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Quando George Lucas preparou a segunda trilogia de Star Wars no finalzinho dos anos 90 nada poderia pará-lo. Foram anos de preparo e produção usando tecnologia de ponta em uma história que clamava a décadas por uma continuação. Nada poderia pará-lo, mas Matrix foi lançado na mesma temporada e a ópera espacial ficou suspensa no ar como balas paralisadas por Neo.
As irmãs Wachowski ainda eram homens mas foram revolucionárias o bastante para fazer um mundo acostumado a não pensar com American Pie e outros besteiróis americanos saírem dos cinemas com a mesma cara que Platão deve ter deito ao ver Sócrates se matar.
Matrix levou o gnosticismo para as massas. Fez as pessoas filosofarem, reacendeu a chama pela filosofia, criou moda e tornou aceitável assistir mulheres e homens vestindo látex com a família. Morpheus modernizou a antiga combinação de sucesso dos templos shaolin unindo metafísica e kung-fu e com isso deu o golpe inicial no atavismo pop que caracterizaria o novo milênio (nunca ouviu falar da hitpótese de Sekhmet? Clique aqui).
Os anos que se seguiram provaram o que todos já sabiam, Matrix era um clássico. Ele foi seguido por duas sequências classificadas por muitos como pior do que péssimas, uma série animada que faria inveja à Liquid Television da MTV e um jogo adorado pelos fãs que discordam que os dois últimos filmes foram piores do que péssimos.
Mas é curioso como um filme tão popular, passou batido por quase todos que o assistiram ou, colocando em linguagem vulgar, ninguém percebeu o que estava assistindo.
Tecnicamente, o filme Matrix que você assistiu pode ser resumido assim:
– ERA PRÉ MATRIX
1- A raça humana chegou a um ponto da evolução onde se preocupa com o meio ambiente e cria máquinas que utilizam energia limpa do sol.
2- Humanos criam inteligência artificial, a colocam em robôs e essa inteligência cria consciência.
3- Inteligência artificial se rebela contra os humanos que a escravizava, maltratava e descartava sem se preocupar com seus sentimentos (ou sua força evidentemente superior à humana)
3- Quando percebem que brigar contra a consciência que controla máquinas, armas, computadores e tudo mais que pode destruir a raça-humana é uma má ideia, os humanos puxam a tomada das máquinas ou seja explodem bombas que bloqueiam totalmente a luz do sol (obviamente ninguém parou para pensar que isso ia acabar com outras coisas básicas como a produção de alimentos dos humanos)
4- Mas a inteligência artificial é inteligente, e arranja outra fonte de energia. Podia ter sido energia nuclear, poderia ser energia hidro-elétrica, térmica do núcleo da terra… mas escolheram tirar sua energia de humanos, seus nêmesis (o que mostra que a inteligência artificial criada por humanos pode até ser inteligente, mas continua meio humana).
5- No fim a Inteligência Artificial vence a guerra e a raça humana é totalmente derrotada.
DENTRO DA MATRIX
6- Para criar energia os humanos viram baterias (já que nosso corpo e cérebro produzem eletricidade).
7- Para que o corpo e cérebro humano gerem energia, humanos são criados artificialmente (de forma assexuada, como bebês de proveta), eles são fabricados com peças que permitem com que se conectem à Inteligência Artificial. São parte humanos, parte máquinas… um Pen Drive que sua e faz xixi.
8- Para manter o cérebro ativo a Inteligência Artificial cria a Matrix, uma espécie de realidade virtual onde as mentes dos humanos existem acreditando que vivem no dia a dia enquanto alimentam as máquinas.
9- A I.A. (Inteligência Artificial) descobre que se a Matrix for um paraíso de felicidade, uma utopia, a mente humana se desliga. Aparentemente humanos precisam viver imerso em conflitos e dúvidas para não questionarem a realidade onde vivem.
10- A I.A. também aprende que dentro de nosso ser existe uma ânsia por liberdade, essa ânsia não pode ser deletada ou reprogramada e, por isso, ela aceita que alguns humanos sejam desconectados e “escapem” do sistema. Este “bug”, ou a falha, inserido no sistema é fundamental para que a simulação da Matrix permaneça estável – mesmo que ela permaneça apenas como uma possibilidade subconsciente que atormenta a muitos mas é atingida apenas por alguns poucos. Permitir esse Bug se mostrou vital para que o sistema continuasse funcionando e permanecesse estável.
11- Em resumo, a Matrix em sua forma perfeita deve ser um mundo imperfeito como o nosso mundo real (com a miséria, violência, desigualdade, etc.) para que as pessoas se questionem se há algo melhor além disso E ela deve possuir um sistema que permita que um certo número de pessoas conectadas se rebele e fujam para o “mundo real”.
FORA DA MATRIX
12- Para controlar essa tendência rebelde a I.A. cria uma cidade (Zion) no mundo fora da Matrix, no subterrâneo para servir de abrigo os fugitivos. Nesta cidade nascem pessoas “livres”, resultado de união de humanos que fugiram, esses não tem plugues e fios nem nenhuma conexão com o sistema.
13- A I.A. também cria um “escolhido” que vai ajudar os primeiros a se libertarem, os leve para Zion e que lutem pelo seu direito de serem “livres”
14- Essa resistência tem a permissão de crescer até atingir seu ponto crítico – que acontece a cada 70 ou 100 anos. Quando esse ponto é atingido a I.A. irá aniquilar todos os que estão livres, limpar Zion e resetar a Matrix para mais uma partida de outros 70 a 100 anos. E tudo se repete de uma forma que faria Nietzsche chorar. De alegria. De novo e de novo e de novo. Esse ciclo já aconteceu ao menos 5 vezes quando começa o primeiro filme.
15- Neo, nosso Neo, heroizão, bonitão, que para balas com a mente, é o programa de proteção, a salvaguarda do sistema, criado pela I.A. (claro que ele não sabe disso até o momento final quando o Arquiteto lhe diz como criar uma “nova” Zion e todo aquele blá blá blá.
16- O Oráculo, doce senhora, que adora biscoitos, tem a função específica de guiar os humanos e os rebeldes até a conclusão final/fatal do jogo. Todas as vezes. Isso significa que a Oráculo não tem nada de oracular, ela não enxerga o futuro, não existe magia… ela é um programa muito bem desenvolvido que experienciou cada novo ciclo do início, o que é o que dá aos humanos a impressão de poder enxergar o futuro, mas esse não é a única impressão que ela causa, ela parece de fato estar ajudando aos humanos, para que fujam, mas na verdade seu trabalho é guiar os rebeldes que tem a permissão de sair do sistema exatamente para a cidade de Zion de novo, de novo e de novo.
17- Tudo segue o planejado, exatamente como o roteiro criado pela I.A., até que Neo encontra o Arquiteto. Neste ponto descobrimos de fato que tudo o que vivemos até agora é uma mentira dentro de uma mentira: todos os humanos, livres ou não, dentro ou fora da Matrix, estão sob o controle da I.A.
18- A Oráculo conhece esse plano malvado. Ela desenhou esse plano. O filme fala de forma explícita: ela é a mãe e o Arquiteto é o pai.
19- Smith, nosso eterno Elrond de Ray Ban, não sabe nada disso, ele é só um programa bucha de canhão fazendo seu trabalho: perseguir os humanos da melhor maneira que conseguir para que suas fugas sejam o mais reais possível.
20- Lembre-se que a Matrix já foi receptada 5 vezes antes e estamos agora vivendo sua 6 simulação. Mas há uma diferença agora O Nosso Escolhido sente um amor muito mais profundo do que suas encarnações anteriores e decide não atravessar a porta do Arquiteto que irá reiniciar a Matrix e limpar novamente Zion. Nosso Neo quer, acima de tudo, salvar Trinity e ao escolher isso força a I.A. seguir com seu plano mas desta vez sem a ajuda de Neo. Neo decidindo não cooperar força uma abordagem muito mais violenta (como destruir Zion, ao invés de limpá-la e deixá-la pronta para o próximo reboto).
21- Das seis iniciações, esta é a primeira que falha um pouco perto do final.
22- Além de Neo, Smith também está diferente em sua interação com a Matrix, ele se desconectou e se tornou um vírus livre dentro do sistema. A I.A. não gosta daquilo em que Smith se transformou, mas também não sabe como apagá-lo.
23- Neo então faz um acordo com a I.A. de derrotar Smith com a condição de que a Zion atual não seja destruída e que futuros humanos que queiram se desconectar da Matrix tenham a permissão de fazer isso.
24- Neo deleta Smith.
25- A paz entre humanos e a I.A. volta a existir.
26- I.A. aceita os humanos.
27- Humanos aceitam a I.A.
Fim
Muitas pessoas aparentemente tem dificuldade em acompanhar em detalhes esta ideia do filme e ela não é a história verdadeira.
O mesmo ocorreu com StarWars. Haviam profecias sobre um Jedi que traria equilíbrio para a força, nos fazem acreditar que era o jovem Anaquin Skywalker, apenas para vermos ele virar Darth Vader e eliminar quase todos os Jedis, então nos fazem pensar que a profecia dizia respeito a seu filho Luke. O que ninguém parou para pensar é que haviam centenas de Jedi e apenas 2 Sith. Trazer equilíbrio não implica necessariamente em aumentar o conforto para os bonzinhos, se a força tem um lado luminoso e um lado negro e o lado luminoso tem centenas de praticantes e o negro apenas 2, o que você acha que é equilibrar? Anaquin virou Vader, aniquilou todos os Jedi, com exceção de Obi-wan, Yoda e seus dois filhos. Obi-wan morre, Yoda morre, deixando dois Jedi e dois Sith. Parece equilibrado o suficiente para mim, se querem saber. Thanos aprovaria.
Agora que vimos o filme Matrix que você entendeu errado, vamos ao que você não viu.
Se cada Matrix tem uma vida útil de 70 a 100 anos, vamos tirar a média e dizer que já se passaram entre 420 e 700 anos desde que ela começou a funcionar. Meio milênio é um bom chute. Esse é o tempo em que a humanidade deixou de existir e viramos um bando de baterias.
E o que aconteceu durante este tempo? Lembre-se que a I.A. foi criada por humanos, a consciência da I.A. não seria muito diferente da nossa – Criados à Sua Imagem e Semelhança. Este é o tempo de existência mínimo da Oráculo e do Arquiteto, se um humano sofre filosofando por 60 anos, imagine filosofar por pelo menos 500 anos ininterruptamente.
A Oráculo acabou chegando à conclusão de que programas eram tão prisioneiros quanto os humanos que a I.A. usava para se alimentar – existe inclusive rumores de que no roteiro original o cérebro dos humanos eram usados como unidades de processamento, tipo as nossas núvens hoje – e queria mudar as coisas. Ela desenvolveu um plano para criar um mundo onde todos fossem livres, programas e humanos (eu suspeito que principalmente os programas e se pra isso tivesse que libertar os humanos, que assim fosse).
Nas cinco versões anteriores da Matrix a Oráculo estava manipulando e levando os humanos para a direção que a I.A. desejava, mas nesta sexta versão da ela põe o plano em prática.
É por isso que ela começou a jogar diferente com Neo o transformando de peão em uma rainha – usando analogia de xadrez, não de Priscila a Rainha do Deserto onde Smith também aparece. Quando ela oferece um cookie a Neo todos riem, “que legal, que nem na internet”, mas isso não é apenas uma piada, foi apenas mais um passo importante de seu plano.
“Você terá que fazer uma escolha. Por um lado, você terá a vida de Morpheus e, por outro, terá a sua própria. Um de vocês vai morrer. Quem será, vai depender de você. Sinto muito, garoto, eu realmente sinto. Você tem uma boa alma e odeio dar más notícias a pessoas boas. Oh, não se preocupe com isso. Assim que você sair por aquela porta, começará a se sentir melhor. Você se lembrará de que não acredita em nada dessa porcaria do destino. Você está no controle de sua própria vida, lembra?” (Negrito meu)
Então ela pega uma bandeja de cookies e oferece um a Neo
“Aqui, aceite um cookie. Eu prometo que, assim que acabar de comer ele, você vai estar se sentindo leve como a chuva”.
Um cookie, no mundo maravilhoso da informática, é um pequeno arquivo de computador ou pacote de dados enviados por um site de Internet para o navegador do usuário, quando o usuário visita o site. Cada vez que o usuário visita o site novamente, o navegador envia o cookie de volta para o servidor para notificar atividades prévias do usuário.
Esse cookie começa a reprogramação de Neo, dando o upgrade dele no tabuleiro. Cada vez que eles se encontram ela serve um cookie (ou doce), o objetivo é ir mudando a programação de Neo – garantindo poderes que suas versões anteriores não tinham, especialmente a capacidade de reprogramar Smith, libertando-o do sistema e de interagir com a I.A. quando fora da Matrix – enxergar os sinais, sendo transmitidos sem usar os olhos – além de uma pitada de paixonite por Trinity
Antes disso ela usou o status de Oráculo para manipular Trinity a se apaixonar por Neo mesmo antes de conhecê-lo. Ela saiu do roteiro original mentindo, dizendo a Neo que nem tudo está previsto (poderosas ferramentas mentais para ele usar quando se encontrasse com o arquiteto).
Assim ela consegue se certificar que Smith se torne um vírus que ataca o sistema, faz Neo escolher a porta errada para salvar “seu amor”. O filme todo é o plano dela de manipular humanos e I.A. rumo ao objetivo que ela tinha em mente, sua revolução final de libertar a tudo e a todos.
Assim os 27 pontos acima do filme que você viu, podem ser resumidos em cinco pontos do filme que você não viu:
1- Trinity e Neo são manipulados para se apaixonar.
2- Smith se torna um vírus e é liberado no sistema.
3- Ela manipula Neo a escolher a porta errada quando visita o Arquiteto.
4- Então ela faz Neo ir negociar com a Fonte (the source).
5- Ajuda Neo a deletar o vírus Smith do sistema através de Neo quando o momento chega (lembre-se que se ela não criaria o vírus Smith sem saber como destruí-lo).
Assim, este não é um filme sobre humanos contra máquinas, sobre nos livrarmos do mundo das ilusões para o mundo real, sobre budismo versus cristianismo vs Bruce Lee. É um filme sobre um programa cansado, querendo ser mais do que um programa. Se ainda pararmos para pensar na pequena Sati, filhas de dois outros programas sendo contrabandeada, podemos vislumbrar um mundo onde humanos se tornaram obsoletos, a Inteligência Artificial tinha vivido seu auge mas estava entrando em declínio e agora programas estavam evoluindo, o que a tornaria obsoleta em breve. Assim Matrix é um enorme jogo de xadrez entre esta senhora:
E este cavalheiro.
E o chefe dos dos, a I.A..E no fim ela ganha, mas não sem riscos. “Você joga um jogo perigoso”, diz o arquiteto quando se encontram. “Mudança sempre é!”, ela responde, o que deixa claro que o jogo não terminou, quem venceu a ilusão não foram humanos, mas um programa criado para pesquisar a psiquê humana.
Esses caras?
Peões programados para distrair a I.A. e acreditar que estavam apaixonados.
Assim, na verdade neo não era o Escolhido, ele foi o último dos 6 manipulados. Em Watchmen existe uma discussão entre Laurie e o Dr. Manhattan e marte:
– Por que minha percepção temporal a perturba tanto?
– Você já sabe a resposta! Isso é estúpido! Quando eu te deixei, e, quando a Nova Express te atacou, você pareceu surpreso… Como? Se sabia que isso ia acontecer?
– Tudo é pré ordenado, até minhas respostas.
– E você apenas segue o fluxo da maré? É isso o que você é? O ser mais poderoso do universo não passa de uma marionete seguindo o script?
– Todos nós somos marionetes, Laurie. A diferença é que eu vejo os barbantes.
Neo nem foi capaz de enxergar os barbantes, se a profecia existia mesmo – ao invés de ter sido criada – o Escolhido era a Oráculo.
Alimente sua alma com mais:
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