Nirvana já se salvaram nas etapas iniciais.”

 

Jorge Luis Borges, sobre o uso do Livro Tibetano dos Mortos na religião lamaísta (budismo tibetano).

[3] NT: pessoas que representam scripts trágicos. Sobre a teoria dos scripts, ver “Os Papéis Que Vivemos na Vida”, de Claude Steiner.

[4] NT: Curiosidade: este trecho é também o primeiro verso da música “Tomorrow never knows”, dos Beatles, que faz parte do álbum “Revolver”, gravado em 1966.

[5] NT: Reich discorda.

[6] Heavy game players.

[7] NT: bodhisattvas são, no budismo, pessoas que alcançaram o mais alto grau de iluminação, o nirvana, mas que, sentindo compaixão pela humanidade – o Buda Sidharta Gautama é conhecido também como “o compassivo” –, permaneceram neste plano de existência para ajudar os seres infelizes a alcançar a iluminação. Ao morrer, estes mestres alcançarão o nirvana final, ou parinirvana. O conceito de bodhisattva varia em cada escola do Budismo.

[8] NT: “dime-store objects”, no original.

[9] NT: no original “The raw ‘is-ness’”, sem tradução exata, nem aproximada

[10] NT: “thingness”, no original.

[11] NT: para efeito de ilustração, ler a descrição de uma experiência psicodélica presente no romance A Ilha, de Aldous Huxley.

[12] NT: no sentido de serem como se feitas em produção em massa.

[13] NT: no original, “one-pointedness”.

[14] NT: “human game-forms”, no original.

[15] NT: no original, “Buddhahood”, ou seja, o estado de Buda.

[16] NT: podemos fazer uma analogia com a tentação de Jesus pelo demônio no deserto, explicando Jesus assim como um ser humano iluminado, uma espécie de Buda, o que é muito mais plausível que aceitar que ele tenha sido o filho de uma virgem e do velho barbudo que mora no céu. Recomendo a leitura de O Assassinato de Cristo, de Wilhelm Reich.

[17] NT: “very heavy ego-game players”.

[18] NT: citação do livro Um Estranho no Ninho, do escritor Ken Kesey, que viria a se tornar o líder dos Merry Pranksters, grupo californiano dedicado à libertação das mentes.

[19] NT: “uncreatedness”, no original.

[20] NT: “Bead Games”, no original.

[21] NT: neste caso, a palavra portuguesa “sensual” é a tradução do termo inglês “sensuous” e não de “sensual”, como ocorre comumente, e relaciona-se com os sentidos.

[22] NT: “game-misinterpretations”, no original.

[23] NT: Também não há, segundo Ayush Morad Amar, dependência química e as possibilidades de intoxicação são remotíssimas.

[24] NT: “insight”.


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