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A Noção do “Estado de Vigília” (Despertar dos Mágicos)

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Excerto de o Despertar dos Mágicos de Louis Pauwels e Jacques Bergier

Consagrei um grande volume à descrição de uma sociedade de intelectuais que procurava alcançar, sob a oríentação do taumaturgo Gurdjieff, “o estado de vigília”. Continuo a achar que é uma das pesquisas mais importantes. Gurdjieff dizia que o espírito moderno, nascido numa estrumeira, regressaria à estrumeira, e aconselhava o desprezo pelo século. É que de facto o espírito moderno nasceu do esquecimento, da ignorância da necessidade de uma tal procura. Mas Gurdjieff, homem de idade, confundia o espírito moderno com o cartesianismo crispado do século xix. Para o verdadeiro espírito moderno, o cartesianismo já não é panaceia, e a própria natureza da inteligência deve ser reconsiderada. De forma que, pelo contrário, a extrema modernidade pode levar os homens a meditar com vantagem sobre a possível existência de outro estado de consciência: de um estado de consciência desperta. Neste sentido, os matemáticos e os físicos de hoje dão as mãos aos místicos de ontem. O desprezo de Gurdjieff, como o de René Guénon, outro defensor, mas puramente teórico, do “estado de vigília,” não convém à época. E eu suponho que se Gurdjieff tivesse sido completamente esclarecido, não se teria enganado na época. Para uma inteligência que sente absoluta necessidade de uma transmutação, o nosso tempo não deve suscitar o desprezo, mas sim o amor.

Até agora foi em termos religiosos, esotéricos ou poéticos que o “estado de vigília” foi evocado. A incontestável vantagem de Gurdjieff foi mostrar que podia haver uma psicologia e uma fisiologia desse estado. Mas empregava de propósito uma linguagem obscura e encerrava os seus discípulos num verdadeiro claustro intelectual. Vamos tentar falar como homens da segunda metade do século xx, com os processos do exterior. A respeito de tal assunto faremos, evidentemente, aos olhos dos “especialistas,” figura de bárbaros. E a verdade é que nós somos um pouco bárbaros! Sentimos, no mundo de hoje, que se prepara uma alma nova para uma nova idade da Terra. A nossa forma de abordar a provável existência de um “estado de vigília” não será nem completamente religiosa, nem completamente esotérica, ou poética, nem completamente científica. Será um pouco de tudo isto simultaneamente, e trairá um pouco, aparentemente, todas as disciplinas. É isto o Renascimento: uma panela de água a ferver, onde mergulham, misturados, os métodos dos teólogos, dos sábios, dos mágicos e das crianças.

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Numa manhã de Agosto de 1957 houve grande afluência de jornalistas à partida de um navio que saía de Londres a caminho das Índias. Um senhor e uma senhora, de cerca de cinquenta anos e de aspecto insignificante, tinham embarcado. Era o grande biólogo J. B. S. Haldane, que, acompanhado de sua mulher, deixava para sempre a Inglaterra.

“Estou farto deste país, e de uma quantidade de coisas deste país, dizia ele com suavidade. Especialmente do americanismo que nos invade. Vou procurar ideias novas e trabalhar em liberdade num país novo.”

Assim começava uma nova etapa na carreira de um dos homens mais extraordinários da época. J. B. S. Haldane defendera Madrid, de espingarda na mão, contra os franquistas. Aderira ao partido comunista inglês, mas rasgara o seu cartão após o caso Lysenko. E, agora, ia procurar a verdade nas Índias.

Durante trinta anos, o seu humor negro fora inquietante. Respondera ao questionário de um jornal a respeito da decapitação do rei Carlos I de Inglaterra, que reacendera grandes controvérsias: “Se Carlos I fosse um gerânio, ambas as partes teriam sobrevivido”.

Depois de pronunciar um violento discurso no Clube dos Ateístas, recebera uma carta de um católico inglês que lhe assegurava que “Sua Santidade o Papa não estava de acordo”. Adaptando imediatamente essa respeitosa fórmula, escrevera ao ministro da Guerra: “Vossa Ferocidade”, ao ministro do Ar: “Vossa Velocidade” e ao presidente da liga racionalista: “Vossa Impiedade”.

Nessa manhã de Agosto, os seus camaradas “da esquerda” também não deviam estar descontentes com a sua partida. Pois, embora defendesse a biologia marxista, Haldane nem por isso deixava de reclamar o alargamento do campo de prospecção da ciência, o direito à observação dos fenómenos não de acordo com o espírito racional. Respondia-lhes, com uma tranquila insolência: “Estudo o que é realmente esquisito em químico-física, mas não desprezo nada nos outros domínios”.

Insistira há muito tempo para que a ciência estudasse sistematicamente a noção de vigília mística. Desde 1930, nos seus
livros A Desigualdade do Homem e Os Mundos Possíveis, a despeito da sua posição de sábio oficial, declarara que o Universo era talvez mais estranho do que se supunha, e que os testemunhos poéticos ou religiosos sobre um estado de consciência superior ao estado de vigília vulgar deviam ser objecto de uma investigação científica.

Tal homem devia fatalmente embarcar um dia para a Índia, e não seria de admirar que os seus trabalhos futuros versassem sobre assuntos como “Electroencefalografia e Misticismo” ou “Quarto estado da consciência e metabolismo do gás carbónico”. São coisas possíveis da parte de um homem cuja obra inclui já um “Estudo das aplicações do espaço de dezoito dimensões aos problemas essenciais da genética”.

A nossa psicologia oficial admite dois estados de consciência: sono e vigília. Mas, das origens da humanidade aos nossos dias, abundam os testemunhos sobre a existência de estados de consciência superiores ao estado de vigília. Haldane foi possivelmente o primeiro sábio moderno a examinar objectivamente esta noção de superconsciência.

Estava dentro da lógica da nossa época de transição que esse homem aparecesse, tanto aos seus inimigos espiritualistas como aos seus amigos materialistas, como um especialista em suscitar obstáculos.

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Da mesma forma que Haldane, devemos manter-nos completamente estranhos ao velho debate entre espiritualistas e materialistas. Esta é a atitude verdadeiramente moderna. Não colocarmo-nos acima do debate. Não existe acima nem abaixo: não tem volume nem sentido.

Os espiritualistas acreditam na possibilidade de um estado superior de consciência. Vêem nisso um atributo da alma imortal.

Os materialistas protestam mal se lhes oferece ocasião, e agitam o nome de Descartes. Nem uns nem outros vão analisar de perto, com espírito isento de preconceitos. Ora deve haver outra forma de considerar o problema. Uma forma realista, no sentido que nós damos ao termo: um realismo integral, quer dizer, que tem em conta os aspectos fantásticos da realidade.

Aliás poderia dar-se o caso de que este velho debate apenas aparentemente tivesse qualquer parcela de filosófico. Pode ser que não seja mais do que uma disputa entre pessoas que, funcionalmente, reagem de maneira diferente em relação a um fenómeno natural. Qualquer coisa como uma discussão caseira entre o senhor que gosta do vento e a senhora que o detesta. O embate de dois tipos humanos: no interior, nada susceptível de provocar luz. Se assim fosse realmente, quanto tempo perdido em controvérsias abstractas, e como teríamos razão em nos afastar do debate para abordar, com espírito “selvagem”, a questão do “estado de vigília”!

Vejamos a hipótese:

A passagem do sono para a vigília produz um certo número de modificações no organismo. Por exemplo, a tensão arterial
muda, o influxo nervoso modifica-se. Se existe, como pensamos, digamos um estado de supervigília, um estado de consciência superior, a passagem também deve ser acompanhada de diversas transformações.

Ora sabemos todos que, para certos homens, o facto de emergir do sono é doloroso ou pelo menos violentamente desagradável. A medicina moderna apercebe-se do fenómeno e distingue dois tipos humanos a partir da reacção ao despertar.

O que é o estado de superconsciência, de consciência realmente desperta? Os homens que fizeram a experiência descrevem-no, no “regresso”, com dificuldade. Em parte, a linguagem não chega para o descrever. Sabemos que pode ser atingido voluntariamente. Todos os exercícios dos místicos convergem para esse objectivo. Sabemos igualmente que é possível – como o diz Vivekananda – “que um homem que desconhece essa ciência (a ciência dos exercícios místicos) atinja por acaso esse estado”. A literatura poética do Mundo inteiro está cheia de testemunhos a respeito de bruscas inspirações. E quantos homens, que não são nem poetas nem místicos, se sentiram, por uma fracção de segundo, prestes a atingir esse estado?

Comparemos esse estado singular, excepcional, a outro estado excepcional. Os médicos e os psicólogos começam a estudar a pedido do exército, o comportamento do ser humano na queda que anula a gravidade terrestre. Para além de certo grau de aceleração a gravidade é abolida. O passageiro do avião experimental lançado num voo picado flutua durante alguns segundos. Verifica-se que, para certos passageiros, essa queda é acompanhada de uma extrema sensação de felicidade. Para outros, de extrema angústia, de horror.

Pois bem, pode ser que a passagem – ou a tentativa de passagem – entre o estado de vigília vulgar e o estado de consciência superior (iluminativa, mágica) provoque certas modificações subtis no organismo, desagradáveis para certos homens e agradáveis para outros. O estudo de uma fisiologia ligada aos estados de consciência é ainda embrionário. Começa agora a fazer alguns progressos com a hibernação. A psicologia do estado superior de consciência não chamou ainda a atenção dos sábios, salvo certas excepções. Se reflectirmos na nossa hipótese, compreender-se-á a existência de um tipo humano racionalista, positivista, agressivo por autodefesa desde que se trate, em literatura, em filosofia ou em ciência, de sair do domínio onde se exerce a consciência no seu estado vulgar. E compreende-se a existência do tipo espiritualista, para quem qualquer alusão à possibilidade de exceder a razão evoca um paraíso perdido. Encontrar-se-ia, na base de uma imensa discussão escolástica, o humilde: “gosto, ou não gosto”. Mas o que é que, em nós, gosta ou não gosta? Em verdade, nunca é Eu: “isto gosta, ou aquilo não gosta, em mim”, e nada mais. Afastemo-nos portanto o mais possível do problema spiritualismo-materialismo, que talvez não seja mais que um verdadeiro problema de alergias. O essencial é saber se o homem possui, nas suas regiões inexploradas, instrumentos superiores, enormes amplificadores da sua inteligência, e equipamento completo para conquistar e compreender o Universo, para se conquistar e se compreender a si próprio, para assumir a totalidade do seu destino.

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Bodhidarma, fundador do budismo Zen, quando um dia estava em meditação, adormeceu (quer dizer que se deixou cair, por inadvertência, no estado de consciência habitual à maior parte dos homens). Essa falta pareceu-lhe tão horrível que cortou as pálpebras. Estas, segundo diz a lenda, caíram no solo, dando imediatamente lugar ao nascimento do primeiro pé de chá. O chá, que protege contra o sono, é a flor que simboliza o desejo dos sábios de se manter em vigília, e é por isso que se diz “o gosto do chá e o gosto do Zen são semelhantes”.

Esta noção do “estado de vigília” parece tão velha como a humanidade. É a chave dos mais antigos textos religiosos, e é possível que o homem pré-histórico já tivesse procurado atingir esse terceiro estado. O método de datar com o radiocarbono permitiu constatar que os índios do sudoeste do México, há mais de dez mil anos, absorviam certos cogumelos para provocar a hiperlucidez. Trata-se sempre de mandar abrir o terceiro olho, de ultrapassar o estado de consciência vulgar onde tudo é apenas ilusão, prolongamento dos sonhos do profundo sono. “Desperta, dorminhoco, desperta!” Dos Evangelhos aos contos de fadas é sempre a mesma admoestação.

Os homens procuraram esse estado de vigília em toda a espécie de ritos, pelas danças, os cantos, pela maceração, o jejum, a tortura física, as drogas diversas, etc. Quando o homem moderno se tiver apercebido da importância do que está em jogo – o que não tardará -, outros meios serão sem dúvida encontrados. O sábio americano J. B. Olds prevê uma estimulação electrónica do cérebro [1]. O astrónomo inglês Fred Hoyle[2] propõe a observação de imagens luminosas sobre um écran de televisão. Já H. G. Wells, no seu belo livro Na Época do Cometa, imaginava que devido à colisão com um cometa a atmosfera da Terra ficaria cheia de um gás que provocaria a hiperlucidez. Os homens então transpunham finalmente a fronteira que separa a verdade da ilusão. Despertavam para as verdadeiras realidades. De chofre, todos os problemas, práticos, morais e espirituais, se achavam resolvidos.

A ciência mais recente mostra-nos que consideráveis porções de matéria cerebral são ainda “terra desconhecida”. Sede de poderes que nós não sabemos utilizar? Sala de máquinas cujo emprego nós desconhecemos? Instrumentos à espera das próximas mutações?

Além disso, sabemos actualmente que o homem não utiliza habitualmente, mesmo para as operações intelectuais mais complexas, senão um décimo do seu cérebro. A maior parte dos nossos poderes continuam portanto por explorar. O mito imemorial do tesouro escondido não significa outra coisa. É o que diz o sábio inglês Gray Walter num trabalho dos mais essenciais da nossa época: O Cérebro Vivo. Num segundo trabalho[3], misto de antecipação e de observação, de filosofia e de poesia, Walter afirma que provavelmente não existe nenhum limite para as possibilidades do cérebro humano, e que o nosso pensamento explorará um dia o Tempo, como agora exploramos o espaço. Nessa visão aproxima-se do matemático Eric Temple Bell, que dota o herói do seu romance A Torrente do Tempo do poder de viajar através de toda a história do cosmos.

“Ora eu descobri, por processos que deficientemente compreendo, o segredo de remontar o decorrer dos acontecimentos. É como nadar: uma vez compreendido, não se esquece jamais. Mas para o atingir é necessária uma prática constante e uma certa crispação involuntária do espírito ou dos músculos.

Estou certo do seguinte: não há nenhum homem que saiba exactamente como dominou, pela primeira vez, a dificuldade de nadar e sem dúvida os videntes mais exímios são igualmente incapazes de explicar aos outros o segredo de transpor a vuga dos tempos”. Como Fred Hoyle e como muitos outros sábios ingleses, americanos ou russos, Eric Temple ßell escreve ensaios ou romances fantásticos (sob o pseudónimo de John Taine). Nem tolo será o leitor que ali não veja mais que uma distracção para espíritos adultos. É a única forma de fazer circular certas verdades não aceites pela filosofia oficial. Como em qualquer período pré-revolucionário, os pensamentos do futuro são publicados disfarçadamente. A capa de uma obra de “ficção científica,” eis o disfarce de 1960.

*

Agarremo-nos aos factos. Pode atribuir-se o fenómeno do estado de supervigília a uma alma imortal. Desde há milhares de anos que esse pensamento nos é proposto, mas nem por isso fez avançar o problema. Mas se, para se não ir além dos factos, nos limitarmos a constatar que a noção de um estado de supervigília é uma aspiração constante da humanidade, não é suficiente. É uma aspiração. É igualmente qualquer outra coisa.

A resistência à tortura, os momentos de inspiração dos matemáticos, as observações feitas pelo electroencefalograma dos yogis, e outras provas ainda, devem obrigar-nos a reconhecer que o homem pode aceder a outro estado sem ser o estado lúcido de vigília normal. Sobre este estado, cada um é livre de adoptar a hipótese que escolher, graça de Deus ou despertar do Eu Imortal. Livre igualmente de procurar, “como selvagem,” uma explicação científica. Compreendam-nos: nós não somos ientistas.
Simplesmente, não desprezamos nada que pertença à nossa época para explorar o que é de todos os tempos.

A nossa hipótese é a seguinte:

Habitualmente, as comunicações no cérebro fazem-se através do influxo nervoso. É uma acção lenta: alguns metros por segundo à superfície dos nervos. É possível que em determinadas circunstâncias se estabeleça outra forma de comunicação, mas muito mais rápida, por meio de uma onda electromagnética que viaja à velocidade da luz. Atingir-se-ia então a enorme rapidez de registo e transmissão de informações das máquinas electrónicas. Nenhuma lei natural se opõe à existência de tal fenómeno. Semelhantes ondas não seriam detectáveis no exterior do cérebro. É a hipótese que nos sugerimos no capítulo precedente.

Se esse estado de vigília existe, de que forma se manifesta? As descrições dadas pelos poetas e místicos hindus, árabes, cristãos, etc., não foram sistematicamente reunidas e estudadas. É extraordinário que não exista, na abundante lista das antologias de toda a espécie publicadas na nossa época de recenseamento, uma única “antologia do estado de vigília”. Essas descrições são probantes, mas pouco claras. No entanto, se quisermos, em linguagem moderna, evocar em que é que se manifesta o “estado de vigília,” aqui está:

Normalmente, o pensamento caminha, como bem o demonstrou Emile Meyerson. A maior parte dos êxitos do pensamento são, no fundo, o fruto de um caminhar extremamente lento em direcção de uma evidência. As mais admiráveis descobertas matemáticas não passam de igualdades. Igualdades inesperadas, mas igualdades apesar de tudo. O grande Léonard Euler considerava o expoente máximo do pensamento matemático a relação:

en + 1 = 0

Essa relação, que reúne o real ao imaginário e constitui a base dos logaritmos naturais, é uma evidência. Desde que a expliquemos a um estudante de “matemáticas especiais,” ele não deixa de dizer que, de facto “isso salta à vista”. Porque foi necessário tanto pensamento, durante tantos e tantos anos, para atingir uma tal evidência?

Em física a descoberta da natureza ondulatória das partículas é a chave que abriu a era moderna. Também aí se trata de uma evidência. Einstein escrevera: a energia é igual a mc sendo ma massa e c a velocidade da luz. Isto em 1905. Em 1900, Planck escrevera: a energia é igual a hf, sendo h uma constante e f a frequência das vibrações. Foi necessário chegar a 1923 para que Louis de Broglie, génio excepcional, pensasse em igualar as duas equações e escrevesse:

hf z

O pensamento rasteja, mesmo nos maiores espíritos. Ele não domina o assunto.

Último exemplo: desde o final do século xvIII, ensinou-se que a massa aparecia simultaneamente na fórmula da energia e 1/2 mv2) e na lei de gravidade de Newton (duas cinética): massas se atraem com uma força inversamente proporcional ao quadrado das distâncias).

Porque foi necessário esperar por Einstein para compreender que a palavra massa tem o mesmo sentido nas duas fórmulas clássicas? Toda a relatividade se deduz imediatamente. Por que motivo um único espírito o viu, em toda a história da inteligência? E porque não o viu de uma vez, mas após dez anos de pesquisas desesperadas? Porque o nosso pensamento rasteja ao longo de um tortuoso carreiro situado num plano único, e que se interrompe várias vezes. E as ideias talvez desapareçam e reapareçam periodicamente, tal como as invenções são esquecidas, depois refeitas.

E, no entanto, parece possível que o espírito possa elevar-se acima desse carreiro, deixar de rastejar, ter uma visão total, deslocar-se à maneira dos pássaros ou dos aviões. É aquilo a que os místicos chamam o “estado de vigília”.

Tratar-se-á, aliás, de um ou vários estados de vigília? Tudo leva a crer que existem vários estados, assim como existem várias altitudes de voo. “O primeiro escalão chama-se génio. Os outros ao desconhecidos da multidão e tidos como lendas. Também Tróia era uma lenda, antes que as investigações lhe revelassem a existência autêntica”.

*

Se os homens têm em si a possibilidade física de aceder a este ou aqueles estados de vigília, a investigação dos processos para utilizar-se essa possibilidade deveria ser o principal objectivo da sua vida. Se o meu cérebro possui as máquinas necessárias, se tudo isso não é apenas do domínio religioso ou mítico, se tudo isso não é apenas resultante de uma “graça”, de uma “iniciação mágica”, mas de determinadas técnicas, de determinadas atitudes interiores e exteriores susceptíveis de pôr em funcionamento essas máquinas, eu então concluo que atingir o estado de vigília, a capacidade de sobrevoar, deveria ser a minha única ambição, o meu trabalho essencial.

Se os homens não concentram todos os seus esforços nessa procura, não é porque sejam “fúteis” ou “maus”. Não é uma questão de moral. E, nessa matéria, um pouco de boa vontade, alguns esforços daqui e dali não servem para nada. Talvez os instrumentos superiores do nosso cérebro só sejam utilizáveis se a vida inteira (individual, colectiva) for ela própria um instrumento, considerada e vivida inteiramente como uma forma de estabelecer a comunicação.

Se os homens não têm como objectivo único a passagem para o estado de vigília, é porque as dificuldades da vida em sociedade e a procura dos meios materiais de existência não lhes deixam tempo para semelhante preocupação. Os homens não vivem apenas de pão, mas até agora a nossa civilização não se mostrou capaz de o fornecer a todos.

À medida que o progresso técnico conceder aos homens cada vez mais tréguas na luta vital, a procura do “terceiro estado” de vigília e de hiperlucidez substituir-se-á às outras aspirações. A possibilidade de participar nessa procura será finalmente reconhecida como um dos direitos do homem. A próxima revolução será psicológica.

*

Imaginemos um homem de Neandertal transportado por um milagre para o Instituto dos Estudos Avançados de Princeton. Ficaria, em face do doutor Oppenheimer, numa situação comparável àquela em que nos encontraríamos em companhia de um homem realmente desperto, de um homem cujo pensamento já não rastejasse, mas se deslocasse em três, quatro ou n dimensões. Fisicamente, parece que nós poderíamos vir a ser um desses homens. Há bastantes células no nosso cérebro, bastantes interconexões possíveis. Mas é-nos difícil imaginar o que semelhante espírito poderia ver e compreender.

A lenda alquímica assegura que as manipulações da matéria no crisol podem provocar o que alguns modernos chamariam uma radiação ou um campo de forças. Essa radiação alteraria todas as células do adepto e faria dele um homem verdadeiramente desperto, um homem que estaria “a um tempo aqui e do outro lado, um vivo”.

Admitamos, se quiserdes, essa hipótese, essa psicologia soberbamente não euclidiana. Suponhamos que num dia de 1960 um homem como nós, manipulando a matéria e a energia de determinada maneira, se encontra inteiramente modificado, quer dizer, “desperto”. Em 1955, o professor Singleton mostrou aos seus amigos, nos corredores da conferência atómica de Genebra, cravos que ele cultivara no campo de radiações do grande reactor nuclear de Brookhaven. Inicialmente tinham sido brancos. Eram agora vermelhos-violáceos, de espécie até então desconhecida. Todas as suas células tinham sido modificadas, e persistiriam, por estaca ou reprodução, no seu novo estado. Dar-se-ia o mesmo com o nosso homem. Ei-lo transformado em nosso superior. O seu pensamento não rasteja, sobrevoa. Integrando de forma diferente o que sabemos, uns e outros, nas nossas diversas especialidades, ou simplesmente estabelecendo todas as conexões possíveis entre as aquisições da ciência humana tal e qual é expressa nos manuais do sétimo ano e nos cursos da Sorbona, pode assim chegar a conceitos que nos são tão estranhos como podiam ser os cromossomas para Voltaire ou o neutrino para Leibniz. Semelhante homem já não teria o menor interesse em comunicar connosco, e não procuraria brilhar tentando explicar-nos os enigmas da luz ou os segredos dos genes. Valéry não publicava os seus pensamentos em jornais infantis. Esse homem sentir-se-ia acima e ao lado da humanidade. Não se poderia entender vantajosamente senão com espíritos semelhantes ao seu.

Pode-se sonhar a este respeito.

Pode-se pensar que as diversas tradições iniciáticas provêm do contacto com espíritos de outros planetas. Pode-se imaginar que, para um homem desperto, o tempo e o espaço deixaram de ter barreiras, e que a comunicação é possível com as inteligências dos outros mundos habitados – o que aliás explicaria o facto de nunca termos sido visitados.

Pode-se sonhar. Sob condição, como o escreve Haldane, de não esquecer que os sonhos dessa espécie são, provavelmente, sempre menos fantásticos do que a realidade.

*

Eis agora três histórias verdadeiras. Vão servir-nos de ilustração. Os exemplos não são provas, evidentemente. No entanto, estas três histórias obrigam a pensar que existem outros estados de consciência além dos reconhecidos pela psicologia oficial. A própria noção de génio, tão vaga, não é suficiente. Não escolhemos estes exemplos entre as vidas e as obras dos místicos. o que teria sido mais fácil, e talvez mais eficaz. Mas mantemos o nosso propósito de abordar a questão à margem de qualquer igreja, de mãos vazias, como honestos bárbaros…

1 Os Centros do prazer do cérebro, no Scientific American, Outubro de 56.

2 Num romance. The Black Cloud. Nuvens negras no espaço, entre as estrelas, são formas superiores da vida. Essas superinteligências propõem-se despertar os homens da Terra, enviando imagens luminosas que produzem nos cérebros conexões que provocam “o estado de consciência desperta”. Esse despertar da “superconsciência” não parece ter sido procurado até aqui senão pelos místicos. Se ele é possível, ao que deve ser atribuído? Os religiosos falam-nos de graça divina. Os ocultistas, de iniciação trágica. E se se tratasse de uma faculdade natural?

3 Farther Outlook, não traduzido.


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